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Espondiloptose em atleta

Resumos

Os atletas adolescentes estão sob maior risco de lombalgia e lesões estruturais da coluna. A espondilólise é responsável pela maioria das lombalgias em jovens esportistas e raramente ocorre em adultos. Relatamos o caso de uma paciente de 13 anos, atleta de judô, que chegou a nosso serviço com quadro de cinco meses de lombalgia progressiva durante os treinos, sendo inicialmente atribuída a causas mecânicas, sem que houvesse uma investigação mais detalhada por métodos de imagem. Na admissão já apresentava deformidade lombar, postura antálgica e manobra de hiperextensão lombar em unipodálico positiva bilateralmente. Realizou-se investigação, que evidenciou espondiloptose, sendo, então, submetida a tratamento cirúrgico. Com base neste relato de caso, discutimos a abordagem diagnóstica de lombalgia em atletas jovens, uma vez que a queixa de lombalgia crônica pode ser marcador de uma lesão estrutural, a qual pode ser definitiva e trazer perda funcional irreversível.

Espondiloptose; Espondilólise; Lombalgia; Adolescente; Atleta


The adolescent athletes are at greater risk of low back pain and structural spine injuries. Spondylolysis is responsible for the majority of back pain cases in young athletes, rarely occurring in adults. We report a case of a 13-year-old judo female athlete, who came to our service with 5 months of progressive low back pain during training which was initially attributed to mechanical causes, without any further investigation by imaging methods. At admission, the patient had lumbar deformity, antalgic posture and bilaterally positive unipodalic lumbar hyperextension maneuver. After a research which showed spondyloptosis, the patient underwent surgery. In this article, we discuss, based on this case report, the diagnostic approach to low back pain in young athletes, since the complaint of chronic back pain can be a marker of a structural lesion that may be permanent and bring irreversible functional loss.

Spondyloptosis; Spondylolysis; Low back pain; Teenager; Ahtlete


Introdução

A lombalgia é uma queixa muito comum entre os adolescentes. Entre os atletas, há maior prevalência de dor e maior risco de lesão estrutural.11. Standaert JC. Low back pain in the adolescent athlete. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:287-304 O gesto esportivo está relacionado ao desenvolvimento das lesões osteoarticulares, assim como, por exemplo, os movimentos repetitivos de extensão e rotação estão associados a lesões da coluna posterior, como a espondilólise.22. Kujala UM, Taimela S, Erkintalo M, Salminen JJ, Kaprio J. Low back pain in adolescent athletes. Med Sci Sports Exerc. 1996;28:165-70

Há uma tendência a associar a lombalgia do atleta a fatores mecânicos.33. Jennings F, Lambert E, Fredericson M. Rheumatic diseases presenting as sports-related injuries. Sports Med. 2008;38:917-30 Entre os diagnósticos diferenciais, devem ser lembrados a discopatia, a contratura muscular e as deformidades constitucionais, como a hiperlordose lombar e a escoliose. Além disso, é importante descartar as doenças inflamatórias, que podem passar despercebidas quando não há outros sintomas periféricos.33. Jennings F, Lambert E, Fredericson M. Rheumatic diseases presenting as sports-related injuries. Sports Med. 2008;38:917-30,44. Carlson C. Axial back pain in the athlete: pathophysiology and approach to rehabilitation. Curr Rev Musculoskelet Med. 2009;2:88-93

Em crianças e adolescentes atletas, a etiologia da dor lombar é diferente das causas de lombalgia nos adultos.55. Baker RJ, Patel D. Lower back pain in the athlete: common conditions and treatment. Prim Care. 2005;32:201-29 A espondilólise é responsável pela maioria das lombalgias em jovens esportistas e raramente ocorre em adultos.66. Melenger AL, Krivickas LS . Neck and back pain: Musculoskeletal Disorders. Neurol Clin, 2007;25:419-38

A queixa do paciente deve ser valorizada, e a história e o exame físico são importantes para estabelecer a causa subjacente da dor lombar; porém, exames de imagem podem ser determinantes para o diagnóstico e o tratamento precoces, evitando danos estruturais irreversíveis e prejuízo para as atividades diárias e esportivas.66. Melenger AL, Krivickas LS . Neck and back pain: Musculoskeletal Disorders. Neurol Clin, 2007;25:419-38,77. Gurd DP. Back pain in the young athlete. Sports Med Arthrosc. 2011;19:7-16

Relato de caso

Paciente JCT, 13 anos, sexo feminino, natural e procedente de Mogi das Cruzes, estudante e atleta de judô há sete anos.

A paciente procurou o ambulatório de medicina esportiva da Disciplina de Reumatologia do HC-FMUSP, com queixa de lombalgia. A paciente referia dor lombar associada à tumoração local há cinco meses. No início do quadro, a dor aparecia apenas durante os treinamentos esportivos e não tinha irradiação, porém evoluiu com dor em repouso e com irradiação para a face posterior do membro inferior direito. A paciente não teve melhora com uso de anti-inflamatório não hormonal, bem como com as medidas analgésicas (termoterapia e eletroterapia) executadas na fisioterapia; no entanto, não interrompeu os treinos, apesar da dor.

Não havia história de trauma, dor noturna, febre, astenia, perda de peso, alterações sensitivas ou motoras em membros inferiores, alterações esfincterianas, uso de suplementos ou anabolizantes ou qualquer outra morbidade.

Ela treinava judô competitivamente havia sete anos, na faixa laranja. Realizava preparação física com exercícios de força e alongamento por uma hora, e treinamento específico por duas horas, quatro vezes na semana.

Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, com peso de 45 kg e estatura de 155 cm. Os exames cardiovascular, pulmonar e abdominal se encontravam sem alterações. Ao exame osteoarticular, a paciente apresentava postura antálgica ao sentar, usava os braços como suporte para o peso do tronco, desvio postural em escoliose antálgica, acentuação da lordose fisiológica lombar e tumoração óssea em L5 (fig. 1). A palpação revelava contratura dolorosa da musculatura paravertebral. A dor era desencadeada por movimento em lateralização do tronco, rotação e hiperextensão lombar. A manobra de hiperextensão lombar em unipodálico se encontrava positiva bilateralmente.

Figura 1
Tumoração óssea na topografia L5.

Feita a hipótese diagnóstica de espondilolistese, foram solicitados exames de imagem (fig. 2), que evidenciaram espondilolistese de alto grau, classificada também como espondiloptose.

Figura 2
Rx com deslizamento total de L5 sobre S1, não redutível com a posição (A: posição neutra, B: em flexão, C: em extensão, D: RNM de coluna com espondiloptose de L5 sobre S1, com redução do canal vertebral).

A paciente foi medicada com sintomáticos, recebeu orientação de repouso e foi encaminhada aos cuidados da Neurocirurgia, que indicou redução e fixação de L5-S1.

Discussão

A lombalgia é bastante frequente em atletas, com uma prevalência estimada em até 45%, enquanto em não atletas a prevalência é de 18%.22. Kujala UM, Taimela S, Erkintalo M, Salminen JJ, Kaprio J. Low back pain in adolescent athletes. Med Sci Sports Exerc. 1996;28:165-70

Os atletas, em sua maioria, apresentam lombalgia mecânica secundária à contratura muscular e às lesões ligamentares. Nos adultos, as principais causas de dor são herniação discal, fratura de corpo vertebral, estenose de canal vertebral e doenças degenerativas.33. Jennings F, Lambert E, Fredericson M. Rheumatic diseases presenting as sports-related injuries. Sports Med. 2008;38:917-30

Nos pacientes jovens, embora a maior causa de lombalgia seja de origem muscular, alguns aspectos clínicos devem chamar atenção, como dor noturna, dor após trauma, dor a hiperextensão, presença de ponto doloroso específico ou qualquer achado neurológico.88. Sucato DJ, Micheli LJ, Estes AR, Tolo VT. Spine problems in young athletes. Instr Course Lect.2012; 61:499-511

Em adolescentes, o desbalanço muscular, a ossificação incompleta da pars articularis e os treinos inadequados são os fatores de risco envolvidos no desenvolvimento de lesões na coluna.99. Purcell L. Causes and prevention of low back pain in young athletes. Paediatr Child Health. 2009;14:533-8 Nesses jovens atletas, a alteração estrutural mais comum é espondilólise, ou seja, fratura da pars articularis.33. Jennings F, Lambert E, Fredericson M. Rheumatic diseases presenting as sports-related injuries. Sports Med. 2008;38:917-30,55. Baker RJ, Patel D. Lower back pain in the athlete: common conditions and treatment. Prim Care. 2005;32:201-29,88. Sucato DJ, Micheli LJ, Estes AR, Tolo VT. Spine problems in young athletes. Instr Course Lect.2012; 61:499-511 A espondilólise é responsável por 47% das dores lombares nesta população, enquanto nos adultos esse diagnóstico aparece em apenas 5% dos casos.1010. Mohriack R, Silva PDV, Trandafilov MJ, Martins DE, Wajchenberg M, Cohen M et al. Espondilólise e espondilolistese em ginastas jovens. Rev Bras Ortop. 2010;45:79-83

Os atletas com maior risco de desenvolver espondilólise e espondilolistese são os que praticam atividades com movimentos repetitivos de extensão, flexão e rotação da coluna, como os praticantes de ginástica artística, patinação, jogadores de hóquei e futebol.22. Kujala UM, Taimela S, Erkintalo M, Salminen JJ, Kaprio J. Low back pain in adolescent athletes. Med Sci Sports Exerc. 1996;28:165-70 A paciente do relato de caso praticava judô, que envolve a execução de tais movimentos.

A espondilólise pode ser assintomática, exceto na fase aguda da fratura. O paciente pode apresentar postura hiperlordótica, e a dor lombar pode ser reproduzida pela hiperextensão e rotação da coluna, manobra facilmente reprodutível e positiva no caso em questão.66. Melenger AL, Krivickas LS . Neck and back pain: Musculoskeletal Disorders. Neurol Clin, 2007;25:419-38

Após a espondilólise, há um aumento do risco de deslizamento anterior de uma vértebra sobre outra, chamada de espondilolistese. A fase de maior instabilidade é durante o pico de crescimento na adolescência.1111. Zoner CS, Amaral DK, Natour J, Fernandes ARC. Contribuição dos métodos de diagnóstico por imagem na avaliação da espondilólise. Rev Bras Reumatol. 2006;46:287-91

A espondilolistese é classificada em cinco graus, sendo grau I quando há 25% de escorregamento, grau II 50%, grau III 75%, grau IV 100%, e o grau V, também chamado de espondiloptose, quando ocorre o deslizamento total de L5 sobre S1.

A sintomatologia depende do grau de deslizamento e pode variar desde um paciente assintomático até lombalgia com sintomas neurológicos associados.

É fundamental prevenir a lesão nos jovens atletas. Isso deve ser feito revertendo os fatores de risco, como encurtamentos e desbalanços musculares, e técnicas incorretas durante o treino. Deve-se considerar também, como fator de risco, uma mudança abrupta no volume de treino durante a fase de pico de crescimento.99. Purcell L. Causes and prevention of low back pain in young athletes. Paediatr Child Health. 2009;14:533-8

No caso relatado, a paciente já apresentava dor durante os treinos havia cinco meses, sem uma investigação mais detalhada por métodos de imagem que descartassem uma possível lesão estrutural ou mesmo indicassem a interrupção do treino. Essa combinação de fatores certamente contribuiu para o atraso no diagnóstico de espondilólise, o que acarretou na evolução da lesão para espondiloptose.

A investigação da espondilólise por imagem deve ser feita com solicitação de uma radiografia simples em três posições, que evidencia o defeito na pars interarticularis (sinal do scotty dog), porém com baixa sensibilidade. A tomografia computadorizada (TC) é o padrão ouro para o diagnóstico. O SPECT pode ser usado para avaliar a atividade da lesão.66. Melenger AL, Krivickas LS . Neck and back pain: Musculoskeletal Disorders. Neurol Clin, 2007;25:419-38

A realização de cintilografia óssea é recomendada para os pacientes com lombalgia, pois apresenta alta sensibilidade. A TC pode ser indicada quando a cintilografia é positiva para definir se a etiologia da hipercaptação representa fratura da pars articularis, ou reação de estresse ósseo, e ajuda a definir o grau e a cronicidade da fratura.1111. Zoner CS, Amaral DK, Natour J, Fernandes ARC. Contribuição dos métodos de diagnóstico por imagem na avaliação da espondilólise. Rev Bras Reumatol. 2006;46:287-91,1212. Masci L, Pike J, Malara F, Phillips B, Bennell K, Brukner P. Use of the onelegged hyperextension test and magnetic resonance imaging in the diagnosis of active spondylolysis. Br J Sports Med. 2006;40:940-6 A ressonância nuclear magnética (RNM) é menos sensível que a TC para avaliar a lesão óssea, porém pode contribuir para avaliar se a lesão é aguda quando identifica edema local.11. Standaert JC. Low back pain in the adolescent athlete. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:287-304,1212. Masci L, Pike J, Malara F, Phillips B, Bennell K, Brukner P. Use of the onelegged hyperextension test and magnetic resonance imaging in the diagnosis of active spondylolysis. Br J Sports Med. 2006;40:940-6

Quando há a suspeita de espondilolistese, indica-se a realização de RNM ou de TC para avaliar estenose do canal e forame vertebral.66. Melenger AL, Krivickas LS . Neck and back pain: Musculoskeletal Disorders. Neurol Clin, 2007;25:419-38

No caso relatado, optamos pela realização da RNM, devido a sinais de acometimento neurológico e tempo de evolução da queixa.

O tratamento da espondilolistese é controverso. Modalidades terapêuticas incluem repouso e às vezes coletes ortopédicos, com o objetivo de evitar a hiperextensão da coluna. A artrodese cirúrgica é indicada para dor refratária ao tratamento conservador ou em espondilolistese de alto grau (deslizamento maior que 50%), principalmente em crianças ou adolescentes em fase de crescimento, devido ao risco de progressão e lesão neurológica.1313. Lonstein JE. Spondylolisthesis in children. Cause, natural history, and management. Spine. 1999;24:2640

Espera-se que os atletas jovens possam voltar à atividade desportiva após o tratamento bem-sucedido, mesmo nos casos em que o tratamento cirúrgico foi necessário, com a exceção dos esportes de colisão,88. Sucato DJ, Micheli LJ, Estes AR, Tolo VT. Spine problems in young athletes. Instr Course Lect.2012; 61:499-511 como no caso em questão.

Portanto, em um adolescente atleta, é sempre importante valorizar e investigar a queixa de lombalgia crônica, pois esse sintoma pode ser um marcador de lesão estrutural, que pode ser definitiva e trazer perda funcional irreversível.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Standaert JC. Low back pain in the adolescent athlete. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19:287-304
  • 2
    Kujala UM, Taimela S, Erkintalo M, Salminen JJ, Kaprio J. Low back pain in adolescent athletes. Med Sci Sports Exerc. 1996;28:165-70
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    Jennings F, Lambert E, Fredericson M. Rheumatic diseases presenting as sports-related injuries. Sports Med. 2008;38:917-30
  • 4
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  • 5
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    Gurd DP. Back pain in the young athlete. Sports Med Arthrosc. 2011;19:7-16
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  • 11
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  • 13
    Lonstein JE. Spondylolisthesis in children. Cause, natural history, and management. Spine. 1999;24:2640

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2012
  • Aceito
    30 Nov 2012
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