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Comprometimento pulmonar na artrite reumatoide

EDITORIAL

Comprometimento pulmonar na artrite reumatoide

José Antônio Baddini Martinez

Professor Associado Divisão de Pneumologia; Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo

O comprometimento do sistema respiratório pela artrite reumatoide (AR) é importante causa de morbidade e mortalidade.1 As manifestações podem ser variadas e incluem infiltrados pulmonares intersticiais, comprometimento pleural, nódulos pulmonares únicos ou múltiplos, distúrbios das vias aéreas centrais e periféricas, doenças do leito vascular, toxicidade pulmonar por drogas utilizadas no tratamento e infecções secundárias.1-3 Entre todas essas possibilidades, os infiltrados intersticiais pulmonares ganham importância, devido a sua maior prevalência e possibilidade de progressão para fibrose pulmonar terminal com insuficiência respiratória. Em geral, o comprometimento pulmonar da AR acontece em pacientes com doença articular bem estabelecida.1-3 Contudo, infiltrados pulmonares podem ser a primeira manifestação da doença em até 20% dos casos.1

Muito do que sabemos sobre o comprometimento pulmonar pela AR foi constatado em anos recentes, principalmente depois do advento de técnicas radiológicas mais sofisticadas, como a tomografia computadorizada de tórax de alta resolução obtida em aparelhos de tecnologia avançada. Estudos empregando essa técnica indicam a presença de infiltrados pulmonares variando entre 20% e 63% dos pacientes estudados. Tais achados radiológicos podem, inclusive, ser frequentemente encontrados em pacientes assintomáticos respiratórios, com doença reumática recém-diagnosticada.4 Nessa última situação, predominam alterações do tipo vidro fosco e espessamentos septais subpleurais, geralmente de pequena extensão.

No presente número da Revista Brasileira de Reumatologia, Skare et al.5 estudaram a presença de alterações tomográficas em uma amostra de 71 pacientes com AR, seguidos em clínicas e ambulatórios especializados do estado do Paraná. A prevalência de achados tomográficos foi de 55%, com predomínio das anormalidades de padrão reticular, apesar de a presença de tosse e dispneia ter sido igualmente baixa, tanto no grupo com anormalidades, quanto naquele sem anormalidades. Ainda foram encontradas associações significativas entre a presença de lesões nodulares e de alterações reticulares com maior tempo de histórico da doença. Tais resultados estão de acordo com dados previamente publicados na literatura internacional, e indicam que a detecção radiológica de comprometimento pulmonar pela AR é uma realidade cada vez mais comum na prática médica diária também no Brasil. A falta de associações significativas da presença do comprometimento pulmonar com o sexo masculino, história de tabagismo, ou com o uso de drogas potencialmente tóxicas ao pulmão como, por exemplo, o metrotrexato, elementos de risco previamente descritos, pode ser justificada pelo número relativamente pequeno de pacientes dessa casuística.

É importante ressaltar que, do ponto de vista histológico, o comprometimento pulmonar pela AR pode ser bastante heterogêneo, e que padrões distintos de pneumonite intersticial se associam com prognóstico diverso.6 Desse modo, o padrão pneumonia intersticial usual é aquele que mostra mínimas chances de resposta ao uso de corticosteroides e imunossupressores, enquanto a pneumonia intersticial não específica celular e a pneumonia em organização cursam, via de regra, com bom prognóstico. Contudo, a realização de biopsias pulmonares cirúrgicas em pacientes com doenças colágeno-vasculares e comprometimento pulmonar não deve ser indicada rotineiramente. Portanto, em geral, admite-se que a presença na tomografia de tórax de extensas áreas em vidro fosco ou condensações indique maiores chances de resposta ao tratamento imunossupressor, enquanto padrões radiológicos típicos de pneumonia intersticial usual, com espessamento septal periférico, extensas áreas de faveolamento e a presença de bronquiectasias de tração, impliquem prognóstico ruim.1,2,6

Tão importante quanto os exames de imagem são os estudos de função pulmonar seriados nesses pacientes. Um estudo encontrou que o único elemento capaz de predizer a progressão da doença intersticial pulmonar em pacientes com AR, pelos próximos dois anos, foi a presença de um valor de difusão do monóxido de carbono inicial inferior a 54% do previsto.7

Ainda que a nossa capacidade de detecção de infiltrados pulmonares associados a AR tenha crescido enormemente, são inúmeras as dúvidas relativas ao que seria o manejo ideal dessas condições. Não está clara qual a história natural de infiltrados discretos, particularmente os em vidro fosco, em pacientes assintomáticos. O real papel do tratamento com imunossupressores também permanece incompletamente compreendido, mesmo em pacientes com doença pulmonar mais avançada. Desse modo, é difícil o estabelecimento de recomendações absolutas para condutas nessas condições. No momento atual, um conjunto de princípios gerais, baseados em grande parte no bom senso e na nossa própria experiência clínica, pode ajudar a tomada de decisões pelos clínicos envolvidos no cuidado de tais pacientes:

• Pacientes com AR assintomáticos respiratórios devem ser submetidos a pelo menos uma radiografia de tórax no início do seu acompanhamento.

• Em pacientes assintomáticos respiratórios, com radiografia de tórax inicial normal, é aconselhável a realização de pelo menos uma radiografia de tórax anualmente.

• Pacientes com AR sintomáticos respiratórios, ou que tenham alterações radiológicas detectadas em uma radiografia de tórax, devem ser submetidos a espirometria completa e tomografia computadorizada de alta resolução.

• Os casos de pacientes sintomáticos respiratórios, com alterações radiológicas ou alterações da função pulmonar, são mais bem conduzidos pelo cuidado conjunto e harmônico de um reumatologista e um pneumologista.

• O tratamento com corticosteroides e imunossupressores, tais como ciclofosfamida ou azatioprina, deve ser restrito aos indivíduos cujos sintomas possam ser atribuídos aos infiltrados intersticiais, que mostrem alterações espirométricas bem caracterizadas, ou que evidenciem queda progressiva de parâmetros de função pulmonar em exames seriados.

• A via de administração, oral ou endovenosa, a dose dos imunossupressores e o tempo de tratamento devem ser baseados, respectivamente, na gravidade do quadro clínico-radiológicofuncional inicial e pelas respostas observadas.

• Não existem evidências atuais suficientes para a indicação de tratamento dos infiltrados pulmonares associados a AR com leflunomide ou agentes biológicos.

• Em pacientes com infiltrados pulmonares de instalação recente, excluir sempre a possibilidade de infecções ou toxicidade pulmonar por drogas, especialmente metotrexate.

• Biopsias pulmonares cirúrgicas podem ser indicadas em casos em que persistam dúvidas diagnósticas, ou de evolução discordante do esperado em função dos padrões tomográficos inicialmente observados.

• Em casos selecionados de pacientes com idade inferior a 65 anos, doença pulmonar avançada, sem resposta adequada ao tratamento instituído e sem comorbidades significativas, considerar a possibilidade de encaminhamento para centro de transplante pulmonar.

Pelo exposto, fica claro que o comprometimento pulmonar na artrite reumatoide é tema complexo, ainda repleto de incertezas. Pesquisas como a do grupo de Curitiba são necessárias5,8 e muito bem-vindas, para que possamos conhecer melhor esta moléstia e desvendar os caminhos a serem seguidos no cuidado dos nossos pacientes.

  • 1
    Ozerkis-Antin D, Evans J, Rubinowitz A, Horner RJ, Matthay RA. Pulmonary manifestations of rheumatoid arthritis. Clin Chest Med 2010;31(3):451-78.
  • 2
    Tanaka N, Kim JS, Newell JD, Brown KK, Cool CD, Meehan R et al Rheumatoid arthritis-related lung diseases: CT findings. Radiology 2004;232(1):81-91.
  • 3
    Gabbay E, Tarala R, Will R, Carroll G, Adler B, Cameron D et al Interstitial lung disease in recent onset rheumatoid arthritis. Am J Respir Crit Care Med 1997;156(2 Pt 1):528-35.
  • 4
    Metafratzi ZM, Georgiadis AN, Ioannidou CV, Alamanos Y, Vassiliou MP, Zikou AK et al Pulmonary involvement in patients with early rheumatoid arthritis. Scand J Rheumatol 2007;36(5):338-44.
  • 5
    Skare TL, Nakano I, Escuissiato DL, Batistetti, R, Rodrigues TO, Silva MB. Alterações de tomografia pulmonar de alta resolução em pacientes com artrite reumatoide e suas associações com variáveis clínicas, demográficas, sorológicas e terapêuticas. Rev Bras Reumatol 2011;51(4):323-37.
  • 6
    Lee HK, Kim DS, Yoo B, Seo JB, Rho JY, Colby TV et al Histopathologic pattern and clinical features of rheumatoid arthritis-associated interstitial lung disease. Chest 2005;127(6):2019-27.
  • 7
    Dawson JK, Fewins HE, Desmond J, Lynch MP, Graham DR. Predictors of progression of HRCT diagnosed fibrosing alveolitis in patients with rheumatoid arthritis. Ann Rheum Dis 2002;61(6):517-21.
  • 8
    Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Fronza LSR, Bertolo MB et al 2011 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology for diagnosis and early assessment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol 2011;51(3):199-219.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011
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