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Medidas de avaliação em lúpus eritematoso sistêmico

Resumos

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de natureza autoimune, de etiologia multifatorial, cujo diagnóstico baseia-se no quadro clínico somado a parâmetros laboratoriais. Este estudo teve como objetivo investigar medidas de avaliação em LES disponíveis na literatura, a partir do método da revisão integrativa de literatura. O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de busca por artigos científicos indexados em bancos de dados de ciências da saúde em geral como Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), MEDLINE/Pubmed e Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). Utilizaram-se os seguintes descritores: assessment and lupus, quality of life and lupus, damage and lupus, activity index and lupus e patient outcomes and lupus. As publicações selecionadas mostraram três domínios de avaliação da enfermidade: medidas de avaliação de atividade da doença, medidas de avaliação de danos causados pela doença e medidas de avaliação de qualidade de vida. O estudo mostrou que a percepção do estado de saúde e da qualidade de vida dos pacientes, bem como o impacto da doença e de seu tratamento, podem ser melhor avaliados com a utilização das medidas propostas pelos autores

lúpus eritematoso sistêmico; avaliação de danos; avaliação de resultados; qualidade de vida


Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic inflammatory, multisystem, autoimmune and multifactorial disease, whose diagnosis is based on clinical and laboratorial parameters. This study aimed at investigating assessing measures in SLE available in the literature by using the method of integrative review of the literature. The bibliographic research was conducted through the search for scientific articles indexed in general health sciences databases, such as the Latin American and Caribbean Health Sciences (LILACS), MEDLINE/PubMed, and Scientific Electronic Library Online (SCIELO). The following descriptors were used: "assessment and lupus"; "quality of life and lupus"; "damage and lupus"; "activity index and lupus"; and "patient outcomes and lupus". The selected publications showed three domains of SLE assessment: assessing measures of disease activity; assessing measures of damage caused by the disease; and assessing measures of quality of life. The study showed that the patients' perception of health status and quality of life and the impact of the disease and its treatment can be better evaluated using the measures proposed by the authors

systemic lupus erythematosus; damage assessment; outcome assessment; quality of life


ARTIGO DE REVISÃO

Medidas de avaliação em lúpus eritematoso sistêmico

Eutília Andrade Medeiros FreireI; Laís Medeiros SoutoII; Rozana Mesquita CiconelliIII

IProfessor Doutor da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB

IIGraduanda em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB

IIIProfessor Doutor da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo - Unifesp

Correspondência para Correspondência para: Eutília Andrade Medeiros Freire Av. Cabo Branco, 3524/apto 501B CEP 58045-110. João Pessoa, PB, Brasil E-mail: eutilia@terra.com.br

RESUMO

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de natureza autoimune, de etiologia multifatorial, cujo diagnóstico baseia-se no quadro clínico somado a parâmetros laboratoriais. Este estudo teve como objetivo investigar medidas de avaliação em LES disponíveis na literatura, a partir do método da revisão integrativa de literatura. O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de busca por artigos científicos indexados em bancos de dados de ciências da saúde em geral como Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), MEDLINE/Pubmed e Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). Utilizaram-se os seguintes descritores: assessment and lupus, quality of life and lupus, damage and lupus, activity index and lupus e patient outcomes and lupus. As publicações selecionadas mostraram três domínios de avaliação da enfermidade: medidas de avaliação de atividade da doença, medidas de avaliação de danos causados pela doença e medidas de avaliação de qualidade de vida. O estudo mostrou que a percepção do estado de saúde e da qualidade de vida dos pacientes, bem como o impacto da doença e de seu tratamento, podem ser melhor avaliados com a utilização das medidas propostas pelos autores.

Palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico, avaliação de danos, avaliação de resultados (cuidados de saúde), qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica do tecido conjuntivo, de etiologia multifatorial, que se caracteriza por acometer diversos órgãos e sistemas e apresentar importantes distúrbios imunológicos, com a presença de autoanticorpos dirigidos, sobretudo contra antígenos nucleares, alguns dos quais participam de lesão tissular imunologicamente mediada. Embora possa ocorrer em ambos os sexos e em qualquer faixa etária, tem maior incidência em mulheres (10:1), com pico de incidência em torno de 30 anos.1

Apesar de não se conhecer sua etiologia, admite-se que diferentes fatores, em conjunto, favoreçam o desencadeamento do LES, entre os quais se destacam: fatores genéticos, demonstrados pela maior prevalência de LES em parentes de primeiro e segundo graus; fatores ambientais, especialmente raios ultravioleta, infecções virais, substâncias químicas, hormônios sexuais e fatores emocionais. A interação entre esses múltiplos fatores está associada à perda do controle imunorregulatório, com perda da tolerância imunológica, desenvolvimento de autoanticorpos, deficiência na remoção de imunocomplexos, ativação do sistema de complemento e de outros processos inflamatórios que levam à lesão celular e/ou tissular.

As manifestações clínicas do LES são variadas, podendo envolver qualquer órgão ou sistema, isolada ou simultaneamente, em qualquer período da doença. O LES acomete principalmente as articulações, a pele, as células sanguíneas, os vasos sanguíneos, as membranas serosas, os rins e o cérebro.

Por ser uma doença multissistêmica, muitas vezes de início insidioso e com apresentação clínica variável, o diagnóstico de LES pode ser difícil, principalmente na avaliação inicial. Nenhuma alteração clínica ou laboratorial, isoladamente, faz o diagnóstico de LES, apesar de algumas dessas alterações serem muito sugestivas de tal enfermidade. Em 1982, o American College of Rheumatology (ACR) propôs os critérios de classificação para LES,2 revisados em 1997.3 O objetivo inicial da elaboração dos critérios foi a uniformização das populações para estudos científicos. No entanto, devido às suas altas sensibilidade e especificidade na prática clínica, os critérios são frequentemente utilizados para diagnóstico de pacientes com LES.

O controle da atividade da doença é realizado principalmente pelo uso de corticoides e imunossupressores, fármacos que possuem vários efeitos colaterais como hipertensão arterial, diabetes, osteoporose e neoplasias, entre outros. Dessa forma, identificar, e até mesmo predizer, a atividade da doença é de extrema importância para um planejamento adequado do tratamento da doença. Provas sorológicas podem ser utilizadas para a avaliação da atividade da doença, sendo as mais importantes a dosagem de anticorpos anti-dsDNA, níveis de complemento e de seus produtos e os níveis séricos de interleucinas, especialmente IL-6, IL-10 e IL-16. Não há um único marcador sorológico que se correlacione com a atividade da doença em todos os pacientes.4

A prevalência do LES vem aumentando, uma vez que a mortalidade vem diminuindo ao longo dos anos, devido ao desenvolvimento de novas opções terapêuticas, como também pelo surgimento de exames imunológicos e genéticos mais sensíveis e específicos para se realizar um diagnóstico mais precoce. Atualmente, estimativas sugerem um nível de sobrevida em LES de 97% a 80% em cinco anos.5,6 Esse aumento na sobrevida nos leva a considerar a ocorrência de sequela e incapacidade pela própria doença ou pelo tratamento de pacientes com LES, que podem envolver cuidados pessoais, locomoção, destreza, comportamento, comunicação, disposição e outras atividades.7,8,9

Por se tratar de uma doença crônica incurável, o objetivo do tratamento baseia-se na supressão da atividade da doença, que é reversível, como também na prevenção contra o surgimento de danos orgânicos causados pela doença e de efeitos colaterais secundários aos fármacos utilizados, além do controle de comorbidades associadas.10

Durante o acompanhamento clínico do paciente com LES, o médico deve avaliar o indivíduo, buscando responder aos seguintes questionamentos: se houve melhora, piora ou se a doença manteve-se estável; se a presença de dano irreversível deve-se à doença ou ao tratamento instituído; qual a percepção do paciente a respeito de seu estado de saúde e qualidade de vida, uma vez que esta, muitas vezes, difere da percepção do médico.11

Em pacientes que sobrevivem por mais de 10 anos, a causa de morte com frequência não está relacionada com a atividade de doença, e sim com os danos crônicos causados pela doença ou por sua terapêutica.12 Para a descrição do prognóstico em LES, os pacientes devem ser avaliados para a atividade da doença, danos acumulados durante a doença, como também para a qualidade de vida.

Diante do exposto, este estudo visou investigar medidas de avaliação de LES disponíveis na literatura.

MATERIAL E MÉTODOS

Para o presente estudo, optou-se pelo método da revisão integrativa de literatura, que tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre determinado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado,13 visto que possibilita sumarizar as pesquisas já concluídas e obter conclusões, a partir de um tema de interesse. Este método difere da revisão sistemática porque, nesta, são incluídos apenas estudos experimentais, enquanto a revisão integrativa constitui-se num método com abordagem mais ampla, abrangendo estudos experimentais e quase-experimentais, estudos teóricos e empíricos. O processo de elaboração da revisão integrativa cumpre criteriosamente seis etapas: seleção de hipóteses ou questões para a revisão; seleção das pesquisas que irão compor a amostra da revisão; definição das características das pesquisas primárias que compõem a amostra da revisão; interpretação dos resultados; e relato da revisão, proporcionando um exame crítico dos achados.14

O levantamento bibliográfico desta revisão foi realizado por meio de busca por artigos científicos indexados em bancos de dados de ciências da saúde em geral, como Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), MEDLINE/Pubmed e Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). Os descritores utilizados na busca foram: assessment and lupus (avaliação e lúpus), quality of life and lupus (qualidade de vida e lúpus), damage and lupus (dano e lúpus), activity index and lupus (índice de atividade e lúpus) e patient outcomes and lupus (resultados do paciente e lúpus).

Os critérios de inclusão utilizados para a seleção da amostragem foram: textos disponibilizados na íntegra, através de acesso ao Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES); e atendimento à análise das variáveis contempladas para o estudo (medidas de avaliação). As publicações mais relevantes foram selecionadas e seus dados foram analisados e apresentados de forma discursiva e narrativa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Medidas de avaliação de atividade da doença

Índices de atividade foram criados com o objetivo de padronizar a avaliação da atividade do LES. Dentre eles, estão o ECLAM (European Consensus Lupus Activity Measurement), o LAI (Lupus Activity Index), o SLAM (Systemic Lupus Activity Measure), o BILAG (British Isles Lupus Assessment Group) e o SLEDAI (Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index). Os três últimos índices se mostraram reprodutíveis, válidos e com boa correlação entre si.15

O índice ECLAM avalia a atividade da doença ao longo do último mês, compreende 15 parâmetros clínicos e laboratoriais, com escores variando de 0 a 10.10 Confiabilidade, validade e sensibilidade na detecção de mudanças foram avaliadas por diversos estudiosos, apresentando boa correlação com outros índices utilizados.

O LAI inclui quatro escores para a avaliação global pelo médico e sua opinião quanto à gravidade da doença, achados laboratoriais e tratamento imunossupressor, cuja média varia de 0 a 3. Variações de 0,26 são consideradas alterações para atividade da doença.10

O SLEDAI tem sido utilizado para a avaliação da atividade de doença em vários centros,16 com bons resultados quanto à validade e à reprodutibilidade no Brasil.17 Esse instrumento inclui, em sua avaliação, parâmetros clínicos e laboratoriais, levando-se em conta o órgão acometido. Avalia a atividade da doença com relação aos últimos 10 dias. Escores superiores a 8 indicam doença ativa. Variação de três pontos entre uma visita e outra é aceita como ativação da doença, e variações maiores ou iguais a 12 pontos significam atividade grave.18 No ano de 2000, o SLEDAI foi revisado, dando origem ao SLEDAI2K.19 A modificação proposta incluía a atividade persistente de alguns parâmetros, e não a pontuação desses parâmetros apenas nos casos de início ou recorrência. Gladman et al.19 mostraram que a persistência do eritema, das úlceras mucosas, da alopécia e da proteinúria superior a 0,5 g em 24 horas pode ser usada em trabalhos para a avaliação da atividade da doença, ao comparar o SLEDAI-2K com o SLEDAI original. Uribe et al.20 avaliaram três instrumentos diferentes utilizados para a medição de atividade do LES, a saber, SLAM-modificado, SLEDAI mexicano (Mex-SLEDAI) e SLEDAI-2K modificado (sem os parâmetros sorológicos: anti-dsDNA e complemento sérico), comparando-os com o SLEDAI-2K e com a medida de avaliação global da atividade da doença realizada pelo médico (avaliação global pelo médico). Concluíram que os três instrumentos apresentaram boa correlação com o SLEDAI-2K e com a avaliação global pelo médico. Além disso, o SLEDAI-2K modificado teve a melhor validade discriminativa (capacidade de distinguir pacientes claramente ativos daqueles inativos ou com atividade mínima) e o menor custo entre os três instrumentos avaliados.

O índice BILAG também mede atividade clínica no LES e foi desenvolvido de acordo com a análise por intenção de tratar a doença. Esse índice é composto de oito sistemas orgânicos em que não ocorre o cálculo do escore total, e sim de sistemas separadamente. O escore BILAG é calculado para cada um dos oito sistemas: sintomas gerais, mucocutâneo, respiratório, cardiovascular, neurológico, musculoesquelético, renal e hematológico, dependendo das características clínicas presentes e do fato de se-rem novas, agravadas, idênticas ou melhoradas, nas últimas quatro semanas em relação às anteriores, e é representado por letras do alfabeto. O BILAG "A" representa a presença de uma ou mais características graves do LES. O BILAG "B" indica características mais moderadas da doença. O BILAG "C" inclui apenas características sintomáticas leves. O BILAG "D" representa apenas a atividade anterior, sem sintomas atuais causados por lúpus ativo. O BILAG "E" revela que um sistema jamais foi envolvido. Esse é um instrumento compreensível e flexível, adotado como índice transicional, fácil e rápido de ser aplicado.21,22

Medidas de avaliação de danos causados pela doença

Devem ser usados, como medida de saúde em portadores de doenças crônicas, instrumentos para a avaliação do índice de danos em sistemas orgânicos, detectando danos ocorridos em pacientes, a despeito de sua causa, e resultantes da atividade da doença ou de sua terapia, como também de comorbidades. Para evitar confusão entre atividade de doença e dano, o sintoma tem de estar presente pelo menos por 6 meses, causando injúria tecidual que resulte em dano orgânico irreversível.

Em 1996, foi publicada a validação inicial de um instrumento para a avaliação do índice de danos em LES pelo ACR - Systemic Lupus International Colaborating Clinics/American College of Rheumatology - Damage Index (SLICC/ACR-DI).23 Esse instrumento aborda 12 sistemas orgânicos que detectam danos ocorridos nos pacientes, a despeito de sua causa, podendo resultar da atividade da doença ou de sua terapia, como também de doenças intercorrentes como câncer e diabetes.

Os danos orgânicos e psíquicos aos quais esses pacientes sobreviventes mais estão submetidos resultam, muitas vezes, em incapacidade física ou mental e deficiências, piorando a qualidade de vida, que tem sido reconhecida como importante indicador do estado de saúde para pacientes portadores de doenças crônicas.24

Medidas de avaliação de qualidade de vida

Escalas de qualidade de vida relacionadas à saúde medem alterações na função física, aspectos funcionais, psicológicos e sociais, bem como refletem a percepção pelo paciente de seu estado de saúde.25 O termo "qualidade de vida" (QV) começou a ser utilizado nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de descrever o efeito gerado pela aquisição de bens materiais (tecnologia) na vida das pessoas. Somente alguns anos mais tarde, passou a ser considerado como parâmetro a ser valorizado, com o objetivo de captar avanços nas áreas de educação e saúde. Na literatura médico-social, tem sido relacionado com uma variedade de termos, incluindo satisfação com a vida, autoestima, bem-estar, felicidade, saúde, valor e significado da vida, estado funcional e ajustamento.26

O conceito de saúde é definido pela OMS como a percepção do indivíduo sobre seu bem-estar físico, mental e social, e não meramente como ausência de doença.27 Trata-se de um conceito muito amplo que engloba saúde física, estado psicológico, grau de independência, relacionamento social, crenças, relação com o meio ambiente, ganho financeiro e liberdade. As medidas de avaliação de qualidade de vida relacionada à saúde correspondem a uma avaliação mais limitada de QV, que se refere às dimensões que são específicas e diretamente relacionadas ao estado de saúde. Esse conceito é frequentemente referido na literatura médica como qualidade de vida relacionada a saúde, estado de saúde e estado funcional.27, 28

Embora a sobrevida dos pacientes com LES tenha aumentado nos últimos 50 anos, a qualidade de vida continua a apresentar baixos índices. As medidas de avaliação de danos e de atividade da doença não consideram a perspectiva do paciente em relação à doença e à sua qualidade de vida29 e, nesse sentido, a avaliação de QV mostra-se como um importante parâmetro para medirmos o impacto das doenças crônicas. Medidas fisiológicas dão informações imprescindíveis aos clínicos, mas, com frequência, se correlacionam pouco com a capacidade funcional e o bem-estar, que são aspectos nos quais os pacientes estão mais interessados e familiarizados. A QV deve ser medida em pesquisa clínica, com vistas a observar o impacto da doença como medida qualitativa complementar, na avaliação de práticas clínicas, levando em conta a perspectiva do paciente sempre que envolva a tomada de decisão com relação à sua doença, e em análises econômicas em saúde, as quais estudam o impacto das ações médicas aferidas tanto em termos quantitativos (efetividade e tolerância) quanto em termos qualitativos (qualidade de vida), e suas relações com o consumo dos recursos financeiros.30,31

A maioria dos instrumentos para a avaliação de QV é formada por um número de itens ou questões. Esses itens são agrupados em domínios ou dimensões. Um domínio se refere à área do comportamento ou da experiência que estamos tentando medir. Domínios podem incluir questões sobre funções físicas, emocionais e sociais.

Os instrumentos de avaliação de QV podem ser genéricos ou específicos para determinada doença. Os instrumentos genéricos são aplicáveis a uma grande variedade de doenças e populações, em virtude de incluírem aspectos relativos a função, disfunção e desconforto emocional e físico - elementos relevantes à qualidade de vida dos indivíduos em geral.

O SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey) é um instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida, de fácil administração e compreensão.32 É um questionário multidimensional formado por 35 itens, englobados em oito domínios: capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos sociais, limitação por aspectos emocionais e saúde mental. Inclui ainda uma questão que se refere ao estado de saúde comparativo atual e de um ano antes, a qual não é incluída no cálculo do escore. Apresenta um escore final de 0 a 100, em que 0 corresponde ao pior estado geral de saúde e 100 ao melhor. Ciconelli et al.33 traduziram e validaram este questionário para a língua portuguesa, sendo posteriormente aplicado em pacientes com Artrite Reumatoide, Lúpus Eritematoso Sistêmico e outras doenças reumatológicas e não reumatológicas.

Existe ainda, na avaliação do perfil de saúde genérico, um sistema baseado em preferências, com o propósito de medir estado de saúde, e que produz um escore de utility. A avaliação das medidas de utility em saúde nos orienta sobre as experiências de pacientes associadas à doença ou à terapia, bem como a eficácia, a efetividade, a eficiência das intervenções e os cuidados e o estado de saúde da população em geral. Os escores desses sistemas se baseiam em preferência por estado de saúde, numa escala genérica que considera morte igual a 0,00 e saúde perfeita igual a 1,00. Essa classificação de estado de saúde é genérica e aplicável a todas as pessoas em situações clínicas distintas e na população em geral.

Os instrumentos específicos avaliam QV para uma área primária de interesse. Podem ser específicos para determinada doença, para determinada função ou para um problema. Sua característica mais importante é a sensibilidade para detectar mudanças após uma intervenção.

Os questionários de avaliação de QV podem ser autoadministrados ou por aplicados por entrevistador. Por motivos socioeconômicos, nos estudos realizados no Brasil a coleta de dados tem sido feita através de entrevista.34,35

Em 2003, foi publicada a validação de um questionário especifico para LES, denominado Systemic Lupus Erythematosus Symptom Checklist (SSC), que se propõe a medir o impacto dessa doença e de seu tratamento em um indivíduo.36 Esse questionário aborda a presença e o impacto de 38 sintomas relacionados a doença e/ou a seu tratamento em uma escala de quatro pontos, onde 0 é o melhor estado, e 4, o pior estado de saúde.

Foram testadas a consistência interna, a reprodutibilidade e a validade em 87 pacientes com LES, com coeficientes de 0,89, 0,67 e 0,87, respectivamente, indicando índices de correlações satisfatórios nesse questionário. A comparação com outros instrumentos de QV demonstrou correlações moderadas. A responsividade foi testada em 17 pacientes com nefrite lúpica, tratados com ciclofosfamida, no início do tratamento e um ano após, com mudanças significativas em vários sintomas relacionados à doença. Esse questionário foi traduzido e validado para a língua portuguesa por Freire et al. em 2007.37

Leong et al.38 publicaram o desenvolvimento e a validação preliminar na língua inglesa do Questionário Systemic Lupus Erythematosus Quality of Life (SLEQOL). Esse questionário é composto por 40 itens divididos em seis domínios, que são função física, atividade ocupacional, sintomas, tratamento, humor e autoimagem. Em cada domínio, os escores variam de 1 a 7, e, quanto mais altos forem os escores, pior é a qualidade de vida. O escore mínimo é 40 e o máximo é 280. Foi testado em 275 pacientes com LES cuja consistência interna (coeficiente de Cronbach) foi 0,95 e a reprodutibilidade intraobservador foi 0,83. A responsividade foi testada usando como âncora a escala de avaliação global de saúde, que varia de +7 a -7. Esse questionário foi submetido a vários tratamentos estatísticos que demonstraram ser ele mais sensível que o SF-36 às mudanças ao longo do tempo.38 Esse questionário também foi traduzido e validado para a língua portuguesa por Freire, em 2008.39

Ainda recentemente, novos questionários foram desenvolvidos e publicados com enfoque nas necessidades e na qualidadade de vida de pacientes com LES.

O Systemic Lupus Erythematosus Needs Questionnaire (SLENQ) possui sete domínios, que avaliam as seguintes necessidades: psicológico/espiritual/existencial, serviços de saúde, informações de saúde, físico, social, vivência diária, situação financeira. Esse questionário demonstrou bons coeficientes de reprodutibilidade e moderadas correlações com o SF-36.40

O Lupus Quality of Life (LupusQol) contém 34 itens, distribuídos em oito domínios, a saber: saúde física, saúde emocional, imagem corporal, dor, planejamento, fadiga, relações íntimas e impacto para outras pessoas. Além disso, revelou-se um instrumento válido para avaliar qualidade de vida.41

Assim como as escalas de qualidade de vida relacionada à saúde fazem parte da avaliação dos resultados relatados por pacientes (patient reported outcomes - Pros) ao longo de uma doença, os instrumentos que medem os sintomas subjetivos e a satisfação com o tratamento também integram essa avaliação. Nas duas últimas décadas, os resultados de medidas de avaliação centradas na opinião do paciente desempenham importante papel no estudo de doenças crônicas. No ACR, o Comitê de Medidas de Resultados em Ensaios Clínicos, o OMERACT (Outcome Measures in Rheumatology Clinical Trials), tem reconhecido a importância da mensuração da função e do bem-estar pela perspectiva do paciente como critério para determinar melhora clínica. Em estudos clínicos esses instrumentos de qualidade de vida têm sido usados largamente como objetivo primário, pois atualmente recomendações têm sido feitas no sentido de captarmos a avaliação do próprio paciente acerca de seu estado de saúde, indivíduo que mais interesse tem em sua evolução.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A percepção do estado de saúde e da qualidade de vida dos pacientes, bem como o impacto de sua doença e de seu tratamento, vêm sendo amplamente reconhecidos como tópicos de pesquisa em estudos clínicos e epidemiológicos. Por essa razão, faz-se necessária a compreensão dessas medidas para seu uso também na prática clínica cotidiana.

Submetido em 30/7/2010.

Aprovado, após revisão, em 8/12/2010.

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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  • Correspondência para:

    Eutília Andrade Medeiros Freire
    Av. Cabo Branco, 3524/apto 501B
    CEP 58045-110. João Pessoa, PB, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2010
    • Aceito
      08 Dez 2010
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