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Criptococose disseminada em lúpus eritematoso sistêmico juvenil

Disseminated cryptococcosis in juvenile systemic erythematosus lupus

Resumos

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória multissistêmica, na qual as infecções são responsáveis por altos índices de morbimortalidade. Os usos de corticóide e imunossupressores contribuem para o aumento das infecções. Embora as bactérias sejam os agentes mais comuns, grande variedade de patógenos tem sido relatada. Este artigo descreve um caso de LES em um menino de 15 anos com criptococose disseminada (sistema nervoso central, pulmão e rim) e encefalite tuberculosa presumível. A coexistência de infecção por Cryptococcus e LES é descrita na literatura, mas a associação desta com encefalite tuberculosa é incomum. O risco potencial de infecções em pacientes lúpicos imunossuprimidos deve alertar o médico a adotar estratégias diagnósticas e terapêuticas precoces visando ao espectro ampliado de possíveis patógenos.

lúpus eritematoso sistêmico; criptococose disseminada; encefalite tuberculosa


Systemic lupus erythematosus (SLE) is a multisystem inflammatory disease, in which infection is responsible for high rates of mortality. The use of corticosteroids and immunosuppressive therapy contributes to this high incidence of infections. Although bacteria are the most common agents, a wide variety of pathogens has been reported. This article reports a case of SLE in a 15 years-old boy with disseminated criptococosis (central nervous system, lungs and kidneys) and presumptive tuberculous encephalitis. The coexistence of infection by Cryptococcus and SLE is described in the literature, but the combination of this with tuberculous encephalitis is uncommon. The potential risk of infection in immunosuppressed SLE patients should alert the physician to adopt early diagnostic and therapeutic strategies aiming at an extended spectrum of pathogens.

systemic lupus erythematosus; disseminated cryptococcosis; tuberculous encephalitis


RELATO DE CASO CASE REPORT

Criptococose disseminada em lúpus eritematoso sistêmico juvenil

Disseminated cryptococcosis in juvenile systemic erythematosus lupus

Mayara de Oliveira MafraI; Rejane Nina M. NevesII; Domingos Sávio N. LimaIII; Massanobu TakataniIV; Luiz Fernando de Souza PassosV; Sandra Lúcia Euzébio RibeiroV

IResidente do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam)

IIResidente do Serviço de Clínica Médica do HUGV-UFAM

IIIPreceptor da residência médica em Reumatologia do HUGV

IVPreceptor da residência médica em Neurologia do HUGV

VProfessor(a) do Departamento de Clínica Médica da disciplina de Clínica Médica II (Reumatologia) da Ufam e preceptor(a) da residência médica em Reumatologia do HUGV

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro Avenida Apurimã, 4, Praça 14 69020-170, Manaus, AM E-mail: sandraeuzebio@vivax.com.br

RESUMO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória multissistêmica, na qual as infecções são responsáveis por altos índices de morbimortalidade. Os usos de corticóide e imunossupressores contribuem para o aumento das infecções. Embora as bactérias sejam os agentes mais comuns, grande variedade de patógenos tem sido relatada. Este artigo descreve um caso de LES em um menino de 15 anos com criptococose disseminada (sistema nervoso central, pulmão e rim) e encefalite tuberculosa presumível. A coexistência de infecção por Cryptococcus e LES é descrita na literatura, mas a associação desta com encefalite tuberculosa é incomum. O risco potencial de infecções em pacientes lúpicos imunossuprimidos deve alertar o médico a adotar estratégias diagnósticas e terapêuticas precoces visando ao espectro ampliado de possíveis patógenos.

Palavras-chaves: lúpus eritematoso sistêmico, criptococose disseminada, encefalite tuberculosa.

ABSTRACT

Systemic lupus erythematosus (SLE) is a multisystem inflammatory disease, in which infection is responsible for high rates of mortality. The use of corticosteroids and immunosuppressive therapy contributes to this high incidence of infections. Although bacteria are the most common agents, a wide variety of pathogens has been reported. This article reports a case of SLE in a 15 years-old boy with disseminated criptococosis (central nervous system, lungs and kidneys) and presumptive tuberculous encephalitis. The coexistence of infection by Cryptococcus and SLE is described in the literature, but the combination of this with tuberculous encephalitis is uncommon. The potential risk of infection in immunosuppressed SLE patients should alert the physician to adopt early diagnostic and therapeutic strategies aiming at an extended spectrum of pathogens.

Keywords: systemic lupus erythematosus, disseminated cryptococcosis, tuberculous encephalitis.

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória multissistêmica, caracterizada por episódios intercalados de intensa atividade inflamatória e remissão. Assim como os processos inflamatórios específicos de cada órgão, as infecções são responsáveis por altos índices de morbimortalidade, manifestando-se com freqüência e gravidade variadas(1,2). Nestes pacientes observa-se aumento do risco de infecção em virtude de defeitos imunológicos intrínsecos associados à doença, presença de leucopenia com linfopenia, necessidade de tratamento imunossupressor e internações freqüentes(1-3).

Nos pacientes com LES, mais de dois terços das infecções são localizadas na pele, trato respiratório e trato urinário(1,4,5). Embora as bactérias sejam os agentes mais comuns, grande variedade de patógenos tem sido relatada(2-5), entre estes merecem destaque a tuberculose (TB) e a criptococose. A TB tem incidência global nas doenças reumáticas de 2,5%(6), visto que no LES a sua prevalência varia entre 3,6% e 19%(7-9). A criptococose desempenha papel primordial como causa de infecções no sistema nervoso central (SNC) em pacientes lúpicos, mesmo quando o liquor apresenta citometria nos padrões de normalidade(10). Ambas têm apresentação clínica insidiosa e atípica nestes pacientes(11), sendo rara sua associação no mesmo paciente.

O objetivo deste relato é descrever um caso de criptococose disseminada associado à encefalite tuberculosa presumível, resultando acentuada morbidade e dificultando o tratamento específico do LES.

RELATO DE CASO

LCSL, 15 anos, sexo masculino, branco, estudante, natural e procedente de Tabatinga, AM, com diagnóstico de LES desde outubro de 2005, sendo os critérios: rash malar, fotossensibilidade, úlceras orais, artrite, nefrite, serosite, plaquetopenia, anti-DNA positivo e FAN 1:5120, padrão nuclear homogêneo. A nefrite foi definida inicialmente por cilindrúria e proteinúria não nefrótica persistentes, com creatinina normal. Apresentava antecedente de várias infecções bacterianas (estafilococias, pneumonias e gastrenterites) e hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, fazendo uso de captopril 150 mg/d e nifedipina 60 mg/d.

Internou-se em julho de 2006 com estado geral comprometido, cefaléia holocraniana incapacitante, vômitos e febre por dois dias. Em uso de prednisona 50 mg/d (1 mg/kg - há 10 meses), azatioprina 100 mg/d (há 4 meses), cloroquina 150 mg/d e carbonato de cálcio 500 mg/d. Exibia rash malar e ausência de sinais de hipertensão intracraniana. Investigação complementar: Ht 21,5%, Hb 7,1 g%, leucometria 6.700 céls./mm3 (N = 81%, L = 31%, M = 2,1%), plaquetas 206.000/mm3, VHS 96 mm, albumina 2,8 mg/dL, creatinina 0,5 mg/dL, EAS com piúria asséptica (35 piócitos/campo), 5 hemácias/campo, raros cilindros leucocitários, proteinúria 1 g/24 h, sorologias negativas para HIV, hepatites B e C, perfazendo SLEDAI de 18 pontos. Tomografia de crânio (TC) normal e liquor com citometria 4 céls., glicose 35 mg/dL, proteína 12 mg/dL e presença de Cryptococcus neoformans (Figura 1), sendo iniciada anfotericina B (50 mg/d) e suspensa azatioprina.


Após 10 dias de tratamento antifúngico, apresentou febre, tosse seca e dor torácica com celulite em região mamária esquerda. A radiografia de tórax com infiltrado intersticial bilateral, broncoscopia, revelou traqueobronquite enantemática leve, hemocultura com Staphylococcus aureus (resistente à oxacilina) e no lavado bronco-alveolar C. neoformans e S. aureus, sendo acrescentada vancomicina (1 g/d/14 dias).

A biópsia renal (agosto de 2006) revelou nefrite lúpica necrosante segmentar tipo III da Organização Mundial de Saúde (OMS) e inúmeras leveduras de C. neoformans, infiltrando os glomérulos e o compartimento túbulo-intersticial (Figura 2), possibilitando o diagnóstico de criptococose disseminada (SNC, pulmão e rim). Foi mantida a anfotericina B até a dose acumulada de 3 g. Em setembro de 2006, recebeu alta hospitalar usando fluconazol 400 mg/d (liquor de controle com formas inviáveis do fungo), micofenolato de mofetil 1 g/d, prednisona 60 mg/d, cloroquina 150 mg/d e isoniazida 300 mg/d/3 meses, iniciada em agosto por causa de contato com bacilífero intra-hospitalar.


Em outubro de 2006, apresentou episódios febris associados à síndrome vertiginosa, o exame neurológico demonstrou disfunção cognitiva leve, pupilas isocóricas e fotorreagentes, marcha instável com alargamento da base de sustentação, discreta hemiparesia esquerda com força muscular grau 4, hiperreflexia em membro inferior esquerdo com sinal de Babinski e esboço de clônus, sem sinais meningorradiculares. Exames complementares: Ht 31%, leucometria 10.400 céls./mm3 (diferencial normal), plaquetas 193.000/mm3, creatinina 0,6 mg/dl, proteinúria 308 mg/24 h, culturas negativas (sangue, urina, fezes), ecocardiograma com derrame pericárdico leve, ressonância magnética (RM) de encéfalo (1º de dezembro de 2006) mostrou lesões ovaladas hipointensas em T1 e com sinal intermediário em T2 na cápsula interna e hemisfério cerebelar direitos com realce sólido pelo contraste e edema perilesional marcante (Figura 3). Avaliado pela neurologia que sugeriu a possibilidade de ser uma encefalomielite disseminada aguda (ADEM) ou leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP). A possibilidade de infecção ativa do SNC (criptococoma ou meningoencefalite tuberculosa) não foi descartada, porém o paciente tinha completado o uso de antifúngico recentemente e a avaliação do liquor de controle tinha sido normal. Decidiu-se manter corticóide e micofenolato de mofetil, com programação para avaliação com RM em 20 dias e observar a evolução clínica.


Neste período de observação, apresentou exacerbação da síndrome vertiginosa com surgimento de tremores de extremidades e cabeça, ataxia da marcha, disartria, incapacidade para deambulação, presença de nistagmo inesgotável, atitude distônica da cabeça com desvio para esquerda e tendência do olhar para baixo e discreta rigidez de nuca terminal. Novo liquor com citometria 85 céls., predomínio linfomonuclear, glicose 37 mg/dL e proteína 102 mg/dL (amostra para cultura de bacilo de Koch [BK] perdida), reação de Mantoux negativa e TC (26 de dezembro de 2006) com piora do edema perilesional e desvio da linha média. Diante destes achados, considerou-se que as lesões cerebrais poderiam representar processo infeccioso (criptococoma, tuberculose, toxoplasmose, herpes, ameba de vida livre?), foi aumentado fluconazol para 600 mg/d, suspenso micofenolato de mofetil e iniciado esquema tríplice (rifampicina + isoniazida + pirazinamida).

A RM de controle (30 de dezembro de 2006) mostrou persistência das lesões sólidas com forte realce após contraste e acentuado edema perilesional nas regiões núcleo-capsular e hemisfério cerebelar direitos, determinando efeito de massa e ependimite (Figura 4). Enquanto se aguardava as sorologias para toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes simples foi iniciado esquema com sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico, visando a profilaxia de Toxoplasma gondii, que após 28 dias foi suspensa por causa da negatividade das sorologias e melhora clínica. Permaneceu em uso de prednisona 40 mg/d, fluconazol 600 mg/dia e esquema tríplice.


Em 25 de janeiro de 2007, realizou nova RM de encéfalo com melhora das lesões (Figura 5) e o liquor revelou citometria de 16 céls., com predomínio de mononucleares, glicose 54 mg/dL, proteína 105 mg/dL e raros criptococcus inviáveis (cultura para BK desta amostra negativa - esquema tríplice há 1 mês). Fundamentado nos achados clínicos, exames complementares (liquor e RM de encéfalo), história de contato com bacilífero e melhora com esquema tríplice, considerou-se o diagnóstico de encefalite tuberculosa.


Desde março de 2007, paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial regular, com excelente resposta global, afebril, com deambulação, cognição e fala normais. Concluiu esquema tríplice após 12 meses, em dezembro de 2007. Como seqüela neurológica apresenta tremores finos de extremidades. Últimos exames laboratoriais mostram creatinina 1,0 mg/dL, EAS normal, urocultura estéril, em uso de prednisona 20 mg/dia, cloroquina 150 mg/dia, fluconazol 200 mg/dia, carbonato de cálcio 1 g/dia, nifedipina 60 mg/dia, hidroclorotiazida 25 mg/dia e propranolol 80 mg/dia.

DISCUSSÃO

Infecções são problemas freqüentes nos pacientes lúpicos, especialmente naqueles hospitalizados e com complicações da doença. Elas aumentam a morbidade e são causas comuns de mortalidade. Como se não bastasse, as infecções podem desencadear o aparecimento ou a exacerbação do LES em indivíduos geneticamente predispostos. A alta incidência e o espectro atípico das infecções podem ser atribuídos aos vários distúrbios imunológicos presentes no LES combinados aos efeitos da terapêutica imunossupressora(13-14).

Evidências indicam aumento das infecções oportunistas como causa de óbito nos pacientes lúpicos(2,3,5,13). Estas são freqüentemente subnotificadas em virtude de dificuldades diagnósticas pre-mortem e pelo fato de elas mimetizarem ou estarem sobrepostas à atividade da doença(13).

Uma vez que pacientes lúpicos são considerados população de risco, a identificação e o tratamento de infecções crônicas, como TB, hepatite, micoses profundas (criptococose) ou infecção pelo HIV, são importantes antes da instituição de terapia imunossupressora para prevenir reativação ou exacerbação da infecção(14).

O envolvimento do SNC é um achado freqüente em pacientes com LES (25% a 75% dos casos) durante a evolução da doença(15-16). O diagnóstico definitivo do envolvimento do SNC é difícil, porque são pacientes freqüentemente submetidos a uso crônico de corticosteróides e/ou outros agentes imunossupressores, sendo mais suscetíveis a complicações infecciosas(15).

Por isso, quaisquer queixas referentes ao SNC devem ser investigadas com ampla propedêutica (clínica, laboratorial e radiológica), permitindo gama variável de diagnósticos diferenciais(15). Clinicamente, episódios infecciosos podem manifestar-se como evento neurológico agudo ou insidioso, mimetizando aspectos clínicos compatíveis com atividade lúpica(15,16). Sendo a infecção a maior causa da morbimortalidade nestes pacientes, a diferenciação entre esta e o envolvimento do próprio LES no SNC é de importância vital para o prognóstico evolutivo destes doentes(15). O relato deste caso ratifica esta dificuldade, a qual resultou muito sofrimento para o paciente por causa de longas internações e realização de vários procedimentos invasivos.

O liquor representa divisor de águas na avaliação das queixas neurológicas, pois no processo infeccioso caracteriza-se por pleocitose, hipoglicorraquia e hiperproteinorraquia. Cerca de 10% a 30% dos casos de LES com envolvimento primário do SNC estão associados a liquor com pleocitose, mas nestes casos não há associação com hipoglicorraquia(15). No tocante ao diagnóstico de infecção do SNC pelo Cryptococcus, o exame direto do liquor com tinta nanquim ou o teste de aglutinação do látex para o antígeno criptocócico podem ser realizados e são ferramentas úteis para definição do diagnóstico, uma vez que a citometria do liquor pode ser normal(10).

O diagnóstico de criptococose disseminada é definido pelo envolvimento de múltiplos sítios orgânicos. Em um estudo brasileiro, Moreira(17) encontrou prevalência de 9% desta condição em 96 pacientes com criptococose, sendo comum o envolvimento do SNC associado a outros sítios (fígado, baço, rim, pulmão, corrente sangüínea). Entre os nove pacientes com criptococose disseminada, três exibiam o fungo em SNC, pulmão e rins, tal como o paciente descrito neste caso.

A criptococose pulmonar pode ser assintomática ou manifestar-se com tosse, dor torácica, expectoração mucóide, emagrecimento, febre baixa, hemoptise, pleurite, dispnéia e sudorese noturna. Assim sendo pode ser confundida com manifestações de atividade lúpica ou com outra infecção, por isso o isolamento do fungo no lavado bronco-alveolar deste paciente contribuiu, de maneira decisiva, para a instituição do tratamento específico.

Quanto ao envolvimento renal pelo criptococcus, Kiertiburanakul et al.(18), em 2004, observaram que, nos casos de doença disseminada, não é raro o isolamento do fungo na urina, sugerindo que a criptococúria auxilie o diagnóstico. Vale ressaltar que a infecção urinária por este patógeno é assintomática, exibindo alterações laboratoriais inespecíficas (proteinúria, cilindrúria) e não é rotina a realização de urocultura para fungos.

Este relato também exemplifica a dificuldade de se estabelecer o diagnóstico de encefalite tuberculosa, especialmente quando a cultura do liquor for negativa e não se disponha de proteína C reativa (PCR). Neste caso, não foi possível isolar micobactéria, em virtude da primeira amostra do liquor ter se perdido, e quando a cultura foi realizada o paciente já estava em uso de tuberculostáticos há 30 dias. As alterações de neuroimagem contribuíram para definição do diagnóstico e estabelecimento da prova terapêutica. A descrição de ependimite inclui um dos achados que os autores descrevem como tríade da meningoencefalite tuberbulosa (dilatação ventricular, lesões parenquimatosas isquêmicas e espessamento de meninges de base)(19-21).

Como os exames laboratoriais não foram conseguidos na sua totalidade, o diagnóstico de encefalite tuberculosa foi fundamentado nos dados epidemiológicos e critérios clínicos: quadro clínico arrastado, com alterações liquóricas compatíveis, ou seja, baixa celularidade (geralmente até 500), com predomínio de linfomononucleares, proteínas elevadas e glicose diminuída ou normal, associado às alterações de neuroimagem (TC e RM de crânio) sugestivas de TB do SNC.

A prova terapêutica também foi usada como critério diagnóstico, pois o quadro clínico sugeria meningoencefalite tuberculosa e apresentou boa resposta ao tratamento instituído.

Hung et al.(10) observaram que Mycobacterium tuberculosis e Cryptococcus neoformans foram os principais patógenos responsáveis por infecções do SNC em LES com 50% e 31,6% de prevalência, respectivamente. Em outro estudo, Yang et al.(11) observaram que os pacientes com neurocriptococose e tuberculose cerebral tiveram apresentação clínica insidiosa e atípica, sendo pior o prognóstico naqueles com tuberculose. Comparando-se esses pacientes com o grupo sem infecção do SNC, observaram-se níveis baixos de albumina e uso de altas doses de corticóide, sendo estas condições importantes fatores de risco para infecção do SNC(12). Estes fatores também estiveram presentes no paciente citado, que desenvolveu estas infecções em um curto período após introdução de imunossupressor (criptococose após 4 meses de uso de azatioprina e TB após um mês de micofenolato de mofetil).

Considerando que a própria atividade inflamatória poderia resultar maior catabolismo e determinar grau acentuado de imunossupressão, resta a persistente dúvida: a exacerbação antecede a infecção ou vice-versa? Em resumo, o risco potencial de infecções por diferentes patógenos associados em pacientes imunossuprimidos deve alertar o médico a pensar nestas possibilidades, proceder a testes confirmatórios e optar pelo uso precoce e racional de terapias específicas.

Recebido em 16/1/2008

Aprovado, após revisão, em 16/10/2008.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV).

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  • Endereço para correspondência:

    Sandra Lúcia Euzébio Ribeiro
    Avenida Apurimã, 4, Praça 14
    69020-170, Manaus, AM
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      16 Out 2008
    • Recebido
      16 Jan 2008
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