Acessibilidade / Reportar erro

Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos

Resumos

OBJETIVO: Verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES), a partir do método da revisão sistemática. MÉTODOS: Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES. RESULTADOS: De 314 artigos publicados em periódicos científicos (PubMed) e 29 artigos (BIREME) previamente identificados e selecionados, foram selecionados 13 artigos sobre transtornos psiquiátricos e LES para submissão à abordagem metodológica de uma revisão sistemática. Os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas, principalmente transtornos do humor e de ansiedade . Não há um consenso entre a atividade da doença e os transtornos psiquiátricos. Pacientes com atividade da doença apresentaram um risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa. Pacientes com LES apresentaram mais risco de suicídio do que a população em geral. CONCLUSÃO: Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários.

Lúpus eritematoso sistêmico; Psiquiatria; Transtornos mentais


OBJECTIVE: To analyze the frequency of psychiatric comorbidities in patients with systemic lupus erythematosus (SLE) using the systematic review method. METHODS: A systematic literature search was performed between April and July 2011 in the following databases: BIREME, PubMed and CAPES thesis database. This search prioritized studies published over the last ten years (2001-2011), involving the presence of psychiatric comorbidities in patients with SLE. RESULTS: Out of 314 articles published in scientific journals (PubMed) and 29 (BIREME), previously identified ones, 13 articles on psychiatric disorders and SLE were selected so they could be submitted to the systematic review methodological approach. The articles indicated high frequency of psychiatric comorbidities, especially mood and anxiety disorders. There is no consensus between the disease activity and psychiatric disorders. Patients with active SLE showed a higher risk of developing mood disorders than patients with inactive SLE. CONCLUSION: Patients with SLE had a higher suicide risk than the general population. More thorough studies to evaluate the psychological and genetic role, specific and non-specific autoimmune inflammatory mechanisms in mood and anxiety disorders are needed.

Systemic lupus erythematosus; Psychiatry; Mental disorders


ARTIGO DE REVISÃO

Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos

Nadja Maria Jorge AsanoI,* * Autor para correspondência. E-mail: nadjaasano@gmail.com, nadjaasano@hotmail.com (N.M.J. Asano). ; Maria das Graças Wanderley de Sales CoriolanoII; Breno Jorge AsanoIII; Otávio Gomes LinsIV

IDepartamento de Medicina Clínica, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

IIDepartamento de Anatomia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

IIIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

IVDepartamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES), a partir do método da revisão sistemática.

MÉTODOS: Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES.

RESULTADOS: De 314 artigos publicados em periódicos científicos (PubMed) e 29 artigos (BIREME) previamente identificados e selecionados, foram selecionados 13 artigos sobre transtornos psiquiátricos e LES para submissão à abordagem metodológica de uma revisão sistemática. Os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas, principalmente transtornos do humor e de ansiedade . Não há um consenso entre a atividade da doença e os transtornos psiquiátricos. Pacientes com atividade da doença apresentaram um risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa. Pacientes com LES apresentaram mais risco de suicídio do que a população em geral.

CONCLUSÃO: Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários.

Palavras-chave: Lúpus eritematoso sistêmico; Psiquiatria; Transtornos mentais

Introdução

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, de natureza autoimune e etiologia multifatorial, podendo acometer diversos órgãos e sistemas.1 Os estudos revelam uma predominância no sexo feminino (cerca de 90% dos casos), principalmente durante a idade fértil, ou seja, entre 15 e 45 anos de idade; mais frequente em mulheres negras do que em brancas, numa proporção 3:1, podendo, no entanto, ocorrer em todas as etnias e regiões geográficas.2

O sistema nervoso central é atingido frequentemente por essa doença, acarretando sintomas neurológicos e/ou psiquiátricos.1-3 A prevalência de transtornos neuropsiquiátricos no LES relatada na literatura é variável (14-75%), refletindo a variação dos critérios diagnósticos e a seleção da população estudada, podendo se manifestar em qualquer momento da evolução da doença com diferentes formas clínicas, desde quadros leves até graves.4 Estresse psicológico é considerado, por muitos estudiosos, como de particular importância no desencadeamento da doença e de suas agudizações.5-7 As síndromes psiquiátricas em pacientes com LES incluem uma variedade de achados psiquiátricos, causando incapacidades crônicas.8

O American College of Rheumatology (ACR) classificou 19 síndromes neuropsiquiátricas relacionadas ao LES, descrevendo como manifestações psiquiátricas: psicose, transtornos do humor, transtornos de ansiedade e estado confusional agudo.1

Dessa forma, no tratamento clínico dos pacientes, além da necessidade de se considerar a condição lúpica, seria oportuno observar as manifestações psiquiátricas especificamente e determinar o quanto essas comorbidades implicam em limitações nas atividades diárias, comprometendo a qualidade de vida do indivíduo.9

O objetivo desta revisão é verificar a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES.

Material e métodos

Uma busca sistemática na literatura foi realizada no período entre abril e julho de 2011, nos portais BIREME, PubMed e no banco de teses da CAPES. Essa busca priorizou estudos publicados nos últimos 10 anos (2001-2011), que envolvessem a presença de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES.

A finalidade deste estudo foi reunir e sintetizar resultados de pesquisas de forma sistemática. Para isso, nossa pergunta condutora foi: qual é a frequência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com LES? Com isso, o desfecho primário esperado é que as comorbidades psiquiátricas sejam frequentes e identificadas em algum nível de atividade do LES. Como desfecho secundário, é provável que a depressão seja a mais frequente entre os pacientes, dentre os quadros de comorbidades psiquiátricas observadas

Com o objetivo de definir claramente a adequação da literatura encontrada para esse estudo de revisão, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: a) artigos com seres humanos; b) artigos publicados nos últimos 10 anos; c) pacientes de ambos os sexos; d) idade a partir dos 19 anos; e) artigos publicados em inglês, português e espanhol; f) estudos prospectivos.

Os critérios de exclusão foram desenvolvidos para eliminar artigos que não utilizassem em sua metodologia os parâmetros acima listados: a) estudos de revisão; b) short communication; c) estudos qualitativos; d) publicações nos demais idiomas, mesmo com resumos em língua inglesa; e) estudos de intervenção; f) relato de casos.

A pesquisa foi realizada por três pesquisadores. Dois pesquisadores (NMJA e MGWS) foram responsáveis, inicialmente, pelas buscas que ocorreram de forma independente e cega. Um terceiro pesquisador (OGL), revisor, foi consultado nos casos de discordância para estabelecer um consenso. Os formulários de coleta de dados foram padronizados e elaborados antes do início da busca.

Os descritores foram escolhidos de acordo com a lista do DeCS/MeSH. Pela lista do DeCS, os descritores foram os seguintes: Lúpus eritematoso sistêmico e Psiquiatria. Pela lista do MeSH os descritores foram os seguintes: Lupus Erythematosus, Systemic e Psychiatry (tabela 1). As referências dos artigos selecionados também foram revisadas para identificar outros estudos relevantes que pudessem ter sido omitidos na busca eletrônica.

A pesquisa foi feita em mais de um portal e várias bases de dados incluindo as bases de dados de teses e dissertações. A estratégia de busca utilizada seguiu recomendações de Castro et al.,10 Dickersin et al.11 e a Cochrane Collaboration.

Todos os artigos obtidos na busca foram organizados em tabelas e avaliados quanto à condição de incluído ou excluído com base nos critérios de elegibilidade. Para avaliação dos artigos incluídos, aplicou-se a Escala de Jadad, 12 na qual cada resposta positiva gera 1 ponto na escala, que resulta na avaliação de 0-5 pontos:

1 a. O estudo foi descrito como randomizado?

1 b. O método foi adequado?

2 a. O estudo foi descrito como duplo-cego?

2 b. O método foi adequado?

3. Houve descrição das perdas e exclusões?

Resultados

Identificamos na primeira busca, com o uso da expressão do item 3 (tabela 1), sem os critérios de inclusão, 1.504 artigos no portal PubMed e 5.179 artigos no portal BIREME.

Dentre os 1.504 artigos no portal PubMed foram eliminados imediatamente 266 artigos por se tratarem de artigos de revisão, permanecendo 1.238 para estudo. Após uma análise mais criteriosa, seguindo os critérios de inclusão, dentre os 1.238 artigos, 314 foram selecionados.

Dentre os 314 artigos analisados no portal PubMed, 290 foram excluídos pelos seguintes motivos: a) relato de casos (18); b) estudo de neuroimagem (33); c) pesquisa de autoanticorpos (26); d) estudo qualitativo (32); e) estudo experimental (13); f) avaliação de tratamento medicamentoso (32); g) estudo com crianças e adolescentes (7); h) análise de déficit cognitivo (32); i) estudos com outras doenças autoimunes (97). Permaneceram na análise sistemática 11 artigos.

No portal BIREME, dentre os 5.179 artigos foram selecionados 29 artigos, sendo que 4 artigos foram idênticos aos encontrados no portal PubMed, permanecendo 25 artigos, onde apenas 1 artigo foi incluído nesta revisão por preencher os critérios de inclusão.

No banco de teses da CAPES foram encontradas duas teses, porém apenas uma tese foi selecionada, contudo não foi possível a obtenção na íntegra. A outra tese foi excluída pela leitura do título.

As referências bibliográficas dos 11 artigos (PubMed) e de 1 artigo (BIREME) incluídos foram analisadas e apenas 1 artigo preencheu os critérios de inclusão, sendo selecionado. Portanto para o estudo desta análise sistemática foram incluídos 13 artigos (fig. 1).


Nesta revisão sistemática, 11 artigos preencheram a pontuação máxima (5) na escala de Jadad.12 O número de sujeitos variou de 46-1206. A idade estudada apresentou uma ampla variedade (16-83 anos). As médias das idades situaram-se entre 32-48 anos. A maioria dos sujeitos nos diversos estudos (87-100%) era do sexo feminino (tabela 2). Apenas três estudos avaliaram a idade do diagnóstico que foi em torno de 30 anos. A duração da doença variou entre alguns meses no estudo de Hanly et al.24 até 47 anos, Bachen et al.22 As médias da duração de doença variaram em torno de 9 anos.

A maioria dos artigos utilizou o instrumento SLEDAI 25 para avaliação da atividade do LES, enquanto para a avaliação psiquiátrica, muitos instrumentos foram indicados considerando os termos do DSM-IV.26

As comorbidades psiquiátricas mais frequentes foram transtorno do humor e transtorno de ansiedade. Episódio depressivo maior (EDM) foi o transtorno de humor mais frequente que variou de (18,3-75%), enquanto o transtorno de ansiedade sem outra especificação (TASOE) destacou-se entre os transtornos de ansiedade, variando de (3,6-74,6%). Em seguida, os transtornos de ansiedade mais encontrados foram: transtorno de ansiedade generalizada (TAG) 9,9%,21 4,3%22 e 2,4%,8 transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) 8,9%,22 42%19 e 3,6%,8 fobias social e específica (FS e FE) 12,7% e 25,4%,21 15,6% e 23,9% 22 e 1,2% e 1,2%.8

Entre outras comorbidades psiquiátricas encontradas, risco de suicídio (RS) foi observado por Ishikura et al. (8,3%)14 e Jarpa et al. (9,6%),8 síndrome psicótica (SP) por Hanly et al. (5,0%)24 e Jarpa et al. (1,2%),8 transtorno de adaptação (TAD) por Nery et al.. (8,4%)21 e Jarpa et al. (2,4%)8. A tabela 3 resume a frequência das comorbidades psiquiátricas e avalia os artigos segundo os critérios de Jadad.12

Discussão

Sintomas psiquiátricos são comumente relatados em pacientes com LES, contribuindo para a morbidade física e funcional. É o que podemos constatar nos artigos analisados nesta revisão sistemática.8,13-24

Embora o desenho do estudo não representasse um critério de exclusão, apenas Jarpa et al.8 e Hanly et al.24 descreveram seu estudo como prospectivo. Porém, nos demais estudos, pela descrição dos procedimentos, poderíamos afirmar que o desenho também seria de natureza prospectiva, transversal ou longitudinal.

Em todos os artigos os critérios de elegibilidade foram descritos detalhadamente fornecendo subsídios para pesquisas futuras. Critérios de inclusão mais rígidos, reduzindo substancialmente o número de artigos, permitiram maior consistência, homogeneidade e confiabilidade dos achados analisados.

O tamanho das amostras estudadas nos 13 artigos foi amplamente variável dependendo principalmente do objetivo do estudo e da metodologia empregada. Enquanto Ainiala et al.13 descreveram a prevalência de síndromes neuropsiquiátricas numa determinada população da Finlândia representada por 46 sujeitos, Hanly et al.24 realizaram um estudo multicêntrico para determinar a frequência, o acompanhamento de eventos neuropsiquiátricos e o impacto na qualidade de vida nos primeiros três anos da doença, obtendo uma amostra bem maior, de 1.206 sujeitos.

As médias de duração de doença foram similares entre os artigos com duração de aproximadamente 10 anos. As amostras de sujeitos com LES foram predominantemente femininas em todos os artigos (87-100%). Sujeitos do sexo masculino foram analisados em nove artigos; contudo, não houve características desse grupo registradas separadamente entre os resultados.8,13,15-19,23,24 Alguns artigos apresentaram em comum uma avaliação quanto à contribuição de fatores sociais, principalmente relacionados à etnia em sujeitos com LES.8,14,15,18,24 Jarpa et al.8 descreveram pela primeira vez a prevalência de doenças psiquiátricas em pacientes mestiço-chilenos (ameríndios/espanhóis) com o diagnóstico de LES observando frequências consideravelmente mais altas do que na população geral e sem associação com a atividade da doença. Brey et al.15 estudaram uma população predominantemente mexicana-americana, compreendendo grande parte da região de San Antonio (Texas), onde transtornos psiquiátricos em pacientes com LES também foram muito frequentes. Ainiala et al.,13 analisando 46 sujeitos nativos da Finlândia com o diagnóstico de LES, observaram que 42 pacientes preenchiam pelo menos um critério neuropsiquiátrico pelo ACR.

Os estudos de Iverson16 e Hanly et al.24 observaram predomínio de caucasianos dentre as diversas etnias estudadas. Bachen et al.22 descreveram a prevalência de transtornos de humor e de ansiedade em mulheres caucasianas, e Slattery et al.,19 analisando a prevalência de TOC em pacientes com LES, observaram que 71% dos pacientes eram brancos.

O instrumento mais utilizado para avaliação de atividade da doença foi SLEDAI,25 que tem sido utilizado para a avaliação do LES em vários centros, com bons resultados quanto à validade e à reprodutibilidade. Em alguns estudos esse instrumento não contribuiu para a associação entre a presença de transtornos psiquiátricos e atividade da doença, talvez pela diversidade de transtornos presentes nessa amostra, incluindo diferentes formas de ansiedade e alcoolismo ou provavelmente porque mecanismos intrínsecos ao LES possam participar da patogênese de cada transtorno psiquiátrico.8,21 Por outro lado, o estudo de Nery et al.20 relatou uma tendência de associação entre EDM com atividade de doença.

Nesta revisão, os estudos de Iverson,16 Slattery et al.19 e Philip et al.23 não aplicaram qualquer instrumento para avaliar atividade do LES, pois em seus objetivos não havia necessidade de analisar tal atividade.

Os artigos tentando definir a prevalência de transtornos psiquiátricos demonstraram variações quanto à seleção do paciente, tipo de estudo e definições clínicas das comorbidades psiquiátricas contribuindo para diferentes resultados.8,13-24

Durante o curso da doença, depressão e ansiedade são sintomas frequentemente observados por diversos autores.8,17,18,21,22 Nesta revisão sistemática, a comorbidade psiquiátrica de maior destaque foi o EDM, variando entre 18,3-75% nos diferentes estudos.8,13,15-18,20,22,23 A percepção negativa da doença estaria associada com níveis diferentes de depressão nestes pacientes.23 Diversos artigos verificaram também prevalência significativa de transtorno depressivo sem outra especificação.14,15,20,21

Transtornos de ansiedade também foram descritos como de alta prevalência no LES entre os diversos artigos,8,13-15,17-19,21,22 destacando-se TASOE, fobias, TOC e TAG. Segundo estes autores, o motivo para a alta prevalência dos transtornos de ansiedade ser considerada desconhecida, tem como justificativa o fato de que a ansiedade não vem sendo muito estudada em pacientes com LES. Pacientes com transtorno de ansiedade frequentemente sentem dificuldade para revelar seus sintomas necessitando então de outros métodos de avaliação como questionários de autopreenchimento para identificação desta comorbidade.22

O TOC apresenta-se como uma comorbidade frequente em pacientes com LES, segundo os artigos de Jarpa et al.,8 Bachen et al.22 e principalmente Slattery et al.19 A proposta deste último estudo seria identificar entre os sintomas psiquiátricos nos sujeitos com LES, qual a prevalência específica deste transtorno que poderia ser mais alta do que em estudos baseados em comunidade. Estudos de neuroimagem revelam alterações da gânglia basal em pacientes com TOC.27,28 Evidências sugerem uma associação entre estas anormalidades e sintomas psiquiátricos nesta população.29

Outras comorbidades psiquiátricas foram relatadas, como: RS, transtorno psicótico, TAD, transtorno dismórfico corpóreo.8,14,15,21,24 RS não é avaliado pelos critérios do ACR30 e parece negligenciado nos estudos desta população. Jarpa et al.8 encontraram alta prevalência (9,6%) comparando com a população geral. Ideação suicida foi observada em 8,3% no estudo de Ishikura et al.14 e foi correlacionada com relacionamentos problemáticos com os familiares, enfatizando-se a importância da família no suporte destes pacientes.

Nesta revisão sistemática, os artigos indicaram alta frequência de comorbidades psiquiátricas em sujeitos com LES, principalmente transtornos de humor e de ansiedade.

Não há um consenso ainda para a correlação entre a atividade da doença e os diversos problemas mentais, embora os artigos revelem algumas diferenças metodológicas, principalmente relacionadas à descrição do desenho do estudo, à caracterização da amostra, aos diferentes instrumentos e questionários de avaliação. Pacientes com atividade da doença apresentaram risco maior de desenvolver transtorno do humor do que pacientes com doença inativa, independente da ocorrência de eventos estressores ou de susceptibilidade a recorrência de transtorno depressivo maior.

O reconhecimento dessas associações pode fornecer mais manuseios apropriados para estes pacientes e pode também trazer novos conhecimentos para a compreensão dos mecanismos envolvidos nesta importante apresentação clínica do LES.

Neste estudo de revisão ficaram evidentes as observações prévias da alta frequência de transtornos depressivos e de ansiedade no LES sem manifestações neurológicas concomitantes.

A associação entre LES e depressão merece atenção especial, principalmente em relação ao RS, verificando-se que pacientes com LES apresentam mais risco de suicídio do que a população em geral. Em nossa revisão, o transtorno de ansiedade que mais se destacou foi o TASOE.

Estudos mais detalhados para avaliar o papel psicológico, genético, mecanismos autoimunes específicos e não específicos inflamatórios nos transtornos do humor e de ansiedade são necessários.

Apesar dos avanços técnicos e científicos, o LES continua sendo uma patologia ameaçadora e de evolução crônica, provocando intenso sofrimento físico, psíquico e social.

Constata-se a necessidade de mais estudos com o número maior de sujeitos com e sem LES utilizando escalas e instrumentos padronizados.

Mesmo médicos não psiquiatras devem ser capazes de reconhecer sintomas suspeitos de transtornos mentais, especialmente nos ambulatórios de LES e fazer o encaminhamento para tratamento especializado, com o objetivo de diminuir o sofrimento dessa doença.

Recebido em 23 de agosto de 2012

Aprovado em 14 de maio de 2013

ERRATA

O artigo "Comorbidades psiquiátricas em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico: uma revisão sistemática dos últimos 10 anos" (Rev Bras Reumatol 2013;53(5):431-437) foi equivocadamente classificado como artigo original, mas deve ser considerado um artigo de revisão.

  • 1
    Sato EL, Bonfá ED, Costallat LTL, Silva NA, Brenol JCT. Consenso Brasileiro para o tratamento do Lúpus Eritematoso Sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2002;42(6):362-36.
  • 2
    Bonfá ESDO Borba Neto, EFB. Lúpus Eritematoso Sistêmico. In: Bonfá ESDO, Yoshinari NH, editors. Reumatologia para o clínico. São Paulo: Roca; 2011. p.25-33.
  • 3
    Miguel Filho EC. Alterações Psicopatológicas no Lúpus Eritematoso Sistêmico. [Dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 1992.
  • 4
    Afeltra A, Garzia P, Mitterhofer AP. Neuropsychiatric lupus syndromes: relationship with antiphospholipid antibodies. Neurology. 2003;61(1):108-10.
  • 5
    Iverson GL, Anderson KW, McCracken LM. Research methods for investigating causal relations between SLE disease variables and psychiatric symptomatology. Lúpus 1995;4(4):249-54.
  • 6
    Moreira MD, Mello FJ. Psicossomática hoje. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 1992.
  • 7
    Araújo GRB. De "lupus" et homine; contribuições a um espaço de atuação do psiquiatra em Hospital Geral. [Dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade Federal do Rio de Janeiro; 1989.
  • 8
    Jarpa E, Babul M, Calderón J, González M, Martinez ME, Zehnder-Bravo M, et al. Common mental disorders and psychological distress in systemic lupus erythematosus are not associated with disease activity. Lupus. 2011;20(1):58-66.
  • 9
    Hanly JG, McCurdy G, Fougere L, Douglas JA, Thompson K. Neuropsychiatric events in systemic lupus erythematosus: attribution and clinical significance. J Rheumatol. 2004;31(11):2156-62.
  • 10
    Castro AA, Clark OAC, Atallah AN. Optimal search strategy for clinical trials in the Latin American and Caribbean Health Science Literature Database (LILACS database): Update. Med J/Rev Paul Med. 1992;117(3):138-9.
  • 11
    Dickersin K, Scherer R, Lefebvre C. Identifying relevant studies for systematic reviews - Systematic Reviews BMJ. 1994;309(6964):1286-91.
  • 12
    Jadad AR. Meta-analysis of walking for preservation of bone mineral density in postmenopausal women. Control Clin Trials. 1996;17(1):1-12.
  • 13
    Ainiala H, Loukkola J, Peltola J, Korpela M, Hietaharju A. The prevalence of neuropsychiatric syndromes in systemic lupus erythematosus. Neurology. 2001;57(14):496-500.
  • 14
    Ishikura R, Morimoto N, Tanaka K. Factors associated with anxiety, depression and suicide ideation in female outpatients with SLE in Japan. Clin Rheumatol 2001;20(6):394-400.
  • 15
    Brey RL, Holliday SL, Saklad AR, Navarrete MG, Hermosillo-Romo D, Stallworth CL. Neuropsychiatric syndromes in lupus: prevalence using standardized definitions. Neurology. 2002;58(8):1214 -20.
  • 16
    Iverson G. Screening for depression in systemic lupus erythematosus with the British Columbia Major Depression. Psychol Rec. 2002;90(3):1091-6.
  • 17
    Appenzeller S, Costallat LTL. Comprometimento primário do sistema nervoso central no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2003;43(1):20-5.
  • 18
    Doria A, Rinaldi S, Ermani M, SalaffiF, Iaccarino L, Ghirardello A, et al. Health-related quality of life in Italian patients with systemic lupus erythematosus. II. Role of clinical, immunological and psychological determinants. Rheumatology. 2004;43(12):1580-6.
  • 19
    Slattery MJ, Dubbert BK, Allen AJ, Leonard HL, Swedo SE, Gourley MF. Prevalence of obssessive-compulsive disorder in patients with systemic lupus erythematosus. J Clin Psychiatry. 2004;65(3):301-6.
  • 20
    Nery FG, Borba EF, Hatch JP, Soares JC, Bonfá E, Neto FL. Major depressive disorder and disease activity in systemic lupus erythematosus. Compr Psychiatry. 2007;48(1):14-9.
  • 21
    Nery FG, Borba EF, Viana VST, Hatch JP, Soares JC, Bonfá E, et al. Prevalence of depressive and anxiety disorders in systemic lupus erythematosus and their association with anti-ribosomal P antibodies. Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry. 2008;32(3): 695-700.
  • 22
    Bachen EA, Chesney MA, Criswell LA. Prevalence of mood and anxiety disorders in women with systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2009;61(16):822-9.
  • 23
    Philip EJ, Lindner H, Lederman L. Relationship of illness perceptions with depression among individuals diagnosed with lupus. Depression and Anxiety. 2009;26(6):575-82.
  • 24
    Hanly JG, Urowitz MB, Su L. Prospective analysis of neuropsychiatric events in an international disease inception cohort of patients with systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2010;69(3):529-35.
  • 25
    Bombardier C, Gladman DD, Urowitz MB. Derivation of the SLEDAI. A disease activity index for lupus patients. Arthritis Rheum. 1992;35(6):630-40.
  • 26
    Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4. ed. American Psychiatric Association; Washington D.C.: 1994.
  • 27
    Saxena S, Brody L, Schwartz JM. Neuroimaging and frontalsubcortical circuitry in obsessive-compulsive disorder. Br J Psychiatry Suppl. 1998;(35):26-37.
  • 28
    Rauch SL. Neuroimaging in OCD: clinical implications CNS. Spectrums. 1998;3(5):26-9.
  • 29
    Miguel EC, Pereira RM, Pereira CA. Psychiatric manifestations of systemic lupus erythematosus: clinical features, symptoms, and signs of central nervous system activity in 43 patients. Medicine (Baltimore). 1994;73(4):224-32.
  • 30
    The American College of Rheumatology nomenclature and case definitions for neuropsychiatric lupus syndromes. Arthritis Rheum. 1992;42(4):599-608.
  • *
    Autor para correspondência. E-mail:
    nadjaasano@hotmail.com (N.M.J. Asano).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Maio 2014
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Ago 2012
    • Aceito
      14 Maio 2013
    Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbre@terra.com.br