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Função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a função sexual e a saúde reprodutiva em adolescentes com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) e compará-las com controles. PACIENTES E MÉTODOS: Cinquenta e duas pacientes com LESJ do sexo feminino foram avaliadas com dados demográficos, função sexual, exame ginecológico, ciclo menstrual, citologia cérvico-vaginal, características clínicas e tratamento. O grupo controle incluiu 52 mulheres pareadas por idade. RESULTADOS: A média da idade foi similar nas pacientes com LESJ e controles (16,7±1,94 versus 16,13 ± 2,16 anos, P = 0,92). A média da idade da menarca foi maior nas pacientes com LESJ (12,82 ± 1,62 versus 11,55 ± 1,45 anos, P = 0,0004). A frequência de atividade sexual foi significativamente menor nas pacientes com LESJ (23% versus 60%, P = 0,0003). Em contraste, os percentuais de disfunção sexual, lubrificação vaginal reduzida, desempenho diminuído, orgasmo reduzido e insatisfação com a vida sexual foram significativamente maiores nas pacientes com LESJ (58% versus 23%, P = 0,03; 50% versus 16%, P = 0,046; 58% versus 23%, P = 0,03%; 50% versus 16%, P = 0,046; respectivamente). Por outro lado, nenhuma diferença foi observada nas pacientes com LESJ e controles em relação a dados demográficos, alterações pubertárias, anormalidades do ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal (P > 0,05). Nenhuma diferença foi evidenciada nas pacientes com LESJ com e sem disfunção sexual em relação aos dados demográficos, alterações pubertárias, anormalidades do ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal, atividade da doença, dano cumulativo e tratamento (P > 0,05). CONCLUSÃO: Este é o primeiro estudo que identificou disfunção sexual em adolescentes do sexo feminino com LESJ. Aspectos relacionados à sexualidade necessitam uma atenção especial dos profissionais de saúde que atendem adolescentes com lúpus.

saúde reprodutiva; função sexual; adolescente; hormônio; lúpus eritematoso sistêmico juvenil; sexo feminino


OBJECTIVE: To evaluate the reproductive health of female adolescents with Juvenile Systemic Lupus Erythematosus (JSLE) and compare them with a control group. PATIENTS AND METHODS: The demographic data, sexual function, gynecologic exam, menstrual cycle, cervicovaginal cytology, clinical characteristics, and treatment of 52 female patients with JSLE were evaluated. The control group was composed of 52 women matched for age. RESULTS: The mean age of patients with JSLE was similar to that of the control group (16.7 ± 1.94 versus 16.13 ± 2.16 years, P = 0.92). The mean age of menarche was higher in JSLE patients (12.82 ± 1.62 versus 11.55 ± 1.45 years, P = 0.0004). The frequency of sex activity was significantly lower in patients with JSLE (23% versus 60%, P = 0.0003). In contrast, the percentage of sexual dysfunction, reduced vaginal lubrication, decreased performance, reduced orgasm, and dissatisfaction with one's sex life were significantly higher in JSLE patents (58% versus 23%, P = 0.03; 50% versus 16%, P = 0.046; 58% versus 23%, P = 0.03; 50% versus 26%, P = 0.046, respectively). On the other hand, demographic data, pubertal changes, abnormalities in menstrual cycle, and cervicovaginal cytology were similar in JSLE patients and the control group (P > 0.05). Demographic data, pubertal changes, abnormalities in menstrual cycle, cervicovaginal cytology, disease activity, cumulative damage, and treatment did not differ between JSLE patients with and without sexual dysfunction (P > 0.05). CONCLUSION: This is the first study to identify sexual dysfunction in female adolescents with JSLE. Sexuality-related aspects require special attention from health care professionals who treat adolescents with lupus.

reproductive health; sexual function; adolescent; hormone; juvenile systemic lupus erythematosus; female gender


ARTIGO ORIGINAL

Função sexual e saúde reprodutiva em mulheres adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico juvenil

Clovis Artur Almeida da SilvaI; Marília Vieira FebrônioII; Eloísa BonfáIII; Rosa Maria Rodrigues PereiraIV; Elsa Aida Gay de PereiraV; Albertina Duarte TakiuitiVI

IProfessor Livre Docente do Departamento de Pediatria da FMUSP. Responsável pela Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

IIDoutora em Reumatologia pela FMUSP. Médica Reumatologista Pediátrica

IIIProfessora Titular da Disciplina de Reumatologia do HC-FMUSP

IVProfessor Livre Docente e Médica Assistente da Disciplina de Reumatologia do HC-FMUSP

VDoutora em Ginecologia pela FMUSP. Médica Assistente do Departamento de Ginecologia da FMUSP

VIDoutora em Ginecologia pela FMUSP. Médica Responsável pelo Serviço de Ginecologia do Adolescente do Departamento de Ginecologia da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Clovis Artur Almeida da Silva Rua Araioses, 152/81. Vila Madalena São Paulo - SP. CEP: 05442-010 Fax: (11) 3069-8503 E-mail: clovis.silva@icr.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a função sexual e a saúde reprodutiva em adolescentes com Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) e compará-las com controles.

PACIENTES E MÉTODOS: Cinquenta e duas pacientes com LESJ do sexo feminino foram avaliadas com dados demográficos, função sexual, exame ginecológico, ciclo menstrual, citologia cérvico-vaginal, características clínicas e tratamento. O grupo controle incluiu 52 mulheres pareadas por idade.

RESULTADOS: A média da idade foi similar nas pacientes com LESJ e controles (16,7±1,94 versus 16,13 ± 2,16 anos, P = 0,92). A média da idade da menarca foi maior nas pacientes com LESJ (12,82 ± 1,62 versus 11,55 ± 1,45 anos, P = 0,0004). A frequência de atividade sexual foi significativamente menor nas pacientes com LESJ (23% versus 60%, P = 0,0003). Em contraste, os percentuais de disfunção sexual, lubrificação vaginal reduzida, desempenho diminuído, orgasmo reduzido e insatisfação com a vida sexual foram significativamente maiores nas pacientes com LESJ (58% versus 23%, P = 0,03; 50% versus 16%, P = 0,046; 58% versus 23%, P = 0,03%; 50% versus 16%, P = 0,046; respectivamente). Por outro lado, nenhuma diferença foi observada nas pacientes com LESJ e controles em relação a dados demográficos, alterações pubertárias, anormalidades do ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal (P > 0,05). Nenhuma diferença foi evidenciada nas pacientes com LESJ com e sem disfunção sexual em relação aos dados demográficos, alterações pubertárias, anormalidades do ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal, atividade da doença, dano cumulativo e tratamento (P > 0,05).

CONCLUSÃO: Este é o primeiro estudo que identificou disfunção sexual em adolescentes do sexo feminino com LESJ. Aspectos relacionados à sexualidade necessitam uma atenção especial dos profissionais de saúde que atendem adolescentes com lúpus.

Palavras-chave: saúde reprodutiva, função sexual, adolescente, hormônio, lúpus eritematoso sistêmico juvenil, sexo feminino.

INTRODUÇÃO

O Lúpus Eritematoso Sistêmico Juvenil (LESJ) é uma doença autoimune que apresenta maior prevalência no sexo feminino, habitualmente durante o período reprodutivo.1 Novas opções terapêuticas têm melhorado o prognóstico e também a qualidade de vida de adolescentes com esta doença, incluindo aspectos relacionados à saúde reprodutiva e à função sexual.1-3

A menarca é o marco inicial do começo do ciclo menstrual e do desenvolvimento pubertário. Estudos mostram que adolescentes com LESJ apresentam menarca atrasada quando comparadas com controles normais.4-6 Anormalidades menstruais após a primeira menstruação e ciclos de maior duração foram também mais frequentemente observadas nas pacientes com LESJ em relação aos controles, assim como amenorreia foi evidenciada em 11,7% das pacientes com LESJ em um recente estudo multicêntrico brasileiro.7

Outro aspecto relevante da saúde reprodutiva da adolescente com LESJ é a possibilidade de vaginites, displasias associadas ao papiloma vírus humano (HPV) e tumores cérvico-vaginais. Nós recentemente evidenciamos uma alta prevalência de candidíase vaginal e baixa frequência de displasias cérvico-vaginais associadas à infecção pelo papilomavírus humano (HPV) em adolescentes com LESJ.6

Com a melhora do prognóstico entre as pacientes com LESJ, os reumatologistas pediátricos estão tendo que lidar com questões próprias da adolescência vivida por seus pacientes, entre elas o exercício da sexualidade. A função sexual em jovens com LESJ tem sido ainda pouco estudada, habitualmente com pequena população de pacientes de ambos os gêneros.3,6,8 Entretanto, nenhum dos estudos avaliou a função sexual e a saúde reprodutiva e incluiu um grupo controle de adolescentes saudáveis pareado por idade.

O objetivo deste estudo foi avaliar a função sexual e a saúde reprodutiva de adolescentes com LESJ e comparar com grupo controle pareado por idade.

PACIENTES E MÉTODOS

População do estudo

Cinquenta e cinco pacientes do sexo feminino com LESJ atendidas consecutivamente, com idades entre 10 e 19 anos, e acompanhados na Unidade de Reumatologia Pediátrica e na Disciplina de Reumatologia do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) foram selecionadas para este estudo. Todas as pacientes preencheram os critérios de classificação do Colégio Americano de Reumatologia para o diagnóstico de LESJ.9 O critério de inclusão foi presença de menarca. Nenhuma das pacientes apresentou gravidez atual, diabetes melito associado ao LESJ, uso de contraceptivos hormonais e de gonadotropina (gonadotropin-releasing hormone analogue -GnRH-a) nas infusões com ciclofosfamida intravenosa. Três pacientes foram excluídas por se recusarem a participar do estudo. O grupo final consistiu de 52 pacientes com LESJ. O grupo controle incluiu 52 adolescentes saudáveis pareadas por idade, avaliadas na primeira consulta no Ambulatório Preventivo de Ginecologia do HC-FMUSP. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HC-FMUSP (CAPPesq 019/04) e o termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado por todas as participantes e, quando necessário, por seus respectivos responsáveis.

Métodos

Os seguintes dados foram coletados de acordo como expresso abaixo:

Dados demográficos e socioeconômico-culturais: dados demográficos (idade de início da doença, tempo de duração do LES e idade atual) e dados socioeconômico-culturais (escolaridade, classe econômica e atividade profissional). As classes socioeconômicas foram avaliadas de acordo a classificação da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercados.10

Marcos pubertários: Os marcos pubertários foram determinadas de acordo com a idade da primeira menstruação (menarca) e os critérios de alterações propostos por Tanner (características das mamas e distribuição dos pelos pubianos).11

Função sexual: A função sexual foi avaliada a partir da história clínica: presença de atividade sexual; idade de início da atividade sexual; realização e número de atividades sexuais no último mês; número de parceiros no último mês; prática de masturbação; presença de desejo e excitação sexual, lubrificação vaginal e orgasmo; presença de insatisfação com a vida sexual; uso de contraceptivo nas relações sexuais (preservativo ou camisinha masculina) e história de gravidez. No presente estudo, a disfunção sexual foi definida como alteração de uma ou mais das seguintes funções sexuais: desejo, excitação, lubrificação vaginal e/ou desempenho reduzidos e/ou ausência de orgasmo (anorgasmia).

Exame ginecológico: Exame clínico sistemático da genitália foi realizado por uma mesma ginecologista e incluiu avaliação da vulva, hímen, vagina e colo uterino. Assim como foi coletado o esfregaço para o teste de Papanicolaou na fase folicular do ciclo menstrual.6

Ciclo menstrual: Estes foram avaliados em pelo menos 6 meses consecutivos. Os ciclos normais foram definidos como intervalos variando de 25 a 35 dias com 3 a 7 dias de duração do fluxo, como previamente descrito na população do Brasil.3,5 Amenorreia foi definida como interrupção da menstruação por mais de quatro meses consecutivos depois da menarca. Falência ovariana prematura (FOP) foi definida pela presença de amenorreia mantida por mais de 12 meses e valores de FSH > 40 UI/L (técnica de fluoroimmunoensaio usando kits DELPHIAR, WALLAC, Turku, Finlândia).1,3,5,7

Citologia cérvico-vaginal: Os esfregaços para o Papanicolaou foram coletados das adolescentes virgens com escova Cytobrush®. Esta escova foi inserida na borda do orifício vaginal e suavemente rodada entre 90ºe 180º, e imediatamente rolada sobre o terço externo da lâmina. Nas adolescentes sexualmente ativas, após introdução do espéculo, a citologia foi coletada com escova Cytobrush® e espátula de Ayre. O colo uterino foi visualizado e a espátula de Ayre foi inserida no orifício cervical e rodada 360ºcom uma leve pressão, depois a escova Cytobrush® foi inserida em dois terços do canal endocervical e rodada entre 90ºe 180º. O material da escova Cytobrush® foi rolado sobre o terço externo da lâmina e o material da espátula de Ayre foi espalhado em fina camada sobre o terço médio da lâmina. Após a fixação por imersão em álcool a 95%, os esfregaços foram imediatamente transportados ao laboratório.6,12

Todos os esfregaços foram avaliados por uma mesma citopatologista do Serviço de Colposcopia do Departamento de Ginecologia da FMUSP que desconhecia o exame ginecológico. Os esfregaços foram avaliados de acordo com o Sistema de Bethesda 2001 em cinco padrões, com presença ou ausência de infecção pelo HPV: normal (alterações celulares benignas), alterações inflamatórias, células escamosas atípicas de significado indeterminado (CEASI), lesões intraepiteliais escamosas de baixo ou alto grau (LIE-BG ou LIE-AG) e carcinoma in situ. As infecções por Trichomonas vaginalis, Candida spp, vaginose bacteriana, Actinomyces spp e vírus herpes simples foram também avaliadas.13

Avaliações da atividade do LESJ, dano cumulativo da doença e tratamento: Aatividade da doença e o dano cumulativo do LESJ foram avaliados em todos os pacientes no início do estudo, usando os escores Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index (SLEDAI)14 e Systemic Lupus International Collaborating Clinics/ACR-Damage Index (SLICC/ ACR-DI), respectivamente.15 Dados referentes ao tratamento com prednisona, cloroquina, ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato foram determinados.

Análise estatística

Resultados foram apresentados em mediana (variação) ou média ± desvio-padrão para variáveis contínuas e número (%) para variáveis categóricas. Os resultados foram comparados pelos testes t não pareado e Mann-Whitney para variáveis contínuas para determinar diferenças entre pacientes com LESJ versus controles e entre pacientes com LESJ de acordo com dois grupos: com e sem disfunção sexual. Para as variáveis categóricas, as diferenças foram calculadas pelo teste exato de Fischer. Valores de P < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS

Adolescentes com LESJ versus controles saudáveis

As médias de idade atual e de anos de escolaridade foram similares entre adolescentes com LESJ e grupo controle (16,7 ± 1,94 versus 16,13 ± 2,16 anos, P = 0,92; 9,51 ± 1,78 versus 9,7 ± 1,62 anos, P = 0,57; respectivamente). Assim como os percentuais de classe socioeconômica C ou D e a realização de atividade profissional foram semelhantes entre os grupos. Os dados demográficos e socioeconômico-culturais, marcos pubertários, função sexual, ciclo menstrual e citologia cérvico-vaginal de adolescentes com LESJ versus controles estão na Tabela 1.

A média de idade da menarca foi estatisticamente maior nas pacientes com LESJ versus controles (12,82 ± 1,62 versus 11,54 ± 1,45 anos, P = 0,00004). Todas as pacientes e controles apresentaram predomínio dos estágios pubertários de Tanner M4P4 e M5P511 (75% versus 73%, P = 1,0).

Com relação à função sexual, a frequência de início de atividade sexual foi estatisticamente menor nas pacientes com LESJ em relação ao grupo controle (23% versus 60%, P = 0,0003). Disfunção sexual (presença de redução do desejo, excitação, lubrificação vaginal e/ou desempenho e/ou anorgasmia) e insatisfação com a vida sexual foram relatadas em 58% das pacientes com LESJ versus 23% dos controles (P = 0,03). Além disto, os percentuais de reduções de lubrificação vaginal e desempenho no ato sexual, assim como anorgasmia foram estatisticamente maiores nas pacientes com LESJ comparadas ao grupo controle (50% versus 16%, P = 0,046; 58% versus 23%, P = 0,03; 50% versus 16%, P= 0,046; respectivamente). Houve tendências estatísticas entre maiores frequências de diminuições do desejo e excitação nas adolescentes com LESJ e controles (33% versus 10%, P= 0,08; 33% versus 10%, P = 0,08; respectivamente). Não houve diferença estatística entre idade da primeira atividade sexual, número de atividades sexuais e de parceiros no último mês, bem como uso de preservativo masculino e gravidez prévia nos dois grupos estudados (P > 0,05) (Tabela 1).

Irregularidade de duração e/ou intervalo do ciclo menstrual e amenorreia foram similares entre pacientes com LESJ e controles (23% versus 11%, P = 0,19; 6% versus 0%, P = 0,19; respectivamente). Nenhuma das pacientes apresentou FOP. Citologia cérvico-vaginal inflamatória ocorreu em 48% das pacientes com LESJ versus 46% controles (P = 1,0). Apenas 2% das pacientes com LESJ e 4% dos controles tiveram displasia cervical (LIE-BP) com infecção por HPV (P = 1,0). Um aspecto interessante foi uma maior frequência, estatisticamente significativa, de candidíase vaginal nas pacientes com LESJ versus controles (14% versus 0%, P = 0,01). Não houve diferença estatística entre a prevalência de vaginose por Gardnerella vaginalis nos dois grupos estudados (P = 0,11) (Tabela 1).

Adolescentes com LESJ com e sem alguma disfunção sexual relatada na história clínica

Os dados demográficos e socioeconômico-culturais, marcos pubertários, função sexual, ciclo menstrual e citologia cérvicovaginal das 12 adolescentes com LESJ com atividade sexual de acordo com a presença ou não de disfunção sexual estão na Tabela 2.

As medianas da idade de início da doença (12 versus 15 anos, P = 0,18), idade atual (18 versus 17 anos, P = 0,795) e anos de escolaridade (11 versus 11 anos, P = 0,66) foram similares entre as pacientes com LESJ com e sem disfunção sexual. Não houve diferença estatística entre tempo de duração da doença, idade da menarca, escolaridade, classes socioeconômicas, atividade profissional e estágios pubertários de Tanner nos dois grupos estudados (P > 0,05) (Tabela 2).

Não houve diferença estatística em relação às frequências de: uso de preservativo masculino, gravidez prévia e irregularidades do ciclo menstrual entre pacientes com LESJ que relataram disfunção sexual versus as que tinham função normal. Além disso, nos dois grupos estudados não ocorreram diferenças estatisticamente significativas entre as frequências da citologia cérvico-vaginal: normal, inflamatória, displasia (LIE-BG), candidíase vaginal, vaginose por Gardnerella vaginalis e condiloma acuminado por HPV (P > 0,05) (Tabela 2).

A Tabela 3 inclui atividade, dano cumulativo e tratamento de adolescentes com LESJ com disfunção versus sem disfunção sexual. As medianas do SLEDAI [4 (0-19) versus 6 (2-16), P = 0,41] e SLICC/ACR-DI [0 (0-1) versus 0 (0-1), P = 0,8] foram similares nas pacientes com LESJ com disfunção sexual comparadas aos que tinham função normal, assim como as frequências de SLEDAI > 4 e SLICC/ACR-DI > 1 (P > 0,05). As frequências do uso de prednisona, cloroquina e imunossupressores (ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato), assim como as doses cumulativas de prednisona e cloroquina também foram similares nos dois grupos estudados (P > 0,05) (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo que avaliou universalmente a função sexual e a saúde reprodutiva de jovens do sexo feminino com LESJ e identificou disfunção sexual global e específica em adolescentes com lúpus quando comparadas a um grupo controle com mesmo estágio pubertário, e confirmou atraso da menarca em adolescentes com lúpus registrados em estudos anteriores.

Neste estudo a função sexual feminina incluiu características da história clínica, que compreende aspectos de desejo, excitação, lubrificação vaginal, desempenho, orgasmo, além da satisfação com a vida sexual como um todo.3,16 Os raros estudos que avaliaram a função sexual de pacientes com lúpus, habitualmente, não tinham grupo controle e geralmente incluíram pacientes adultos de ambos os sexos.3,6,8,17-20 Além do mais, nenhum destes realizou uma avaliação concomitante do ciclo menstrual e da citologia cérvico-vaginal.

Stein et al.17 evidenciaram que 4% das mulheres e dos homens adultos com LES apresentaram disfunções sexuais por dados de história clínica. Folomeev & Alekberova18 identificaram uma alta frequência de disfunção sexual/erétil em 35% homens com LES. A partir de uma entrevista estruturada em mulheres adultas, Curry et al.19 observaram frequências reduzidas de atividade sexual, lubrificação vaginal e satisfação sexual em lúpus versus grupo controle pareado, como observado nas adolescentes com LESJ do presente estudo. Britto et al.8 avaliaram aspectos da sexualidade em 178 adolescentes com doenças reumatológicas crônicas, entretanto apenas 15 desses Condiloma acuminado pacientes tinham LESJ. Atividade sexual ocorreu em 21% dos adolescentes do sexo masculino e 60% do sexo feminino.

A disfunção sexual na adolescente do sexo feminino com lúpus é multifatorial e pode ocorrer pela própria atividade da doença ou pelos medicamentos, como corticosteroides e imunossupressores.3 No presente estudo não foi demonstrado associação entre disfunção sexual e atividade do lúpus, dano cumulativo causado pela doença ou uso de medicações. Isso pode ser explicado pelo pequeno número de pacientes em cada grupo o que pode comprometer a análise estatística, ou seja, podemos estar diante de um erro Beta, quando existe diferença real entre os grupos, mas o tamanho da amostra não foi suficiente para demonstrar a diferença. No entanto, a função sexual é um parâmetro complexo para ser analisado e pacientes jovens com lúpus podem querer omitir dos pais e médicos que já iniciaram atividade sexual (por medo, vergonha etc.). Além disto, vários outros fatores não abordados no estudo também poderiam influenciar a função sexual, tais como: fatores próprios da adolescência, redução da autoestima, estresse da doença crônica, depressão associada e compreensão do parceiro no ato sexual.

Um aspecto relevante observado na pesquisa é o de que as pacientes com LESJ iniciaram atividade sexual com a mesma idade das adolescentes saudáveis (mediana de 16 anos). Esta idade também foi semelhante à encontrada em um estudo com adolescentes com epilepsia (mediana de 15 anos)21 realizado pelo mesmo grupo do presente estudo e reforça que, a contracepção para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, incluindo síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) e HPV3,6 deve ser uma preocupação cada vez mais precoce nas adolescentes que iniciam atividade sexual. Além disto, a atividade sexual desprotegida tem aumentado os números de gestações indesejadas e não programadas entre essas pacientes, conforme constatado em recente estudo multicêntrico nacional realizado em 12 Serviços de Reumatologia Pediátrica.22 Gravidez indesejada foi também observada em 8% das pacientes com lúpus sexualmente ativas do presente estudo.

As utilizações de preservativo masculino em todas as atividades sexuais e da contracepção de emergência são prioritárias em adolescentes com lúpus que receberão ciclofosfamida e metotrexato. Kaufman, 2008, sugere que a contracepção de emergência (com levonorgestrel 1,5 mg) deva ser utilizada imediatamente nas pacientes com LESJ, principalmente nas primeiras 72 horas, após uma atividade sexual sem utilização de preservativo ou sua ruptura no ato sexual.23 Nenhuma das pacientes deste estudo utilizou este método anticoncepcional ou outro contraceptivo hormonal.

Outro aspecto relevante foi avaliação de parâmetros da saúde reprodutiva neste estudo. Apesar de uma maior frequência de irregularidades menstruais e amenorreia nas pacientes com LESJ, não houve diferença estatística entre os grupos, diferindo de um recente estudo do nosso grupo.5 Nenhuma das nossas pacientes apresentou falência ovariana prematura, mesmo utilizando terapia com imunossupressores. Adolescentes do sexo masculino com LESJ que utilizaram ciclofosfamida também podem ter azoospermia e disfunção definitiva das células testiculares de Sertoli.20,24,25

Candidíase vaginal foi mais frequente nas adolescentes com lúpus, conforme evidenciado em outro estudo.6 Isto reforça a importância da pesquisa rotineira desta infecção, pois a infecção fúngica foi uma das principais causas de óbito em pacientes internados com LESJ no nosso serviço terciário de Reumatologia Pediátrica.26

Este estudo incluiu uma ampla avaliação da função sexual e da saúde reprodutiva que pode ser utilizada na prática do reumatologista pediátrico. Entretanto, serão necessários futuros estudos utilizando amostras maiores, instrumentos mais específicos de função sexual16 e validados na população brasileira de adolescentes com LESJ de ambos os sexos, além da avaliação global da função sexual nos seus parceiros.

O presente estudo identificou disfunção sexual em adolescentes do sexo feminino com LESJ. Aspectos relacionados à sexualidade necessitam uma atenção especial dos profissionais de saúde que atendem adolescentes com lúpus, propiciando melhor qualidade de vida das pacientes e de seus parceiros.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Profª. Thelma Suely Okay pela realização das dosagens hormonais e ao Dr. Ulysses Dória-Filho pelo auxílio à análise estatística.

Recebido em 23/04/2009.

Aprovado, após revisão, em 10/10/2009.

Os autores declaram ter recebido apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ (Grants 300248/2008-3 para CAAS e 305468/2006-5 para Eloísa Bonfá) e da Federico Foundation (para Eloísa Bonfá). Clovis Artur Almeida da Silva recebeu auxílio dos fundos remanescentes da SBR.

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  • Endereço para correspondência:
    Prof. Dr. Clovis Artur Almeida da Silva
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      10 Out 2009
    • Recebido
      23 Abr 2009
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