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Envolvimento das musculaturas esquelética e cardíaca na esclerose sistêmica

Resumos

Pacientes com Esclerose Sistêmica (ES) podem apresentar envolvimento muscular na forma de miosite ou miopatianão inflamatória. É verificada também associação entre acometimento muscular e disfunção ventricular esquerda (DVE) em pacientes com ES, o que lhes confere pior prognóstico. Avaliamos 87 pacientes do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com diagnóstico de ES, quanto à presença de manifestações da musculatura esquelética e a relação destas com DVE. Verificamos uma prevalência de 42,5% de acometimento muscular nos pacientes avaliados, observando uma correlação positiva com a forma difusa da doença. Afastadas outras causas de DVE, três dos quatro pacientes com fração de ejeção abaixo do valor de normalidade apresentaram alteração de força muscular, atrofia e/ou elevação de enzima creatinofosfoquinase sérica (CPK)

escleroderma sistêmico; miosite; disfunção ventricular esquerda


Patients with systemic sclerosis (SSc) can have muscle involvement in the form of myositis or non-infl ammatory myopathy. The muscle involvement can be associated with left ventricular dysfunction (LVD) in patients with SSc, resulting in worse prognosis. Eighty-seven patients of the Hospital de Clínicas of the Universidade Federal do Paraná, diagnosed with SSc, were assessed regarding the presence of skeletal muscle manifestations and their relation with LVD. A 42.5% prevalence of muscle involvement was observed in the patients studied, as well as a positive correlation with the diffuse form of the disease. Excluding other causes of LVD, three of the four patients with ejection fraction below the normal reference value had alteration of the muscle strength, atrophy and/or serum creatine phosphokinase (CPK) elevation

systemic sclerosis; myositis; left ventricular dysfunction


ARTIGO ORIGINAL

Envolvimento das musculaturas esquelética e cardíaca na esclerose sistêmica

Lilian SchadeI; Eduardo dos Santos PaivaII; Carolina de Souza MüllerIII

IMédica-residente de Reumatologia, HC-UFPR

IIReumatologista; Professor de Reumatologia do HC-UFPR

IIIReumatologista; Médica-reumatologista assistente do Ambulatório de Esclerose Sistêmica HC-UFPR

Correspondência para Correspondência para: Lilian Schade Serviço de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital de Clínicas da UFPR Av General Carneiro, 181 Curitiba, PR, Brasil E-mail: lilianschade@yahoo.com.br

RESUMO

Pacientes com Esclerose Sistêmica (ES) podem apresentar envolvimento muscular na forma de miosite ou miopatianão inflamatória. É verificada também associação entre acometimento muscular e disfunção ventricular esquerda (DVE) em pacientes com ES, o que lhes confere pior prognóstico. Avaliamos 87 pacientes do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, com diagnóstico de ES, quanto à presença de manifestações da musculatura esquelética e a relação destas com DVE. Verificamos uma prevalência de 42,5% de acometimento muscular nos pacientes avaliados, observando uma correlação positiva com a forma difusa da doença. Afastadas outras causas de DVE, três dos quatro pacientes com fração de ejeção abaixo do valor de normalidade apresentaram alteração de força muscular, atrofia e/ou elevação de enzima creatinofosfoquinase sérica (CPK).

Palavras-chave: escleroderma sistêmico; miosite; disfunção ventricular esquerda.

INTRODUÇÃO

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença autoimune caracterizada por alterações vasculares e fibrose de pele e órgãos internos. É classificada como difusa ou limitada de acordo com a extensão de pele acometida.1

Pacientes com ES podem apresentar envolvimento muscular na forma de miosite ou miopatia não inflamatória, manifestando-se com graus variados de fraqueza, atrofia muscular e elevação da enzima creatinofosfoquinase sérica (CPK), geralmente associados a alterações eletroneuromiográficas.2

É verificada ainda associação entre acometimento muscular e disfunção ventricular esquerda (DVE) em pacientes com ES.3,4 O registro EUSTAR (EULAR Scleroderma Trials and Research), avaliando 7.073 pacientes com ES, demonstrou prevalência de 5,4% de disfunção do ventrículo esquerdo DVE e a miosite foi um dos fatores independentemente associados. A DVE conferiu pior prognóstico a estes pacientes.3

O presente estudo objetiva avaliar a associação de ES com manifestações musculares e a relação destas com DVE.

MATERIAL E MÉTODOS

Avaliamos 87 pacientes do ambulatório de Esclerose Sistêmica do Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas da UFPR, com diagnóstico de ES pelos critérios do ACR (American College of Rheumatology), quanto a manifestações musculares e a relação destas com DVE. As manifestações musculares foram avaliadas da seguinte forma: presença de fraqueza muscular ou atrofia muscular, ambas verificadas em exame físico, e/ou elevação de CPK. A DVE foi avaliada por ecocardiograma transtorácico através da medida da fração de ejeção ventricular (EV). Correlacionamos, também, os achados musculares e cardíacos com a apresentação difusa ou limitada de ES, a idade e o gênero dos pacientes. Foram excluídos da análise pacientes com alterações que pudessem resultar em acometimento muscular ou elevação da CPK por causas não relacionadas à ES (p. ex., pacientes com tireoidopatia ou em uso de estatinas).5,6

RESULTADOS

Dos 87 pacientes com ES avaliados, 37 (42,5%) apresentaram manifestações musculares, na forma de fraqueza muscular, atrofia muscular e/ou elevação de CPK (Tabela 1). Fraqueza muscular, referida pelo paciente e verificada como déficit de força muscular em exame físico, foi o achado predominante, presente em 28 pacientes, associada ou não a atrofia muscular e/ou elevação de CPK. A elevação de CPK foi verificada em 11 pacientes, apresentando correlação positiva com o achado de atrofia muscular (P = 0,04), mas não com fraqueza muscular (P = 0,09).

Dos 87 pacientes avaliados, 19 (21,8%) apresentavam ES difusa. A forma cutânea difusa apresentou correlação positiva com maior presença de manifestações musculares (fraqueza muscular, atrofia muscular e/ou elevação de CPK, P = 0,04). Na forma cutânea limitada esta correlação foi negativa (P = 0,08).

A média de idade dos pacientes com ES e manifestação muscular foi de 48 ± 11,7 anos, semelhante à média de idade de todos os pacientes com ES avaliados neste estudo, de 48,5 ± 11,7 anos. Apenas sete pacientes (8%) eram do sexo masculino, destes, três (42,8%) apresentaram manifestação muscular, sendo um paciente com a forma difusa e os outros dois com a forma limitada da doença. No sexo feminino a prevalência foi semelhante (42,5%).

O ecocardiograma transtorácico evidenciou EV abaixo do valor de referência para normalidade em quatro dos 87 pacientes avaliados (4,59%). Destes, três (75%) apresentaram alteração de força muscular, atrofia e/ou elevação de CPK, afastadas outras causas de DVE. A idade destes três pacientes variou de 34 a 61 anos.

DISCUSSÃO

Na literatura, o envolvimento muscular na ES é classificado em dois tipos: miosite, geralmente associada a maior grau de fraqueza muscular e níveis elevados de CPK, e miopatia não inflamatória.7 Esta última não apresenta uma definição consensual e habitualmente inclui acometimento muscular sem inflamação. As alterações encontradas no exame de eletroneuromiografia dos pacientes com ES são semelhantes àquelas evidenciadas nas miopatias inflamatórias idiopáticas.7,8 Os achados histológicos são heterogêneos e incluem tanto o componente de miopatia inflamatória quanto achados específicos de ES em várias proporções - podem ser verificados desde infiltrados inflamatórios, necrose e atrofia, até microangiopatia e fibrose de perimísio e epimísio.7,8 Os critérios diagnósticos para envolvimento muscular na ES não estão bem definidos, assim como sobreposição ES/polimiosite versus miopatia associada à ES não estão claramente diferenciados na literatura.7 Nos pacientes com ES, o prognóstico na miosite é favorável e normalmente há resposta adequada ao tratamento com corticoide. Embora clinicamente menos expressiva, a miopatia não inflamatória nesses pacientes tem pouca resposta ao tratamento imunossupressor.2,7

Verificamos prevalência de 42,5% de acometimento muscular, na forma de fraqueza muscular, atrofia e/ou elevação de CPK, nos pacientes com ES avaliados em nosso estudo. A mesma avaliação em outros trabalhos demonstrou prevalência entre 16% e 81%, o que reflete a heterogeneidade dos critérios usados para definir o envolvimento muscular na ES. A maior prevalência foi em pacientes com a forma cutânea difusa da ES, o que corrobora com a literatura.2 Não observamos relação com idade ou gênero.

O envolvimento cardíaco na ES, caracterizado por arritmias, distúrbios de condução e/ou DVE, é mais frequente nos pacientes com miopatia esquelética, inflamatória ou não.4,7 Portanto, diante dessa associação e do pior prognóstico conferido pelo acometimento cardíaco na ES, a monitoração cardíaca nos pacientes com ES e miopatia esquelética deveria ser realizada regularmente,7 incluindo-se a avaliação quanto à indicação de marcapasso profilático em pacientes de alto risco.9

A associação entre acometimento muscular e DVE também foi verificada em nosso estudo. Entre os pacientes com DVE, 75% apresentavam alteração de força muscular, atrofia e/ou elevação de CPK. Sendo este um estudo transversal, não foi avaliada a evolução clínica desses pacientes quanto ao prognóstico dessa manifestação.

Portanto, o presente estudo tem a finalidade de reforçar os dados da literatura quanto ao acometimento muscular na ES e a associação com DVE, assim como chamar a atenção para tal manifestação clínica no contexto de uma doença sistêmica e heterogênea e grave.

Recebido em 9/12/2010.

Aprovado, após revisão, em 30/4/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

Comitê de Ética: 156084.

Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR), Brasil.

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  • Correspondência para:

    Lilian Schade
    Serviço de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica do Hospital de Clínicas da UFPR
    Av General Carneiro, 181
    Curitiba, PR, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 2011
    • Recebido
      09 Dez 2010
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