Acessibilidade / Reportar erro

Medicina translacional: qual a importância para a prática reumatológica?

CARTA AOS EDITORES

Medicina translacional: qual a importância para a prática reumatológica?

Valderilio Feijó Azevedo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Valderilio Feijó Azevedo Rua Lamenha Lins, 1110, ap. 11A Rebouças, Curitiba-PR. CEP: 80250-020. E-mail: valderilio@hotmail.com

As ciências clínicas e o suporte ambiental para políticas efetivas em saúde não podem continuar sendo disciplinas independentes! A visão mais emergente da prática médica que se apresenta como um processo de soluções sustentáveis denomina-se Medicina Translacional e tem fortes raízes na evolução das ações intervencionistas proporcionadas pela epidemiologia geral ao longo do século passado. É contextual considerá-la como uma evolução da Medicina Baseada em Evidências. Mas o que há de interessante nessa abordagem da saúde humana? Parece que o seu atrativo está justamente no fato de que ela fornece uma visão calcada na integração das ciências básicas, ciências sociais e ciências políticas com o objetivo de otimizar os cuidados aos pacientes e desenvolver medidas preventivas que não devem ser esgotadas somente pela provisão de recursos proporcionados pelos Serviços de Saúde.1 A medicina translacional é ciência porque se baseia em produção originada de pesquisas. De acordo com Lean et al.,2 é "um processo que parte da medicina baseada em evidências em direção a soluções sustentáveis para problemas de saúde da comunidade".

Logicamente, para atingir seus objetivos políticos na saúde e para que o termo não seja considerado apenas mais um chavão como aquele designado pela terminologia "medicina holística", a pesquisa translacional precisa envolver um amplo time de cientistas e acadêmicos. Esses pilares humanos devem concentrar seus esforços no cumprimento da promessa de que a pesquisa translacional deve melhorar a saúde e a longevidade das populações do mundo. Para isso, os pesquisadores translacionais devem estar preparados para unir as descobertas das ciências básicas com o amplo território da investigação clínica e traduzir esses resultados em modificações da prática clínica. Nesse tortuoso processo são reconhecidas três fases bem distintas e descritas por Lean. Geralmente, os processos de investigação da primeira fase exploram as necessidades na saúde, desenvolvem potenciais tratamentos a partir de pesquisa laboratorial básica e testam a segurança e eficácia de medicamentos, principalmente em ensaios clínicos. Os conceitos envolvidos nessa fase formam a base para a prática baseada em evidências e na criação das diretrizes clínicas. Em relação ao desenvolvimento de medicações, o termo "do laboratório para o leito" é adequadamente empregado. Diversas companhias farmacêuticas têm criado equipes de medicina translacional para facilitar a interação entre a pesquisa básica e a clínica médica, particularmente nos ensaios. Isso já está ocorrendo no desenvolvimento de imunobiológicos especialmente voltados para doenças autoimunes. Nesse contexto, a avaliação das terapias, como vemos hoje, é obtida de disciplinas tão diversas como a psicologia, terapia física e nutricional. Os estudos da segunda fase examinam quais intervenções das ciências clínicas mostram-se eficazes e seguras. Geralmente, estudos da primeira fase são confrontados com aplicações práticas em ambientes reais e em situações da vida cotidiana, nas quais fatores demográficos e prioridades variadas podem modificar as decisões clínicas e respostas ao tratamento. As pesquisas dessa fase desempenham um papel muito informativo, alimentando tanto as diretrizes sobre necessidades, aceitabilidade, efetividade e custo-eficiência quanto as políticas de saúde na promoção de ótimo manejo e uso de recursos. Particularmente no mundo moderno, em via de uma grande recessão econômica, essas necessidades devem desafiar o ambiente criado pelas perspectivas da restrita visão proporcionadas pelo ambiente exclusivo dos ensaios clínicos.3,4 As pesquisas translacionais em fase 3 adicionam informações necessárias para converter tratamentos e estratégias de prevenção, que já demonstraram sua efetividade e custo-eficácia na fase 2, em bases para políticas governamentais mais rígidas e ao mesmo tempo amplas, baseadas em evidências. Essas políticas requerem diferentes tipos de processos de pesquisa para avaliar ambientes de interação mais complexa. Envolvem um processo de sustentabilidade que depende de abordagens que necessitam de contínuo refinamento e melhora metodológica.

A prática médica tem se beneficiado da pesquisa translacional. Hoje, por exemplo, temos aprendido, em artrite psoriática, que as relações de patogenecidade entre doença cutânea e músculo-esquelética estão muito mais próximas do que há uma década.5 Portanto, é muito provável que em um futuro bem próximo as diretrizes e as políticas públicas de saúde estejam dirigidas para a doença psoriática em suas diferentes apresentações e não isoladamente para espondilartropatias e psoríase. Como outro exemplo, o controle epidêmico da osteoporose e de suas sequelas vai requerer novos métodos com múltiplos componentes direcionados a tratamentos mais efetivos, baseados não só em ensaios randomizados, mas em contínuo melhoramento de abordagens comunitárias. O conceito de medidas promocionais e preventivas sustentáveis é notório para esse sucesso e o desdobramento natural disso é uma integração educacional e ambiental que facilitará ações para o aumento da atividade física das populações e as alterações regulatórias para promoção, produção e acesso a dietas mais saudáveis. A questão que não quer calar é: "Nossos ambientes e culturas acadêmicos serão capazes de suportar a pesquisa translacional?" A nova geração de clínicos certamente irá se defrontar com esse desafio, e esperamos que não haja outra saída senão crescer nessa perspectiva dialética.

Declaro a inexistência de conflitos de interesse.

  • 1
    Feldman A. Does Academic Culture Support Translational Research? CTS: Clinical and Translational Science 2008;1(2):87-8
  • 2
    Lean MEJ, Mann JI, Hoek JA, Elliot RM and Schofield G. Translational Research: from evidence-based medicine to sustainable solutions for public health problems. BMJ 2008;337:a863.
  • 3
    Berwick DM. Broadening the view of evidence-based medicine. Int J Qual Saf Health Care 2005;14:315-6.
  • 4
    Woolf SH. The Meaning of Translational Research and Why It Matters. JAMA 2008;299:211-3.
  • 5
    Ritchlin C. From Skin to Bone: Translational Perspectives on Psoriatic Disease. J Rheumatol 2008; 35(7):1434-7
  • Endereço para correspondência:

    Valderilio Feijó Azevedo
    Rua Lamenha Lins, 1110, ap. 11A
    Rebouças, Curitiba-PR.
    CEP: 80250-020.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br