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Uso de infliximabe na policondrite recidivante

Resumos

Policondrite Recidivante (PR) é uma doença sistêmica rara de etiologia desconhecida, que se caracteriza por inflamação recorrente da cartilagem e de outros tecidos conjuntivos, incluindo orelhas, nariz, articulações e trato respiratório. Devido à riqueza de sinais e sintomas, a biópsia local raramente é necessária para o estabelecimento do diagnóstico. O tratamento inclui glicocorticoides, eventualmente associado a agentes imunossupressores, mas, mesmo assim, casos refratários são descritos. Relatos recentes sugerem que agentes anti-TNF como infliximabe podem ser de valia em pacientes que não respondem ao tratamento convencional, mas a experiência ainda é limitada. Neste trabalho, os autores discutem o caso de uma paciente com PR que se mostrará refratária à combinação de corticoide e imunossupressores que apresentou boa resposta ao infliximabe.

policondrite recidivante; terapia; infliximabe


Relapsing Polychondritis (RP) is a rare systemic disease of unknown etiology, characterized by recurrent inflammation of cartilaginous structures and other connective tissues, including the ears, nose, joints, respiratory tract, and others. Due to the presence of typical signs and symptoms, biopsy is seldom necessary. Treatment includes corticosteroids, occasionally associated with immunosuppressive agents, but refractory cases are described. Recent reports suggest that anti-TNF agents, such as infliximab, may be of value in patients who do not respond to conventional therapy, but experience with this treatment is scarce. In this paper, the authors report the case of a patient with RP refractory to combined treatment with corticosteroids and immunosuppressive agents, who showed a good response to infliximab.

relapsing polychondritis; therapy; infliximab


RELATO DE CASO

Uso de infliximabe na policondrite recidivante

Ana Paula Soares de BarrosI; Nilton Akeshi NakamuraII; Thiara de Freitas Borges SantanaIII; Janaina Queiroz dos Santos MottaIV; Washington Alves BianchiV

IMédica Pós-graduada em Reumatologia pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

IIMédico Pós-graduado em Reumatologia pela Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

IIIMédica Pós-graduanda em reumatologia da Santa Casa da misericórdia do Rio de Janeiro

IVMédica-assistente do Serviço de Reumatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

VChefe do Serviço de Reumatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Washington Alves Bianchi Rua Santa Luzia, 206 CEP: 20020-020. Castelo - Rio de Janeiro - RJ E-mail: wabianchi@yahoo.com.br

RESUMO

Policondrite Recidivante (PR) é uma doença sistêmica rara de etiologia desconhecida, que se caracteriza por inflamação recorrente da cartilagem e de outros tecidos conjuntivos, incluindo orelhas, nariz, articulações e trato respiratório. Devido à riqueza de sinais e sintomas, a biópsia local raramente é necessária para o estabelecimento do diagnóstico. O tratamento inclui glicocorticoides, eventualmente associado a agentes imunossupressores, mas, mesmo assim, casos refratários são descritos. Relatos recentes sugerem que agentes anti-TNF como infliximabe podem ser de valia em pacientes que não respondem ao tratamento convencional, mas a experiência ainda é limitada. Neste trabalho, os autores discutem o caso de uma paciente com PR que se mostrará refratária à combinação de corticoide e imunossupressores que apresentou boa resposta ao infliximabe.

Palavras-chave: policondrite recidivante, terapia, infliximabe.

INTRODUÇÃO

A Policondrite Recidivante (PR) é uma doença rara de etiologia desconhecida, caracterizada por inflamação recorrente de estruturas cartilaginosas como pavilhão auricular, nariz, laringe e árvore traqueal, causando sua destruição.1 As manifestações sistêmicas podem, também, comprometer pele, olhos, vasos e articulações. Pode acometer pacientes em todas as idades, e sua maior incidência é em torno da quarta e da quinta décadas, sem preferência racial, de gênero ou agregação familiar.

Sua etiologia permanece desconhecida, mas evidências sugerem que inflamação imunomediada leva à destruição da cartilagem por efeito de enzimas proteolíticas. Seu diagnóstico se baseia em critérios clínicos,2 sendo a confirmação por meio da biopsia necessária em casos atípicos. Zeuner et al. (1997) sugeriram a presença de um fator genético associado ao antígeno leucocitário humano HLA-DR4.3

A manifestação clínica mais frequente é a inflamação da cartilagem do pavilhão auricular, uni ou bilateral. Diferentes cartilagens podem ser comprometidas, em surtos sucessivos da doença.2

Inicialmente, o quadro de condrite auricular pode ser confundido com a etiologia infecciosa (Hanseníase e Leshimaniose) ou traumática. Na presença de acometimento do trato respiratório, devem-se afastar patologias como granulomatose de Wegener, amiloidose, sarcoidose, traqueobroncopatia osteocondroplástica e rinoescleroma, por apresentarem quadro clínico semelhante. Na presença de lesões vasculares, o diagnóstico diferencial com síndrome de Cogan, doença de Behcet, arterite de Takayasu, síndrome de Ehlers-Danlos, sífilis, necrose cística medial e as espondiloartropatias torna-se imprescindível.4,5,6

O tratamento da PR é empírico, ajustado de acordo com a atividade e a gravidade da doença.7 Em casos leves, indicase o uso de anti-inflamatórios não hormonais, colchicina e dapsona.7,8 A prednisolona permanece como a principal droga utilizada. Metotrexato, ciclofosfamida, azatioprina, clorambucil, micofenolato mofetil e ciclosporina são imunossupressores apontados como eficazes, mas casos refratários podem ocorrer. A literatura recente sugere que infliximabe pode ser de valia em casos de PR que não respondem ao tratamento usual, mas a experiência é pequena.9,10

Este relato do caso descreve a evolução clínica de uma paciente que apresentou boa resposta ao infliximabe, após tentativa sem êxito do uso de terapia convencional.

RELATO DE CASO

Identificação

E. V. F, 42 anos, gênero feminino, branca, casada, natural e procedente de Nova Friburgo, RJ, costureira.

História clínica

Paciente refere que, por 12 meses, apresentou quadro de dor na região esternal, ombros, articulações temporomandibulares, cotovelos, punhos, mãos, joelhos, tornozelos e pés; associado a rouquidão, perda auditiva progressiva, dispneia, condrite auricular esquerda e vertigens. Procurou um serviço de reumatologia em sua cidade, onde recebeu o diagnóstico de policondrite recidivante, após biópsia de pavilhão auricular, que demonstrou tecido cartilaginoso, fragmentado, envolto em tecido conjuntivo fibroso, com foco de infiltrado inflamatório mononuclear; sugestivo de fibrose com áreas de reação inflamatória pericondral. Os sintomas persistiram, mesmo com o uso de prednisolona 40 mg/dia e metotrexato 7,5 mg/semana. Devido à má resposta terapêutica, a paciente foi encaminhada ao serviço de Reumatologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Foi então aumentada a dose de metotrexato para 10 mg/semana, e mantida a dose de prednisolona, com a associação de carbonato de cálcio, ácido fólico e clonazepan. Solicitados exames laboratoriais (Tabela 1), os quais mostraram velocidade de hemossedimentação (VHS) 43 mm/h e proteína C reativa (PCR) 6 mg/dL. A paciente evoluiu com piora do quadro, com artrite em tornozelos e punhos, dores difusas pelo corpo, mantendo condrite em pavilhão auricular esquerdo e vertigens.Associou-se ao esquema terapêutico azatioprina 100 mg/dia, após o aumento das doses de metotrexato e prednisolona para 15 mg/sem e 60 mg/dia, respectivamente. Sem melhora do quadro com o uso dos medicamentos, a paciente apresentava artrite em punhos, articulações esternoclaviculares e dor em pavilhão auricular direito. Queixava-se de febre, epigastralgia e odinofagia. À endoscopia digestiva alta demonstrou esofagite por Cândida kodsi I, pangastrite endoscópica enantematosa leve, biópsia gástrica com gastrite erosiva do antro em grau leve com pesquisa de Helicobacter pylori positiva. O tratamento foi realizado com pantoprazol, amoxicilina e metronidazol por 14 dias, além do uso de fluconazol. Laboratorialmente, a paciente apresentava aumento do VHS para 92 mm/h e PCR+/4+. Aumentada azatioprina para 150 mg/dia e mantidas as demais drogas. Após dois meses, a paciente mantinha o quadro de poliartrite em punhos, tornozelos e articulações esternoclaviculares, porém com melhora da condrite auricular. Mantinha altos níveis de VHS (76 mm/h). Evoluiu com piora das queixas de dores difusas pelo corpo e mantinha poliartrite. Devido à falência terapêutica, discutiu-se e foi indicado o uso de infliximabe, empregado no seguinte esquema: 3 mg/kg de infliximabe em paciente de 63kg (189 mg por infusão), nos dias 0, 14 e 42 e doses de manutenção a cada 8 semanas, como preconizado em artrite reumatoide.

Já após a segunda infusão, a paciente referia melhora da artrite. Após a terceira infusão, já não existia artrite e as provas inflamatórias mostravam melhora objetiva (Quadro 1). Após cada infusão, a paciente relatava progressiva melhora clínica, o que permitiu a redução da corticoterapia e das drogas imunossupressoras até tratamento combinado somente com prednisolona 10 mg/dia e metotrexato 7,5 mg/semana.


DISCUSSÃO

Durante toda a evolução do caso, discutiu-se a terapêutica, pois não há tratamento completamente satisfatório descrito na literatura para PR. Existem relatos do uso, em casos refratários ao corticoide oral, de pulsoterapia com metilprednisolona e/ou ciclofosfamida, bem como o uso de imunossupressores como metotrexato, azatioprina, micofenolato mofetil, com diferentes resultados.11 Além disso, também há relato de sucesso terapêutico na PR refratária e nos casos de acometimento do trato respiratório, com o uso de agentes antagonistas do Fator de Necrose Tumoral α - TNF - α.12

A terapêutica utilizada nessa paciente foi a infusão de infliximabe na dosagem inicial de 3mg/kg por infusão, conforme descrito. A experiência aqui relatada sugere que o infliximabe pode ser de valia em casos de PR selecionados que não apresentaram resposta ao tratamento usual.

Artigos recentes13,14 relatam o uso dessa droga em pacientes submetidos à reconstrução cirúrgica da cartilagem nasal, bem como o uso de outros biológicos, dentre eles, tocilizumabe,15 etarnecepte16 e adalimumabe17 em pacientes que haviam apresentado falha ao tratamento com infliximabe. Esses relatos confirmam a necessidade de estudos sobre a utilização de novas drogas para tratamento de casos refratários de PR.

Nessa paciente, devido ao achado de PPD fraco reator, sem, contudo, confirmação de história de tuberculose no passado, realizou-se tomografia computadorizada de tórax, que não demonstrava alterações; assim como a paciente foi avaliada e o caso discutido com o departamento de Pneumologia, e à luz do consenso para uso de biológicos, optou-se por não iniciar profilaxia com isoniazida, mantendo-se a vigilância e o acompanhamento especializado.

Apesar da evolução benigna, os dados da literatura nos levam a uma atitude expectante, pois surtos posteriores poderão ocorrer, com o surgimento de manifestações mais graves da doença. Nessa paciente, optamos por utilizar uma droga ainda não inteiramente conhecida e indicada para essa patologia, porém com relatos de casos de sucesso e ausência de efeitos adversos até o momento na literatura atual, em casos graves de PR. A falha da medicação rotineiramente utilizada no controle da atividade inflamatória da doença foi de fundamental importância na indicação da terapia biológica nessa paciente, além de uma tentativa, até o momento eficaz, de remissão clínica do envolvimento osteoarticular observado, para evitar novos surtos que possam comprometer e estender de forma mais grave a PR a outros órgãos e tecidos dessa paciente.

Recebido em 12/12/2008

Aprovado, após revisão, em 07/05/2009

Declaramos a inexistência de conflito de interesse

39ª Enfermaria de reumatologia; Santa Casa da misericórdia do Rio de Janeiro.

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  • Endereço para correspondência:
    Washington Alves Bianchi
    Rua Santa Luzia, 206
    CEP: 20020-020. Castelo - Rio de Janeiro - RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      12 Dez 2008
    • Aceito
      07 Maio 2009
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