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Uso do abatacepte em uma paciente com artrite psoriásica

Resumos

Artrite psoriásica (AP) é uma artrite inflamatória soronegativa de causa desconhecida. Classicamente, a AP apresenta cinco formas clínicas, sendo a oligoartrite assimétrica a mais comum. Descrevemos o caso de uma paciente com AP refratária às drogas modificadoras da doença, que evoluiu com hepatite medicamentosa após quimioprofilaxia com isoniazida, administrada previamente ao tratamento com anti-TNFα. Em virtude do risco de ativação de tuberculose (TB) latente pela administração de anti-TNFα, da hepatotoxicidade decorrente do tratamento da TB, e baseado no fato de o tratamento da AP se assemelhar ao da artrite reumatoide, optou-se pelo tratamento empírico com abatacepte. Aproximadamente vinte dias após a segunda dose do biológico, a paciente evoluiu com importante melhora clínica, resolução da artrite, regressão das lesões de pele e melhora da anemia e das provas de atividade inflamatória.

artrite psoriásica; hepatite medicamentosa; tuberculose; abatacepte


Psoriatic arthritis (PA) is an inflammatory seronegative arthritis of unknown origin. Classically, PA has five clinical forms, and asymmetric oligoarthritis is the most common type. We describe the case of a patient with PA refractory to disease-modifying drugs, who developed drug-induced hepatitis after chemoprophylaxis with isoniazid, administered prior to the treatment with an anti-TNFα agent. Due to the risk of activating latent tuberculosis with the administration of anti-TNFα and hepatotoxicity onset caused by the TB treatment and based on the fact that the treatment of PA is similar to the treatment of rheumatoid arthritis, a decision was made to use the empirical treatment with abatacept. Approximately twenty days after the second infusion of the drug, the patient showed clinical improvement, resolution of the arthritis, almost complete disappearance of the skin lesions and improvement of anemia and inflammatory tests.

psoriatic arthritis; drug-induced hepatitis; tuberculosis; abatacept


RELATO DE CASO

Uso do abatacepte em uma paciente com artrite psoriásica

Carlos Ewerton Maia RodriguesI; Francisco José Fernandes VieiraII; Maria Roseli Monteiro CalladoIII; Kirla Wagner Poti GomesIV; José Eyorand Castelo Branco de AndradeV; Walber Pinto VieiraVI

IMédico-residente do Serviço de Reumatologia do HGF

IIMédico-preceptor da Residência do Serviço de Reumatologia do HGF

IIIDoutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, São Paulo - SP. Professora Colaboradora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

IVMédica-preceptora da Residência do Serviço de Reumatologia do HGF

VMédico-preceptor da Residência do Serviço de Reumatologia do HGF

VIChefe do Serviço de Reumatologia do HGF. Professor colaborador da Faculdade de Medicina da UECE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carlos Ewerton Maia Rodrigues Rua Doutor Gilberto Studart, 955, apto 801 CEP: 60190-750. Papicu, Fortaleza, CE, Brasil Tel: 55 (85) 32657266/88911796 E-mail: carlosewerton123@gmail.com; carlosewerton@hotmail.com

RESUMO

Artrite psoriásica (AP) é uma artrite inflamatória soronegativa de causa desconhecida. Classicamente, a AP apresenta cinco formas clínicas, sendo a oligoartrite assimétrica a mais comum. Descrevemos o caso de uma paciente com AP refratária às drogas modificadoras da doença, que evoluiu com hepatite medicamentosa após quimioprofilaxia com isoniazida, administrada previamente ao tratamento com anti-TNFα. Em virtude do risco de ativação de tuberculose (TB) latente pela administração de anti-TNFα, da hepatotoxicidade decorrente do tratamento da TB, e baseado no fato de o tratamento da AP se assemelhar ao da artrite reumatoide, optou-se pelo tratamento empírico com abatacepte. Aproximadamente vinte dias após a segunda dose do biológico, a paciente evoluiu com importante melhora clínica, resolução da artrite, regressão das lesões de pele e melhora da anemia e das provas de atividade inflamatória.

Palavras-chave: artrite psoriásica, hepatite medicamentosa, tuberculose, abatacepte.

INTRODUÇÃO

A artrite psoriásica (AP) é uma artrite inflamatória soronegativa para o fator reumatoide, associada à psoríase cutânea (PC).1 A PC é uma doença que acomete 2% a 3% da população geral,2 Aproximadamente 10% desses pacientes desenvolvem artrite.3 A etiologia é desconhecida, mas suspeita-se que em sua patogênese um agente infeccioso atue como gatilho.4 A artrite tipicamente aparece depois ou coincide com o início da psoríase. Em 10% a 15% dos casos, entretanto, a artrite precede o início da psoríase por mais de dois anos.3 Classicamente, a AP apresenta cinco formas clínicas: oligoartrite assimétrica (70%), poliartrite simétrica (15%), distal associada a lesões ungueais (5%), artrite mutilante (< 5%) e espondilite (5%).1 Na fisiopatogenia da AP, observam-se alterações na imunidade humoral e celular. A pele, as articulações e as ênteses compartilham mecanismos semelhantes. Infiltrado composto de células T ativadas está localizado nas papilas dérmicas, na camada subsinovial e nas ênteses. Outras células envolvidas são as dendríticas, os macrófagos e as células B. Todas liberam citocinas pró-inflamatórias que levam à ativação de outras células, promovendo a angiogênese e a reabsorção óssea.5 Um dos sinais coestimulatórios da célula T é o mediado pela interação CD28-CD80(B7-1)/86(B7-2), que estão presentes em células apresentadoras de antígenos,6,7 regulando a produção de IL-2 e a expressão de moléculas antiapoptóticas, como a Bcl-x.7 O antígeno 4 associado ao linfócito T citotóxico (CTLA-4) é um regulador dessa coestimulação, inibindo a ativação de célula T.7

O tratamento da AP consiste no uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINES), corticosteroides em baixas doses, principalmente nos casos de artrite periférica, drogas modificadoras da doença (DMARDS), como metotrexato (MTX), sulfassalazina e leflunomida, além dos anti-TNFα.8 Estudos pilotos com outros agentes biológicos, como bloqueadores da ativação do linfócito T (CD2, alefacepte; CD11a, efalizumabe; CD80/CD86, abatacepte) e anticorpo monoclonal contra receptor de interleucina-6 (tocilizumabe), estão em andamento.9

O abatacepte é uma proteína de fusão humana recombinante contendo o domínio extracelular do CTLA-4, que se liga ao receptor CD80/86 de uma célula apresentadora de antígeno. Essa interação bloqueia a ativação do receptor CD28 na célula T.4 Esse mecanismo justifica uma possível ação na AP.

O presente estudo descreve o caso clínico de uma paciente com artrite psoriásica de longa evolução, refratária ao uso de DMARDS, que apresentou hepatite medicamentosa após uso de isoniazida como profilaxia de tuberculose (TB) para iniciar terapia com anti-TNFα. Em virtude da gravidade do quadro articular, do risco de desenvolvimento de TB e de hepatotoxicidade decorrente do tratamento dessa infecção e da ausência de outra opção terapêutica aprovada internacionalmente para essa patologia, decidiu-se pelo uso empírico do abatacepte.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 57 anos, parda, solteira, referindo que há oito anos apresentou quadro de dor e edema em calcanhar direito que prejudicava a deambulação. Após dois meses, evoluiu com dor em calcanhar esquerdo. Iniciou tratamento com anti-inflamatórios, sem resposta satisfatória. Em 2004, o quadro progrediu para artrite em joelho esquerdo e aparecimento de placas eritematosas e descamativas em região sacral e sulco interglúteo, sendo iniciado tratamento com prednisona 5 mg/dia e MTX 15 mg/semana. A investigação laboratorial mostrou: hemograma dentro da normalidade, provas de atividade inflamatória elevadas, FAN 1:80 (padrão nuclear homogêneo), fator reumatoide negativo, HLA-B27 positivo, sorologias para hepatite B, C e HIV negativas e VDRL não reagente. Em virtude da persistência do quadro articular, com sinovite sustentada em joelho esquerdo, foi aumentada a dose do MTX para 20 mg/semana e iniciado sulfassalazina 2 g/dia.Apaciente permaneceu com esse tratamento por aproximadamente um ano. Em 2006, pela persistência da artrite de joelho esquerdo, artrite em punhos e tornozelos, foi iniciado leflunomida 20 mg/ dia com manutenção do MTX. Foi realizada artroscopia com biópsia em joelho esquerdo, que revelou sinovite crônica inespecífica. Raio-x da bacia mostrou esclerose e irregularidades das margens articulares sacroilíacas, com espaços articulares assimétricos, sem apresentar sintomatologia clínica.

Há um ano, o joelho direito foi acometido, sendo decidido iniciar terapia com anti-TNFα. A triagem para TB evidenciou PPD de 14 mm e raio-x de tórax normal, sendo iniciado quimioprofilaxia com isoniazida 300 mg/dia. Após 15 dias, a paciente apresentou astenia e colúria, com elevação de transaminases, sendo internada por sete dias devido à hepatite medicamentosa. Diante do quadro grave de hepatite, da persistência do quadro articular de padrão predominantemente periférico e da contraindicação ao uso da isoniazida, foi iniciado o abatacepte quando as aminotransferases chegaram aos níveis normais (AST = 16 UI/L e ALT = 35 UI/L).

Apaciente realizou duas infusões do biológico em intervalo de 20 dias, evoluindo com importante melhora clínica, resolução da artrite, diminuição da dor pela escala visual analógica (EVA), melhora da anemia e das provas de atividade inflamatória (Tabela 1). As lesões de pele regrediram para máculas residuais, porém houve persistência da artralgia de punhos.

DISCUSSÃO

O diagnóstico de AP torna-se difícil quando as manifestações de pele são sutis ou a artrite antecede o início das lesões de pele. Alarga variedade de manifestações clínicas, a falta de critérios diagnósticos bem definidos e a possibilidade de síndromes de sobreposição com outras doenças reumáticas também se somam à complexidade do diagnóstico.3

No presente relato de caso, as manifestações articulares precederam em quatro anos o início das lesões de pele. A gravidade do quadro articular, a refratariedade ao tratamento com AINEs e aos DMARDS justificaram a indicação do tratamento com anti-TNFα. No entanto, a hepatite medicamentosa decorrente do uso de isoniazida para profilaxia de TB contraindicou a utilização desses biológicos pelo risco de desenvolvimento da infecção e dificuldades posteriores para um tratamento adequado.

Diante do exposto e pela falta de opção terapêutica, a paciente foi tratada com abatacepte. Alguns estudos10,11 mostram que essa medicação apresenta menores riscos de eventos adversos e é utilizada no tratamento de AR não responsiva a MTX e anti-TNFa. No tratamento da psoríase, esse biológico está em fase experimental, com resultados favoráveis.9

Schiff et al.10 observaram que o abatacepte tem uma segurança e um perfil de tolerabilidade mais aceitável que o infliximabe, com menos eventos adversos sérios, incluindo infecções graves e eventos infusionais agudos.Em outro estudo, Schiff et al.11 estudaram 1.286 pacientes com artrite reumatoide em um período de seis meses. Observaram que apenas um paciente teve infecção séria e nenhum caso de infecção oportunística, incluindo tuberculose, foi reportado. Em conclusão, este estudo demonstra a aceitável segurança e tolerabilidade do abatacepte em pacientes com uma resposta inadequada à terapia anti-TNF.

O abatacepte, biológico ainda não disponível no SUS, encontra-se em estudo de fase IIB, multidose, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo; com objetivo de determinar um regime de dosagem para o tratamento de pacientes com artrite psoriásica ativa com resposta inadequada à terapia anterior de DMARD's, incluindo metotrexato e anti-TNF.12

O conhecimento atual da patogênese da AP envolve uma complexa cascata de ativação de células B e células T, com consequente liberação de citocinas inflamatórias. O abatacepte atenua a coestimulação CD80/CD86-CD28 de linfócitos T e tem provado ser efetivo no tratamento da psoríase e da artrite reumatoide.13,14 A real eficácia do abatacepte na AP depende ainda da conclusão de ensaios clínicos.

Neste relato de caso, observou-se uma boa resposta clínica inicial ao uso do abatacepte, mas não podemos afirmar que essa paciente terá uma resposta sustentada ao longo do tempo. É importante aguardar os resultados de estudos clínicos para indicar o uso do abatacepte na AP.

Recebido em 17/01/2009

Aprovado, após revisão, em 20/01/2010

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse

Serviço de Reumatologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF) - Ceará

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  • Endereço para correspondência:

    Carlos Ewerton Maia Rodrigues
    Rua Doutor Gilberto Studart, 955, apto 801
    CEP: 60190-750. Papicu, Fortaleza, CE, Brasil
    Tel: 55 (85) 32657266/88911796
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      20 Jan 2010
    • Recebido
      17 Jan 2009
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