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Alexandre e as Diretrizes: a importância da estratégia e as Diretrizes para diagnóstico e tratamento medicamentoso da artrite reumatoide

EDITORIAL

Alexandre e as Diretrizes - a importância da estratégia e as Diretrizes para diagnóstico e tratamento medicamentoso da artrite reumatoide

Alexandre, que entraria para a História com o epíteto de "o Grande", filho de Felipe e de Olímpia, nasceu na cidade de Pela, então capital da Macedônia, no ano de 356 a.C. Quando morreu, aos 33 anos, em algum lugar da Babilônia, havia conquistado todo o mundo até então conhecido - detinha, entre outros, os títulos de Rei da Macedônia, Rei da Grécia, Senhor da Ásia, Xá da Pérsia, Faraó do Egito e Hegemônico da Liga Pan-Helênica. Como seu legado máximo, Alexandre havia fundido a cultura grega à oriental, formando a base da posteriormente denominada Civilização Helenística, que influenciou profundamente diversos aspectos da cultura ocidental atual.1

E por que falamos de Alexandre, o Grande, em um editorial científico sobre Diretrizes para artrite reumatoide? Porque Alexandre foi, mais que um grande conquistador, um brilhante estrategista, talvez o maior de toda a História. A palavra estratégia advém do antigo grego (stratos, "exército", e ago, "liderança" ou "comando"), e designava o comandante militar, à época da democracia ateniense. Atualmente, o termo estratégia pode ser compreendido como uma maneira de planejar o futuro, integrada no processo de tomada de decisão, considerando-se como base um procedimento formalizado e articulador de resultados. Usamos assim a figura de um grande estrategista para ilustrar que a elaboração e a publicação das Diretrizes faz parte da estratégia da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) para a disseminação e a implantação de conhecimentos baseados em evidência científica para diagnóstico e tratamento da artrite reumatoide (AR) no Brasil.

A AR é uma doença sistêmica crônica, geralmente progressiva, que acomete 0,5%-1% da população mundial, e que se caracteriza pelo comprometimento inflamatório da membrana sinovial, predominantemente das articulações periféricas. Tratar a dor, impedir ou retardar o dano estrutural articular, a incapacidade funcional e laboral, além de prevenir a mortalidade precoce dos pacientes acometidos, fazem parte da luta diária do reumatologista contra essa doença. O sucesso nessa batalha depende basicamente da adoção de estratégias adequadas, incluindo o diagnóstico precoce e a instituição de tratamento adequado o mais cedo possível na história natural da doença.

A SBR, por meio de sua Comissão de Artrite Reumatoide, elaborou, ao longo dos últimos dois anos, quatro documentos consensuais que orientam o diagnóstico e o tratamento da AR no Brasil, incluindo peculiaridades como o manejo das comorbidades e a vacinação de pacientes imunossuprimidos pela doença e pelo tratamento.2-5

Os consensos são instrumentos educativos, mais do que diretrizes normativas, que permitem a seus autores acrescentar dados da experiência e a opinião de especialistas à evidência científica. Se, como publicação, o consenso perde em grau de recomendação e em força de evidência, ganha como ferramenta educativa ao valorizar a experiência de quem convive com as dificuldades da prática diária no manejo da doença.6,7

O Projeto Diretrizes, da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo produzir orientações diagnósticas, terapêuticas e, quando aplicável, preventivas, baseadas em evidências científicas, conciliando informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. Os documentos apresentam o grau de recomendação e a força da evidência científica publicada, preservando em sua elaboração a autonomia dos médicos especialistas autores dos textos.8

Foi essa então a estratégia da Comissão de Artrite Reumatoide ao elaborar os dois documentos apresentados nessa edição da Revista Brasileira de Reumatologia - as Diretrizes para diagnóstico da artrite reumatoide9 e as Diretrizes para tratamento medicamentoso da artrite reumatoide.10 A elaboração dos textos seguiu de forma criteriosa os preceitos recomendados pela AMB e pelo CFM, e o resultado são respostas baseadas em evidência para perguntas do tipo: Os novos critérios classificatórios ACR/EULAR 2010 para AR são superiores aos critérios classificatórios de 1987 na fase inicial da doença? Os marcadores genéticos (pesquisa dos alelos de HLA-DRB1 - epítopo compartilhado e dos genes PTPN22) são úteis para a caracterização de pacientes com pior prognóstico da AR? Tratar a doença para atingir a remissão é um alvo factível? O uso de corticoesteroides na fase inicial da doença melhora o prognóstico do paciente?

Embora a personalidade e alguns atos de Alexandre Magno possam ser questionados, estudar o modo como Alexandre procedia à frente da administração do exército e as ações levadas a cabo para a conquista da Pérsia e da Ásia, incluindo as históricas batalhas de Gaugamela, Isso, Granico e Hidaspes, leva-nos à conclusão do estreito relacionamento entre o sucesso alcançado por Alexandre e o uso adequado de todo um processo administrativo, formalmente concebido e utilizado para um fim específico, ou seja, a implementação de estratégias.11 Desejamos que, ao ler e aplicar as estratégias propostas nas Diretrizes agora publicadas, nossos colegas reumatologistas, e, em última análise, seus pacientes, possam ser tão vitoriosos em sua luta contra a AR como o foi o magnífico estrategista Alexandre em suas muitas batalhas.

"Alexandre, filho de Felipe da Macedônia, oriundo da terra de Cetim, derrotou também Dario, rei dos persas e dos medos e reinou em seu lugar. Empreendeu inúmeras guerras, apoderou-se de muitas cidades e matou muitos reis. Avançou até os confins da terra e apoderou-se das riquezas de vários povos, e diante dele silenciou a terra."

Mac 1, 1-3

Licia Maria Henrique da Mota

Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil

Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia

E-mail: liciamhmota@gmail.com

Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro

Disciplina de Reumatologia, Universidade do Estado do

Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

  • 1
    Bose P. Alexander the Great's Art of Strategy. Crows Nest, N.S.W: Allen & Unwin; 2003.
  • 2
    Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Fronza LS, Bertolo MB, et al. 2011 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology for diagnosis and earlyassessment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol. 2011;51(3):199-219.
  • 3
    da Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al.; Brazilian Society of Rheumatology. 2012 Brazilian Society of Rheumatology Consensus for the treatment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol. 2012;52(2):152-74.
  • 4
    Pereira IA, Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Fronza LS, Bertolo MB, et al.; Brazilian Society of Rheumatology. 2012 Brazilian Society of Rheumatology Consensus on the management of comorbidities in patients with rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol. 2012;52(4):474-95.
  • 5
    Brenol CV, Mota LCH, Cruz BA, Pileggi GS, Pereira IA, Rezende LS, et al. Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre vacinação em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53(1):4-23.
  • 6
    da Mota LM. Considerations about the 2011 consensus of the Brazilian Society of Rheumatology for diagnosis and early assessment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol. 2011;51(3):197-8.
  • 7
    Mota LM. On mosaics and consensus: Gaudí, Brazil and rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol. 2012;52(2):133-4.
  • 8
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  • 9
    Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al., Sociedade Brasileira de Reumatologia, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tuberculose, Colégio Brasileiro de Radiologia. Diretrizes para o diagnóstico da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53(2):141-57.
  • 10
    Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Rezende-Fronza LS, Bertolo MB, et al., Sociedade Brasileira de Reumatologia. Diretrizes para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2013;53(2):158-83.
  • 11
    Rodrigues RC. Alexandre, "o Grande", e a informação para o planejamento estratégico. Inf Soc. 2007;17(2):74-85.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Out 2015
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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