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Síndrome antissintetase: anti-PL-7, anti-PL-12 e anti-EJ

Resumos

OBJETIVOS: Devido à escassez de trabalhos na literatura, realizamos análise de uma série de pacientes com síndrome antissintetase (SAS) do tipo anti-PL-7, PL-12 e EJ. MÉTODOS: Estudo de coorte, retrospectivo, envolvendo 20 pacientes com SAS (8 com anti-PL-7, 6 com PL-12, 6 com EJ), em acompanhamento em nosso serviço, entre 1982 e 2012. RESULTADOS: A média de idade dos pacientes ao início da doença foi de 38,5 ± 12,9 anos, e a duração da doença de 4,5 ± 6,4 anos. Setenta por cento dos pacientes eram brancos e 85% eram mulheres. Sintomas constitucionais ocorreram em 90% dos casos. Todos apresentavam fraqueza muscular objetiva dos membros; ao diagnóstico, 30% encontravam-se acamados e 65% com disfagia alta. Envolvimento articular, pulmonar e fenômeno de Raynaud ocorreram, respectivamente, em 50%, 40% e 65% dos casos; mais da metade dos pacientes apresentava pneumopatia incipiente, opacidade em vidro-fosco e/ou fibrose pulmonar. Não houve casos de envolvimento neurológico e/ou cardíaco. Todos receberam prednisona e, como poupadores dessa medicação, diferentes imunossupressores, dependendo da tolerância, efeitos colaterais e/ou refratariedade da doença. De relevância, os pacientes com anti-EJ apresentaram maiores taxas de recidiva. Dois pacientes evoluíram para óbito ao longo do seguimento, e um paciente teve neoplasia mamária na ocasião do diagnóstico da doença. CONCLUSÕES: A SAS (anti-PL-7, PL-12 e EJ) afetou predominantemente mulheres brancas. Embora os autoanticorpos descritos no presente estudo estejam mais relacionados com o acometimento pulmonar comparativamente ao articular, nossos pacientes apresentaram uma porcentagem significativa de ambos e com percentagem alta de miopatia. Além disso, houve menor taxa de mortalidade.

Aminoacil-tRNA sintetases; Miopatia inflamatória; Miosite; Síndrome antissintetase


OBJECTIVES: Due to the scarcity of studies in the literature, we conducted an analysis of a series of patients with the anti-PL-7, PL-12 and EJ types of antisynthetase syndrome (ASS). METHODS: We conducted a retrospective cohort study of 20 patients with ASS (8 with anti-PL-7, 6 with PL-12, 6 with EJ) monitored in our department between 1982 and 2012. RESULTS: The mean patient age at disease onset was 38.5 ± 12.9 years, and the disease duration was 4.5 ± 6.4 years. Of all the patients, 70% were white and 85% were female. Constitutional symptoms occurred in 90% of cases. All patients presented objective muscle weakness in the limbs; in addition, 30% were bedridden and 65% demonstrated high dysphagia at diagnosis. Joint and pulmonary involvement and Raynaud's phenomenon occurred in 50%, 40% and 65% of cases, respectively, with more than half of the patients presenting incipient pneumopathy, ground-glass opacity and/or pulmonary fibrosis. There were no cases of neurological and/or cardiac involvement. All patients received prednisone or other immunosuppressants depending on tolerance, side effects and/or disease refractoriness. Importantly, patients with the anti-EJ type of ASS demonstrated higher rates of recurrence. Two patients died during follow-up, and 1 patient had breast cancer at the time of diagnosis. CONCLUSIONS: ASS (anti-PL-7, PL-12 and EJ) was found to predominantly affect white women. Although the autoantibodies described in the present study are more related to pulmonary than joint involvement, our patients showed a significant percentage of both types of involvement and a high percentage of myopathy. We also observed a low mortality rate.

Aminoacyl-tRNA synthetases; Inflammatory myopathy; Myositis; Antisynthetase syndrome


ARTIGO ORIGINAL

Síndrome antissintetase: anti-PL-7, anti-PL-12 e anti-EJ

Fernando Henrique Carlos de SouzaI; Marcela Gran Pina CruellasII; Mauricio Levy-NetoI; Samuel Katsuyuki ShinjoI,* * Autor para correspondência. E-mail: samuel.shinjo@gmail.com (S.K. Shinjo)

IServiço de Reumatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIDisciplina de Reumatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: Devido à escassez de trabalhos na literatura, realizamos análise de uma série de pacientes com síndrome antissintetase (SAS) do tipo anti-PL-7, PL-12 e EJ.

MÉTODOS: Estudo de coorte, retrospectivo, envolvendo 20 pacientes com SAS (8 com anti-PL-7, 6 com PL-12, 6 com EJ), em acompanhamento em nosso serviço, entre 1982 e 2012.

RESULTADOS: A média de idade dos pacientes ao início da doença foi de 38,5 ± 12,9 anos, e a duração da doença de 4,5 ± 6,4 anos. Setenta por cento dos pacientes eram brancos e 85% eram mulheres. Sintomas constitucionais ocorreram em 90% dos casos. Todos apresentavam fraqueza muscular objetiva dos membros; ao diagnóstico, 30% encontravam-se acamados e 65% com disfagia alta. Envolvimento articular, pulmonar e fenômeno de Raynaud ocorreram, respectivamente, em 50%, 40% e 65% dos casos; mais da metade dos pacientes apresentava pneumopatia incipiente, opacidade em vidro-fosco e/ou fibrose pulmonar. Não houve casos de envolvimento neurológico e/ou cardíaco. Todos receberam prednisona e, como poupadores dessa medicação, diferentes imunossupressores, dependendo da tolerância, efeitos colaterais e/ou refratariedade da doença. De relevância, os pacientes com anti-EJ apresentaram maiores taxas de recidiva. Dois pacientes evoluíram para óbito ao longo do seguimento, e um paciente teve neoplasia mamária na ocasião do diagnóstico da doença.

CONCLUSÕES: A SAS (anti-PL-7, PL-12 e EJ) afetou predominantemente mulheres brancas. Embora os autoanticorpos descritos no presente estudo estejam mais relacionados com o acometimento pulmonar comparativamente ao articular, nossos pacientes apresentaram uma porcentagem significativa de ambos e com percentagem alta de miopatia. Além disso, houve menor taxa de mortalidade.

Palavras-chave: Aminoacil-tRNA sintetases; Miopatia inflamatória; Miosite; Síndrome antissintetase

Introdução

A síndrome antissintetase (SAS) é uma miopatia inflamatória idiopática caracterizada pela presença de anticorpos anti-aminoacil-tRNA sintetases, como anti-Jo-1 (histidil-), anti-PL-7 (treonil-), anti-PL-12 (alanil-), anti-EJ (glicil-), anti-OJ (isoleucil-), entre outros.1-3 Dentre esses autoanticorpos, o mais frequente é o anti-Jo-1.1-3

Clinicamente, a SAS é caracterizada por envolvimento muscular (miosite), pulmonar (doença pulmonar intersticial) e articular (artrite), além de febre, fenômeno de Raynaud e mãos de mecânico.1-3

A prevalência da SAS na população geral é desconhecida, pois se trata de uma síndrome rara. Além disso, há escassez de trabalhos epidemiológicos em SAS. Quando presentes, baseiam-se principalmente em SAS anti-Jo-1,3-7 enquanto as SAS contra outras aminoacil-tRNA sintetases se restringem a poucos relatos de casos.8-11

No presente estudo, apresentamos uma série de pacientes com SAS anti-PL-7, anti-PL-12 e anti-EJ.

Pacientes e métodos

Dos 222 pacientes com diagnóstico firmado de miopatia inflamatória idiopática, foram identificados e analisados 20 pacientes com SAS anti-PL-7, anti-PL-12 ou anti-EJ, em acompanhamento em nosso serviço terciário, no período entre 1980 e 2012. Todos os 20 pacientes preenchiam os critérios de Bohan e Peter,12 e apresentavam febre no início da doença, fenômeno de Raynaud, "mãos de mecânico", envolvimento muscular, pulmonar e/ou articular. O estudo foi aprovado pela comissão de ética local (Protocolo de Pesquisa HC nº 0039/10).

Os dados demográficos, terapêuticos, clínicos e laboratoriais foram obtidos por meio de uma revisão sistemática dos prontuários dos pacientes. Como manifestações clínicas, os seguintes parâmetros foram analisados: sintomas constitucionais, alterações cutâneas (heliótropo, pápulas de Gottron, fenômeno de Raynaud), acometimento articular (artralgia e/ ou artrite), presença de disfagia, disfonia, dispneia e força muscular proximal dos membros (grau 0: ausência de contração muscular; grau I: sinais de discreta contratilidade; grau II: movimentos de amplitude normal, porém não vence a ação da gravidade; grau III: movimentos de amplitude normal contra a ação da gravidade; grau IV: mobilidade integral contra a ação da gravidade e de certo grau de resistência; grau V: mobilidade completa contra resistência acentuada e contra a ação da gravidade), além de envolvimento neurológico ou cardíaco.

Os exames laboratoriais analisados referem-se ao início do diagnóstico da doença e antes da introdução de corticosteroide. A creatinoquinase (valor de referência: 24-173 U/L) e aldolase (1,0-7,5 U/L) foram dados obtidos por método cinético automatizado.

Para a análise dos autoanticorpos, utilizamos os soros armazenados em freezer (-20 ºC) que foram coletados de rotina, na ocasião do diagnóstico de SAS. EsSes autoanticorpos foram determinados utilizando kit comercial de fase sólida - immunobloting, uma linha de imunoensaio qualitativo para a detecção de 11 autoanticorpos imunoglobulina G humana (IgG) contra antígenos miosite específicos ou associados em soro ou plasma (Euroimmun, Lübeck, Alemanha). Para aumentar a especificidade do método, seguimos o protocolo do fabricante. A positividade da reação foi definida arbitrariamente como sendo negativa, fraca (+/+++), moderada (++/++) ou intensa (+++/+++) por dois pesquisadores independentes (MGPC e SKS), e para tanto, foram incluídos controles positivo e negativo como referência. Para o presente estudo, consideramos apenas os casos com positividade moderada a intensa.

Exames complementares (radiografia de tórax, tomografia computadorizada de tórax, eletrocardiograma, eletroneuromiografia, biópsia muscular de bíceps braquial ou músculo vasto lateral da coxa) foram realizados como procedimento de rotina nas consultas médicas iniciais para o diagnóstico de SAS.

A recidiva da doença foi definida como a recorrência de manifestações clínicas e/ou aumento de nível sérico de enzimas musculares atribuídas à atividade da doença, progressão de lesão pulmonar (clínica ou radiológica), após a exclusão de possíveis processos neoplásicos ou infecciosos.

Corticosteroide foi a terapia inicial utilizada (prednisona 1 mg/kg/dia, oral), seguida de redução progressiva da dose de acordo com resultados clínicos e laboratoriais. Em casos de gravidade da doença (progressão da dispneia, disfagia, perda significativa de força muscular), foi realizada pulsoterapia com metilprednisolona (1 g/dia por três dias consecutivos) e/ ou imunoglobulina intravenosa humana (1 g/kg/dia por dois dias consecutivos).

Como poupadores de corticosteroides, os seguintes imunossupressores foram utilizados: azatioprina (2-3 mg/kg/dia), metotrexato (20-25 mg/semana), ciclosporina (2-4 mg/kg/dia), micofenolato de mofetil (2-3 g/dia), leflunomida (20 mg/dia), ciclofosfamida intravenosa mensal (0,5-1,0 g/m2 de superfície corpórea) e difosfato de cloroquina (3-4 mg/kg/dia).

Os resultados foram expressos como média ± desvio-padrão (DP), mediana [interquatil] ou porcentagens (%).

Resultados

Vinte pacientes consecutivos com SAS foram analisados ao longo de 32 anos. Entre os autoanticorpos analisados, oito pacientes apresentavam anti-PL-7, seis apresentavam anti-PL-12, e outros seis, anti-EJ. Da população total analisada, não houve casos de anti-OJ, motivo pelo qual não será abordado no presente trabalho. Todos os pacientes apresentavam positividade também para fator antinúcleo (FAN - Hep2) com título > 1/200 [padrão nuclear homogêneo em 6 (30%) casos, e citoplasmático em 15 (75%) dos casos]. A tabela 1 mostra as características demográficas, clínicas e laboratoriais destes pacientes.

A SAS afetou predominantemente indivíduos de cor branca (70%), sexo feminino (85%), com a média de idade ao início da doença de 38,5 ± 12,9 anos (variação: 17 a 63 anos), e com a duração média da doença de 4,5 ± 6,4 anos (variação: 1-30 anos). Em nossa casuística todas as pacientes do grupo anti PL-7 e anti-EJ eram do sexo feminino.

Sintomas constitucionais foram evidenciados em 90% dos casos, sendo 100% em pacientes com anti-PL-7. Envolvimento articular, cutâneo e fenômeno de Raynaud aconteceram em aproximadamente metade dos pacientes. Todos os pacientes apresentavam fraqueza muscular objetiva dos membros (superiores e/ou inferiores), a maioria com grau III ou IV e nenhum com grau I ou II. Sendo fatores de prognóstico da doença, 30% encontravam-se acamados e dois terço com disfagia alta na ocasião do diagnóstico. O acometimento do trato respiratório superior ocorreu em 15% dos casos, enquanto a dispneia (moderada a grandes esforços) em metade dos casos, igualmente distribuídos em todos os grupos. Não houve casos de envolvimento neurológico e/ou cardíaco (síndrome coronariana, trombose venosa profunda ou acidente cerebrovascular).

O nível sérico de creatinoquinase e aldolase no início da doença foi de 1124 [812-8500] U/L e 28,4 [15,7-55,9] U/L, respectivamente. Os maiores valores foram evidenciados no subgrupo anti-EJ.

Em relação ao achado de imagens pulmonares (tomografia computadorizada), quase metade dos pacientes tinha evidência de pneumopatia incipiente, lesões em vidro-fosco e/ ou fibrose pulmonar basal. Os pacientes anti-PL-7 foram os que demonstraram maior acometimento pulmonar, com predominância de lesões em vidro-fosco.

Em relação ao tratamento inicial, todos os pacientes receberam corticosteroide (prednisona 1 mg/kg/dia) e sete pacientes (35,0%) receberam pulsoterapia adicional de metilprednisolona, necessidade maior no subgrupo anti-EJ (tabela 2).

Vários imunossupressores foram utilizados, dependendo da tolerância, efeitos colaterais e refratariedade: azatioprina (55,0%), metotrexato (25,0%), ciclosporina (5,0%) ou imunoglobulina intravenosa humana (5,0%). Ciclofosfamida parenteral (25,0%) foi realizada como monoterapia ou em associação a outros imunossupressores, visando o tratamento do quadro pulmonar.

A recidiva da doença (clínica e/ou laboratorial) ocorreu aproximadamente em um terço dos casos, principalmente no grupo de anti-EJ.

Neoplasia (mamária) ocorreu em um caso (5,0%), no grupo anti-EJ, na ocasião do diagnóstico da miopatia inflamatória. O paciente foi submetido à mastectomia radical com resolução da neoplasia.

Durante o seguimento, dois pacientes evoluíram para óbito (um paciente do grupo anti-PL-12, cujo óbito foi decorrente de abscesso glúteo e sepse; e outro paciente do grupo anti-PL-7, cujo óbito foi decorrente de pneumonia aspirativa associada à disfagia alta).

Discussão

Apresentamos as características clínicas, laboratoriais e evolutivas de uma série de 20 pacientes com SAS anti-PL-7, anti-PL-12 e anti-EJ. Devido a raros trabalhos epidemiológicos na literatura,8-11,13 o presente trabalho fornece uma visão geral deste subgrupo de pacientes.

A SAS afeta principalmente indivíduos adultos na proporção de 2,3:1 (mulher:homem).1-14 No presente estudo, a SAS acometeu apenas o sexo feminino, com a exceção do grupo com anti-PL-12, em que a doença acometeu igualmente ambos os sexos.

A SAS apresenta anticorpos contra diferentes aminoacil-tRNA sintetases que, por sua vez, são proteínas citoplasmáticas pertencentes à família de enzimas, cuja função é catalisar a união de aminoácidos específicos à tRNA.2-15 A presença desses anticorpos é encontrada em aproximadamente 20-40% dos adultos polimiosite e 5% com dermatomiosite,1-3,13 sendo o mais frequente o anticorpo anti-Jo-1.16-18 Recentemente, apresentamos o perfil clínico e laboratorial de pacientes com SAS anti-Jo-1.7 No presente estudo foram analisados apenas os pacientes com anti-PL-7, anti-PL-12 ou anti-EJ. A presença de autoanticorpos contra aminoacil-tRNA sintetases é fundamental para a definição de SAS, embora, até o presente momento, não haja ensaios laboratoriais padronizados e validados para a caracterização desses autoanticorpos.13 Apesar dessa limitação, utilizamos um kit comercial em nosso estudo para a definição desses autoanticorpos,.

As manifestações clínicas da SAS se traduzem caracteristicamente em miosite, doença intersticial pulmonar e/ou envolvimento articular. A presença de febre, fenômeno de Raynaud e mãos de mecânico também pode ser observada.17,18

O acometimento muscular é encontrado em mais de 90% dos casos com manifestações de mialgias, fraqueza muscular, atrofia e fibrose. O sintoma inicial, em geral, envolve fraqueza muscular proximal dos membros.1 Essas alterações são evidentes na biópsia muscular, eletromiografia e aumento das enzimas musculares. Nossos pacientes apresentaram aumento significativo do nível sérico das enzimas musculares, no início da doença, além de fraqueza muscular objetiva dos membros superiores e/ou inferiores. Os pacientes com SAS anti-PL-7 apresentaram, em nossa casuística, maior fraqueza global, apesar dos valores do nível sérico das enzimas musculares serem mais altos no subgrupo anti-EJ. Sugere-se, portanto, que na população estudada não necessariamente haja relação linear entre as alterações laboratoriais e maior gravidade de acometimento muscular no momento do diagnóstico.

O comprometimento pulmonar, mesmo na ausência de alterações musculares, é encontrado em mais de 60% e é a principal causa de morbidade.19,20 Em alguns casos, a doença intersticial pulmonar é predominante na SAS, podendo ser de início rápido, levando à insuficiência respiratória aguda, sendo, por vezes, altamente refratária aos tratamentos instituídos.21,22 As manifestações pulmonares descritas incluem dispneia, tosse, dor torácica, intolerância a exercícios físicos e insuficiência respiratória.21 Anticorpos antissintetases, particularmente anti-PL-7 e anti-PL-12, estão fortemente associados com doença pulmonar intersticial, cuja associação chega a 90-100% dos casos.10,19,22,23 Na análise de grande número de pneumonias intersticiais idiopáticas, o encontro de SAS não foi rara, sendo a maior parte dos casos associada ao anti-EJ.23 Em nossa casuística, dispneia e alterações pulmonares aconteceram em taxas semelhantes nos três subgrupos estudados, e com frequência menor que a descrita na literatura.10,19,23

As imagens radiológicas podem revelar um padrão intersticial, lesão em vidro-fosco, opacidades lineares, consolidações parenquimatosas e/ou micronódulos, com prova de função pulmonar de padrão restritivo.20,24 No presente estudo, quase metade dos pacientes apresentava evidência de pneumopatia incipiente, lesões em vidro-fosco e/ou fibrose pulmonar basal à tomografia computadorizada de tórax de alta resolução.

Envolvimento articular afeta 50% dos casos, como artralgia e/ou artrite, com ou sem erosões ósseas.25 Os dados do presente estudo reforçam essa prevalência. O fenômeno de Raynaud, mãos de mecânico, fotossensibilidade, rash malar, vasculite cutânea podem também estar presentes.25 Envolvimento cardíaco também tem sido observado, mas sua prevalência não parece diferir da dermatomiosite/polimiosite.26 No presente estudo, metade dos pacientes (maioria anti-EJ) apresentou alterações cutâneas, e não houve casos de acometimento cardíaco.

A corticoterapia é o tratamento de primeira linha para miosite e também para a pneumopatia intersticial em SAS.27 No presente estudo, todos os pacientes usaram corticosteroides. Além disso, um terço dos pacientes precisou de pulsoterapia com metilprednisolona devido à gravidade da doença (disfagia alta, acamado e/ou progressão do quadro de dispneia objetiva).

Quanto ao uso de imunossupressores, nenhum consenso foi alcançado. A evidência disponível na literatura é fraca, baseando-se em relatos de caso e revisões.28-30 Além da falta de consenso, o manejo de imunossupressores pode variar de acordo com a experiência regional e com a especialidade na qual os pacientes estão em seguimento, como neurologia, pneumologia e/ou reumatologia. No presente estudo, como a experiência do nosso serviço de reumatologia, os imunossupressores mais rotineiramente utilizados nos pacientes com SAS foram azatioprina, ciclofosfamida e metotrexato.

Após a administração de corticosteroides, todos os pacientes apresentaram remissão inicial da doença, em contraste com relatos da literatura que descrevem a taxa de remissão de 21 a 68%.31,32 Essa discrepância pode ser explicada pelo uso mais frequente de pulsoterapia no estudo. Em um terço dos nossos pacientes, principalmente naqueles com anti-PL-7, houve frequência de recidivas da doença. Já os dados da literatura mostram que as recidivas acontecem em 6-43% dos casos.26,31

A taxa de mortalidade nos pacientes com SAS varia de 12-40%.33-35 Em nossos pacientes, apenas dois evoluíram para óbito (um decorrente de abscesso glúteo e sepse, e o outro decorrente de pneumonia aspirativa secundária a disfagia alta) - portanto, uma baixa taxa de mortalidade.

Além disso, houve um caso de neoplasia (mamária), identificado na ocasião do diagnóstico da SAS anti-EJ, quando foi realizada mastectomia radical, com a resolução da neoplasia.

Como limitação de nosso presente estudo, analisamos apenas os pacientes com SAS em acompanhamento em um serviço terciário, o que pode não refletir a real distribuição de pacientes com SAS em nosso meio. Além disso, não foram incluídos pacientes em acompanhamento em outras especialidades, como a pneumologia que pode estar acompanhando pacientes com pneumopatia intersticial definida, independente de acometimento muscular, e fazendo parte do grupo de SAS.

Em conclusão, SAS anti-PL-7, anti-PL-12 e anti-EJ, em nossa população, afetou predominantemente mulheres de cor branca. Embora os autoanticorpos descritos no presente estudo estejam mais relacionados com o acometimento pulmonar comparativamente ao articular, nossos pacientes apresentaram uma porcentagem significativa de ambos, além de alta frequência de acometimento muscular. Houve também baixa taxa de mortalidade. Estudos de maior casuística são necessários para verificar a realidade destas associações.

Suporte financeiro

SK Shinjo (Federico Foundation), MAP Cruellas (FAPESP #2012/03399-9), Presente estudo (FAPESP #2011/12700-1).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 20 de julho de 2012

Aceito em 19 de fevereiro de 2013

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    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Jul 2012
    • Aceito
      19 Fev 2013
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