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Avaliação do risco coronariano em mulheres com lúpus eritematoso sistêmico

Resumos

INTRODUÇÃO: Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) apresentam aproximadamente cinco vezes maior risco de morte por causa cardiovascular se comparados com a população geral. Os fatores de risco cardiovascular (RCV) tradicionais não explicam por si só este aumento do RCV no LES. Até o momento não há um instrumento que consiga identificar precocemente o aumento do maior RCV nesta população. OBJETIVO: Avaliar a utilidade do escore de Framingham de RCV em pacientes com e sem LES. PACIENTES E MÉTODOS: Foram estudados 80 pacientes do sexo feminino com diagnóstico de LES e 60 mulheres no grupo controle sem doenças reumatológicas. Foi aplicado o Escore de RCV de Framingham para estimar o risco de mortalidade por DCV em 10 anos. RESULTADOS: Pacientes com LES apresentavam índice de massa corpórea (IMC) (26,8 ± 6,2 versus 24,9 ± 3,8), níveis de triglicerídeos (159,3 ± 103,7 versus 113,8 ± 50,3) e pressão arterial diastólica (84,3 ± 11,5 versus 79,1 ± 12,0) mais elevados quando comparados ao grupo controle (P < 0,05). Hipertensão arterial estava presente em 56% das pacientes com LES e em 33% no grupo controle (P < 0,05). Apesar das diferenças encontradas entre os grupos, ambos apresentavam 1% de RCV pelo escore de Framingham. Quando comparamos aquelas com risco > 10%, não encontramos diferenças estatisticamente significativas (P > 0,05). CONCLUSÕES: Pacientes com e sem LES possuem o mesmo risco de apresentar infarto do miocárdio ou mortalidade coronariana em 10 anos, apesar da maior mortalidade cardiovascular nas pacientes com LES. O escore de risco de Framingham não é uma escala que consiga estimar o risco aumentado de DCV em mulheres com LES.

lúpus eritematoso sistêmico; risco cardiovascular; escore de Framingham


INTRODUCTION: The risk of death from cardiovascular disease is nearly five times greater in patients with systemic lupus erythematosus (SLE) than in the general population. Traditional risk factors for cardiovascular disease do not explain this increase. An instrument for early identification of increased risk of cardiovascular disease in this population does not exist. OBJECTIVE: The objective of the present study was to evaluate the usefulness of the Framingham risk score to determine the risk of cardiovascular disease in SLE patients compared to normal individuals. PATIENTS AND METHODS: Eighty female patients with SLE and 60 women without rheumatic disorders participated in this study. The Framingham risk score was used to estimate the 10-year mortality secondary to cardiovascular disease. RESULTS: Body mass index (BMI) (26.8 ± 6.2 vs. 24.9 ± 3.8), triglyceride levels (159.3 ± 103.7 vs. 113.8 ± 50.3), and diastolic blood pressure (84.3 ± 11.5 vs. 79.1 ± 12.0) were higher in SLE patients than in the control group (P < 0.05). Hypertension was observed in 56% of SLE patients and in 33% of the control group (P < 0.05). Despite the differences observed between both groups, the risk of cardiovascular disease according to the Framingham risk score was similar in both groups, i.e., 1%. Statistically significant differences were not observed when individuals whose risk was >10% were compared (P > 0.05). CONCLUSIONS: Although SLE patients have a higher cardiovascular mortality rate, the risk of myocardial infarction or mortality from coronary artery disease in 10 years in SLE patients is similar to that of patients without rheumatic diseases. The Framingham risk score cannot estimate the increased risk of cardiovascular disease in women with SLE.

systemic lupus erythematosus; cardiovascular risk; Framingham risk score


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do risco coronariano em mulheres com lúpus eritematoso sistêmico

Ricardo A. M. CadavalI; José Eduardo MartinezII; Milene A. MazzolinIII; Renata G. T. BarrosIII; Fernando Antonio de AlmeidaI

IProfessor Titular da Disciplina de Nefrologia da PUC/SP

IIProfessor Titular da Disciplina de Reumatologia da PUC/SP

IIIAluna de Graduação da Faculdade de Medicina de PUC/SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Ricardo A. M. Cadaval Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da PUC/SP Praça José Ermírio de Moraes, 290 Sorocaba - SP. CEP 18030-230 Tel: (15) 3212-9900 E-mail: rcadaval@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) apresentam aproximadamente cinco vezes maior risco de morte por causa cardiovascular se comparados com a população geral. Os fatores de risco cardiovascular (RCV) tradicionais não explicam por si só este aumento do RCV no LES. Até o momento não há um instrumento que consiga identificar precocemente o aumento do maior RCV nesta população.

OBJETIVO: Avaliar a utilidade do escore de Framingham de RCV em pacientes com e sem LES.

PACIENTES E MÉTODOS: Foram estudados 80 pacientes do sexo feminino com diagnóstico de LES e 60 mulheres no grupo controle sem doenças reumatológicas. Foi aplicado o Escore de RCV de Framingham para estimar o risco de mortalidade por DCV em 10 anos.

RESULTADOS: Pacientes com LES apresentavam índice de massa corpórea (IMC) (26,8 ± 6,2 versus 24,9 ± 3,8), níveis de triglicerídeos (159,3 ± 103,7 versus 113,8 ± 50,3) e pressão arterial diastólica (84,3 ± 11,5 versus 79,1 ± 12,0) mais elevados quando comparados ao grupo controle (P < 0,05). Hipertensão arterial estava presente em 56% das pacientes com LES e em 33% no grupo controle (P < 0,05). Apesar das diferenças encontradas entre os grupos, ambos apresentavam 1% de RCV pelo escore de Framingham. Quando comparamos aquelas com risco > 10%, não encontramos diferenças estatisticamente significativas (P > 0,05).

CONCLUSÕES: Pacientes com e sem LES possuem o mesmo risco de apresentar infarto do miocárdio ou mortalidade coronariana em 10 anos, apesar da maior mortalidade cardiovascular nas pacientes com LES. O escore de risco de Framingham não é uma escala que consiga estimar o risco aumentado de DCV em mulheres com LES.

Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, risco cardiovascular, escore de Framingham.

INTRODUÇÃO

A sobrevida de pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) aumentou de forma expressiva desde a década de 50, quando era cerca de 50% em cinco anos, para mais de 90% em 10 anos na última década. Vários fatores têm contribuído para este aumento de sobrevida nos paciente com LES: diagnóstico precoce, inclusão de casos menos graves, uso de dose altas de prednisona, utilização de esquemas mais agressivos de drogas citotóxicas/imunossupressoras e avanços no tratamento de hipertensão, infecção e insuficiência renal, incluindo diálise e transplante renal.1,2,3 A diminuição da mortalidade e maior sobrevida dos pacientes levaram o LES a adquirir perfil de doença crônica e mudança dos tipos de complicações. Desde a primeira descrição do padrão bimodal de mortalidade no LES, da maior incidência de mortes nas primeiras décadas de doença por atividade e infecções, e nas décadas seguintes, por doença aterosclerótica, as complicações cardiovasculares vêm sendo identificadas como uma das principais causas de morbimortalidade nos pacientes com LES.4,5,6

Apesar da considerável melhora do tratamento dos pacientes com LES, sua morbimortalidade ainda é alta, com taxas de mortalidade variando de 6,8% a 20,2% no período de 8 a 14 anos após o diagnóstico de LES.3,7 Quando comparado com mulheres na população em geral, as pacientes do sexo feminino com LES têm 5 a 8 vezes maior risco de morte por causas cardiovasculares, particularmente aquelas com menos de 55 anos.

A doença coronariana é responsável por 20-30% das mortes de pacientes com LES, com proporção maior se levarmos em consideração o tempo de LES. Jonsson et al. mostraram que a incidência de infarto agudo do miocárdio em pacientes suíças com LES é nove vezes maior que em mulheres não lúpicas.8 Acidente vascular cerebral ocorre em mais de 15% dos pacientes com LES, alguns com múltiplos eventos isquêmicos.9,10 Desta forma, as doenças cardiovasculares vêm se destacando com aumento progressivo entre as causas de mortalidade no LES.11

Fatores de risco conhecidos para doenças cardiovasculares (hipertensão arterial, hiperlipidemia, tabagismo, diabetes mellitus, obesidade, sedentarismo, história de doença coronariana prévia) são muito prevalentes nos pacientes com LES. Vários estudos têm identificado aumento da incidência dos fatores de risco tradicionais de aterosclerose nos pacientes com LES. Roldan et al. encontraram três ou mais fatores de risco em 53% de 229 pacientes lúpicas com a média de idade de 38,3 anos.12

Vários estudos têm sugerido que o desenvolvimento de aterosclerose encontra-se acelerado no LES.13,14 Não se conhece até o presente momento a causa deste fenômeno, mas sabe-se que a presença e/ou o aumento dos fatores de risco cardiovasculares tradicionais, por si só, não são suficientes para explicar a aceleração do processo de aterosclerose encontrado no LES.

É provável que uma combinação de fatores encontrados nesta população seja importante, entre eles: o LES propriamente dito, os efeitos adversos da terapêutica dos corticosteroides e/ou os fatores de risco cardiovasculares convencionais. Este fato pode ser ilustrado pelo estudo com 263 pacientes cujos riscos de desenvolver eventos cardiovasculares foi 8 a 17 vezes maior do que o esperado para fatores de riscos tradicionais isoladamente.15

As placas ateromatosas nas carótidas são identificadas ao ultrassom em 25-40% dos pacientes com LES, dados estes confirmados em autópsias que mostraram prevalência de 41-53% de presença de placas ateromatosas nas artérias carótidas, renais e cerebrais.16,17

Possivelmente os fatores de risco não tradicionais de doença aterosclerótica tenham participação importante neste processo. Os pacientes com LES apresentam particularidades que podem atuar no processo de aceleração da aterosclerose, atuando como fatores de risco cardiovasculares não tradicionais: uso de glicocorticoide, glomerulonefrite crônica, C3 baixo, títulos elevados de anti-DNA, anticorpos antifosfolipídios e fatores genéticos.15

A avaliação do risco cardiovascular baseado nos escores de riscos é uma estratégia muito utilizada na população geral. O escore de risco de Framingham de doença arterial coronariana é um modelo que leva em consideração sexo, idade, colesterol total, HDL, pressão arterial sistólica e diastólica, diabetes e tabagismo. Esta tabela estima o risco de eventos coronarianos e estratifica o paciente em categorias de risco: baixo (< 10% de eventos em 10 anos), intermediário (10-20%) e alto (> 20%). O índice estima um prognóstico e sugere as intervenções clínicas necessárias.18

Neste estudo, nós examinamos a hipótese de que o escore de risco de Framingham para doença arterial coronariana possa identificar o aumento do risco cardiovascular em pacientes com LES quando comparados a um grupo controle de pacientes normais.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes

Foram analisadas 80 pacientes do sexo feminino com diagnóstico de LES, definido segundo os critérios do Colégio Americano de Reumatologia.19 As pacientes são atendidas no Ambulatório de Lúpus Eritematoso Sistêmico da PUC/SP e do Conjunto Hospitalar de Sorocaba.

O grupo controle foi constituído de 60 pacientes que procuraram atendimento médico para investigação de calculose renal. Todas eram do sexo feminino, sem critérios de classificação de LES ou qualquer outra doença autoimune, pareados por etnia e idade em relação ao grupo de pacientes com LES.

Os dados demográficos e clínicos foram coletados nas visitas ambulatoriais regulares (três últimas consultas médicas). Os exames laboratoriais foram obtidos da rotina de exames que são solicitados nas visitas ambulatoriais.

O projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências Médicas e Biológicas da PUC/SP. Todas as participantes avaliadas foram informadas sobre as características do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Métodos

Avaliação clínica

As pacientes com LES e as mulheres controles foram submetidas a uma observação clínica completa e foram solicitados exames laboratoriais (glicemia de jejum, colesterol total, HDL-colesterol e triglicerídeos). A história familiar de doença cardiovascular era definida como a ocorrência de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral isquêmico em parentes de primeiro grau. Peso e altura foram determinados e o índice de massa corpórea (IMC) calculado pela divisão do peso em quilos pela altura em metros elevada ao quadrado.

A pressão arterial sistêmica registrada com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio foi a média de duas medidas obtidas com a paciente na posição sentada, com intervalo de cinco minutos entre as aferições após dez minutos de repouso. O valor de pressão arterial utilizado no estudo foi a média das pressões anotadas nas três últimas consultas médicas.

A avaliação de atividade lúpica foi identificada através da média do Índice de Atividade do Lúpus Eritematoso Sistêmico (Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index - SLEDAI) dos últimos 12 meses e do índice de danos da média do Índice de Dano Acumulado do Lúpus Sistêmico (Systemic Lupus International Collaborative Clinics - SLICC) dos últimos 12 meses.20,21

Exames laboratoriais

Foram coletadas amostras de sangue após 12 horas de jejum para medida de glicemia, colesterol total, HDL-colesterol e triglicerídeos. Os valores de LDL-colesterol foram calculados pela fórmula de Friedrich [LDL -C = CT - (HDL-C) - (Trigl/5)].

Cálculo do Risco Cardiovascular pela Tabela de Framingham

Utilizando as variáveis: idade, colesterol total, HDL-colesterol, nível de pressão arterial, ser ou não diabético e/ou tabagista, e somando os escores pela tabela de Framingham, calculamos o risco percentual de mortalidade por doença cardiovascular em dez anos.18

Análise estatística

Para verificar a relação de dependência entre as variáveis categóricas foram utilizados o teste de qui-quadrado e o teste exato de Fischer. As variáveis quantitativas são apresentadas em médias, medianas e desvios-padrão. As médias com distribuição normal foram comparadas com o teste t de Student. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar duas médias de variáveis sem distribuição normal. A correlação do escore de risco coronariano com a idade das pacientes, a pressão arterial diastólica, o índice de massa corpórea e os triglicerídeos foi avaliada pelo coeficiente de Spearman. Os valores de P < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

As características das 80 pacientes com LES e das 60 mulheres do grupo controle são apresentadas na Tabela 1. As pacientes com LES têm mediana de duração de doença de 5,0 (1-29) anos e mediana de acompanhamento de 3,0 (1-18) anos. Sua mediana de SLEDAI é de 3,0 (0-24) e mediana de SLICC de 0,0 (0-3).

Quanto ao uso de medicamentos entre as mulheres com LES, 92% fazem uso de prednisona, 92% de antimaláricos e 80% de imunossupressores. O diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica está presente em 56% (45/80) das pacientes com LES, sendo que 85% fazem uso regular de anti-hipertensivos. Entre os 11% (9/45) das pacientes que sabem ter dislipidemia, 89% fazem apenas dieta hipolipemiante para seu controle. Já entre as mulheres do grupo controle, 33% (20/60) têm hipertensão arterial sistêmica, sendo que 65% (13/20) fazem uso regular de anti-hipertensivos. O diagnóstico de dislipidemia era conhecido por 16% (10/60) das pacientes do grupo controle, sendo que 40% (4/10) fazem uso diário de hipolipemiantes.

Hipertensão arterial estava presente em 56% das pacientes com LES e em 33% das pacientes do grupo controle (P < 0,01). A pressão arterial diastólica média das mulheres com LES (84,3 ± 11,5 mmHg) foi estatisticamente maior do que a do grupo controle (79,1 ± 12,0 mmHg, P < 0,01). As médias de pressão arterial sistólica não se mostraram diferentes entre os dois grupos. O IMC foi significativamente maior entre as pacientes com LES - 26,8 ± 6,2 Kg/m2 quando comparado com as pacientes do grupo controle - 24,9 ± 3,8 Kg/m2 (P = 0,04). Quando separamos as pacientes com IMC maior ou menor que 30 kg/ m2, não encontramos diferenças estatisticamente significativas entre as pacientes com LES e o grupo controle (P = 0,59). Há mais fumantes entre as pacientes com LES (27%) do que entre as mulheres do grupo controle (18%, P < 0,04).

A dislipidemia esta presente em 11% das pacientes com LES e em 16% das pacientes do grupo controle, diferença não significativa (P = 0,22). As paciente com LES apresentam os valores de triglicerídeos (159,3 ± 103,7 mg/dL) significativamente mais elevados quando comparado ao grupo controle (113,8 ± 50,3 mg/dL, P < 0,01). Os valores de colesterol total e frações não mostraram diferenças significativas entre os dois grupos.

A média de glicemia em jejum do grupo controle (87,5 ± 13,4 mg/dL) foi estatisticamente maior quando comparada ao grupo de mulheres sem LES (82,9 ± 12,6 mg/dL). As mulheres com LES tinham IMC (26,8 ± 6,2 kg/m2) significativamente maior do que o grupo controle (24,9 ± 3,8 kg/m2, P < 0,04). Os antecedentes familiares de DVC foram semelhantes entre os dois grupos, 49% para pacientes com LES e 33% para o grupo controle.

Não houve diferença estatisticamente significativa no escore e no risco de doença arterial coronariana em dez anos medido pelo escore de Framingham entre os dois grupos (Figura 1A). A mediana de escore das mulheres com LES foi de - 3,0 (- 14 a 13) e de - 3,5 (-17 a 13) para o grupo controle. O risco coronariano foi de 1,0% para ambos os grupos, variando de 1% a 27% para as pacientes com LES e de 1% a 15% para as pacientes sem LES (Figura 1B).



Não encontramos diferenças estatisticamente significativas para os fatores de risco considerados no cálculo do Risco Cardiovascular pela Tabela de Framingham quando analisamos as pacientes que apresentaram risco coronariano maior que 10%.

Quando correlacionamos o escore de risco coronariano com a idade das pacientes com LES, obtivemos uma correlação positiva estatisticamente significativa, tanto para o grupo de pacientes com LES (r = 0,67, P = 0,001 com intervalo de confiança de 95% de 0,53-0,78) como para o grupo controle (r = 0,67, P = 0,001 com intervalo de confiança de 95% de 0,50-0,79). Ao correlacionarmos o escore de risco coronariano das pacientes com LES com as variáveis PAD [pressão arterial diastólica] e IMC obtivemos uma correlação positiva estatisticamente significativa (PAD: r = 0,30, P = 0,006 com intervalo de confiança (IC) de 95% de 0,08-0,48 e IMC: r = 0,24, P = 0,02 com IC de 95% de 0,02-0,44). Apesar do nível de triglicerídeos no grupo LES estar significativamente mais elevado quando comparado ao grupo controle, não encontramos uma correlação positiva (r = 0,070, P = 0,48 com IC de 95% de - 0,14-0,29). Para o grupo controle não foi encontrado qualquer correlação entre as variáveis PAD, IMC e níveis de triglicerídeos com o escore de risco coronariano deste grupo.

DISCUSSÃO

Neste estudo, nós observamos que as pacientes com LES quando comparadas ao grupo controle, apresentaram o mesmo risco de doença arterial coronariana estimado pelo escore de Framingham, apesar do alto risco de eventos cardiovasculares e do aumento da prevalência e gravidade da aterosclerose coronariana, que tem sido documentada como responsável por 20-30% das mortes entre os pacientes com lúpus.5,6,25 O valor estimado de eventos cardiovasculares em 10 anos foi inferior a 1% em 60% das pacientes lúpicas e em 61% das pacientes do grupo controle, mostrando que o escore de risco de Framingham não conseguiu identificar na população de lúpicas o risco elevado de eventos coronarianos.

As drogas antimaláricas são frequentemente utilizadas em pacientes com LES pela sua ação moduladora sobre o processo inflamatório nas doenças reumáticas. Possui também, efeito redutor dos níveis de colesterol total e LDL, bem como sobre normalização dos níveis de HDL, que são ações terapêuticas relevantes devido ao aumento do risco prematuro de aterosclerose nos lúpus. O difosfato de cloroquina era utilizado por 92% das pacientes lúpicas estudadas, o que poderia justificar pelo menos em parte a semelhança de resultados de colesterol total e suas frações entre o grupo de pacientes com LES e controle, colaborando assim com a incapacidade do escore de risco de Framingham em identificar o alto risco de eventos coronarianos nesta população.22,23,24

Na população em geral, o escore de Framingham é comumente utilizado para identificar e estratificar pacientes com risco de eventos coronarianos, auxiliando assim na orientação de intervenção para controle da hipertensão arterial, da dislipidemia, do diabetes melito e nas orientações sobre cessação do tabagismo e redução de peso corpóreo. No entanto, apesar da utilidade deste escore, quando ele é aplicado para pacientes com LES, subestima o risco de eventos coronarianos que esta população apresenta.

No escore de Framingham, o fator idade para ambos os sexos tem peso muito grande. Para o sexo feminino este peso é maior ainda, pontuando de - 9 na faixa de 30 a 34 anos até + 8 na faixa de idade de 70 aos 74 anos. Como as pacientes lúpicas estudadas tem em média 38 anos de idade, toda a pontuação dos demais fatores de risco (colesterol total, HDL, pressão sistólica, pressão diastólica, diabetes e tabagismo) que elas poderiam apresentar, fica anulada pela pontuação negativa em função da idade, fato que poderia justificar a incapacidade do escore de Framingham de identificar o risco de doença coronariana para esta população.

Considerando que o LES acomete geralmente pacientes jovens do sexo feminino, Chung et al. compararam imagens tomográficas das artérias coronárias com as escalas Framingham e PDAY (Pathobiological Determinants of Atherosclerosis in Youth - Determinantes Biopatológicos de Aterosclerose no Jovem) que permite predizer lesões ateroscleróticas em jovens.21 Os autores concluíram que apesar da identificação de placas calcificadas nas artérias coronárias, nem a escala de Framingham nem a escala PDAY foram capazes de estratificar o risco coronariano nas mulheres com LES.25,26

Nos últimos anos tem sido muito valorizado a atividade inflamatória como determinante importante da progressão da aterosclerose e suas complicações. A aterosclerose é um processo inflamatório, caracterizado pela infiltração da íntima por monócitos/macrófagos ativados e células T com produção de citocinas pró-inflamatórias por estas células, sendo este um dos possíveis mecanismos em comum entre aterosclerose e o LES.27,28,29

É possível que fatores de risco cardiovascular tradicionais, mesmo que presentes em mulheres com LES, não sejam suficientes para explicar este aumento do risco.30 O LES, através de sua atividade inflamatória, poderia contribuir como fator de risco não tradicional para o desenvolvimento de aterosclerose através da ativação do endotélio, uma das etapas iniciais do desenvolvimento da aterosclerose.31,32 Estudos in vivo demonstraram que a ativação endotelial esta presente no LES, identificado através do aumento do nível de moléculas de adesão de célula endotelial (VCAM-1), trombomodulina (TM), fator de Von Willebrand (vWf) e aumento da expressão de moléculas de adesão.33,34

A dislipidemia é comum nos pacientes com LES e é considerada como um importante fator no desenvolvimento da aterosclerose nesta população. Os medicamentos, particularmente os esteróides, a síndrome nefrótica e a atividade lúpica são considerados como colaboradores para o desenvolvimento da dislipidemia nos pacientes com LES.35,36,37Kashef et al. demonstraram que a atividade lúpica esta associada com dislipidemia, em um padrão caracterizado por níveis elevados de triglicerídeos e VLDL e redução dos níveis de HDL. Não se conhece o mecanismo exato desta relação, entretanto, é possível que haja um prejuízo na ativação da lipase lipoproteica, que é a principal enzima no catabolismo do VLDL, resultando no acúmulo de VLDL e LDL e redução do HDL.38,39,40 A única alteração de dislipidemia encontrada em nosso estudo foram os valores significativamente elevados de triglicerídeos nos pacientes com LES.

Leeuw et al. demonstraram que o LES está associado a um aumento da prevalência de aterosclerose quando comparado a um grupo de pacientes normais, especialmente quando o LES tem maior tempo de duração e maior índice de danos. Todos os fatores de risco tradicionais exercem um papel importante na aceleração da aterosclerose, especialmente a hipertensão arterial, contribuindo para este processo e refletindo no aumento de eventos cardiovasculares entre os pacientes lúpicos. Provavelmente, não será suficiente atuar apenas sobre os fatores de risco tradicionais para prevenção dos eventos cardiovasculares nos paciente com LES, uma vez que fatores de risco não tradicionais (ativação endotelial, alteração do remodelamento vascular e duração do LES) também atuam de forma decisiva.41 O reconhecimento que há na população de pacientes com LES maior risco de eventos cardiovasculares nos direciona a procurar marcadores que permitam identificar e estratificar pacientes com risco de eventos cardiovasculares.

Com a instituição de orientações e medidas para muitas comorbidades que os pacientes com LES apresentam, como diabetes mellitus hipertensão arterial e dislipidemia, aliadas à cessação do tabagismo e à atividade física, poderemos obter melhor prognóstico para o LES. Considerando os resultados do nosso estudo, as ações sobre obesidade, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo e níveis elevados de triglicerídeos poderão por si só aumentar a sobrevida das pacientes lúpicas avaliadas.

O foco primário do atendimento médico ao paciente com lúpus geralmente prioriza a avaliação da atividade da doença e a presença de infecções, negligenciando o risco de complicações cardiovasculares a que esta população esta exposta. Estudos de Baltimore e Toronto sugerem que nos centros acadêmicos que atendem pacientes com LES, não há a devida valorização das medidas de prevenção destes fatores de riscos.42

Em conclusão, os nossos dados mostraram que o índice de escores de Framingham não foi capaz de avaliar o risco de eventos coronarianos em pacientes com LES e que há necessidade de identificarmos outros indicadores de risco coronariano. Esta avaliação deverá incluir além dos fatores de risco tradicionais a valorização de fatores de risco não tradicionais e reduzir o peso do fator idade, pois na maior das vezes são pacientes jovens.

Recebido em 04/12/2008.

Aprovado, após revisão, em 18/09/2009.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Endereço para correspondência:
    Prof. Dr. Ricardo A. M. Cadaval
    Disciplina de Nefrologia do Departamento de Medicina da PUC/SP
    Praça José Ermírio de Moraes, 290
    Sorocaba - SP. CEP 18030-230
    Tel: (15) 3212-9900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      04 Dez 2008
    • Aceito
      18 Set 2009
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