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Perfil da doença de Kawasaki em crianças encaminhadas para dois serviços de reumatologia pediátrica do Rio de Janeiro, Brasil

Resumos

OBJETIVOS: Descrever uma população de crianças com diagnóstico de doença de Kawasaki (DK) atendida em centros de reumatologia pediátrica do Rio de Janeiro. Analisar o período de atraso no diagnóstico e início do tratamento, devido à dificuldade de distinguir DK de outras doenças febris comuns da infância; e o impacto deste atraso na frequência de sequelas coronarianas. MÉTODOS: Os dados analisados incluíram: nome, sexo, idade, data do inicio dos sintomas e da admissão no serviço especializado, sintomatologia, evolução clínica, uso de Imunoglobulina Endovenosa (IGEV) e complicações coronarianas. RESULTADOS: Dos 125 casos estudados, 63% eram meninos. 40% tinham menos de 2 anos no momento do diagnóstico. O intervalo médio entre o inicio dos sintomas e o diagnóstico de DK foi de 12 dias (duração média da febre = 14 dias). Dos casos estudados, 22,4% receberam o diagnostico de DK antes do atendimento em serviço especializado; nos demais, as hipóteses diagnosticas iniciais incluíam: infecções bacterianas (60%), virais (12%), outras doenças reumatológicas (4%) e reações adversas à vacinação (1,6%). Em 85.6 % dos casos registrou-se o tratamento realizado, sendo administrada IGEV em 46,7%, e a partir do 10º dia em 21,5% dos casos. Dos 20 pacientes apresentando sequelas coronarianas, 9 tiveram diagnóstico tardio, incluindo 3 iniciando tratamento após o 10º dia e 6 sem tratamento. Não encontramos associação significativa entre a frequência de sequelas coronarianas e: sexo; idade; critérios clínicos; tratamento com IGEV antes ou depois do 10º dia de doença. CONCLUSÕES: O diagnóstico de DK pode ser atrasado pela dificuldade em diferenciá-lo de outras doenças febris da infância.

vasculite; síndrome do nódulo linfático mucocutâneo; doença das coronárias; antibioticoprofilaxia


OBJECTIVES: To describe a population of children diagnosed with Kawasaki's disease (KD) in pediatric rheumatology centers of Rio de Janeiro, Brazil, defining the magnitude of the delay period in diagnosing KD and initiating treatment due to confusion with common childhood febrile illnesses and the impact of this delay on the frequency of coronary sequels. METHODS: Data analysis from hospital records summarized in a dedicated form, including name, gender, age, date of first recorded clinical signs, date of admission to the specialty service, information about symptoms, clinical evolution, intravenous immunoglobulin (IVIG) use and coronary sequels. RESULTS: Of 125 patients, 63% were males. 40% were under 2 years at diagnosis. Average lapse between earliest signs and KD diagnosis was 12 days (mean fever duration, 14 d). Only 22.4% had a diagnosis of KD before entering the specialty service. For the remainder, initial hipotheses included: bacterial (60%) and viral infections (12%), rheumatological diseases (4%) and adverse vaccination reactions (1.6%). Hence, prevalent febrile illnesses of childhood were major confounding factors. For records (85.6%) mentioning treatment, 46.7% reported IVIG treatment, beginning after day 10 in 23 cases (21.5%). 20 patients (16%) presented coronary sequels, 9 of which were diagnosed late, including 3 given IVIG after day 10, and 6 given no IVIG. We found no significant association between the frequency of coronary sequels and: a) sex; b) age; c) clinical criteria; d) initiation of IVIG treatment (before or after day 10). CONCLUSIONS: Common febrile illnesses of childhood often confound the diagnosis of KD.

vasculitis; mucocutaneous lymph node syndrome; coronary artery disease; antibiotic prophylaxis


ARTIGO ORIGINAL

Perfil da doença de Kawasaki em crianças encaminhadas para dois serviços de reumatologia pediátrica do Rio de Janeiro, Brasil

Rozana Gasparello de AlmeidaI; Andréa Valentim GoldenzonII; Marta Cristine Félix RodriguesIII; Flávio Roberto SztajnbokIV; Maria Ignez Capella Gaspar ElsasV; Sheila Knupp Feitosa de OliveiraVI

IReumatologista Pediátrico - SMS / RJ - MSc

IIReumatologista Pediátrico - SMS/RJ - MSc

IIIReumatologista Pediátrico - IPPMG-UFRJ e SMS / RJ - MSc

IVProfessor Assistente da UFRJ, Reumatologista Pediátrico da UERJ - MSc

VMD , Pesquisador, Departamento Pediátrico IFF-FIOCRUZ - Pesquisador Titular em Saúde Pública

VIProfessor Adjunto, Faculdade de Medicina, UFRJ, Reumatologista Pediátrico. - PhD

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Ignez C. Gaspar Elsas Departamento de Pediatria, Instituto Fernandes Figueira, IFF-FIOCRUZ Av. Rui Barbosa, 716, Flamengo Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22250-020 Tel/Fax: 55 (21) 25541731 E-mail: elsas@iff.fiocruz.br ; gasparelsas@gmail.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever uma população de crianças com diagnóstico de doença de Kawasaki (DK) atendida em centros de reumatologia pediátrica do Rio de Janeiro. Analisar o período de atraso no diagnóstico e início do tratamento, devido à dificuldade de distinguir DK de outras doenças febris comuns da infância; e o impacto deste atraso na frequência de sequelas coronarianas.

MÉTODOS: Os dados analisados incluíram: nome, sexo, idade, data do inicio dos sintomas e da admissão no serviço especializado, sintomatologia, evolução clínica, uso de Imunoglobulina Endovenosa (IGEV) e complicações coronarianas.

RESULTADOS: Dos 125 casos estudados, 63% eram meninos. 40% tinham menos de 2 anos no momento do diagnóstico. O intervalo médio entre o inicio dos sintomas e o diagnóstico de DK foi de 12 dias (duração média da febre = 14 dias). Dos casos estudados, 22,4% receberam o diagnostico de DK antes do atendimento em serviço especializado; nos demais, as hipóteses diagnosticas iniciais incluíam: infecções bacterianas (60%), virais (12%), outras doenças reumatológicas (4%) e reações adversas à vacinação (1,6%). Em 85.6 % dos casos registrou-se o tratamento realizado, sendo administrada IGEV em 46,7%, e a partir do 10º dia em 21,5% dos casos. Dos 20 pacientes apresentando sequelas coronarianas, 9 tiveram diagnóstico tardio, incluindo 3 iniciando tratamento após o 10º dia e 6 sem tratamento. Não encontramos associação significativa entre a frequência de sequelas coronarianas e: sexo; idade; critérios clínicos; tratamento com IGEV antes ou depois do 10º dia de doença.

CONCLUSÕES: O diagnóstico de DK pode ser atrasado pela dificuldade em diferenciá-lo de outras doenças febris da infância.

Palavras-chave: vasculite, síndrome do nódulo linfático mucocutâneo, doença das coronárias, antibioticoprofilaxia.

INTRODUÇÃO

A doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite sistêmica da infância, de causa desconhecida. As manifestações clínicas resultam de dano a vasos sanguíneos de pequeno e médio calibre.1 A DK foi primeiro descrita no Japão, onde a incidência é mais alta (140/100,000 em crianças < 5 anos),2,3 e depois relatada no mundo todo, com prevalência variável. A incidência anual estimada em crianças abaixo de 5 anos é de 17/100,000 nos EUA4 e 3/100,000 na América do Sul.5

Os padrões clínicos e epidemiológicos sugerindo que a DK segue exposição a agentes infecciosos, incluem: a) a distribuição geográfica e temporal; b) um padrão sazonal; c) a baixa incidência durante os primeiros meses de vida, compatível com transferência passiva de imunidade da mãe para a criança; d) agregação de casos compatíveis com um surto infeccioso; e e) raramente um padrão recorrente compatível com parcial resistência à reinfecção.6 A partir dos relatórios iniciais incriminando os coronavírus humanos,7 a lista de agentes causativos suspeitos8 cresceu e começou a incluir bactérias, fungos e ácaros domésticos.

Se não tratadas, 15%-25% das crianças com DK desenvolvem sequelas coronárias, que variam em gravidade de ectasia desde artéria coronariana assintomática até aneurisma coronário gigante que leva à trombose, infarto do miocárdio e morte súbita.9-12 Embora a DK seja incomum, suas sequelas coronárias tem um grande impacto nos cuidados de saúde pediátricos: em países industrializados, a DK é a maior causa de doença cardíaca adquirida na infância; em países em desenvolvimento, é a segunda causa, atrás apenas de febre reumática.13-16 A prevalência de aneurismas coronarianos e mortalidade geral é efetivamente reduzida através do uso de aspirina com imunoglobulina endovenosa (IGEV). O tempo da intervenção, entretanto, é supostamente crucial para reduzir a doença arterial coronariana (DAC) para 4%-5%.13-15 De acordo com estudos publicados, a melhora prognóstica requer que o tratamento seja iniciado antes do 10º dia de febre.13

No Brasil, onde levantamentos sistemáticos de DK são insuficientes,17 muitas doenças infecciosas causadas por bactérias, vírus, protozoários e helmintos são consideravelmente mais comuns do que DK, mas tem apresentações clínicas similares ao período febril inicial da DK, quando se acredita que o diagnóstico adequado e instituição do tratamento com IGEV sejam cruciais. Essas condições representam um problema significante para o diagnóstico da DK, especialmente quando há pouca conscientização sobre a doença e suas sequelas.

Analisamos aqui a evolução clínica da DK em crianças brasileiras, descrevendo a frequência de diagnóstico de DK e identificando as hipóteses alternativas que foram inicialmente consideradas, bem como em que extensão o diagnóstico de DK foi atrasado pelo fato de ser confundido com outras doenças infecciosas comuns. E o possível impacto desses atrasos no tempo e eficácia da terapia com IGEV.

MÉTODOS

Localização e desenho do estudo

Analisamos retrospectivamente os registros hospitalares de pacientes com DK atendidos nos serviços de reumatologia pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) e no Hospital Municipal Jesus (HMJE), no Rio de Janeiro, Brasil, após aprovação do Comitê de Ética de ambas as instituições. Esses hospitais públicos terciários fornecem tratamento especializado para residentes do estado do Rio de Janeiro.

Incluímos crianças de 0 a 12 anos, admitidos de janeiro de 1992 a dezembro de 2005, que foram diagnosticadas portando DK. Os dados dos respectivos registros foram resumidos em um formulário de coleta de dados, incluindo os seguintes itens: nome, sexo, data do primeiro registro de sinais clínicos, data da admissão no serviço de reumatologia pediátrica, informação sobre sintomas, evolução clínica, uso de IGEV e sequelas coronárias.

Informações relacionadas ao diagnóstico e tratamento

O diagnóstico de DK e sua evolução clínica foram estabelecidos com base no histórico clínico, data de início e término da febre e exame físico. Isso incluiu a avaliação das extremidades, cavidade oral, lábios, nódulos linfáticos, conjuntivas e rash. Os sintomas relacionados aos sistemas gastrointestinal, geniturinário, cardiovascular, músculo-esquelético e respiratório, sistema nervoso central, pele e fanera também foram investigados. As seguintes complicações foram detectadas: hepatite, uveíte, paralisia facial, hipoacusia neurosensorial. Em relação ao dano às artérias coronárias, o tipo de lesão foi registrado (ectasia/ aneurisma). Os dados sobre a recorrência ou persistência de febre após o início do tratamento e a recorrência da doença também foram coletados. O tipo e o tempo até o uso da medicação para o tratamento da DK ser iniciada também foram determinados. Um total de 14,4% dos registros não continha informações suficientes sobre o tratamento.

Definição de caso

A ocorrência de DK foi definida quando um paciente apresentasse febre há mais de cinco dias em associação com pelo menos quatro dos seguintes achados clínicos: alterações nas extremidades, rash polimórfico, hiperemia conjuntival, alterações típicas nos lábios e/ou mucosa oral e linfadenopatia cervical. DK incompleta foi definida como febre persistente em associação com dois ou três dos achados acima, na ausência de outras doenças que pudessem ser responsáveis pela apresentação clínica. A DK resistente foi definida por febre persistente ou recorrente, 36 horas após a infusão de IGEV. O diagnóstico de DK reincidente foi dado quando os critérios de DK foram preenchidos em um paciente que já havia apresentado remissão clínica. Esses critérios são detalhados na Tabela 1A.

Análise estatística

O teste qui-quadrado de Pearson com dois graus de liberdade foi usado para avaliar a associação entre a frequência de sequelas coronárias e as seguintes variáveis: a) sexo; b) idade (abaixo de 1 ano ou acima de 1 ano); c) critérios clínicos; d) início do tratamento do IGEV (antes ou após o 10º dia).

RESULTADOS

Dos 125 casos (75 do IPPMG e 50 do HMJE) que preencheram os critérios de inclusão, a prevalência foi maior entre 2 e 5 anos (37%) (Tabela 2A). As crianças afetadas eram predominantemente do sexo masculino (Tabela 2A).

 

Somente 28 dos 125 pacientes (22,4%) haviam recebido um diagnóstico de DK antes de serem encaminhados aos serviços especializados. Antes do encaminhamento, as hipóteses diagnósticas alternativas foram consideradas na maioria dos casos. Essas incluíram infecções bacterianas (60%), infecções virais (12%), outras doenças reumatológicas (4%) e reações adversas à vacinação (1,6%).

A duração da doença febril antes do início do tratamento, um dos dados mais relevantes para o prognóstico, foi de pelo menos 5 dias (variando de 5 a 38 dias, média de 14 dias). A febre, em 36% dos pacientes (n = 45), durou até 10 dias e em 3% (n = 8), durou mais de 30 dias. Entretanto, a duração da doença febril não foi registrada para 23 pacientes. Em média, o diagnóstico foi feito no 12º dia de febre.

A Tabela 1B mostra a frequência das diferentes manifestações clínicas que são aceitas como critérios diagnósticos para a DK em pacientes com febre há mais de cinco dias. Todos os critérios diagnósticos foram encontrados a altas frequências e alterações nas extremidades, cavidade oral e lábios, estavam presentes em mais de 95% dos pacientes. Mesmo com essa alta frequência de critérios diagnósticos, o diagnóstico incompleto de DK foi feito em 7 pacientes (5,6%) que apresentavam febre associada a 3 dos 5 critérios. Nesse grupo, somente um caso de DK incompleta ocorreu em uma criança com mais de 5 anos, com todos os outros casos sendo em menores de 2 anos.

A Tabela 2B mostra a frequência de manifestações em estudos anteriormente relatados de DK, mas que não se qualificam como critérios diagnósticos pelo consenso atual. Isto incluía trato gastrointestinal (náusea, vômitos, diarreia, dor abdominal); trato geniturinário (piúria estéril); sistema músculo-esquelético (artrite, artralgia, mialgia, claudicação); sistema respiratório (tosse, taquipneia, infiltração pulmonar, derrame pleural); sistema nervoso central (irritabilidade, meningite asséptica); pele e fanera (alopecia e linhas de Beau).

Tratamento e resposta terapêutica

Todos os pacientes receberam aspirina, 80-100 mg/kg/dia, até os sintomas de febre desaparecerem por pelo menos 48 horas. A dose foi então reduzida a 3-5 mg/kg/dia (dose que inibe a agregação plaquetária), como dose única, mantida por 6-8 semanas, exceto em casos que envolviam danos às artérias coronárias, nos quais o tratamento continuado foi recomendado. IGEV foi administrada como infusão contínua por 10-12 horas a uma dose de 2 g/kg em 46% dos pacientes (n = 50) em um total de 107 pacientes com registros de tratamento disponíveis. O intervalo de tempo da infusão em relação ao período febril está detalhado na Tabela 3A, distinguindo entre os casos onde a IGEV foi instituída no período recomendado e aqueles onde ela foi administrada com atraso.

Complicações

Identificamos 3 casos de hepatite, 1 de uveíte, 3 de paralisia facial devido a trauma do 7º nervo craniano (facial) e 3 casos de hipoacusia neurosensorial. Trombocitose ocorreu em 71% dos casos (6 casos não apresentaram informações de testes laboratoriais). Apenas uma criança apresentou trombocitopenia.

Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia bidimensional no momento do diagnóstico, e durante o período de seguimento. O envolvimento coronário no período subagudo, manifestando-se como aneurismas e dilatações coronárias, foi observado em 20 pacientes, dos quais somente 6 (5% de todos os casos) foram diagnosticados e tratados antes do 10º dia. Para cinco pacientes adicionais com envolvimento coronário, não temos informações sobre o tratamento. Dos outros 9 pacientes remanescentes, diagnosticados após o 10º dia, 3 receberam IGEV e 6 não puderam ser tratados devido à falta do medicamento no território nacional. A Tabela 3B mostra a distribuição dos pacientes que apresentaram sequelas coronarianas como função da faixa etária à época do diagnóstico.

Nenhum caso de infarto agudo do miocárdio e nenhum desfecho fatal foram registrados durante o período de seguimento. Entre os pacientes com envolvimento coronário, dois apresentaram DK resistente à infusão de IGEV e um apresentou a forma incompleta da doença.

Impacto das diferentes variáveis sobre a frequência de sequelas coronárias

Não foi possível detectar uma associação estatisticamente significante entre a frequência de sequelas coronárias e quaisquer das seguintes variáveis: a) sexo (qui-quadrado = 0,05369), não significante/NS) ; b) idade (abaixo de 1 ano ou acima de 1 ano) (qui-quadrado = 1,17557), NS); c) critérios clínicos (linfadenomegalia: qui-quadrado = 0,82392, NS; rash polimórfico: qui-quadrado = 0,57721, NS; alterações nas extremidades: qui-quadrado = 0,25818, NS; alterações nos lábios e cavidade oral: qui-quadrado = 0,70293, NS; hiperemia conjuntival: quiquadrado = 0,01451, NS).

Também examinamos os efeitos do tratamento com IGEV. O tratamento teve impacto significante (qui-quadrado = 33,65172, P < 0,001) na frequência de sequelas coronárias. A administração de IGEV iniciada após o 10º dia não teve efeito significante sobre a frequência de sequelas coronárias (qui-quadrado = 2,63017, NS).

DISCUSSÃO

A DK representa um desafio para o pediatra que trabalha em um país tropical, pois é uma afecção reumatológica incomum que requer intervenção altamente específica a fim de serem evitadas sequelas graves ou fatais. Mas ao mesmo tempo tem uma apresentação clínica não específica18 no período crítico, durante o qual o tratamento adequado precisa ser instituído.

Muitas doenças infecciosas mais prevalentes, que se apresentam como doenças febris agudas da infância, podem confundir o diagnóstico de DK.

A DK foi primeiro descrita no Japão em 196119 e posteriormente caracterizada em 19749 a partir dos pontos de vista clínicos, epidemiológicos e anatomopatológicos.20

Nossos dados estão em acordo com estudos anteriores que mostraram a predominância de indivíduos afetados do sexo masculino e a ocorrência em idade baixa, sendo 77% dos casos em crianças abaixo de 5 anos.6,1 5 A DK incompleta é mais comum antes dos dois anos de idade e as crianças afetadas parecem apresentar um risco maior de desenvolver doença coronária.21 Em nosso estudo, 6 dos 7 pacientes com DK incompleta tinham menos de 2 anos de idade e uma dessas crianças desenvolveu lesões coronárias. A DK resistente, descrita em 10% a 15% dos indivíduos, está associada a um maior risco de ectasia ou aneurismas.22-24 Essa evolução clínica foi observada em 7 de nossos pacientes (5%), com envolvimento cardíaco em 2 desses casos (1,6%). A DK recorrente, relatada em 3%-5% das crianças japonesas,6 foi observada em 2 de nossos pacientes (1,6 %).

Em nosso estudo, a maioria dos atrasos nos diagnósticos foi devida à dificuldade em distinguir a DK de infecções virais e bacterianas e reações adversas a vacinas, que juntas constituem as hipóteses diagnósticas iniciais em aproximadamente 75% dos casos. Assim, o impacto das doenças febris da infância prevalentes sobre o intervalo de tempo para o diagnóstico e tratamento da DK é considerável. Pelo fato de representarem um problema comum em muitos países tropicais, nossos achados devem servir para aumentar a conscientização de pediatras em outros locais.

O diagnóstico de DK se baseia na observação de sinais e sintomas não específicos, tais como febre alta persistente por pelo menos cinco dias, em associação com quatro de cinco critérios diagnósticos, que podem ser observados nas primeiras poucas semanas de evolução.15 Os achados mais frequentes são alterações na cavidade oral, hiperemia conjuntival, alterações nas extremidades e linfadenopatia cervical.12,25 Esses achados podem passar despercebidos por pais e cuidadores ou atribuídos à febre e assim não serem relatados, já que frequentemente são considerados irrelevantes ou óbvios. De maneira geral, a falta de uma apresentação inicial alarmante provavelmente atrasa a busca por cuidados médicos.

O tempo médio de duração da febre (14 dias) em nosso estudo mostra um atraso acentuado no diagnóstico, em contraste com o período de 6,5 dias em um estudo canadense.26 É importante destacar que a DK pode ser diagnosticada já no 4º dia de febre, com base nos quatro ou mais critérios diagnósticos.15

Entre os pacientes com informações adequadas sobre o tratamento, somente 54% dos casos que usaram a IGEV receberam o tratamento no período recomendado. Não observamos em nosso estudo um efeito significante quando do início do tratamento após o período recomendado.

Em conclusão, o diagnóstico atrasado da DK em crianças brasileiras levou ao início do tratamento com IGEV após o período recomendado em um número considerável de pacientes em nosso estudo, mas esse atraso não teve um impacto significante sobre a frequência de sequelas coronárias.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à professora Dulce Helena Orofino, por sua ajuda com a literatura sobre a DK.

Recebido em 24/04/2010.

Aprovado, após revisão, em 31/08/2010.

Declaramos a inexistência de conflito de interesse.

Apoio financeiro recebido do CNPq.

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ.

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  • Endereço para correspondência:

    Maria Ignez C. Gaspar Elsas
    Departamento de Pediatria, Instituto Fernandes Figueira, IFF-FIOCRUZ
    Av. Rui Barbosa, 716, Flamengo
    Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 22250-020
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      24 Abr 2010
    • Aceito
      31 Ago 2010
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