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Síndrome de Hughes-Stovin

Resumos

A síndrome de Hughes-Stovin é uma condição rara, de causa desconhecida, caracterizada pela associação de múltiplos aneurismas de artéria pulmonar e trombose venosa profunda. Alguns autores consideram tal entidade como uma forma incompleta de apresentação da doença de Behçet, devido à semelhança entre os achados radiológicos e anatomopatológicos do comprometimento pulmonar. Os autores relatam um caso de síndrome de Hughes-Stovin cujo primeiro evento trombótico venoso antecedeu em cinco anos o aparecimento dos aneurismas pulmonares.

Síndrome de Hughes-Stovin; aneurismas de artéria pulmonar e trombose venosa profunda


Hughes-Stovin syndrome is a rare disorder of unknown etiology characterized by the association of multiple pulmonary artery aneurysms and deep venous thrombosis. Some authors consider this entity an incomplete form of Behcet's disease due to the similarities between the radiologic and anatomopathological findings of pulmonary involvement. The authors report a case of Hughes-Stovin syndrome whose first venous thrombotic event preceded the development of pulmonary aneurysms by five years.

Hughes-Stovin Syndrome; pulmonary artery aneurysms and deep venous thrombosis


RELATO DE CASO

Síndrome de Hughes-Stovin

Vitor Alves CruzI; Yadine A. MunizII; Pedro Paulo Teixeira e Silva TorresIII; Kim-Ir-Sem Santos TeixeiraIV; Jozelia RegoV; Nilzio Antônio da SilvaVI

IResidente (R2) de Reumatologia do Hospital das Clínicas - UFG

IIResidente (R1) de Reumatologia do Hospital das Clínicas - UFG

IIIResidente (R3) de Radiologia do Hospital das Clínicas - UFG

IVChefe do Departamento de Patologia, Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Faculdade de Medicina da UFG

VCoordenadora da Residência Médica em Reumatologia do Hospital das Clínicas - UFG

VIProfessor Titular de Reumatologia da Faculdade de Medicina da UFG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Serviço de Reumatologia Departamento de Clínica Médica HC/UFG 1ª Avenida, s/n - Setor Leste Universitário Goiânia Goiás. CEP: 74.605-020 Telefone: (62) 3261-2029 E-mail: vitorcruz@msn.com

RESUMO

A síndrome de Hughes-Stovin é uma condição rara, de causa desconhecida, caracterizada pela associação de múltiplos aneurismas de artéria pulmonar e trombose venosa profunda. Alguns autores consideram tal entidade como uma forma incompleta de apresentação da doença de Behçet, devido à semelhança entre os achados radiológicos e anatomopatológicos do comprometimento pulmonar. Os autores relatam um caso de síndrome de Hughes-Stovin cujo primeiro evento trombótico venoso antecedeu em cinco anos o aparecimento dos aneurismas pulmonares.

Palavras-chaves: Síndrome de Hughes-Stovin, aneurismas de artéria pulmonar e trombose venosa profunda.

INTRODUÇÃO

Aneurismas raramente ocorrem na circulação pulmonar e, ao contrário dos aórticos, ocorrem mais frequentemente em pacientes jovens.1

Cerca da metade está associada a defeitos cardiovasculares congênitos, particularmente anormalidades septais e do ducto arterioso. Outras causas menos comuns são: sífilis, aterosclerose, trauma, hipertensão arterial pulmonar e êmbolos infectados.1

Quando um único aneurisma ocorre nas artérias pulmonares, geralmente são as grandes artérias musculares que estão envolvidas. Múltiplos aneurismas são incomuns, mas ocorrem preferencialmente nos ramos periféricos das artérias pulmonares.2

A síndrome de Hughes-Stovin é uma rara condição, descrita inicialmente em 1959,3 e caracterizada por múltiplos aneurismas pulmonares e trombose venosa profunda.4

Sinais e sintomas incluem: tosse, dispneia, hemoptise, cefaleia, febre intermitente, papiledema e aqueles devidos a tromboflebite periférica.5

A causa mais frequente de mortalidade é a ruptura de um aneurisma no interior das vias respiratórias pulmonares.5

Apresentamos um caso de síndrome de Hughes-Stovin cujo primeiro evento trombótico ocorreu cinco anos antes do aparecimento dos aneurismas pulmonares.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 37 anos, pedreiro, procurou o ambulatório de pneumologia em agosto de 2007 com queixas de dor torácica relacionada a inspiração profunda, tosse com hemoptoicos, inapetência e febre diária de até 39 ºC, há três meses. Duas semanas antecedendo à consulta ambulatorial apresentou edema e dor acentuada em panturrilha esquerda.

No interrogatório sintomatológico referia perda ponderal de 9 kg em um mês.

Nos antecedentes referia trombose venosa profunda em membro inferior direito, em 2002; ulcerações recorrentes em cavidade oral, principalmente na adolescência; lesão bolhosa na bolsa escrotal, com evolução para úlcera dolorosa e resolução espontânea, aos 17 anos.

Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, hipocorado (+/4+), eupneico, acianótico. Aparelhos cardiovascular e respiratório sem alterações. Pulsos palpáveis e simétricos em membros inferiores e superiores; empastamento de panturrilha esquerda. Fenômeno de patergia negativo. Articulações livres, sem sinais flogísticos. Glasgow 15, sem déficits sensitivos ou motores ao exame neurológico.

Os exames complementares revelaram: hemograma normal; VHS = 106 mm; provas de funções renal e hepática normais; sorologias para HCV, HBV e HIV negativas; VDRL negativo; PPD não reator; pesquisa de BAAR no escarro, negativa; hemoculturas negativas; FAN, fator reumatoide e ANCA negativos; anticardiolipina (IgG e IgM) negativa; atividades das proteínas C e S normais; exame sumário de urina normal. Doppler de membros inferiores: trombose venosa profunda subaguda à esquerda, e trombose de veia cava inferior, distalmente à junção com a veia renal. Angiotomografia de tórax: múltiplos aneurismas e trombose de artéria pulmonar (Figuras 1 e 2). Biópsia pulmonar: áreas de infarto, preenchimento alveolar por polimorfonucleares e broquiolite obliterante e pneumonite em organização (BOOP).



Avaliado pelo Serviço de Reumatologia com conclusão de síndrome de Hughes-Stovin. Iniciada anticoagulação com enoxaparina e pulsoterapia combinada de metilprednisolona (um grama por três dias) e ciclofosfamida (um grama por sessão mensal). O paciente apresentou melhora acentuada do quadro clínico, normalização das provas de atividade inflamatória e angiotomografia de controle revelando diminuição do número e do calibre dos aneurismas. Manteve-se estável até a 6ª sessão de pulsoterapia mensal combinada, quando apresentou recidiva da hemoptise associada à ruptura de um dos aneurismas. Foi submetido à pneumectomia direita, com boa evolução no pós-operatório.

Atualmente, o paciente apresenta-se estável, sem novos episódios de hemoptise, mas ainda com hemoptoicos intermitentes. Optamos pelo início de terapia imunobiológica (anti-TNF). Foram realizadas duas infusões com infliximabe (3 mg/kg/dose), seguidas de aplicações subcutâneas quinzenais de adalimumabe 40 mg, sem intercorrências ou novos episódios de hemoptise ou hemoptoicos.

DISCUSSÃO

Os primeiros casos de associação entre trombose venosa, trombo mural de artéria pulmonar e aneurismas múltiplos de artéria pulmonar foram apresentados como uma discreta entidade patológica por Hughes e Stovin,3 em 1959. O epônimo "síndrome de Hughes-Stovin" foi aplicado por Koop e Green,1 em 1962.6

A apresentação clínica típica da doença consiste de três fases: um primeiro estágio, envolvendo sintomas de tromboflebite; um segundo estágio, consistindo na formação e desenvolvimento dos aneurismas pulmonares; e um terceiro estágio, caracterizado pela ruptura do aneurisma, causando hemoptise maciça e morte.6

A causa desta entidade é desconhecida, e uma vasculite sistêmica tem sido sugerida.6

Em virtude do embolismo pulmonar raramente causar aneurismas, Hughes e Stovin postularam que alterações congênitas ou degenerativas das artérias brônquicas resultariam em nutrição inadequada das artérias pulmonares, produzindo um diferente tipo de êmbolo, diferente daquele encontrado nas artérias pulmonares normais.3,7

Outra teoria é a de que êmbolos infectados com organismos de baixa virulência poderiam causar os chamados aneurismas micóticos.7

Alguns autores têm sugerido que a síndrome de Hughes-Stovin seja uma manifestação parcial da doença de Behçet.2 Estudos patológicos da síndrome de Hughes-Stovin têm repetidamente demonstrado trombo mural e inflamação, e muitos relatos das manifestações pulmonares da doença de Behçet têm sugerido que um coágulo intraluminal nas artérias pulmonares possa desenvolver-se "in situ", secundário à inflamação da parede vascular da artéria pulmonar, melhor do que um tromboembolismo pulmonar - principalmente nos casos sem trombose venosa profunda.6

Nosso paciente apresentava histórico de ulcerações orais recorrentes, na adolescência, sendo aventada inicialmente a hipótese de doença de Behçet.

Em decorrência de não visualizarmos lesões orais recentes e com teste da patergia negativo, concluímos por síndrome de Hughes-Stovin.

Não existe um tratamento padronizado para a doença. Por causa de poucos casos relatados, testes controlados não foram produzidos. Um tratamento semelhante à doença de Behçet, com corticoterapia isolada, ou em associação a imunossupressores, é sugerido. A eficácia é duvidosa em virtude do curso fatal de muitos casos, a despeito do tratamento.4

A anticoagulação é tema controverso na literatura. Alguns autores questionam a sua real necessidade, dada a etiopatogenia essencialmente inflamatória dos trombos, tornando-os firmemente aderidos ao endotélio, minimizando os riscos de fenômenos embólicos. É reconhecido também o risco de hemoptise fatal associada a esta modalidade terapêutica, especialmente em pacientes não submetidos à imunossupressão. A terapia anticoagulante é considerada aceitável, desde que estabelecida concomitantemente à corticoterapia, embora não existam estudos prospectivos controlados sobre o assunto.5,6,7

Nosso paciente evoluiu bem após a primeira sessão de pulsoterapia combinada de metilprednisolona e ciclofosfamida, sem hemoptoicos e com regressão do tamanho e número dos aneurismas pulmonares. Entretanto, como observado na literatura, reapresentou hemoptoicos após a sexta sessão de pulsoterapia, sendo necessária nova discussão terapêutica.

CONCLUSÃO

O diagnóstico de tromboembolismo pulmonar deve ser aventado com cautela em pacientes com aneurismas e trombos em artérias pulmonares concomitantes a trombose venosa profunda. Tal associação suscita a exclusão de vasculites, como a doença de Behçet e a síndrome de Hughes-Stovin.

Recebido em 14/01/2009.

Aprovado, após revisão, em 04/04/2009.

Declaramos a inexistência de conflito de interesse.

Serviço de Reumatologia - Departamento de Clínica Médica - Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Goiás

  • 1
    Kopp WL, Green RA. Pulmonary artery aneurysms with recurrent thrombophlebitis: the "Hughes-Stovin syndrome". Ann Intern Med 1962; 56:105-14.
  • 2
    Durieux P, Bletry O, Huchon G, Wechsler B, Chretien J, Godeau P. Multiple pulmonary arterial aneurysms in Behcet's disease and Hughes-Stovin syndrome. Am J Med 1981; 71:736-41.
  • 3
    Hughes JP, Stovin PGJ. Segmental pulmonary aneurysms with peripheral venous thrombosis. Br J Dis Chest 1959; 53:19-27.
  • 4
    Herb S, Hetzel J, Friedrich J, Weber J. An unusual case of Hughes-Stovin syndrome. Eur Respir J 1998; 11:1191-3.
  • 5
    Ammann ME, Karnel F, Olbert F, Mayer K. Radiologic findings in the diagnosis of Hughes-Stovin syndrome. AJR 1991; 157:1353-4.
  • 6
    Ketchum ES, Zamanian RT, Fleischmann D. CT angiography of pulmonary artery aneurysm in Hughes-Stovin syndrome. AJR 2005; 185:330-2.
  • 7
    Mahlo HR, Elsner K, Rieber A, Brambs HJ. New approach in the diagnosis of and therapy for Hughes-Stovin Syndrome. AJR 1996; 167:817-8.
  • Endereço para correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      04 Abr 2009
    • Recebido
      14 Jan 2009
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