Acessibilidade / Reportar erro

Linfadenopatia e lúpus eritematoso sistêmico

Resumos

A linfadenopatia no lúpus eritematoso sistêmico (LES) é um achado benigno encontrado comumente em jovens, com atividade cutânea e sintomas constitucionais, apresentando boa resposta à corticoterapia. O achado mais frequente à biópsia é a hiperplasia folicular reacional. Relatamos o caso de um paciente que, desde os 13 anos de idade, apresentava surtos recorrentes de linfadenopatia, acompanhados de hepatoesplenomegalia, febre e emagrecimento. Na evolução, apareceram artrite, hipertensão arterial, proteinúria, miocardiopatia e neuropatia periférica. Foi amplamente investigado sem esclarecimento diagnóstico e submetido a tratamento empírico de tuberculose. Somente após cinco anos de evolução firmou-se o diagnóstico de LES e recebeu tratamento específico. O diagnóstico precoce nestes casos é difícil, pois a investigação laboratorial pode ainda não demonstrar presença de autoanticorpos ou hipocomplementemia.

lúpus eritematoso sistêmico; febre de origem indeterminada; síndrome consumptiva; autoanticorpos; linfadenopatia


Lymphadenopathy is a benign finding in systemic lupus erythematosus (SLE), commonly seen in young patients with cutaneous involvement and constitutional symptoms, with good response to corticosteroids. Reactive follicular hyperplasia is the most frequent finding in biopsies. We report the case of a patient with recurrent episodes of lymphadenopathy associated with hepatosplenomegaly, fever, and weight loss since the age of 13 years. The patient also developed arthritis, hypertension, proteinuria, cardiomyopathy, and peripheral neuropathy. His condition was investigated extensively without diagnostic clarification; he was treated, empirically, for tuberculosis. The patient received a diagnosis of SLE only five years after the original presentation and received the specific treatment. Early diagnosis in those cases is difficult because laboratorial exams may not show the presence of auto-antibodies and low complement levels.

systemic lupus erythematosus; fever of unknown origin; wasting syndrome; auto-antibodies; lymphadenopathy


RELATO DE CASO

Linfadenopatia e lúpus eritematoso sistêmico

Nilton Salles Rosa NetoI; Karina Rossi BonfiglioliI; Fernanda Manente MilanezI; Patrícia Andrade de MacêdoI; Maurício Levy-NetoII

IMédicos-residentes do Serviço de Reumatologia do HC-FMUSP

IIMédico-assistente do Serviço de Reumatologia do HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dr. Maurício Levy-Neto Disciplina de Reumatologia, FMUSP Av. Dr. Arnaldo, 455, 3º andar, sala 3133 CEP 01246-903, Cerqueira César, São Paulo, SP Tel: 55 11 3061-7492, Fax: 55 11 3061-7490 E-mail: levy.neto@hcnet.usp.br

RESUMO

A linfadenopatia no lúpus eritematoso sistêmico (LES) é um achado benigno encontrado comumente em jovens, com atividade cutânea e sintomas constitucionais, apresentando boa resposta à corticoterapia. O achado mais frequente à biópsia é a hiperplasia folicular reacional. Relatamos o caso de um paciente que, desde os 13 anos de idade, apresentava surtos recorrentes de linfadenopatia, acompanhados de hepatoesplenomegalia, febre e emagrecimento. Na evolução, apareceram artrite, hipertensão arterial, proteinúria, miocardiopatia e neuropatia periférica. Foi amplamente investigado sem esclarecimento diagnóstico e submetido a tratamento empírico de tuberculose. Somente após cinco anos de evolução firmou-se o diagnóstico de LES e recebeu tratamento específico. O diagnóstico precoce nestes casos é difícil, pois a investigação laboratorial pode ainda não demonstrar presença de autoanticorpos ou hipocomplementemia.

Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, febre de origem indeterminada, síndrome consumptiva, autoanticorpos, linfadenopatia.

INTRODUÇÃO

A linfadenopatia é alteração de número, características ou tamanho dos gânglios linfáticos. Resulta de proliferação reticuloendotelial secundária a inflamação, infecção ou neoplasia. No lúpus eritematoso sistêmico (LES) é um achado benigno e comporta-se como síndrome tipo mononucleose, aparecendo em qualquer fase da doença.1-3

A biópsia frequentemente revela hiperplasia folicular reacional (HFR) com ou sem atipias, considerada inespecífica. Raramente, encontra-se necrose coagulativa com corpúsculos hematoxilínicos considerados típicos do LES.4, 5

Relatamos o caso de um paciente com surtos recorrentes de linfadenopatia, tratado inicialmente como de causa infecciosa, e posteriormente diagnosticado como LES.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 18 anos, pardo, natural e procedente de São Paulo-SP. Iniciou linfadenomegalia, hepatomegalia, febre vespertina, sudorese e emagrecimento em 2003, que duravam meses e regrediam espontaneamente, evoluindo em surtos.

Em 2004, apresentou anasarca, resolvida, e hipertensão, que se manteve. No ano seguinte, manifestou artrite em joelhos. À época pesquisaram-se fatores reumatoide e antinúcleo (FAN), negativos, e a dosagem de complemento, normal.

Foi submetido a novas biópsias linfonodais cujos resultados foram HFR, com pesquisa do bacilo da tuberculose negativa. Seu teste tuberculínico era de 5 mm e a radiografia de tórax normal, porém a equipe que o assistia iniciou esquema I (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) para tuberculose. Em razão do reaparecimento dos sintomas, acrescentou-se etambutol por falha terapêutica. Após nova recidiva, em 2008, associada a poliartrite e fraqueza muscular proximal, foi encaminhado a hospital de referência por tuberculose refratária, onde foram identificados derrame pleural e pericárdico, hepatoesplenomegalia e linfadenomegalia generalizada, além da perda ponderal de 20 kg.

Uma vez afastadas causas infecciosas, outra biópsia de linfonodo mostrou HFR (Figura 1). Desta vez, o FAN era positivo e foi encaminhado ao reumatologista.


Seus exames revelavam anemia de doença crônica, enzimas musculares normais, proteinúria de 1,99 g/24 h, sem hematúria/ leucocitúria, provas inflamatórias elevadas. Ultrassom com nefropatia parenquimatosa e ecocardiograma com hipocinesia difusa e fração de ejeção de 55% (exame prévio maior que 70%). À eletroneuromiografia havia polineuropatia periférica crônica, sem evidências de miopatia. Afastaram-se causas neoplásicas.

O FAN era positivo, com padrão nuclear pontilhado (título superior a 1/320) e autoanticorpos anti-Ro, anti-P e anticardiolipina IgG e IgM, estavam presentes. Biópsia renal revelou glomerulonefrite membranosa.

Firmado o diagnóstico de LES, iniciaram-se prednisona 60 mg/dia, difosfato de cloroquina 250 mg/dia e azatioprina 100 mg/dia. Atualmente, encontra-se assintomático em desmame progressivo da prednisona.

DISCUSSÃO

O LES apresenta diversidade de apresentação e evolução. Na imunopatogênese do LES, há a perda de autotolerância, determinada geneticamente, e ativação celular dependente de fatores não genéticos como ambientais, hormonais e infecciosos. A ativação de linfócitos T via interferon-γ estimula em sequência a expansão progressiva e persistente de linfócitos B policlonais resistentes à apoptose, produtores dos autoanticorpos característicos da doença.6

Estima-se a prevalência de linfadenopatia lúpica (LL) no início da doença entre 5% e 7% dos pacientes e, a qualquer momento da doença, entre 12% e 15%.7-8 A LL envolve principalmente a região cervical e axilar e os gânglios são elásticos, móveis, dolorosos e não aderidos a planos profundos.2 Quando ocorre linfadenopatia significativa, indica-se a biópsia ganglionar para afastar doenças infecciosas ou linfoproliferativas.1-3 A Tabela 1 inclui os diferenciais importantes nestes casos.

É classificada clinicamente como localizada (até duas cadeias ganglionares acometidas) ou generalizada (três ou mais). É esperado encontrar eritema malar, fotossensibilidade, alopecia, úlceras orais, febre, perda ponderal, sudorese noturna e hepatoesplenomegalia.

Kojima et al.5 mostraram maior incidência de LL em mulheres, associação a sintomas sistêmicos e alterações laboratoriais, e HFR na histologia. Identificaram, porém, características histológicas atípicas e as classificaram em:

• HFR com folículos gigantes: folículos irregulares, aumentados de tamanho, com centro germinativo hiperplásico e citólise.

• Aspectos semelhantes à doença de Castleman (DC): plasmocitose e proliferação vascular nas áreas interfoliculares, podendo haver confusão diagnóstica com a forma mista de DC.

• Hiperplasia paracortical atípica com folículos linfoides: a imuno-histoquímica (IH) permite diferenciar de linfoma de células T angioimunoblástico. Associam-se febre, hipergamaglobulinemia policlonal e imunocomplexos circulantes.

• Proliferação imunoblástica e linfoplasmocitária atípica: infiltração linfoplasmocitária e B-imunoblástica policlonal; sem folículos linfoides ou proliferação vascular.

Foi sugerida uma classificação de padrões de lesões de linfonodos no LES à semelhança do que se estabeleceu para classes de nefrite lúpica; contudo, essas formas parecem pouco específicas para o diagnóstico de LES.4

O risco aumentado de linfoma, em especial o não Hodgkin, em pacientes lúpicos, aprofundou o estudo das alterações atípicas. Os sintomas de ambos sobrepõem-se, podendo retardar o diagnóstico e tratamento da neoplasia. A completa diferenciação depende de IH.9-12

Outro diferencial é a doença de Kikuchi-Fujimoto (DKF), ou linfadenite necrosante histiocítica, uma doença autolimitada de pessoas jovens, acometendo, preferencialmente, linfonodos cervicais. Suas características histológicas permitem reconhecê-la como doença específica. Há descrições da sua ocorrência antes, após ou concomitantemente ao diagnóstico de LES. Por existir necrose coagulativa em LL, há dúvidas quanto aos casos descritos na literatura como associação entre LES e DKF. Para diferenciá-las, espera-se que seja feito IH em linfonodos suspeitos, pois há poucas células T citotóxicas em LL e muitas na DKF.13

Em síntese, a linfadenopatia é manifestação comum do LES. Como ilustrado neste caso, pode preceder em anos o diagnóstico da doença, quando a investigação laboratorial ainda não demonstra presença de FAN, outros autoanticorpos ou hipocomplementemia. É possível que os fatores indutores da linfoproliferação sejam, também, responsáveis pelo surgimento dos autoanticorpos.

Recebido em 19/01/2009

Aprovado, após revisão, em 06/10/2009

Declaramos a inexistência de conflito de interesse.

Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

  • 1
    Shapira Y, Weinberger A, Wysenbeek AJ. Lymphadenopathy in systemic lupus erythematosus. Prevalence and relation to disease manifestations. Clin Rheumatol 1996; 5(4):335-8.
  • 2
    Melikoglu MA, Melikoglu M. The Clinical Importance of Lymphadenopathy in Systemic Lupus Erythematosus. Acta Reumatol Port 2008; 33:402-6.
  • 3
    Calguneri M, Ozturk MA, Ozbalkan Z, Akdogan A, Ureten K, Kiraz S et al Frequency of Lymphadenopathy in Rheumatoid Arthritis and Systemic Lupus Erythematosus. J Int Med Res 2003; 31:345-9.
  • 4
    Kojima M, Nakamura S, Morishita Y, Itoh H, Yoshida K, Ohno Y et al Reactive follicular hyperplasia in the lymph node lesions from systemic lupus erythematosus patients; a clinicopathological and immunohistological study of 21 cases. Pathol Int 2000; 50:304-312.
  • 5
    Kojima M, Motoori T, Asano S, Nakamura S. Histological diversity of reactive and atypical proliferative lymph node lesions in systemic lupus erythematosus patients. Pathol Res Pract 2007; 203(6):423-31.
  • 6
    Koutouzov S, Mathian A, Dallou lA. Type-I interferons and systemic lupus erythematosus. Autoimmun Rev 2006; 5(8):554-62.
  • 7
    Cervera R, Khamashta MA, Font J, Sebastiani GP, Gil A, Lavilla P et al Systemic lupus erythematosus: clinical and immunologic patterns of disease expression in a cohort of 1,000 patients. The European Working Party on Systemic Lupus Erythematosus. Medicine (Baltimore) 1993; 72(2):113-24.
  • 8
    Pons-Estel BA, Catoggio LJ, Cardiel MH, Soriano ER, Gentiletti S, Villa AR et al The GLADEL multinational Latin American prospective inception cohort of 1,214 patients with systemic lupus erythematosus: ethnic and disease heterogeneity among "Hispanics". Medicine (Baltimore) 2004; 83(1):1-17.
  • 9
    Hansen A, Lipsky PE, Dörner T. B-cell lymphoproliferation in chronic inflammatory rheumatic diseases. Nat Clin Pract Rheumatol 2007; 3(12):561-9.
  • 10
    Bernatsky S, Ramsey-Goldman R, Rajan R, Boivin JF, Joseph L, Lachance S et al Non-Hodgkin´s Lymphoma in Systemic Lupus Erythematosus. Ann Rheum Dis 2005; 64:1507-9.
  • 11
    Bernatsky S, Ramsey-Goldman R, Isenberg D, Isenberg D, Rahman A, Dooley MA, Sibley J et al Hodgkin´s Lymphoma in Systemic Lupus Erythematosus. Rheumatology 2007; 46:830-2.
  • 12
    Smedby KE, Baecklund E, Askling J. Malignant Lymphomas in Autoimmunity and Inflammation: a Review of Risks, Risk Factors and Lymphoma Characteristics. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev 2006; 15(11):2069-77.
  • 13
    Hu S, Kuo TT, Hong HS. Lupus lymphadenitis simulating Kikuchi's lymphadenitis in patients with systemic lupus erythematosus: a clinicopathological analysis of six cases and review of the literature. Pathol Int 2003; 53:221-6.
  • Endereço para correspondência:
    Dr. Maurício Levy-Neto
    Disciplina de Reumatologia, FMUSP
    Av. Dr. Arnaldo, 455, 3º andar, sala 3133
    CEP 01246-903, Cerqueira César, São Paulo, SP
    Tel: 55 11 3061-7492, Fax: 55 11 3061-7490
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Aceito
      06 Out 2009
    • Recebido
      19 Jan 2009
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br