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Manifestações musculoesqueléticas no hiperparatireoidismo primário

Resumos

OBJETIVO: Avaliar as manifestações musculoesqueléticas do hiperparatireoidismo primário (HPP). PACIENTES E MÉTODOS: Foram avaliados dados clínicos, com ênfase nas manifestações musculoesqueléticas, dados laboratoriais e densitométricos de 21 pacientes com HPP acompanhados no nosso Serviço. RESULTADOS: Foram estudadas apenas mulheres no período menopausa, com média de idade de 67,9 ± 11,2 anos, sendo 16 (76,2%) de cor branca. Os níveis séricos do cálcio total, fósforo, 25 hidroxivitamina D e paratormônio (PTH), no diagnóstico, foram respectivamente de 10,6 ± 0,9 mg/dL, 2,9 ± 0,7 mg/dL, 16,6 ± 6,6 ng/mL e 113,7 ± 74,8 pg/mL. Treze (61,9%) pacientes apresentavam osteoatrite, sete (33,3%) artralgias difusas, seis (28,6%) mialgias difusas, três (14,3%) condrocalcinose e duas (14,3%) tendinopatias. Das 14 (67,8%) com osteoporose, metade apresentava história clínica de fratura óssea (duas de rádio distal, quatro de coluna vertebral, duas de quirodáctilos, duas de tornozelos). Com relação às comorbidades, foi observada hipertensão arterial sistêmica em 11 (52,4%) casos, cinco (23,8%) hipotireoidismo, quatro (18,0%) úlcera péptica, três (14,3%) litíase renal, duas (9,5%) depressão e duas (9,5%) psoríase. Quinze pacientes (71,4%) foram submetidas à paratiroidectomia, sendo sete com diagnóstico de adenoma de paratireoide, e 61,5% destas pacientes evidenciaram melhora dos sintomas após a cirurgia. CONCLUSÕES: O HPP apresenta uma expressão clínica variável na qual predominam as manifestações musculoesqueléticas. O conhecimento dessa enfermidade e a sua inclusão no diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas possibilitam seu diagnóstico precoce, minimizando suas complicações clínicas.

comorbidades; hiperparatireoidismo primário; manifestação musculoesquelética; osteoporose


OBJECTIVE: To evaluate the musculoskeletal manifestations of primary hyperparathyroidism (PHP). PATIENTS AND METHODS: Clinical, with emphasis on musculoskeletal manifestations, laboratorial, and densitometric data of 21 PHP patients followed-up in our service were evaluated. RESULTS: Only post-menopausal patients, with mean age of 67.9 ± 11.2 years, of which 16 (76.2%) were Caucasian, participated in this study. Serum levels of calcium, phosphorus, 25 hydroxy vitamin D, and parathyroid hormone (PTH) at the time of diagnosis were 10.6 ± 0.9 mg/dL, 2.9 ± 0.7 mg/dL, 16.6 ± 6.6 ng/mL, and 113.7 ± 74.8 pg/mL, respectively. Thirteen (61.9%) patients had osteoarthritis, 7 (33.3%) diffuse arthralgia, 6 (28.6%) diffuse myalgia, 3 (14.3%) chondrocalcinosis, and 2 (14.3%) tendinopathy. Half of 14 (67.8%) patients with osteoporosis had a history of bone fracture (2 of the distal radius, 4 of the vertebral spine, 2 of the fingers, and 2 of the ankles). Eleven (52.4%) patients had hypertension, 5 (23.8%) hypothyroidism, 4 (18.0%) peptic ulcer, 3 (14.3%) kidney stones, 2 (9.5%) depression, and 2 (9.5%) psoriasis. Fifteen patients (71.4%) underwent parathyroidectomy, seven had a diagnosis of adenoma of the parathyroid, and an improvement of the symptoms was observed in 61.5% of those patients. CONCLUSIONS: Primary hyperparathyroidism has variable clinical manifestations in which musculoskeletal symptoms predominate. Knowledge of this disorder and its inclusion in the differential diagnosis of rheumatic diseases allows the early diagnosis, therefore minimizing clinical complications.

comorbidities; primary hyperparathyroidism; musculoskeletal manifestation; osteoporosis


ARTIGO ORIGINAL

Manifestações musculoesqueléticas no hiperparatireoidismo primário

Samuel Katsuyuki ShinjoI; Rosa Maria Rodrigues PereiraII; Adriane Gisele Fonseca BorssattoIII; Jussara Almeida Lima KochenIV

IDoutor, médico assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) e Professor Colaborador da Disciplina de Reumatologia da FMUSP

IIProfessora associada, livre docente da FMUSP, médica assistente do Serviço de Reumatologia do HC/FMUSP

IIIReumatologista, médica ex-residente do Serviço de Reumatologia do HC/FMUSP

IVDoutora, médica assistente do Serviço de Reumatologia do HC/FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Samuel Katsuyuki Shinjo Disciplina de Reumatologia da FMUSP Av. Dr. Arnaldo, 455, 3º andar, sala 3190 São Paulo - SP - Brasil. CEP: 01246-903 Tel: (11) 3061-7492. Fax: (11) 3061-7490 E-mail: samuel.shinjo@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as manifestações musculoesqueléticas do hiperparatireoidismo primário (HPP).

PACIENTES E MÉTODOS: Foram avaliados dados clínicos, com ênfase nas manifestações musculoesqueléticas, dados laboratoriais e densitométricos de 21 pacientes com HPP acompanhados no nosso Serviço.

RESULTADOS: Foram estudadas apenas mulheres no período menopausa, com média de idade de 67,9 ± 11,2 anos, sendo 16 (76,2%) de cor branca. Os níveis séricos do cálcio total, fósforo, 25 hidroxivitamina D e paratormônio (PTH), no diagnóstico, foram respectivamente de 10,6 ± 0,9 mg/dL, 2,9 ± 0,7 mg/dL, 16,6 ± 6,6 ng/mL e 113,7 ± 74,8 pg/mL. Treze (61,9%) pacientes apresentavam osteoatrite, sete (33,3%) artralgias difusas, seis (28,6%) mialgias difusas, três (14,3%) condrocalcinose e duas (14,3%) tendinopatias. Das 14 (67,8%) com osteoporose, metade apresentava história clínica de fratura óssea (duas de rádio distal, quatro de coluna vertebral, duas de quirodáctilos, duas de tornozelos). Com relação às comorbidades, foi observada hipertensão arterial sistêmica em 11 (52,4%) casos, cinco (23,8%) hipotireoidismo, quatro (18,0%) úlcera péptica, três (14,3%) litíase renal, duas (9,5%) depressão e duas (9,5%) psoríase. Quinze pacientes (71,4%) foram submetidas à paratiroidectomia, sendo sete com diagnóstico de adenoma de paratireoide, e 61,5% destas pacientes evidenciaram melhora dos sintomas após a cirurgia.

CONCLUSÕES: O HPP apresenta uma expressão clínica variável na qual predominam as manifestações musculoesqueléticas. O conhecimento dessa enfermidade e a sua inclusão no diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas possibilitam seu diagnóstico precoce, minimizando suas complicações clínicas.

Palavras-chave: comorbidades, hiperparatireoidismo primário, manifestação musculoesquelética, osteoporose.

INTRODUÇÃO

O hiperparatireoidismo primário (HPP) é uma doença metabólica decorrente da hiperfunção autônoma de uma ou mais das glândulas paratireoideas,1 resultando em um aumento progressivo do nível sérico do hormônio paratireoideo (PTH) e do cálcio.

A prevalência de HPP é de 1-4 em 1.000 indivíduos, ocorrendo mais frequentemente nas mulheres (3 mulheres: 1 homem), com um pico de incidência entre 50 e 60 anos de idade.2-4

A etiologia mais comum é o adenoma de uma das quatro glândulas,2 correspondendo aproximadamente a 85% dos casos.5 Menos frequentemente, há aumento de duas glândulas, ou mesmo a hiperplasia difusa,5 sendo raro o carcinoma de paratireoide.4

A maioria dos pacientes apresenta um aumento discreto do nível de PTH e do cálcio sérico, e são assintomáticos,6 consequentemente a história clínica e o exame físico raramente fornecem indícios de HPP. Em menos da metade dos casos, o HPP pode apresentar-se em diversas manifestações clínicas decorrentes da hipercalcemia sérica. Assim sendo, pode ocorrer litíase renal e nefrocalcinose, além de hipertensão arterial sistêmica, arritmias, diabetes mellitus, úlcera péptica, constipação, alterações psiquiátricas como a depressão e alterações cognitivas. Dentre as neoplasias malignas, que estão presentes em 1-4% dos casos, destaca-se a neoplasia endócrina múltipla tipos 1 e 2.1,4, 7-16

Entre as manifestações musculoesqueléticas, encontramos sintomas fibromiálgicos, fraqueza muscular, fadiga, mialgias e artralgias, gota, pseudogota e condrocalcinose.17-19 Sob o ponto de vista osteometabólico, observa-se dor óssea difusa, osteoporose e em casos avançados a osteíte fibrosa cística. Estudos epidemiológicos sugerem que pacientes com HPP tenham um aumento do índice de fraturas por fragilidade em vários locais do esqueleto.20,21

Com o intuito de avaliar a magnitude destas manifestações musculoesqueléticas e comorbidades no HPP, analisamos pacientes com este diagnóstico e em acompanhamento no Ambulatório de Doenças Osteometabólicas do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP), um serviço terciário.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliadas de modo retrospectivo as manifestações musculoesqueléticas e comorbidades de todos os pacientes com HPP em acompanhamento no Ambulatório de Doenças Osteometabólicas (HC/FMUSP), no período de 2001 a 2009. Os dados demográficos, clínicos, laboratoriais e densitométricos foram obtidos pela análise dos prontuários dos pacientes. Os valores densitométricos e laboratoriais referem-se aos do momento do diagnóstico de HPP.

O diagnóstico de HPP foi baseado na hipercalcemia sérica (> 10,4 mg/dL) e elevação do PTH.4 A dosagem do PTH sérico foi realizada por ensaio imunoquimioluminométrico, com valores de referência (VR) para a normalidade entre 16 e 87 pg/ mL. O exame de cálcio sérico (VR: 8,4-10,2 mg/dL) e urinário, bem como de fósforo sérico (VR: 2,5-4,5 mg/mL) foram realizados por técnica enzimática colorimétrica automatizada. A fosfatase alcalina (VR: 35-104 U/L) foi realizada por método de cinético automatizado. A dosagem de 25 hidroxivitamina D (25OHD) foi realizada por radioimunoensaio (DiaSorin, Minesota, USA). Estes exames foram coletados de rotina, na véspera do retorno ambulatorial dos pacientes.

Diagnóstico das comorbidades: (a) osteoartrite: pelos critérios do Colégio Americano de Reumatologia;22 (b) osteoporose: segundo a Organização Mundial de Saúde;23 (c) hipertensão arterial sistêmica: III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial;24 (d) hipotireoidismo: baseado na elevação do nível sérico de TSH acima do valor de referência (0,38-4,5 mUI/mL) e na diminuição de T4 livre (0,8-2,3 ng/dL); (e) depressão: segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.25

RESULTADOS

No período de 2001 a 2009, foram avaliados e admitidos 900 pacientes no Ambulatório de Doenças Osteometabólicas do HC-FMUSP. A maioria destes pacientes foi encaminhada com uma suspeita inicial de osteoporose. Dos 900 pacientes, 21 (2,3%) tiveram o diagnóstico de HPP no nosso Serviço. Todas eram do sexo feminino e estavam no período pós-menopausa, sendo 16 (76,2%) da cor branca. A média de idade foi de 67,9 ± 11,2 anos, variando de 44 a 88 anos, enquanto que a média de idade na menopausa foi a de 50,3 ± 4,4 anos. O índice de massa corpórea foi de 29,1 ± 4,4 kg/m2.

As manifestações musculoesqueléticas e comorbidades que poderiam estar relacionadas ao hiperparatireoidismo primário são mostradas na Tabela 1. Todas as 21 pacientes apresentavam pelo menos uma manifestação musculoesquelética. Oito das 21 (38.1%) pacientes não apresentavam quadro osteoarticular. Nenhuma paciente apresentava insuficiência renal crônica, gota, neoplasia endócrina múltipla (tipo 1 ou 2). Todas eram sedentárias, sem antecedentes de tabagismo, etilismo, uso de glicocorticoide e metade das pacientes tinha feito uso de terapia de reposição hormonal.

Com relação às alterações osteometabólicas, 14 (67,8%) das pacientes apresentavam osteoporose e cinco (23,8%) osteopenia diagnosticada por densitometria óssea (Tabela I). O valor médio da densidade mineral óssea (DMO) na coluna lombar (L1-L4) foi de 0,820 ± 0,194 g/cm2, com T-score de - 2,20 ± 1,79 desvio-padrão (DP). No colo do fêmur, as médias da DMO e do T-score foram respectivamente 0,738 ± 0,142 g/cm2 e - 1,58 ± 1,42 DP.

As fraturas ósseas foram vistas em sete pacientes (33,3%), sendo dois casos de fratura em terço distal do rádio, quatro em coluna vertebral, dois em quirodáctilos e dois em tornozelos (Tabela I).

Os valores séricos dos parâmetros bioquímicos na suspeita diagnóstica foram: cálcio total 10,6 ± 0,9 (VR: 8,4-10,2 mg/dL), fósforo 2,9 ± 0,7 (VR: 2,5-4,5 mg/mL), fosfatase alcalina 113,7 ± 74,8 (VR: 35-104 U/L), 25OHD 16,6 ± 6,6 (VR: 16-87 pg/mL) e PTH intacto 139,5 ± 59,9 (VR: 16-87 pg/mL), e do cálcio urinário de 4,4 ± 2,6 mg/ kg em 24 horas, sendo que a hipercalciúria foi observada em 12 pacientes (57,1%).

Diante destes achados clínico-laboratoriais foi realizado ultrassom das glândulas paratireoidianas em 20 (95,2%) casos e/ou complementadas com cintilografia destas glândulas com MIBI (metoxi-isobutil-isonitrila) em 19 casos (90,5%), confirmando o diagnóstico de HPP e localizando a(s) glândula(s) acometida(s) para a indicação cirúrgica.

Das 21 pacientes, 15 (71,4%) foram submetidas à paratireoidectomia, das quais sete apresentavam evidência de adenoma de paratireoide e, o restante, hiperplasia de paratireoide. Dezessete das 21 pacientes já apresentavam indicação cirúrgica para HPP assintomático: cinco pacientes com cálcio sérico > 1 mg/dL acima do normal, cinco com cálcio urinário > 400 mg/dia, 14 com DMO T-score < -2,5 em qualquer sítio, duas com idade < 50 anos. Além disso, oito das 15 pacientes tinham evoluído com perda de densidade óssea, e uma apresentou fratura na vigência de tratamento clínico. Antes de serem submetidas à cirurgia, das 15 pacientes, quatro estavam utilizando antirreabsortivos (uma cloridrato de raloxifeno 60 mg/dia ou três alendronato dissódico 10 mg/dia). Nenhuma paciente estava recebendo terapia de reposição hormonal.

A paratireoidectomia não foi realizada em seis pacientes por várias razões: uma perdeu o acompanhamento ambulatorial, uma não apresentava condição clínica para realização de cirurgia, uma se recusou a fazer cirurgia, e três estão em programação futura de paratireoidectomia.

DISCUSSÃO

No presente trabalho, avaliamos as manifestações musculoesqueléticas e comorbidades que poderiam estar relacionadas com HPP em 21 pacientes com este diagnóstico.

De um modo geral, o HPP apresenta-se primariamente de uma forma assintomática.1,6,26 No entanto, no presente estudo, houve elevada frequência de manifestações musculoesqueléticas, mais da metade dos pacientes apresentava sintomas/ sinais de osteoartrite, um terço dos casos apresentavam quadro de artralgias difusas, seguido de sintomas fibromiálgicos, condrocalcinose e tendinopatias.

Sintomas musculoesqueléticos podem ser encontrados em 53% dos casos.27 Quadro de mialgias, geralmente difusas, pode ocorrer em 14-41% dos pacientes com HPP.27-30 Neste caso, o principal diagnóstico diferencial seria fibromialgia que, por sua vez, pode-se sobrepor aos sintomas musculares do próprio HPP. Na nossa casuística, três das quatro pacientes melhoraram dos sintomas de mialgias difusas somente após a paratireoidectomia, enquanto uma paciente, necessitou de uso contínuo de terapia medicamentosa, mesmo após a cirurgia, provavelmente por tratar-se de fibromialgia.

Com relação às artralgias no HPP, observa-se sua presença em 32% dos casos, acometendo principalmente as grandes articulações.27 O diagnóstico diferencial seria a osteoartrite primária. No presente estudo, três pacientes, com osteoartrite nos joelhos, melhoraram das artralgias generalizadas, após a realização da paratireoidectomia.

A presença de condrocalcinose no HPP pode ocorrer em 18-40% dos casos.30,31 Trata-se de um achado radiográfico associado ao quadro desta enfermidade.

Houve também alta frequência de manifestações osteometabólicas, como a osteoporose e fraturas ósseas. O HPP está associado com a redução da DMO, principalmente na região do osso cortical, como encontrado no terço distal do rádio.32,33 Já na região lombar, composta principalmente por osso trabecular e, na região femoral, composta por osso cortical e trabecular, a diminuição da DMO é menos intensa32-34 ou até mesmo preservada.35 Em casos de HPP grave, pode ocorrer redução significativa da DMO em todos os tipos de ossos.1 No presente estudo, os parâmetros analisados foram os valores densitométricos da coluna e quadril obtidos no momento do diagnóstico de HPP. Os dados densitométricos específicos do terço distal do rádio não estavam disponíveis para avaliação. Apesar disto, houve alta frequência de osteoporose diagnosticada em região lombar e femoral, mostrando que pode tratar-se de pacientes com HPP grave. Por outro lado, a osteoporose poderia ser justificada em parte pelo perfil das pacientes avaliadas: mulheres no período menopausa e, em metade dos casos, sem o uso de terapia hormonal.

O diagnóstico ou a associação de hiperparatireoidismo secundário foi afastado no presente estudo, pois todas pacientes apresentavam níveis elevados de cálcio sérico e houve normalização do PTH sérico após a cirurgia de retirada da paratireoide(s).

Com relação às comorbidades clínicas em HPP, a hipertensão arterial sistêmica pode ser encontrada em 10 a 40% dos casos.36-38 Na nossa casuística, a hipertensão arterial sistêmica ocorreu em mais da metade das pacientes. O mecanismo poderia ser decorrente da síntese de fator hipertensivo paratireoidiano,37 desencadeando a elevação da pressão arterial nestas pacientes. O aumento do PTH também é associado ao distúrbio no sistema renina angiotensina-aldosterona. Além disso, o fluxo aumentado de cálcio para o interior das células da musculatura lisa dos vasos mediado pela vitamina D provoca o aumento da resistência vascular e da pressão sanguínea.39

A coexistência ou não de HPP com hipotireoidismo é controverso na literatura.40-42 A maioria dos trabalhos é baseada em relato de casos ou de estudo de casos não controlados. Regal et al.41 observaram, em 54 casos consecutivos de HPP, 52% casos de tireoidopatia, sendo que em apenas dois casos eram casos de hipotireoidismo. Na nossa casuística foram observados quatro (19,0%) casos de hipotireoidismo.

Os sintomas dispépticos no HPP são relativamente altos (22,8%).43 Clinicamente, pode ocorrer quadro de náuseas, vômitos, dores abdominais.43-45 No HPP, a formação de úlceras dispépticas é aumentada, e o mecanismo pode ser decorrente do aumento da secreção ácida gástrica.45 Em nosso trabalho, quatro pacientes (19,0%) apresentavam quadro de úlceras pépticas.

Entre as manifestações renais que acontecem em HPP, a litíase renal ocorre em 15-20% dos casos.1 Além disto, pode ocorrer hipercalciúria, que ocorre em 40% dos casos, nefrocalcinose e redução do clearance de creatinina, cujas frequências são desconhecidas.1 As nossos pacientes apresentaram baixa taxa de litíase renal e alta frequência de hipercalciúria e nenhum caso de nefrocalcinose ou redução de clearance de creatinina.

Sinais ou sintomas inespecíficos como fadiga, ansiedade, além de depressão ou ainda, alterações neurológicas e cognitivas também podem ocorrer no HPP.46,47 Particularmente, em relação à depressão, este sintoma pode ocorrer em 10% dos casos, como aconteceu nas pacientes do presente trabalho. Estes sintomas e sinais podem se sobrepor ao quadro de fibromialgia que, por sua vez, conforme já mencionado anteriormente, encontra-se presente em casos de HPP.

A paratireoidectomia pode reduzir os sintomas da depressão, melhorando a qualidade de vida, bem como reduzir ou eliminar o uso de medicamentos antidepressivos em aproximadamente metade dos casos.46

Até o presente momento, há um relato de caso da associação entre o hiperparatireoidismo, osteodistrofia renal e artrite psoriática.48 No entanto, não há relato sobre HPP com psoríase. No presente estudo, encontramos duas pacientes com essa associação. Apresentavam psoríase e artrite psoriática, respectivamente, em que, no exame de rotina para a investigação de osteoporose, observou-se um aumento do nível sérico de cálcio e PTH.

Das pacientes que foram submetidas à paratireoidectomia, aproximadamente metade apresentava adenoma de paratireoide, cujo perfil laboratorial evidenciou melhora após sua exérese. A indicação de tratamento cirúrgico foi baseada nos critérios:49 (a) pacientes sintomáticas; (b) com osteoporose na DMO, ou seja, T-score abaixo de - 2,5 DP em um dos seguintes sítios esqueléticos: coluna lombar, colo do fêmur ou radio distal; e/ou (d) pacientes com cálcio sanguíneo 1 mg/dL acima do valor referencial. Além disto, foi incluída (e) presença de fraturas na vigência de tratamento clínico.

Um fator limitante do presente estudo, que é retrospectivo, é a avaliação dos sintomas musculoesqueléticos que não foi feita sistematicamente e, portanto, provavelmente subestimando a sua real prevalência de sintomas.

Em síntese, o HPP apresenta uma expressão clínica variável na qual predominam as manifestações musculoesqueléticas, devendo ser lembrado como uma das causas secundárias de manifestações reumatológicas. O conhecimento dessa enfermidade e a sua inclusão no diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas possibilitam seu diagnóstico precoce minimizando suas complicações clínicas.

Recebido em 13/05/2009.

Aprovado, após revisão, em 29/09/2009.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Endereço para correspondência:
    Samuel Katsuyuki Shinjo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2009
    • Aceito
      29 Set 2009
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