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Pneumomediastino espontâneo associado a lesões laríngeas e úlceras traqueais na dermatomiosite

Resumos

O presente estudo descreve uma paciente de 41 anos de idade com dermatomiosite, doença pulmonar intersticial e vasculopatia cutânea que desenvolveu pneumomediastino. Durante exame de broncoscopia foram encontradas lesões pálidas na laringe, que se estendiam para a árvore traqueobrônquica, e úlceras profundas na parede membranácea da traqueia. O exame histopatológico revelou presença de processo inflamatório secundário à vasculite, mas sem sinais de infecção. Lesões nas vias aéreas superiores e inferiores em paciente com dermatomiosite são raríssimas. A associação de dermatomiosite com úlceras profundas de mucosa e pneumomediastino não está bem esclarecida, mas a broncoscopia é um exame que deve ser utilizado para aperfeiçoar a avaliação.

dermatomiosite; broncoscopia; diagnóstico de pneumomediastino


We described a 41-year-old woman with dermatomyositis, interstitial lung disease, and cutaneous vasculopathy who developed a pneumomediastinum. The routine bronchoscopy investigation found pale lesions in the larynx, that extended to the tracheobronchial tree, and deep ulcers in the membranous wall of the trachea. The histopathology examination revealed an inflammatory process that was diagnosed secondary to the vasculitis, but no infections. Superior and inferior airway lesions in the same patient with dermatomyositis is a very rare condition. The association of dermatomyositis with deep mucosal ulcers and pneumomediastinum is not clear, but a bronchoscopic examination should be used to improve evaluation.

dermatomyositis; bronchoscopy; pneumomediastinum diagnosis


RELATO DE CASO

Pneumomediastino espontâneo associado a lesões laríngeas e úlceras traqueais na dermatomiosite

Ascedio Jose RodriguesI; Marcia JacomelliII; Paulo Rogerio ScordamaglioI; Viviane Rossi FigueiredoIII

IMédico-Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - HC-FMUSP

IIDoutor em Pneumologia, FMUSP; Médico-Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória, HC-FMUSP

IIIDoutor em Pneumologia, FMUSP; Médico Diretor Técnico, Serviço de Endoscopia Respiratória, HC-FMUSP

Correspondência para Correspondência para: Ascedio Jose Rodrigues Serviço de Endoscopia Respiratória, HC-FMUSP Prédio dos Ambulatórios, 6º andar - bloco 3. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - Cerqueira César São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05017-000. E-mail: ascedio@gmail.com

RESUMO

O presente estudo descreve uma paciente de 41 anos de idade com dermatomiosite, doença pulmonar intersticial e vasculopatia cutânea que desenvolveu pneumomediastino. Durante exame de broncoscopia foram encontradas lesões pálidas na laringe, que se estendiam para a árvore traqueobrônquica, e úlceras profundas na parede membranácea da traqueia. O exame histopatológico revelou presença de processo inflamatório secundário à vasculite, mas sem sinais de infecção. Lesões nas vias aéreas superiores e inferiores em paciente com dermatomiosite são raríssimas. A associação de dermatomiosite com úlceras profundas de mucosa e pneumomediastino não está bem esclarecida, mas a broncoscopia é um exame que deve ser utilizado para aperfeiçoar a avaliação.

Palavras-chave: dermatomiosite, broncoscopia, diagnóstico de pneumomediastino.

INTRODUÇÃO

A dermatomiosite (DM) é uma doença inflamatória geral do tecido conjuntivo de causa desconhecida, que envolve principalmente os músculos e a pele. As complicações pulmonares são frequentes e podem levar a óbito.1 As manifestações respiratórias habituais são pneumonite intersticial, infecção, disfunção do músculo respiratório, doença induzida por medicamentos e pneumomediastino (PM).

O PM espontâneo (PME) foi descrito na DM como uma complicação rara, que carreia mau prognóstico.2 Vários relatos descreveram taxas de mortalidade de 37,5%-52,5% após o início do PM. Embora o mecanismo exato não tenha sido esclarecido, acredita-se que a complicação possa estar relacionada com pneumonite intersticial.3,4 A ruptura dos alvéolos adjacentes aos vasos em virtude da vasculite pode representar uma causa.1,3,5 Kono et al.6 descreveram pela primeira vez a necrose brônquica como uma manifestação de comprometimento das vias áreas em casos de DM. Esses autores levantaram a hipótese de que a vasculopatia seria uma possível causa de necrose, e que poderia ocorrer após o PM.

No presente estudo relatamos uma associação entre lesões laríngeas, úlceras traqueais e brônquicas e PM em uma mulher com DM.

RELATO DE CASO

Mulher de 41 anos de idade com DM e doença pulmonar intersticial progressiva com reação cutânea intensa apesar do uso de corticosteroides e de agentes imunossupressores, que desenvolveu enfisema subcutâneo. Os exames clínicos e as avaliações laboratoriais revelaram enzimas creatinoquinase (CK) e aldolase séricas em níveis normais. Os exames de radiografia e tomografia computadorizada do tórax relevaram presença de PM. Foi realizada uma broncoscopia com fibra óptica para avaliar as vias aéreas; durante a inspeção foram constatadas as seguintes alterações: lesões simétricas pálidas na mucosa das pregas vocais falsas na laringe, ulcerações profundas de mucosa na parede posterior da traqueia (os tamanhos das úlceras variavam de 0,5-1,0 cm), bem como duas lesões planas pálidas na mucosa, circundadas por um halo hiperêmico (pode corresponder a pontos da possível úlcera inicial) e localizadas na parede membranácea da traqueia e na parede posterior do brônquio principal direito com hiperemia difusa da mucosa da árvore traqueobrônquica.

Realizou-se a biopsia de todas as lesões visíveis (mais de um procedimento) com pinças flexíveis de biopsia. Os fragmentos foram submetidos à cultura e exibiram resultados negativos quanto à presença de fungo, micobactéria, vírus e infecção inespecífica. O exame histológico revelou doença inflamatória inespecífica com infiltrado polimorfonuclear predominante.

A paciente veio a óbito por sepse irresponsiva à antibioticoterapia.

DISCUSSÃO

Bradley3 descreveu o primeiro caso de PM associado à DM em 1986. Nas literaturas inglesa e francesa4,7 foram relatados 25 casos. A maioria dos pacientes tinha doença pulmonar intersticial e vasculite cutânea (infarto periungueal ou lesões ulcerosas). O PM ocorreu durante o tratamento com corticoides, mas os pacientes apresentavam níveis normais de CK, de maneira semelhante à nossa paciente. Kono et al.6 relataram placas brancas na mucosa brônquica ao nível da carina traqueal e nos brônquios principais, lobares e segmentares nos pulmões, além de doença pulmonar imatura e PM, em um paciente com DM que exibia lesões cutâneas ulcerativas. O exame de biopsia demonstrou necrose subepitelial da parede brônquica com descamação epitelial, o que lembra os sinais macroscópicos de nosso caso.

O mecanismo de PME em DM ainda não foi esclarecido. Sabe-se que a maioria dos pacientes relatados na literatura tinha doença pulmonar intersticial e apenas alguns pacientes exibiam somente a vasculopatia cutânea. Em quase metade dos casos os níveis de CK permaneceram normais, e a maioria dos pacientes foi tratada com corticoterapia sistêmica. Kono et al.6 admitiram que a necrose da parede brônquica atribuível à vasculopatia pudesse ser um mecanismo plausível.

Este relato de caso fornece uma descrição de lesões laríngeas associadas a úlceras traqueobrônquicas em DM, sugerindo que a manifestação da doença nas vias aéreas superiores seja possível. É essencial a determinação do diagnóstico diferencial para doenças infecciosas a fim de estabelecer o tratamento adequado em pacientes imunocomprometidos, já que as doenças podem diferir até mesmo com quadro clínico semelhante. Em nosso caso, a análise broncoscópica associada à ausência de sinais específicos no exame histológico sugeriu a hipótese de vasculite da mucosa traqueobrônquica como causa das úlceras, o que pode ser uma possível origem do PM correspondente à atividade de doença intersticial.

CONCLUSÃO

É imprescindível considerar a possibilidade de comprometimento difuso das vias aéreas causado pela atividade patológica da DM. A relação entre a lesão das vias aéreas e a ocorrência de PM em casos de DM ainda precisa ser avaliada em estudos futuros. O exame broncoscópico cuidadoso e rigoroso é uma ferramenta poderosa para a investigação desses padrões.

Recebido em 25/04/2011

Aprovado, após revisão, em 27/06/2012

Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.

Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - HC-FMUSP.

  • 1
    Barvaux VA, Van Mullem X, Pieters TH, Houssiau FA. Persistent pneumomediastinum and dermatomyositis: a case report and review of the literature. Clin Rheumatol 2001;20(5):359-61.
  • 2
    Masrouha KZ, Kanj N, Uthman I. Late-onset pneumomediastinum in dermatomyositis. Rheumatol Int 2009;30(2):291-2.
  • 3
    Bradley JD. Spontaneous pneumomediastinum in adult dermatomyositis. Ann Rheum Dis 1986;45(9):780-2.
  • 4
    Cicuttini FM, Fraser KJ. Recurrent pneumomediastinum in adult dermatomyositis. J Rheumatol 1989;16(3):384-6.
  • 5
    Korkmaz C, Ozkan R, Akay M, Hakan T. Pneumomediastinum and subcutaneous emphysema associated with dermatomyositis. Rheumatology (Oxford) 2001;40(4):476-8.
  • 6
    Kono H, Inokuma S, Nakayama H, Suzuki M. Pneumomediastinum in dermatomyositis: association with cutaneous vasculopathy. Ann Rheum Dis 2000;59(5):372-6.
  • 7
    Jansen TL, Barrera P, van Engelen BG, Cox N, Laan RF, van de Putte LB. Dermatomyositis with subclinical myositis and spontaneous pneumomediastinum with pneumothorax: case report and review of the literature. Clin Exp Rheumatol 1998;16(6):733-5.
  • Correspondência para:

    Ascedio Jose Rodrigues
    Serviço de Endoscopia Respiratória, HC-FMUSP
    Prédio dos Ambulatórios, 6º andar - bloco 3. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - Cerqueira César
    São Paulo, SP, Brasil. CEP: 05017-000.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      25 Abr 2011
    • Aceito
      27 Jun 2012
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