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Avaliação da aterosclerose subclínica e de níveis plasmáticos de LDL minimamente modificada em pacientes com espondilite anquilosante e sua correlação com a atividade da doença

Resumos

INTRODUÇÃO: A aterosclerose acelerada foi demonstrada em algumas doenças autoimunes, principalmente lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatóide. Embora a alta prevalência do uso de corticosteróides possa ser um fator complicador, por causa de seus efeitos prejudiciais em diversos fatores de risco, acredita-se que, nesses pacientes, a inflamação sistêmica per se desempenhe papel importante na aterogênese. MÉTODOS: Avaliamos a aterosclerose subclínica e os níveis plasmáticos de LDL eletronegativa circulante em pacientes com espondilite anquilosante (EA). Catorze pacientes que atendiam aos critérios de Nova York modificados para EA foram comparados com 13 controles equiparados. Avaliamos a espessura da íntima-média (EIM) na carótida por ultrassonografia bilateral da artéria carótida comum, artéria carótida interna e na bifurcação. Os grupos foram homogêneos, no que tange a fatores de risco cardiovasculares. Apenas um paciente no grupo de EA estava sendo medicado com corticosteróide. RESULTADOS: A presença de inflamação ativa foi demonstrada por BASDAI elevado e níveis mais elevados de PCR em pacientes versus controles (12,36 vs. 3,45 mg/dl, P=0,002). Não observamos diferença na EIM da carótida entre os dois grupos, em qualquer local da artéria. A média de EIM (6 mensurações em 3 locais pré-especificados, bilateralmente) foi 0,72 ± 0,28 no grupo de EA e 0,70 ± 0,45 mm nos controles (P=0,91). Também não observamos diferença significativa na LDL minimamente modificada entre pacientes e controles (14,03 ± 17,40 vs. 13,21 ± 10,21; P=0,88). CONCLUSÕES: Pacientes com EA não demonstraram aumento na EIM da carótida, em comparação com controles. Do mesmo modo, os níveis plasmáticos circulantes de LDL(-) não diferiram significativamente nos dois grupos.

Aterosclerose; Inflamação; Espondilite anquilosante; LDL minimamente modificada; Espessura da íntima-média da carótida


INTRODUCTION: Accelerated atherosclerosis has been shown in some autoimmune diseases, mainly in Systemic Lupus Erythematosus and Rheumatoid Arthritis. Although high prevalence of corticosteroids use may be a confounding factor due to their detrimental effects on several risk factors, systemic inflammation per se is supposed to play an important role in atherogenesis in these patients. METHODS: We have evaluated sub-clinical atherosclerosis and plasma levels of circulating electronegative LDL, which represents the fraction of LDL that is minimally modified, in patients with ankylosing spondylitis (AS). Fourteen patients who fulfilled the modified New York criteria for AS were compared with 13 paired controls. Carotid intimal-media thickness (IMT) was assessed by ultrasonography bilaterally in common carotid artery, internal carotid artery and in the bifurcation. Groups were homogeneous regarding cardiovascular risk factors. Only a single patient in AS group was in use of corticosteroid. RESULTS: The presence of active inflammation was demonstrated by elevated BASDAI and higher CRP levels and in patients versus controls (12.36 vs. 3.45 mg/dl, P = 0.002). No difference was found in carotid IMT between both groups, in any site of artery. Averaged IMT (6 measurements, at 3 pre-specified sites bilaterally) was 0.72 ± 0.28 in AS group and 0.70 ± 0.45 mm in controls (P = 0.91). Minimally modified LDL did not differ significantly either between patients and controls (14.03 ± 17.40 vs. 13.21 ± 10.21; P = 0.88). CONCLUSIONS: Patients with AS did not show increased carotid IMT in comparison to controls. In the same way, circulating plasma levels of LDL (-), did not differ significantly in both groups.

Atherosclerosis; Inflammation; Ankylosing spondylitis; Minimally modified LDL; Carotid Intimal-media thickness


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da aterosclerose subclínica e de níveis plasmáticos de LDL minimamente modificada em pacientes com espondilite anquilosante e sua correlação com a atividade da doença

Fernanda Teles CecconI; Valderílio Feijó AzevedoII,* * Autor para correspondência. E-mail: valderilio@hotmail.com (V. F. Azevedo). ; Carlos A. EngelhornI; Dulcinéia S. P. AbdallaIII; Tanize E. S. FaulinIII; Luis Cesar Guarita-SouzaI; Roberto Pecoits-FilhoI; José Rocha Faria-NetoI

IPontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIHospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIIFaculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

INTRODUÇÃO: A aterosclerose acelerada foi demonstrada em algumas doenças autoimunes, principalmente lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatóide. Embora a alta prevalência do uso de corticosteróides possa ser um fator complicador, por causa de seus efeitos prejudiciais em diversos fatores de risco, acredita-se que, nesses pacientes, a inflamação sistêmica per se desempenhe papel importante na aterogênese.

MÉTODOS: Avaliamos a aterosclerose subclínica e os níveis plasmáticos de LDL eletronegativa circulante em pacientes com espondilite anquilosante (EA). Catorze pacientes que atendiam aos critérios de Nova York modificados para EA foram comparados com 13 controles equiparados. Avaliamos a espessura da íntima-média (EIM) na carótida por ultrassonografia bilateral da artéria carótida comum, artéria carótida interna e na bifurcação. Os grupos foram homogêneos, no que tange a fatores de risco cardiovasculares. Apenas um paciente no grupo de EA estava sendo medicado com corticosteróide.

RESULTADOS: A presença de inflamação ativa foi demonstrada por BASDAI elevado e níveis mais elevados de PCR em pacientes versus controles (12,36 vs. 3,45 mg/dl, P=0,002). Não observamos diferença na EIM da carótida entre os dois grupos, em qualquer local da artéria. A média de EIM (6 mensurações em 3 locais pré-especificados, bilateralmente) foi 0,72 ± 0,28 no grupo de EA e 0,70 ± 0,45 mm nos controles (P=0,91). Também não observamos diferença significativa na LDL minimamente modificada entre pacientes e controles (14,03 ± 17,40 vs. 13,21 ± 10,21; P=0,88).

CONCLUSÕES: Pacientes com EA não demonstraram aumento na EIM da carótida, em comparação com controles. Do mesmo modo, os níveis plasmáticos circulantes de LDL(-) não diferiram significativamente nos dois grupos.

Palavras-chave: Aterosclerose; Inflamação; Espondilite anquilosante; LDL minimamente modificada; Espessura da íntima-média da carótida

Introdução

Aterosclerose é uma doença progressiva de artérias de grande e médio calibre envolvendo inflamação, acúmulo de lipídios, morte celular e trombose na parede vascular.1 A "hipótese de resposta à lesão" postula que uma lesão prolongada nas células endoteliais altera a permeabilidade do endotélio às lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e induz adesão e migração de leucócitos para o espaço subendotelial.2 Independentemente do fator de risco indutor da disfunção endotelial, o processo inflamatório descrito a seguir resultará na formação de placa. A captação de LDL oxidada (OxLDL), mas não de LDL nativa, pelos macrófagos na parede vascular levará à formação de células espumosas, que não só são um reservatório de lipídios modificados, mas também fonte de mediadores proinflamatórios que contribuem para a progressão da placa.3

Assim, OxLDL proinflamatória pode ser um elo de união entre acúmulo de lipídios e inflamação.4 Embora a maior parte da oxidação de LDL ocorra na parede vascular, as lipoproteínas podem ser minimamente modificadas no plasma, o que as tornam mais propensas à oxidação em um ingresso subsequente na íntima.5 Uma subfração mais eletronegativa de LDL, conhecida como LDL(-), foi subfracionada por cromatografia de troca iônica de alta resolução (IE-HPLC); aparentemente, representa LDL circulatória minimamente modificada no plasma.6

A constatação de que a inflamação é a principal característica da doença aterosclerótica levou a uma série de estudos descrevendo alta prevalência de aterosclerose em doenças inflamatórias crônicas, como a artrite reumatoide (AR) e o lúpus eritematoso sistêmico (LES).7,8 Há um risco duas vezes maior para infarto do miocárdio e derrame em pacientes com AR, e o risco aumenta para praticamente três vezes naqueles portadores da doença há 10 ou mais anos.9 Esse aumento na morbidade e na mortalidade, decorrente da aterosclerose, parece depender não apenas da RF tradicional, que pode ser negativamente afetada pelo uso de corticosteroides. Ao que parece, nesses pacientes, mecanismos inflamatórios estão associados a desfechos cardiovasculares piores.10-12 Embora tenham sido publicados alguns resultados controversos, outro mecanismo plausível para a aterosclerose acelerada nesses pacientes pode ser um aumento no nível de OxLDL.13

Espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática crônica que compromete, sobretudo, a coluna vertebral e as articulações sacroilíacas. Apesar de sua origem inflamatória, como AR e LES, ainda não ficou totalmente esclarecido se a aterosclerose é responsável por maior mortalidade nesses pacientes.14,15 Considerando que, comumente, os esteroides não fazem parte do tratamento clínico desses pacientes, EA pode ser um modelo mais apropriado para avaliar o papel da inflamação em pacientes com aterosclerose. Nesse estudo, avaliamos a aterosclerose subclínica (espessura da íntima-média, EIM) na carótida e níveis plasmáticos de LDL minimamente modificada (LDL(-)) em pacientes com EA vs controles.

Métodos

População em estudo

No presente estudo transversal, recrutamos 14 pacientes que atendiam aos critérios de Nova York modificados16 para EA e 13 controles. Foi obtido consentimento informado por escrito de todos os participantes e o protocolo da pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Católica do Paraná.

Os aspectos essenciais do diagnóstico de EA foram: dor inflamatória nas costas (DIC) em adultos jovens, geralmente pior pela manhã; limitação progressiva dos movimentos das costas e da expansão torácica; artrite periférica; uveíte anterior; alterações radiográficas diagnósticas nas articulações sacroilíacas; e velocidade de hemossedimentação (VHS) ou proteína C reativa (PCR) elevada. Os pacientes foram recrutados na Associação ADORE, uma associação brasileira de pacientes reumáticos. Todos os pacientes recrutados eram portadores da doença axial, sem artrite periférica ou manifestações extra-articulares. Os controles foram recrutados em uma relação de 1:1 e equiparados para idade, gênero e situação dos fatores de risco para DCV. Os participantes também foram inquiridos sobre o estilo de vida e informações clínicas. Foram registrados: idade, gênero, BASDAI e IMC. Foram coletadas amostras de sangue para as determinações bioquímicas de perfil lipídico completo, glicemia em jejum, avaliação hematológica, velocidade de hemossedimentação, PCR e LDL minimamente modificada. As amostras foram coletadas pela manhã, depois de um período de jejum de 10-12 horas; soro e plasma foram separados e congelados a -22ºC. Os níveis de colesterol e triglicerídeos foram determinados por técnicas completamente enzimáticas. LDL-colesterol foi calculada conforme descrição, pela fórmula de Friedwald. PCR de alta sensibilidade foi avaliada por turbidimetria.

LDL minimamente modificada (LDL(-))

A fração plasmática de LDL é formada por uma população heterogênea de partículas que variam com relação à carga,17 densidade, diâmetro, conteúdo de antioxidante e presença de apoproteínas, além de apoB e grau de modificação oxidativa.18 As concentrações de LDL(-) no plasma sanguíneo foram determinadas por ELISA, utilizando dois anticorpos monoclonais humanos anti-minimamente LDL (MAb 1A3 e MAb 2C7).

Microplacas (EIA/RIA, Costar, Cambridge, MA, EUA) foram revestidas com 50 µl de MAb 1A3 (1 µg/poço) em tampão carbonato-bicarbonato (pH 9,4, 0,1M) e incubadas durante a noite a 4ºC. A seguir, cada microplaca foi lavada três vezes com salina tamponada com fosfato (PBS; Tris-HCl 50 mM e NaCl 150 mM, pH 7,4) contendo tween 20 (0,5%) e bloqueadas com leite em pó desnatado a 5%, durante duas horas, a 37ºC. As microplacas foram novamente lavadas e incubadas com 50 µL de plasma durante duas horas, a 37ºC. As placas foram lavadas e incubadas com MAb 2C7 anti-LDL durante duas horas, a 37ºC. Depois de lavadas, as microplacas foram incubadas com conjugado estreptavidina-OPD (SpectralCount Microplate Photometer, Packard Instruments Company, Downers Grove, IL, USA) durante uma hora, a 37ºC. Em seguida, adicionamos a cada poço a solução de substrato de HRP (92,3 nM luminol, 0,9 mM p-iodofenol e 3,0 nM peróxido de hidrogênio). A intensidade da quimioluminescência foi imediatamente determinada através de um leitor de microplacas (LumiCount; Packard Bioscience, Meriden, CT, EUA). A curva de calibração foi traçada com LDL obtida de plasma humano. Todas as amostras e padrões foram corridos em triplicata. As variações intrateste e intertestes para esse ensaio ELISA foram de 8% e 15%, respectivamente.

Avaliação da espessura da íntima-média da carótida

A EIM da carótida está associada a risco de doença arterial coronariana, derrame e infarto do miocárdio; essa medida prevê a progressão de CVD19. A determinação da EIM foi obtida na carótida comum distal (1-2 cm proximalmente à bifurcação carotídea), bilateralmente na bifurcação e na carótida interna, e também na origem da artéria subclávia direita.

Durante a análise, foram considerados os maiores valores para EIM das carótidas direita e esquerda, bem como o valor medido na origem da artéria subclávia direita. Essa última artéria foi facilmente avaliada, por ser mais superficial do que a subclávia contralateral; mas isso não denota vantagens ou limitações técnicas em relação às artérias carótidas. A mensuração do complexo íntimo-média foi realizada com um equipamento de ultrassonografia vascular Siemens Sonoline Elegra®. Utilizamos um transdutor linear de 7,5 mHz, com uma faixa de frequência de 7-9 mHz, secção longitudinal e imagens em modo B. A determinação da espessura foi feita na parede arterial anterior ou posterior, como a distância entre duas linhas ecogênicas correspondentes às interfaces lúmen-íntima e média-adventícia da parede arterial.

Análise estatística

Todas as análises foram realizadas com GraphPad Prism (Versão 3.02, GraphPad Software Incorporated). As variáveis contínuas são apresentadas na forma de média ± desvio-padrão, e as variáveis categóricas como número e percentual. Os dois grupos foram comparados pelo teste-t de Student. Utilizamos o teste do Qui-quadrado para avaliar diferenças entre variáveis categóricas. Utilizamos também a análise de correlação de Pearson para testar relações univariadas. A previsão de variáveis independentes foi obtida por um modelo de regressão múltipla com metodologia progressiva (stepwise forward), com inclusão de complicadores potenciais. Consideramos como significativo um valor p < 0,05.

Resultados

Inicialmente, examinamos 33 indivíduos para o estudo. Desses, 27foram considerados qualificados e demonstraram desejo em participar. As características basais dos pacientes e controles estão apresentadas na tabela 1.

Houve predomínio do gênero masculino entre os participantes e a média de idade dos pacientes foi 45,14 anos ± 8,99 vs 46,75 anos ± 8,40 dos controles (p = 0,642). As pressões arteriais sistólicas e diastólicas foram similares nos dois grupos. O índice de massa corporal (kg/m2) foi 25,60 ± 5,02 para o grupo de EA e 28,34 ± 4,09 para os controles (p = 0,139). A circunferência abdominal de pacientes e controles foi, respectivamente, 94,0 ± 14,3 cm vs 93,8 ± 14,3 (p = 0,976). Como era de se esperar, BASDAI foi mais elevado nos pacientes com EA vs controles (5,6 ± 1,2 vs 1,3 ± 0,7; p = 0,047). A prevalência de hipertensão e diabetes foi similar nos dois grupos. O tempo médio transcorrido desde o diagnóstico foi de 12 anos para os pacientes com EA. Apenas um paciente estava tomando corticosteroides. Nenhum paciente estava sendo medicado com anti-TNFs.

Os parâmetros bioquímicos estão apresentados na tabela 2. O perfil lipídico foi similar nos dois grupos, sem diferença no que tange a colesterol, HDL-colesterol, triglicérides e LDL-colesterol. Quase todos os marcadores inflamatórios estavam elevados em pacientes com EA. Os pacientes apresentaram níveis mais elevados de PCR (12,36 ± 7,99 vs 3,45 ± 4,81; p = 0,002) e da contagem total de leucócitos (9.550 ± 2.256 vs 6.915 ± 1.721; p = 0,003).VHS não diferiu significativamente nos dois grupos. A contagem de plaquetas também estava elevada em pacientes com EA (334.000 ± 106.000 vs 252.000 ± 66.000; p = 0,028), conforme já tinha sido demonstrado em outras doenças reumáticas.20 Embora os participantes estivessem equiparados para diabetes, o nível glicêmico estava mais elevado nos controles vs pacientes com EA (95,43 ± 10,53 vs 109,1 ± 13,33; p = 0,009). LDL(-) não diferiu significativamente entre pacientes com EA e controles (14,03 ± 17,40 vs 13,21 ± 10,21; p = 0,88).

Os dados relativos à EIM da carótida estão resumidos na tabela 3. No que tange à localização (interna, bifurcação ou carótida comum) e lado (esquerdo ou direito) da artéria onde a EIM foi avaliada, não foi observada diferença entre os dois grupos. Conforme já havia sido descrito anteriormente, a subclávia direita também foi avaliada; também nesse caso não foi observada diferença.

Discussão

Aterosclerose é uma condição inflamatória; e a inflamação ocorrente em doenças imunes crônicas pode contribuir para acelerar a aterosclerose.21 No presente estudo, apesar da inflamação ativa demonstrada pelos elevados níveis de PCR e pelo BASDAI, pacientes com EA não exibiram maior prevalência de aterosclerose subclínica, conforme ficou demonstrado pela EIM da carótida. Do mesmo modo, os níveis plasmáticos circulantes de LDL(-), que representam a fração de LDL minimamente modificada, não diferiram significativamente nos dois grupos.

Nosso estudo concorda com trabalho precedente, que também demonstrou inexistência de correlação entre EA e aumento da EIM.22 No estudo de Sari et al., a pouca idade dos pacientes (média de idade de 37 anos) poderia ter explicado, pelo menos em parte, a falta de correlação, se fosse realmente assumido que a inflamação é fator importante para o desenvolvimento da aterosclerose. No mesmo estudo, também ficou manifesto o comprometimento da função endotelial, conforme demonstração pela dilatação da artéria braquial, mediada pelo fluxo comprometido. Esse achado poderia ser interpretado como evidência de que talvez os pacientes tenham sido avaliados em uma fase muito inicial do desenvolvimento da aterosclerose, visto que a disfunção endotelial precede as alterações morfológicas na parede arterial.23

Desconhecemos se a idade (média de 45 anos) foi fator limitante em nosso estudo. Considerando pacientes com outros transtornos reumatológicos, não apenas EIM já está aumentada na quarta década,24 mas também a duração da doença (em nossa população, o tempo médio transcorrido desde o diagnóstico foi de 12 anos) é um determinante de espessamento.25

Em uma publicação em que EIM também foi avaliada em pacientes com EA, foi observada apenas uma tendência para aumento da espessura.26 Analogamente ao nosso estudo, os participantes no grupo de controle tiveram um perfil metabólico ligeiramente menos favorável vs pacientes no grupo com EA, especialmente os níveis glicêmicos.26 Um achado interessante nesse estudo foi que o enrijecimento arterial, outro marcador de aterosclerose subclínica, não foi modificado por inibidores de TNF-α, sugerindo que a modulação da resposta inflamatória não tem efeito na lesão de parede arterial.26 Nenhum dos nossos pacientes estava sendo tratado com inibidores de TNF-α.

Esse foi o primeiro estudo a avaliar os níveis plasmáticos de LDL(-) em pacientes com EA. Embora níveis elevados de LDL oxidada tenham sido previamente informados em pacientes com outras doenças autoimunes,27 pouco foi publicado em relação à LDL minimamente modificada. Essas frações demonstram maior tendência para sofrer oxidação quando localizadas no espaço subendotelial, onde ocorre a maior parte do processo oxidativo.

Embora não tão proaterogênicas como a LDL oxidada, as formas minimamente modificadas induzem adesão de monócitos às células endoteliais e produção de MCP-1 - etapas críticas no início da aterogênese.28,29 Ainda não foi descoberta a fonte dessas formas minimamente modificadas; contudo, há origens possíveis:30 oxidação de LDL na parede arterial seguida pelo egresso na circulação; ingestão de gorduras oxidadas e/ou sua geração a partir de remanescentes lipoproteicos pós-prandiais; ou ainda oxidação direta no plasma sanguíneo. Independentemente da origem, nossos achados não permitem a imputação de qualquer papel da inflamação nessa modificação inicial da partícula de LDL. Não só os níveis plasmáticos foram similares para os grupos de EA e controle, mas também não observamos correlação entre níveis de LDL minimamente modificada e níveis de PCR (dados não mostrados). Ainda está por ser explorado se o mesmo conceito pode ser aplicado aos níveis de LDL oxidada em pacientes com EA. Em pacientes com LES e AR, não só a LDL oxidada, mas também seus autoanticorpos, estão associados à aterosclerose.31,32

No que tange à aterosclerose, não está claro porque a maioria dos dados de pacientes com EA segue direção oposta à dos estudos com LES e AR.Vale a pena mencionar que o tratamento com corticosteroides é sempre um fator complicador nesses estudos. Embora comumente prescritos em pacientes com AR e LES, os corticosteroides não são tratamento de primeira linha para EA. Em nosso estudo, apenas um paciente estava usando prednisona. Principalmente quando utilizados em altas doses, os corticosteroides exercem importante efeito prejudicial em diversos fatores de risco cardiovasculares. Esses efeitos podem ser responsáveis, em parte, pela aterosclerose acelerada observada em pacientes com LES e AR.33,34 Novos estudos que envolvam maior número de pacientes com EA tomando esteroides poderiam esclarecer esse tópico.

Esse estudo tem limitações potenciais. Primeiro, lidamos com um pequeno número de pacientes e, com isso, os resultados podem ser vistos como sendo preliminares. O objetivo desse estudo foi, principalmente, avaliar diferenças nos níveis plasmáticos de LDL minimamente modificada entre pacientes e controles. Tendo em vista que esse parâmetro bioquímico é apenas utilizado com finalidades de pesquisa, sem que existam valores "normais" mesmo em indivíduos saudáveis, não fizemos o cálculo das amostras devido à ausência de valores de referência ou mesmo de estudos prévios em pacientes com EA.

Outra limitação foi o fato da não participação de pacientes com maior comprometimento físico, embora tenham sido convidados durante a fase de triagem. A recusa foi sempre justificada por dificuldades de transporte. Esse é um viés frequente, informado mesmo em estudos com AR e LES. Uma vez que pacientes com problemas clínicos mais graves não foram incluídos, é possível que tenhamos deixado de fora aqueles com mais complicações, inclusive aterosclerose, por causa de sua condição inflamatória.

Em conclusão, apesar da inflamação ativa e da maior atividade da doença, não foram observadas diferenças relativas aos níveis plasmáticos de LDL minimamente modificada e EIM da carótida avaliada por ultrassonografia entre pacientes com EA e controles. Esses achados concordam com estudos precedentes em EA, mas há necessidade de novos, de maior porte, para que seja explorado o papel da inflamação per se como fator acelerador da aterosclerose em pacientes com espondiloartrite.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesses.

Recebido em 21 de março de 2012

Aceito em 24 de junho de 2013

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    Autor para correspondência. E-mail:
    valderilio@hotmail.com (V. F. Azevedo).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Mar 2012
    • Aceito
      24 Jun 2013
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