Acessibilidade / Reportar erro

Pesquisa de autoanticorpos em pacientes com artrite psoriásica sob terapia anti-TNFα

Resumos

INTRODUÇÃO: A terapia imunobiológica anti-TNFα tem-se mostrado efetiva no tratamento de pacientes com artrite psoriásica (APs) refratária. No entanto, não está bem definido o risco de desenvolvimento de autoanticorpos comumente encontrados nas doenças reumatológicas em pacientes com APs na vigência desse tratamento. OBJETIVO: avaliar a indução de autoanticorpos específicos durante a terapia anti-TNFα em pacientes com APs. PACIENTES E MÉTODOS: Foram analisadas amostras de soro de 23 pacientes com APs (mulheres: 61%, idade: 45,04 ± 12,68 anos, quadro poliarticular: 69,6%, duração da doença: 13,3 ± 7,7 anos, infliximabe: 82,60%) obtidas imediatamente antes (basal) e cerca de um ano após a introdução da terapia anti-TNF (última amostra) (385 ± 131,45 dias). A pesquisa incluiu a detecção de anticorpos antinucleares (ANA) e anticorpos para dsDNA (imunofluorescência indireta em células Hep-2 e em Crithidia luciliae, respectivamente); RNP e Sm (hemaglutinação passiva); Ro/SS-A e/ou La/SS-B, cromatina, histona, peptídeo citrulinado (CCP) e cardiolipina (ELISA). RESULTADOS: A pesquisa basal de ANA revelou positividade em 47,8% dos pacientes, com predomínio do padrão nuclear homogêneo (81,8%). Todas as amostras de soro testadas foram negativas para fator reumatoide e anticorpos anticardiolipina, RNP, Sm, Ro/SS-A, La/SS-B, histona e dsDNA, enquanto dois pacientes apresentaram positividade para anticromatina e um para anti-CCP. Todas as amostras de ANA positivas no tempo basal, exceto uma, mantiveram essa reatividade após a introdução da terapia anti-TNF. Reatividade "de novo" ANA foi observada em quatro dos pacientes originalmente negativos (33,3%). Anticorpos anti-Ro/SS-A, La/SS-B, cardiolipina, histona, dsDNA e fator reumatoide foram sistematicamente negativos em todas as amostras finais de soro testadas e positividade anticromatina foi detectada em outros três pacientes. CONCLUSÃO: Nossos achados mostram que a terapia anti-TNF induziu positividade ANA em um terço dos pacientes com APs e o uso concomitante de metotrexato não alterou esse achado. Além disso, todos os soros foram sistematicamente negativos para a maioria dos autoanticorpos específicos de doenças reumatológicas testados após a introdução da terapia biológica.

artrite psoriásica; terapia anti-TNFα; autoanticorpos


INTRODUCTION: Anti-TNFα therapy has been effective in the treatment of patients with refractory psoriatic arthritis (PSA). However, the risk of developing autoantibodies commonly found in rheumatic diseases in PSA patients undergoing this therapy is not clear. OBJECTIVE: To evaluate the induction of specific autoantibodies after anti-TNFα therapy in PSA patients. PATIENTS AND METHODS: Serum samples from 23 PSA patients (women: 61%, age: 45.04 ± 12.68 years, polyarticular: 69.6%, disease duration: 13.3 ± 7.7 years, infliximab: 82.60%) obtained immediately before (baseline) and approximately one year after the introduction of anti-TNF therapy (last sample) (385 ± 131.45 days), were analyzed. The analysis included detection of antinuclear antibodies (ANA) and anti-dsDNA antibodies (indirect immunofluorescence on Hep-2 cells and Crithidia luciliae, respectively); anti-RNP and anti-Sm (passive hemagglutination); and anti-Ro/ SS-A and/or anti-La/SS-B, anti-chromatin, anti-histones, anti-citrullinated peptide (CCP), and anti-cardiolipin (ELISA) antibodies. RESULTS: At baseline, ANA was positive in 47.8% of patients, with predominance of homogeneous nuclear pattern (81.8%). All baseline serum samples were negative for rheumatoid factor and antibodies to cardiolipin, RNP, Sm, Ro/SS-A, anti-La/SS-B, anti-histone, and anti-dsDNA antibodies, while two patients were positive for anti-chromatin and one for anti-CCP. All ANA-positive samples at baseline, except for one, remained positive after the introduction of anti-TNF therapy; however, de novo ANA reactivity was observed in four originally negative patients (33.3%). Anti-Ro/SS-A, La/SS-B, cardiolipin, histones, dsDNA, and rheumatoid factor antibodies remained negative in all final serum samples tested, and anti-chromatin positivity was detected in three other patients. CONCLUSION: Our findings have shown that anti-TNF therapy induced ANA positivity in one third of PSA patients. The concomitant use of methotrexate did not interfere with this finding. In addition, all serum samples were systematically negative for specific rheumatic autoantibodies tested after the introduction of the biological treatment.

psoriatic arthritis; anti-TNFα therapy; autoantibodies


ARTIGO ORIGINAL

Pesquisa de autoanticorpos em pacientes com artrite psoriásica sob terapia anti-TNF α

Vilma S Trindade VianaI; Jozélio Freire de CarvalhoII; Júlio César Bertacini de MoraesII; Carla Gonçalves Schain SaadII; Ana Cristina de Medeiros RibeiroII; Célio GonçalvesII; Cleonice BuenoI; Margarete B VendraminiI; Eloísa BonfáIII

IPesquisadora, LIM/17 FMUSP

IIMédico-assistente, Disciplina de Reumatologia do HC-FMUSP

IIIProfessora titular da Disciplina de Reumatologia do HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vilma dos Santos Trindade Viana PhD Av. Dr Arnaldo, 455 - sala 3.143 CEP: 01246-903. São Paulo, SP, Brasil Tel/Fax: 55 (11) 3061-7498 E-mail: visatv@usp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A terapia imunobiológica anti-TNFα tem-se mostrado efetiva no tratamento de pacientes com artrite psoriásica (APs) refratária. No entanto, não está bem definido o risco de desenvolvimento de autoanticorpos comumente encontrados nas doenças reumatológicas em pacientes com APs na vigência desse tratamento.

OBJETIVO: avaliar a indução de autoanticorpos específicos durante a terapia anti-TNFα em pacientes com APs.

PACIENTES E MÉTODOS: Foram analisadas amostras de soro de 23 pacientes com APs (mulheres: 61%, idade: 45,04 ± 12,68 anos, quadro poliarticular: 69,6%, duração da doença: 13,3 ± 7,7 anos, infliximabe: 82,60%) obtidas imediatamente antes (basal) e cerca de um ano após a introdução da terapia anti-TNF (última amostra) (385 ± 131,45 dias). A pesquisa incluiu a detecção de anticorpos antinucleares (ANA) e anticorpos para dsDNA (imunofluorescência indireta em células Hep-2 e em Crithidia luciliae, respectivamente); RNP e Sm (hemaglutinação passiva); Ro/SS-A e/ou La/SS-B, cromatina, histona, peptídeo citrulinado (CCP) e cardiolipina (ELISA).

RESULTADOS: A pesquisa basal de ANA revelou positividade em 47,8% dos pacientes, com predomínio do padrão nuclear homogêneo (81,8%). Todas as amostras de soro testadas foram negativas para fator reumatoide e anticorpos anticardiolipina, RNP, Sm, Ro/SS-A, La/SS-B, histona e dsDNA, enquanto dois pacientes apresentaram positividade para anticromatina e um para anti-CCP. Todas as amostras de ANA positivas no tempo basal, exceto uma, mantiveram essa reatividade após a introdução da terapia anti-TNF. Reatividade "de novo" ANA foi observada em quatro dos pacientes originalmente negativos (33,3%). Anticorpos anti-Ro/SS-A, La/SS-B, cardiolipina, histona, dsDNA e fator reumatoide foram sistematicamente negativos em todas as amostras finais de soro testadas e positividade anticromatina foi detectada em outros três pacientes.

CONCLUSÃO: Nossos achados mostram que a terapia anti-TNF induziu positividade ANA em um terço dos pacientes com APs e o uso concomitante de metotrexato não alterou esse achado. Além disso, todos os soros foram sistematicamente negativos para a maioria dos autoanticorpos específicos de doenças reumatológicas testados após a introdução da terapia biológica.

Palavras-chaves: artrite psoriásica, terapia anti-TNFα, autoanticorpos.

INTRODUÇÃO

Artrite psoriásica (APs) caracteriza-se pelo comprometimento articular periférico assimétrico das extremidades inferiores (oligo ou poliarticular) e/ou da coluna vertebral (axial) decorrente de processo inflamatório crônico. Essa manifestação está associada ao quadro de psoríase cutânea que, na maioria das vezes (70% a 85%), precede a manifestação articular. Acomete igualmente homens e mulheres na terceira a quinta décadas de vida (30 a 50 anos), é mais frequente em indivíduos da raça branca e exibe uma clara predisposição genética. Sua prevalência na população geral é estimada em 0,04% a 0,2% e 25% - 34% naqueles pacientes com psoríase.1

Achados laboratoriais mostram alterações frequentes (63%) nas provas de atividade inflamatória com elevação dos níveis séricos de proteína C-reativa (PCR) e da velocidade de hemossedimentação (VHS). Outros indicadores não específicos para a doença incluem anemia, hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia policlonal e a presença de imunocomplexos circulantes. Com relação aos autoanticorpos, há relatos de anticorpos antinucleares (10%) e antipeptídeo cíclico citrulinado (CCP) em 13% - 17,5% dos casos.2,3 Por outro lado, a negatividade para o fator reumatoide (95%) constitui-se parte dos critérios de classificação estabelecidos para a APs.4

Há evidências de que mecanismos imunológicos mediados por linfócitos T ativados (CD8+) que contribuem para a produção aumentada de citocinas proinflamatórias (IL-1β e TNF-α) participem na patogênese da APs, tornando-se, dessa forma, vulneráveis à intervenção terapêutica.5,6 Nesse sentido, dentre as novas opções terapêuticas disponíveis, a introdução de agentes biológicos sistêmicos antagonistas seletivos do TNF-α tem resultado em acentuada melhora na qualidade de vida dos pacientes com APs refratários ao tratamento convencional.6

No entanto, a expansão do uso desses agentes biológicos em artrites inflamatórias tem proporcionado a observação de efeitos adversos clínicos e biológicos, incluindo o desenvolvimento de autoanticorpos que em alguns casos raros são acompanhados da manifestação de doença.7 Nesse sentido, mais de 60% dos pacientes com artrite reumatoide tratados com infliximabe desenvolveram anticorpos antinucleares.8 Da mesma forma, uma alta incidência desses anticorpos foi observada em pacientes com doença de Crohn tratados com anti-TNF.9 Por outro lado, os achados em pacientes com artrite idiopática juvenil mostraram que a indução dessa reatividade humoral alterada por imunobiológicos é rara,10 sugerindo que esse fenômeno possa estar associado à doença de base. Com relação à artrite psoriásica, há poucos estudos referentes ao surgimento de autoanticorpos associados à terapia anti-TNF, além de serem de curto segmento.7,11 Esse último aspecto é relevante, pois o aparecimento de autoanticorpos está associado a maior tempo de exposição a esses compostos.12

O presente estudo avaliou a produção de autoanticorpos comumente associados às doenças reumáticas em pacientes com APs sob longo período de terapia anti-TNFα.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes

Vinte e três pacientes que preencheram os critérios de diagnóstico para artrite psoriásica (APs),13 acompanhados no Centro de Dispensação de Medicamentos de Alto Custo (CEDMAC) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo participaram do estudo. A terapia anti-TNF incluiu adalimumabe, etanercepte e infliximabe, todas nas doses recomendadas pelo fabricante. Amostras de sangue foram obtidas pré-administração (basal) e pelo menos cinco meses após a introdução da terapia com o imunobiológico. O soro obtido de todos os participantes foi imediatamente distribuído em alíquotas que foram estocadas a -70º C até sua análise. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento informado e o projeto obteve a aprovação da Comissão de Ética local (Protocolo Nº. 1298/06).

Autoanticorpos

A análise dos autoanticorpos foi feita nas amostras de soro obtidas imediatamente antes (basal) e na última aplicação (final) do imunobiológico do período de estudo. As amostras de cada paciente, estocadas em nossa soroteca, foram testadas de forma pareada (basal e final), sempre em um mesmo experimento para evitar diferenças de reatividade interensaios.

Os anticorpos antinucleares (ANA) e anti-DNA nativo ou de dupla hélice (dsDNA) foram detectados pela técnica in house de imunofluorescência indireta (IFI) utilizando respectivamente células Hep-2 e o hemoflagelado Crithidia luciliae como substratos. Os soros foram considerados positivos para tais anticorpos quando com títulos > 1:80 e > 1:10, respectivamente.

A pesquisa de anticorpos a antígenos extraíveis em salina, RNP e Sm foi feita pelo teste de hemaglutinação passiva in house empregando hemácias de galinha sensibilizadas com extrato bruto de timo de coelho como fonte de antígeno.14 Foi atribuída reatividade positiva para as amostras com títulos > 1:100.

A presença dos anticorpos anti-Ro/SS-A de 52 e de 60 kDa e anti-La/SS-B foi investigada por ELISA in house empregando proteínas recombinantes purificadas.15 Os resultados foram expressos em densidade óptica (DO). Os soros com reatividade maior que o valor médio de 15 soros de indivíduos sadios incluídos em cada ensaio mais três desvios-padrão foram considerados positivos (valores de cut-off: 0,31 para anti-Ro 52 kDa, 0,30 para anti-Ro 60 kDa e 0,32 para anti-La/SS-B). Fator reumatoide foi determinado pela prova de aglutinação de partículas de látex utilizando reagente comercial (Laborclin, PR, Brasil). A positividade foi definida quando igual ou maior que 16 UI/mL.

Anticorpos IgG anticromatina (INOVA, EUA), antipeptídeo citrulinado (CCP) (INOVA, EUA) e anti-histonas (Euroimmun, Alemanha) foram detectados por ELISA por meio de kits comerciais. Os soros foram testados em duplicata seguindo o protocolo de cada fabricante. Valores superiores a 20 U/mL foram considerados positivos para todos os três autoanticorpos estudados, segundo recomendação dos fabricantes.

Anticorpos anticardiolipina IgG e IgM foram pesquisados pela técnica de ELISA in house e valores > 10 U foram considerados positivos. Foram utilizados calibradores (Louisville APL Diagnostics, Inc., TX, EUA) para a construção da curva de densidade óptica versus unidades de IgG (GPL) e IgM (MPL).

RESULTADOS

A maioria dos 23 pacientes era do sexo feminino (61%) e a média de idade era de 45,04 ± 12,68 anos. A forma clínica poliarticular foi predominante (69,6%), seguida de oligoarticular isolada (21,73%) e comprometimento axial (8,7%) (Tabela 1). O tempo de duração da doença foi de 13,3 ± 7,7 anos. Vinte e dois (95,6%) dos pacientes apresentavam quadro de psoríase exacerbada no momento da inclusão no estudo.

O tempo médio de análise sob a terapia imunobiológica foi de 385 ± 131,45 dias; mediana: 425 dias. Dezenove (82,60%) dos pacientes com APs foram tratados com infliximabe, três (12%) com etanercepte e um (4%) com adalimumabe. Terapia com metotrexato (MTX) concomitante foi feita em 12/19 (63,15%) dos pacientes tratados com infliximabe e em 2/3 (66,7%) daqueles com etanercepte (Tabela 2).

A pesquisa de ANA nas amostras de soro dos pacientes comAPs obtidas pré-administração do imunobiológico (basal) revelou positividade em 47,82% (11/23), com predomínio do padrão nuclear homogêneo (81,8%), sendo 6/11 (54,5%) com altos títulos (arbitrariamente definidos como > 1/160).Acaracterização da especificidade antigênica dessa reatividade revelou a ausência de anticorpos dirigidos aos antígenos Ro/SS-A, La/ SS-B, histona e dsDNA (Tabela 3). Dois soros apresentaram positividade moderada para anticromatina com título médio de 47 U e um para anti-CCP com baixo título (23 U).

A avaliação das amostras obtidas quando da última aplicação do anti-TNF no período de estudo revelou que 10/11 (90,9%) dos soros originalmente ANA positivos mantiveram essa reatividade, sem alteração do padrão de imunofluorescência mas com elevação do título médio (167 ± 104 versus 208 ± 101). Reatividade "de novo" ANA foi observada em quatro dos pacientes originalmente negativos (33,3%), dos quais dois apresentaram padrão nuclear pontilhado (1/80) e os outros dois apresentaram padrão nuclear homogêneo com títulos de 1/80 e > 1/320, respectivamente. O tempo médio de terapia imunobiológica nesses quatro pacientes foi de 281 ± 152 (mediana: 266,5) dias. Comparando-se esses pacientes que positivaram ANA na vigência do tratamento com o grupo persistentemente negativo, não houve diferença significativa em relação à média da idade (P = 0,89), duração da doença (P = 0,85) e forma clínica poliarticular (P = 1,00).

Apositividade de anticorpos antinucleares nos 14 pacientes em uso de MTX e naqueles nove sem uso dessa medicação se mostrou similar (P = 0,15). Da mesma forma, não houve diferença entre ambos os grupos em relação à reatividade anticromatina (P = 1,00). Em relação ao uso prévio de outras drogas modificadoras de doença, 5/23 (22%) dos pacientes tomaram previamente ciclosporina, cinco (22%), leflunomida e quatro (17,4%), acitretina. Positividade de ANA foi observada em dois daqueles que haviam tomado leflunomida e dois acitretina.

Anticorpos anti-dsDNA foram uniformemente negativos (basal/final) enquanto que uma reatividade anticromatina foi verificada nas amostras basais de dois pacientes (8,7%) com títulos médios de 47 ± 9,90 U, o que equivale à positividade moderada conforme estabelecido pelo fabricante (20 a 60 U). Ao final do período de avaliação, essa reatividade se manteve (39 ± 14,14 U) nesses pacientes e positivou em outros três (31,33 ± 11,01 U).

Por outro lado, anticorpos anti-Ro/SS-A, La/SS-B, cardiolipina IgG/IgM, histona e fator reumatoide foram sistematicamente negativos em todas as amostras testadas. Com relação aos anticorpos anti-CCP, o paciente com baixa positividade (23 U) no início do estudo teve esse teste negativado posteriormente.

DISCUSSÃO

Nossos dados sugerem que a produção de autoanticorpos comumente relacionados com doenças reumatológicas autoimunes induzida por anti-TNF é pouco frequente na APs.

O presente estudo descreve a maior casuística de avaliação sistemática sobre surgimento de autoanticorpos em pacientes com APs submetidos ao uso de anti-TNF.7,11

É improvável que a baixa frequência de produção de autoanticorpos induzida pela terapia anti-TNF encontrada no presente estudo seja explicada por uma restrição na duração da avaliação, pois o desenho do presente trabalho incluiu uma observação superior a 12 meses de terapia. A importância temporal nas alterações imunológicas induzidas por imunobiológicos já foi ressaltada na literatura.12 De fato, foi observado em artrite reumatoide e espondiloartropatrites que havia uma elevação significativa na frequência de ANA ao longo do tratamento.16,17

A frequência de ANA observada em pacientes com APs de aproximadamente 50% é similar à previamente descrita na literatura.18 A análise desse perfil basal é fundamental para a interpretação das eventuais alterações imunológicas induzidas pela terapia anti-TNFα. Nesse aspecto, o achado de maior prevalência do padrão homogêneo de imunofluorescência pré-tratamento poderia sugerir maior risco de desenvolvimento de anticorpos específicos de doenças autoimunes como o anti-dsDNA. De fato, um estudo em nosso meio incluindo 394 amostras de ANA positivas revelou que o padrão homogêneo se associa quase que exclusivamente a doenças autoimunes.19 Dentro desse contexto, o achado deste estudo se torna mais relevante, pois demonstra que essa reatividade basal não confere maior predisposição para desenvolvimento de autoanticorpos específicos de doença reumatológica autoimune na APs. Além disso, a análise dos pacientes em uso concomitante de MTX, comparada com aqueles sem essa medicação, mostrou que não há diferença na positividade de ANA entre ambos. Os dados também mostram que o tempo de doença não parece influenciar o desenvolvimento de ANA nesses pacientes.

Quanto aos autoanticorpos específicos produzidos em decorrência desse tipo de terapia, a maioria dos relatos tem enfocado sobre aqueles com especificidade para o DNA de dupla hélice, sabidamente marcadores sorológicos do lúpus eritematoso sistêmico.12,20 A frequência relatada na literatura para esse anticorpo é extremamente variável, possivelmente em razão de diferentes métodos de detecção utilizados e determinação abrangente de isotipos de imunoglobulinas.12 Esses parâmetros parecem justificar a dissociação clínico-sorológica observada nos pacientes tratados com anti-TNFα. De fato, os anticorpos produzidos nessas condições são geralmente de baixa afinidade, de subtipos IgA e IgM e presentes em baixos títulos, contrastando com a reatividade patogênica que habitualmente é identificada no lúpus eritematoso sistêmico, que é caracterizada por anticorpos de alta afinidade, do subtipo IgG e em altos títulos.8 No presente estudo, optou-se, portanto, pelo uso de uma técnica altamente específica (IFI) com, a pesquisa restrita de anticorpos IgG que demonstrou que a terapia imunobiológica não induziu a produção de anti-dsDNA em APs. No entanto, positividade anticromatina, teste que possui maior sensibilidade e que envolve reatividade contra o complexo DNA-histona, foi detectada utilizando o método de ELISA em alguns pacientes sob terapia com imunobiológico. No entanto, a importância clínica desse achado deve ser avaliada em estudos prospectivos futuros.

Por outro lado, dois estudos revelaram uma diminuição nos títulos de fator reumatoide e anti-CCP em pacientes com AR tratados com infliximabe.21,22 Esse fato está em concordância com o presente estudo, no qual apenas um paciente apresentou positividade baixa para anti-CCP previamente à infusão de anti-TNF e que se tornou negativa no decorrer do estudo.

Os achados deste estudo mostram que a terapia anti-TNF induziu positividade ANAem um terço dos pacientes com APs originalmente negativos e o uso concomitante de MTX não alterou esse achado. Além disso, todos os soros foram sistematicamente negativos para os autoanticorpos específicos de doenças reumatológicas após a introdução da terapia biológica.

Recebido em 01/07/2009

Aprovado, após revisão, em 27/04/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

Apoio Financeiro: FAPESP 06/61303-7

Centro de Dispensação de Medicação de Alto Custo (CEDMAC) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Disciplina de Reumatologia da FMUSP

  • 1
    Kleinert S, Feuchtenberger M, Kneitz C, Tony HP. Psoriatic arthritis: clinical spectrum and diagnostic procedures. Clinics Dermatol 2007; 25:519-23.
  • 2
    Abdel Fattah NS, Hassan HE, Galal ZA, El Okda el SE. Assessment of anti-cyclic citrullinated peptide in psoriatic arthritis. BMC Res Notes 2009; 2:44.
  • 3
    Shibata S, Tada Y, Komine M, Hattori N, Osame S, Kanda N et al Anti-cyclic citrullinated peptide antibodies and IL-23p19 in psoriatic arthritis. J Dermatol Sci 2009; 53:34-9.
  • 4
    Taylor W, Gladman D, Helliwell P, Marchesoni A, Mease P, Mielants H. Study Group. Classification criteria for psoriatic arthritis: development of new criteria from a large international study. Arthritis Rheum 2006; 54:2665-73.
  • 5
    Gladman DD. Spondyloarthropathies: targeted therapy for psoriatic arthritis. Nat Rev Rheumatol 2009; 5:241-2.
  • 6
    Mease PJ. Tumour necrosis factor (TNF) in psoriatic arthritis: pathophysiology and treatment with TNF inhibitors. Ann Rheum Dis 2002; 61:298-304.
  • 7
    Ramos-Casals M, Brito-Zerón P, Soto MJ, Cuadrado MJ, Khamashta MA. Autoimmune diseases induced by TNF-targeted therapies. Best Pract Res Clin Rheumatol 2008; 22:847-61.
  • 8
    De Rycke L, Kruithof E, Van Damme N, Hoffman IE, Van den Bossche N, Van den Bosch F et al Antinuclear antibodies following infliximab treatment in patients with rheumatoid arthritis or spondylarthropathy. Arthritis Rheum 2003; 48:1015-23.
  • 9
    Garcia-Planella E, Domènech E, Esteve-Comas M, Bernal I, Cabré E, Boix J et al Development of antinuclear antibodies and its clinical impact in patients with Crohn's disease treated with chimeric monoclonal anti-TNF alpha antibodies (infliximab). Eur J Gastroenterol Hepatol 2003;15:351-4.
  • 10
    Bacquet-Deschryver H, Jouen F, Quillard M, Ménard JF, Goëb V, Lequerré T et al Impact of three anti-TNFalpha biologics on existing and emergent autoimmunity in rheumatoid arthritis and spondylarthropathy patients. J Clin Immunol 2008; 28:445-55.
  • 11
    Poulalhon N, Begon E, Lebbé C, Lioté F, Lahfa M, Bengoufa D et al A follow-up study in 28 patients treated with infliximab for severe recalcitrant psoriasis: evidence for efficacy and high incidence of biological autoimmunity. Br J Dermatol 2007; 156:329-36.
  • 12
    De Rycke L, Baeten D, Kruithof E, Van den Bosch F, Veys EM, De Keyser F. The effect of TNF alpha blockade on the antinuclear antibody profile in patients with chronic arthritis: biological and clinical implications. Lupus 2005; 14:931-7.
  • 13
    Moll JM, Wright V. Psoriatic arthritis. Sem Arthritis Rheum 1973; 3:55-78.
  • 14
    Tan EM, Peebles C. Quantitation of antibodies to Sm antigen and nuclear ribonucleoprotein by hemagglutination. In: Rose NR, Friedman H (eds.). Manual of clinical immunology. 2nd ed. Washington: American Society of Microbiology, 1980, pp. 866-70.
  • 15
    Cruz RB, Viana VS, Nishioka SA, Martinelli-F M, Bonfa E. Is isolated congenital heart block associated to neonatal lupus requiring pacemaker a distinct cardiac syndrome? Pacing Clin Electrophysiol 2004; 27:615-20.
  • 16
    Allanore Y, Sellam J, Batteux F, Job Deslandre C, Weill B, Kahan A. Induction of autoantibodies in refractory rheumatoid arthritis treated by infliximab. Clin Exp Rheumatol 2004; 22:756-8.
  • 17
    Ferraro-Peyret C, Coury F, Tebib JG, Bienvenu J, Fabien N. Infliximab therapy in rheumatoid arthritis and ankylosing spondylitisinduced specific antinuclear and antiphospholipid autoantibodies without autoimmune clinical manifestations: a two-year prospective study. Arthritis Res Ther 2004; 6:R535-43.
  • 18
    Johnson SR, Schentag CT, Gladman DD. Autoantibodies in biological agent naive patients with psoriatic arthritis. Ann Rheum Dis 2005; 64:770-2.
  • 19
    Dellavance A, Leser PG, Andrade LEC. Análise crítica do teste de anticorpos antinúcleo (FAN) na prática clínica. Rev Bras Reumatol 2007; 47:265-75.
  • 20
    Smeenk R, Brinkman K, van den Brink H, Termaat RM, Berden J, Nossent H et al Antibodies to DNA in patients with systemic lupus erythematosus. Their role in the diagnosis, the follow-up and the pathogenesis of the disease. Clin Rheumatol 1990; 9:100-10.
  • 21
    Alessandri C, Bombardieri M, Papa N, Cinquini M, Magrini L, Tincani A et al Decrease of anti-cyclic citrullinated peptide antibodies and rheumatoid factor following anti-TNFα therapy (infliximab) in rheumatoid arthritis is associated with clinical improvement. Ann Rheum Dis 2004; 63:1218-21.
  • 22
    Bobbio-Pallavicini F, Alpini C, Caporali R, Avalle S, Bugatti S, Montecucco C. Autoantibody profile in rheumatoid arthritis during long-term infliximab treatment. Arthritis Res Ther 2004; 6:R264-R72.
  • Endereço para correspondência:

    Vilma dos Santos Trindade Viana
    PhD
    Av. Dr Arnaldo, 455 - sala 3.143
    CEP: 01246-903. São Paulo, SP, Brasil
    Tel/Fax: 55 (11) 3061-7498
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      01 Jul 2009
    • Aceito
      27 Abr 2010
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br