Acessibilidade / Reportar erro

Perfil epidemiológico da espondiloartrite de início juvenil comparada com a espondiloartrite de início na vida adulta em uma grande coorte brasileira

Resumos

Objetivo

Analisar as características clínicas e epidemiológicas das espondiloartrites (EpA) de início juvenil (< 16 anos) e compará-las com um grupo de pacientes com EspA de início na vida adulta (≥ 16 anos).

Pacientes e métodos

Coorte prospectiva, observacional e multicêntrica com 1.424 pacientes com diagnóstico de EspA de acordo com o European Spondyloarthropathy Study Group (ESSG) submetidos a um protocolo comum de investigação e recrutados em 29 centros de referência participantes do Registro Brasileiro de Espondiloartrites (RBE). Os pacientes foram divididos em dois grupos: idade no início<16 anos (grupo EspAiJ) e idade no início ≥ 16 anos.

Resultados

Entre os 1.424 pacientes, 235 manifestaram o início da doença antes dos 16 anos (16,5%). As variáveis clínicas e epidemiológicas associadas com a EspAiJ foram: gênero masculino (p<0,001), artrite em membro inferior (p=0,001), entesite (p=0,008), uveíte anterior (p=0,041) e HLA-B27 positivo (p=0,017), em associação com escores mais baixos de atividade da doença (Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index – BASDAI; p=0,007) e de capacidade funcional (Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index – BASFI; p=0,036). A psoríase cutânea (p<0,001), a doença inflamatória intestinal (p=0,023), a dactilite (p=0,024) e o envolvimento ungueal (p=0,004) foram mais frequentes em pacientes com EspA de início na vida adulta.

Conclusões

Nessa grande coorte brasileira, os pacientes com EspAiJ se caracterizavam predominantemente pelo gênero masculino, envolvimento periférico (artrite e entesite), HLA-B27 positivo e escores de doença mais baixos.


Objective

To analyze the clinical and epidemiologic characteristics of juvenile-onset spondyloarthritis (SpA) (< 16 years) and compare them with a group of adult-onset (≥ 16 years) SpA patients.

Patients and methods

Prospective, observational and multicentric cohort with 1,424 patients with the diagnosis of SpA according to the European Spondyloarthropathy Study Group (ESSG) submitted to a common protocol of investigation and recruited in 29 reference centers participants of the Brazilian Registry of Spondyloarthritis (RBERegistro Brasileiro de Espondiloartrites). Patients were divided in two groups: age at onset<16 years (JOSpA group) and age at onset ≥ 16 years (AOSpA group).

Results

Among the 1,424 patients, 235 presented disease onset before 16 years (16.5%). The clinical and epidemiologic variables associated with JOSpA were male gender (p<0.001), lower limb arthritis (p=0.001), enthesitis (p=0.008), anterior uveitis (p=0.041) and positive HLA-B27 (p=0.017), associated with lower scores of disease activity (Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index – BASDAI; p=0.007) and functionality (Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index – BASFI; p=0.036). Cutaneous psoriasis (p<0.001), inflammatory bowel disease (p=0.023), dactylitis (p=0.024) and nail involvement (p=0.004) were more frequent in patients with adult-onset SpA.

Conclusions

Patients with JOSpA in this large Brazilian cohort were characterized predominantly by male gender, peripheral involvement (arthritis and enthesitis), positive HLA-B27 and lower disease scores.

Juvenile-onset spondyloarthritis; Brazilian population; Epidemiology; Chronic arthritis in childhood; Enthesitis-related arthritis


Introdução

Em sua maioria, os pacientes com espondiloartrite (EspA) são acometidos pela doença na vida adulta. A identificação da EspA de início juvenil (EspAiJ) pode ser tarefa desafiadora, pois muitos pacientes apresentam as manifestações clássicas da doença entre a terceira e a quarta décadas de vida. Não obstante, considerando que a EspA pode se iniciar em uma idade pediátrica, é importante que essa doença seja diagnosticada precocemente, o que contribui para que se evitem danos estruturais e a consequente incapacidade funcional na vida adulta.1Colbert RA. Classification of juvenile spondyloarthritis: Enthesitis-related arthritis and beyond. Nat Rev Rheumatol. 2010;6:477–85.

Na maior parte dos casos, os pacientes com EspAiJ podem apresentar um tipo indiferenciado da doença, caracterizado pela presença de artrite periférica, entesite e envolvimento do quadril, o que contrasta com os pacientes com a doença de início na vida adulta, que mais frequentemente manifestam as queixas axiais características da EspA. Como consequência dessas manifestações, a EspAiJ pode ser confundida com outras modalidades de artrite juvenil.2Hofer M. Spondylarthropathies in children – are they different from those in adults? Best Pract Res Clin Rheumatol. 2006;20:315–28.

Atualmente, os critérios de classificação para EspAiJ estão incluídos nos critérios da International League Against Rheumatism (ILAR) para artrite idiopática juvenil. Muitos casos de EspAiJ podem ser considerados como artrite relacionada à entesite (ARE), caso apresentem artrite e/ou entesite associadas a pelo menos duas das seguintes variáveis: (1) presença ou história de dor à palpação na articulação sacroilíaca e/ou dor lombossacral inflamatória; (2) presença do antígeno HLA-B27; (3) início da artrite em um indivíduo do gênero masculino com mais de 6 anos de idade; (4) uveíte anterior sintomática aguda; (5) história de espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, sacroiliíte com doença inflamatória intestinal (DII), artrite reativa ou uveíte anterior aguda em um parente de primeiro grau. Os critérios de exclusão incluem psoríase ou história de psoríase no paciente ou em um parente de primeiro grau; fator reumatoide positivo em pelo menos duas ocasiões em um intervalo de três meses; ou artrite idiopática juvenil sistêmica.3Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision. Edmonton, 2001 J Rheumatol. 2004;31:390–2. Na verdade, os pacientes diagnosticados como tendo artrite relacionada à entesite de acordo com os critérios atuais de classificação para artrite idiopática juvenil da ILAR podem representar casos iniciais de EspAiJ.

Recentemente, a proposição dos critérios de classificação para EspA periférica pode incluir muitos pacientes jovens com artrite indiferenciada ou ARE no grupo de EspA.4Rudwaleit M, van der Heijde D, Landewé R, Akkoc N, Brandt J, Chou CT, et al. The development of Assessment of Spondylo Arthritis international Society classification criteria for peripheral spondyloarthritis. Ann Rheum Dis. 2011;70:25–31. O conceito moderno de EspA periférica preconiza que pacientes com artrite ou entesite ou dactilite com pelo menos uma (uveíte anterior; psoríase; doença de Crohn ou colite ulcerativa; infecção precedente; HLA-B27 positivo; sacroiliíte nos exames de imagem) ou duas (artrite; entesite; dactilite; lombalgia inflamatória de algum tipo; história familiar de EspA) características devam ser diagnosticados como tendo EspA.

Os principais objetivos desse artigo são analisar as características clínicas e epidemiológicas de pacientes com EspAiJ em uma grande coorte de pacientes com EspA, e compará-las com as características apresentadas por pacientes com EspA de início na vida adulta da mesma coorte.

Métodos

Trata-se de uma coorte prospectiva, observacional e multicêntrica de pacientes com EspA consecutivos recrutados de 29 centros de referência participantes do RBE. Todos esses pacientes com EspA, provenientes das cinco principais regiões geográficas no Brasil, foram classificados de acordo com o ESSG.5Dougados M, van der Linden S, Juhlin R, Huitfeldt, Amor B, Calin A, et al. The European Spondylo arthropathy Study Group preliminary criteria for the classification of spondyloarthropathy. Arthritis Rheum. 1991;34:1218–27. Os dados foram coletados de junho de 2006 até dezembro de 2009. O Registro Brasileiro de Espondiloartrites faz parte do grupo RESPONDIA, constituído por nove países latino-americanos (Argentina, Brasil, Costa Rica, Chile, Equador, México, Peru, Uruguai e Venezuela) e pelos dois países da península Ibérica (Espanha e Portugal).

No presente estudo, aplicou-se um protocolo comum de investigação a 1.424 pacientes com EspA. O paciente era diagnosticado com espondilite anquilosante se atendesse aos critérios modificados de Nova York6van der Linden S, Valkenburg HA, Cats A. Evaluation of diagnostic criteria for ankylosing spondylitis. A proposal for modification of the New York criteria. Arthritis Rheum. 1984;27:361–8. e com artrite psoriática se atendesse aos critérios de Moll e Wright;7Moll JMH, Wright V. Psoriatic arthritis. Semin Arthritis Rheum. 1973;3:55–78. diagnosticou-se artrite reativa se o paciente manifestasse uma oligoartrite inflamatória assimétrica dos membros inferiores, em associação a uma entesopatia e/ou lombalgia inflamatória subsequente a uma infecção enteral ou urogenital,;8Kingsley G, Sieper J. Third International Workshop on Reactive Arthritis, 23-26 September 1995. Berlin, Germany Ann Rheum Dis. 1996;55:564–84. diagnosticou-se artrite enteropática se o paciente apresentasse envolvimento inflamatório articular axial e/ou periférico em associação a uma doença DII (doença de Crohn ou colite ulcerativa) confirmada.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: EspAiJ, se o paciente tivesse manifestado seus sintomas de EspA com<16 anos, e EspA de início na vida adulta se a doença tivesse seu início no paciente com ≥ 16 anos de idade.

Coletaram-se dados demográficos e clínicos, incluindo a duração da doença, as manifestações extra-articulares e o tratamento. Registrou-se também a velocidade de hemossedimentação (VHS) e os valores de proteína C reativa (PCR).

A atividade da doença e a capacidade funcional foram avaliadas com os instrumentos BASDAI (Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index) e BASFI (Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index),9Garrett S, Jenkinson T, Kennedy LG, Whitelock H, Gaisford P, Calin A. A new approach to defining disease status in ankylosing spondylitis: the Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index. J Rheumatol. 1994;21:2286–91.,1010 Calin A, Garrett S, Whitelock H, Kennedy LG, O'Hea J, Malorie P, et al. A new approach to defining functional ability in ankylosing spondylitis: the development of the Bath Ankylosing Functional Index. J Rheumatol. 1994;21:2281–5. respectivamente. A presença de dor nos locais de êntese foi avaliada pelo instrumento Maastricht Ankylosing Spondylitis Enthesitis Score (MASES);1111 Heuft-Dorenbosch L, Spoorenberg A, van Tubergen R, Landewé R, van der Tempel H, Mielants H, et al. Assessmentof enthesitis in ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2003;62:127–32. os escores MASES variam de 0 a 13. Os dados relativos à qualidade de vida foram registrados por meio do instrumento Ankylosing Spondylitis Quality of Life (ASQoL).1212 Doward LC, Spoorenberg A, Cook SA, Whalley D, Helliwell PS, Kay LJ, et al. Development of the ASQoL: a quality of life instrument specific to ankylosing spondylitis. Ann RheumDis. 2003;62:20–6. Todos os questionários utilizados foram previamente traduzidos, retrotraduzidos, validados e adaptados culturalmente ao idioma português.1313 Cusmanich KG. Validação para a língua portuguesa dos instrumentos de avaliação de índice funcional e índice de atividade de doença em pacientes com espondilite anquilosante. Master Degree Dissertation. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2006.

Análise Estatística: As variáveis categóricas foram comparadas pelos testes de χ2 e exato de Fisher. As variáveis contínuas foram comparadas pelo ANOVA. Considerou-se como significativo um valor de p<0,05, e um 0,05>p>0,10 foi considerado como uma tendência a significância estatística.

Resultados

Entre os 1.424 pacientes com EspA, 235 referiram início da doença antes dos 16 anos (16,5%). Na ocasião em que foram avaliados para o protocolo de EspA, apenas 3,0% dos pacientes tinham menos de 16 anos. Os pacientes diagnosticados com EspAiJ apresentavam atraso significativo no diagnóstico (10,02±9,28 anos vs. 5,84±7,27 anos; p<0,001) em comparação com os pacientes com doença de início na vida adulta. No momento da investigação clínica, os pacientes com EspAiJ eram significativamente mais jovens (32,53±11,78 anos) do que os pacientes com EspA de início na vida adulta (44,51±11,94 anos) (p<0,001).

As variáveis clínicas e epidemiológicas associadas com a EspAiJ foram: gênero masculino (p<0,001), artrite de membros inferiores (p=0,001), entesite (p=0,008) e HLA-B27 positivo (p=0,017). A dor inflamatória nas costas (p=0,006), dor cervical (p=0,034) e a dactilite (p=0,024) foram mais frequentes em pacientes com EspA de início na vida adulta (tabela 1). A etnia foi similar nos dois grupos de idade.

Tabela 1
Associações entre as variáveis clínico-epidemiológicas e a idade na manifestação inicial da EspA (antes e depois dos 16 anos de idade) em 1.424 pacientes

Ao se estudar as manifestações extra-articulares, a uveíte anterior (p=0,041) estava associada com a EspAiJ, enquanto a psoríase cutânea (p<0,001), a doença inflamatória intestinal (p=0,023) e o envolvimento ungueal (p=0,004) estavam associados à EspA de início na vida adulta (tabela 1).

A análise do exame físico demonstrou que a quantidade média de articulações dolorosas (3,40±6,99 vs. 3,83±7,52; p=0,423), a quantidade média de articulações inchadas (1,19±3,73 vs. 1,58±4,62; p=0,183), bem como os escores médios do instrumento MASES (2,04±2,89 vs. 2,17±3,02; p=0,548) foram similares nos dois grupos.

Os índices de doença indicaram que a atividade da doença (BASDAI; p=0,007) e a capacidade funcional (BASFI; p=0,036) foram melhores no grupo EspAiJ, enquanto os escores do ASQoL (p=0,088) não apresentaram uma diferença estatisticamente significativa (fig. 1).

Figura 1
Escores médios de índice de atividade da doença (BASDAI), índice funcional (BASFI) e índice de qualidade de vida (ASQoL) no grupo de EspA de início juvenil (EspAiJ), comparado com o grupo de pacientes com EspA de início na vida adulta.

ASQoL, Ankylosing Spondylitis Quality of Life; BASDAI, Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index; BASFI, Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index.


Discussão

As características clínicas dos indivíduos dessa coorte exibiam concordância com a descrição clássica da EspAiJ:3Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision. Edmonton, 2001 J Rheumatol. 2004;31:390–2. predominância do gênero masculino, HLA-B27 positivo e envolvimento periférico caracterizado por artrite e entesite dos membros inferiores. Essas características também concordam com o conceito de EspA periférica.4Rudwaleit M, van der Heijde D, Landewé R, Akkoc N, Brandt J, Chou CT, et al. The development of Assessment of Spondylo Arthritis international Society classification criteria for peripheral spondyloarthritis. Ann Rheum Dis. 2011;70:25–31.

Quase todos os estudos sobre EspAiJ analisam, na verdade, a espondilite anquilosante juvenil.1414 O'Shea FD, Boyle E, Riarh R, Tse SM, Laxer RM, Inman RD. Comparison of clinical and radiographic severity of juvenile-onset versus adult-onset ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2009;68:1407–12.1919 Ozgocmen S, Ardicoglu O, Kamanli A, Kaya A, Durmus B, Yildirim K, et al. Pattern of disease onset, diagnostic delay, and clinical features in juvenile onset and adult onset ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2009;36:2830–3. Nesse estudo, observa-se a predominância estatística do gênero masculino em pacientes com EspAiJ. Outros estudos recentes observaram a prevalência de gênero similar em suas coortes no Canadá e na China,1414 O'Shea FD, Boyle E, Riarh R, Tse SM, Laxer RM, Inman RD. Comparison of clinical and radiographic severity of juvenile-onset versus adult-onset ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2009;68:1407–12.,1515 Lin YC, Liang TH, Chen WS, Lin HY. Differences between juvenile-onset ankylosing spondylitis and adult-onset ankylosing spondylitis. J Chin Med Assoc. 2009;72:573–80. enquanto Gensler et al. nos Estados Unidos demonstraram uma tendência em apresentar um maior número de mulheres com espondilite anquilosante juvenil.1616 Gensler LS, Ward MM, Reveille JD, Learch TJ, Weisman MH, Davis JC Jr. Clinical, radiographic and functional differences between juvenile-onset and adult-onset ankylosing spondylitis: results from the PSOAS cohort. Ann Rheum Dis. 2008;67:233–7.

A EspAiJ e a EspA de início na vida adulta, particularmente a espondilite anquilosante, podem diferir em alguns aspectos clínicos, mas não há evidências de que possam ser consideradas como sendo doenças diferentes. As principais diferenças residem na manifestação da doença. Diferentemente do que ocorre nos pacientes com EspA de início na vida adulta, as crianças e adolescentes com EspAiJ frequentemente percebem o início dos sintomas da doença com queixas periféricas (artrite e entesite de membros inferiores), evoluindo para sintomas axiais depois de 5 a 10 anos de seguimento.1414 O'Shea FD, Boyle E, Riarh R, Tse SM, Laxer RM, Inman RD. Comparison of clinical and radiographic severity of juvenile-onset versus adult-onset ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2009;68:1407–12.2020 Burgos-Vargas R, Clark P. Axial involvement in seronegative enthesopaty and arthropathy syndrome and its progression to ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 1989;16:192–7. No presente estudo, os autores verificaram uma frequência significativa de artrite e entesite de membros inferiores em pacientes com EspAiJ. Esse estudo também demonstrou que houve atraso significativo no diagnóstico de EspAiJ, em comparação com os pacientes com EspA de início na vida adulta; supõe-se que esse atraso esteja associado à manifestação clínica frequentemente indiferenciada da EspAiJ em crianças e adolescentes.

No que diz respeito às manifestações extra-articulares, o presente estudo constatou que a uveíte anterior foi mais comum no grupo com EspAiJ, enquanto a psoríase, o envolvimento ungueal e a doença inflamatória intestinal foram mais frequentes no grupo com EspA de início na vida adulta. Esses achados são similares aos resultados observados em outras coortes.1414 O'Shea FD, Boyle E, Riarh R, Tse SM, Laxer RM, Inman RD. Comparison of clinical and radiographic severity of juvenile-onset versus adult-onset ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2009;68:1407–12.,1919 Ozgocmen S, Ardicoglu O, Kamanli A, Kaya A, Durmus B, Yildirim K, et al. Pattern of disease onset, diagnostic delay, and clinical features in juvenile onset and adult onset ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2009;36:2830–3.,2121 Demirkaya E, Ozen S, Bilginer Y, Ayaz NA, Makay BB, Unsal E, et al. The distribution of juvenile idiopathic arthritis in the eastern Mediterranean: results from the registry of the Turkish Paediatric Rheumatology Association. Clin Exp Rheumatol. 2011;29:111–6. Em um estudo realizado na Turquia, a uveíte foi encontrada em 11,6% dos pacientes com artrite idiopática juvenil, mantendo relação com a forma clínica, em associação com as formas oligoarticular (prolongada e persistente) e psoriásica.2121 Demirkaya E, Ozen S, Bilginer Y, Ayaz NA, Makay BB, Unsal E, et al. The distribution of juvenile idiopathic arthritis in the eastern Mediterranean: results from the registry of the Turkish Paediatric Rheumatology Association. Clin Exp Rheumatol. 2011;29:111–6.

A frequência de HLA-B27 positivo no grupo com EspAiJ foi significativamente mais alta em comparação com o percentual observado no grupo de EspA de início na vida adulta. Esses resultados foram parecidos com os de outros estudos, inclusive em populações europeias e asiáticas,2121 Demirkaya E, Ozen S, Bilginer Y, Ayaz NA, Makay BB, Unsal E, et al. The distribution of juvenile idiopathic arthritis in the eastern Mediterranean: results from the registry of the Turkish Paediatric Rheumatology Association. Clin Exp Rheumatol. 2011;29:111–6.2323 Sonkar GK, Usha Singh S. Is HLA-B27 a useful test in the diagnosis of juvenile spondyloarthropathies? Singapore Med J. 2008;49:795–9. e confirmam que o HLA-B27 deve ser determinado em todos os pacientes com suspeita de espondiloatrtite (EspA), em razão de sua elevada positividade e associação com o tipo mais grave da doença.2323 Sonkar GK, Usha Singh S. Is HLA-B27 a useful test in the diagnosis of juvenile spondyloarthropathies? Singapore Med J. 2008;49:795–9.

A gravidade da espondilite anquilosante é frequentemente alta em casos juvenis, pois existem muitos pacientes com espondilite anquilosante juvenil que precisam ser tratados com artroplastia de quadril. Os resultados da incapacidade funcional em pacientes com EspAiJ podem ser discordantes. Enquanto Stone et al.2424 Stone M, Warren RW, Bruckel J, Cooper D, Cortinovis D, Inman RD. Juvenile-onset ankylosing spondylitis is associated with worse functional outcomes than adult-onset ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum. 2005;53:445–51. encontraram uma pior capacidade funcional em pacientes com espondilite anquilosante juvenil, Gensler et al.1616 Gensler LS, Ward MM, Reveille JD, Learch TJ, Weisman MH, Davis JC Jr. Clinical, radiographic and functional differences between juvenile-onset and adult-onset ankylosing spondylitis: results from the PSOAS cohort. Ann Rheum Dis. 2008;67:233–7. demonstraram que os resultados eram similares aos de pacientes com doença de início na vida adulta. No presente estudo, os escores médios dos instrumentos BASDAI e BASFI foram significativamente mais baixos nos pacientes com EspAiJ, enquanto que os escores do ASQoL foram semelhantes nos dois grupos. Esses achados podem sugerir que o impacto da EspA na qualidade de vida no grupo juvenil é alta, apesar dos melhores índices de atividade da doença e de capacidade funcional.

Apesar da frequência mais baixa de envolvimento axial no grupo com EspAiJ, estudos demonstraram que um achado de 40% de incapacidade funcional depois de 10 a 15 anos de duração da doença está significativamente associado com o envolvimento do quadril.1616 Gensler LS, Ward MM, Reveille JD, Learch TJ, Weisman MH, Davis JC Jr. Clinical, radiographic and functional differences between juvenile-onset and adult-onset ankylosing spondylitis: results from the PSOAS cohort. Ann Rheum Dis. 2008;67:233–7.,2525 Flato B, Aasland A, Vinje O, Forre O. Outcome and predictive factors in juvenile rheumatoid arthritis and juvenile spondyloarthropathy. J Rheumatol. 1998;25:366–75. Em outro estudo com 326 pacientes com EspAiJ, o escore médio do BASFI foi 5,1±1,5, significativamente mais elevado do que o escore do BASFI para o grupo de EspA de início na vida adulta (4,6±0,4).2424 Stone M, Warren RW, Bruckel J, Cooper D, Cortinovis D, Inman RD. Juvenile-onset ankylosing spondylitis is associated with worse functional outcomes than adult-onset ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum. 2005;53:445–51. Um estudo prospectivo com duração de 3 anos realizado na Noruega analisou os preditores de incapacidade na EspAiJ pelo Children Health Assessment Questionnaire (CHAQ). Os autores encontraram que um índice de incapacidade elevado e um quadro insatisfatório de bem-estar no início do estudo prediziam uma redução na condição física depois de transcorridos 3 anos.2626 Selvaag AM, Lien G, Sorskaar D, Vinje O, Forre O, Flato B. Early disease course and predictors of disability in juvenile rheumatoid arthritis and juvenile spondyloarthropathy: a 3-year prospective study. J Rheumatol. 2005;32:1122–30. Em comparação com outros subgrupos de artrite idiopática juvenil, os pacientes com espondilite anquilosante juvenil referiam mais dor crônica e apresentavam escores mais elevados no CHAQ, que estavam associados a uma qualidade de vida inferior.2727 Flato B, Lien J, Smerdel-Ramoya A, Vinje O. Juvenile psoriatic arthritis: longterm outcome and differentiation from other subtypes of juvenile idiopathic arthritis. J Rheumatol. 2009;36:642–50.

Em conclusão, o presente estudo, que analisou uma grande coorte brasileira de pacientes com EspA, cujos participantes foram atendidos em centros universitários situados nas principais regiões geográficas no país, demonstrou que a EspAiJ está associada com o gênero masculino, positividade para HLA-B27, uveíte anterior e envolvimento periférico. Essa caracterização ajudará a compreender as características dos pacientes com EspAiJ e suas necessidades no seguimento a longo prazo.

Agradecimentos

A versão eletrônica do Registro Brasileiro de Espondiloartrites é mantida por subsídios irrestritos da Wyeth/Pfizer Brasil, o que não influencia na análise estatística e na redação dos manuscritos. O Dr. Sampaio Barros recebe uma bolsa de pesquisa da Federico Foundation.

Referências

  • 1
    Colbert RA. Classification of juvenile spondyloarthritis: Enthesitis-related arthritis and beyond. Nat Rev Rheumatol. 2010;6:477–85.
  • 2
    Hofer M. Spondylarthropathies in children – are they different from those in adults? Best Pract Res Clin Rheumatol. 2006;20:315–28.
  • 3
    Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision. Edmonton, 2001 J Rheumatol. 2004;31:390–2.
  • 4
    Rudwaleit M, van der Heijde D, Landewé R, Akkoc N, Brandt J, Chou CT, et al. The development of Assessment of Spondylo Arthritis international Society classification criteria for peripheral spondyloarthritis. Ann Rheum Dis. 2011;70:25–31.
  • 5
    Dougados M, van der Linden S, Juhlin R, Huitfeldt, Amor B, Calin A, et al. The European Spondylo arthropathy Study Group preliminary criteria for the classification of spondyloarthropathy. Arthritis Rheum. 1991;34:1218–27.
  • 6
    van der Linden S, Valkenburg HA, Cats A. Evaluation of diagnostic criteria for ankylosing spondylitis. A proposal for modification of the New York criteria. Arthritis Rheum. 1984;27:361–8.
  • 7
    Moll JMH, Wright V. Psoriatic arthritis. Semin Arthritis Rheum. 1973;3:55–78.
  • 8
    Kingsley G, Sieper J. Third International Workshop on Reactive Arthritis, 23-26 September 1995. Berlin, Germany Ann Rheum Dis. 1996;55:564–84.
  • 9
    Garrett S, Jenkinson T, Kennedy LG, Whitelock H, Gaisford P, Calin A. A new approach to defining disease status in ankylosing spondylitis: the Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index. J Rheumatol. 1994;21:2286–91.
  • 10
    Calin A, Garrett S, Whitelock H, Kennedy LG, O'Hea J, Malorie P, et al. A new approach to defining functional ability in ankylosing spondylitis: the development of the Bath Ankylosing Functional Index. J Rheumatol. 1994;21:2281–5.
  • 11
    Heuft-Dorenbosch L, Spoorenberg A, van Tubergen R, Landewé R, van der Tempel H, Mielants H, et al. Assessmentof enthesitis in ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2003;62:127–32.
  • 12
    Doward LC, Spoorenberg A, Cook SA, Whalley D, Helliwell PS, Kay LJ, et al. Development of the ASQoL: a quality of life instrument specific to ankylosing spondylitis. Ann RheumDis. 2003;62:20–6.
  • 13
    Cusmanich KG. Validação para a língua portuguesa dos instrumentos de avaliação de índice funcional e índice de atividade de doença em pacientes com espondilite anquilosante. Master Degree Dissertation. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 2006.
  • 14
    O'Shea FD, Boyle E, Riarh R, Tse SM, Laxer RM, Inman RD. Comparison of clinical and radiographic severity of juvenile-onset versus adult-onset ankylosing spondylitis. Ann Rheum Dis. 2009;68:1407–12.
  • 15
    Lin YC, Liang TH, Chen WS, Lin HY. Differences between juvenile-onset ankylosing spondylitis and adult-onset ankylosing spondylitis. J Chin Med Assoc. 2009;72:573–80.
  • 16
    Gensler LS, Ward MM, Reveille JD, Learch TJ, Weisman MH, Davis JC Jr. Clinical, radiographic and functional differences between juvenile-onset and adult-onset ankylosing spondylitis: results from the PSOAS cohort. Ann Rheum Dis. 2008;67:233–7.
  • 17
    Baek HJ, Shin KC, Lee YJ, Kang SW, Lee EB, Yoo CD, et al. Juvenile onset ankylosing spondylitis (JAS) has less severespinal disease course than adult onset ankylosing spondylitis (AAS): clinical comparison between JAS and AAS in Korea. J Rheumatol. 2002;29:1780–5.
  • 18
    Chen HA, Chen CH, Liao HT, Lin YJ, Chen PC, Chen WS, et al. Clinical, functional, and radiographic differences among juvenile-onset, adult-onset, and late-onset ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2012;39:1013–8.
  • 19
    Ozgocmen S, Ardicoglu O, Kamanli A, Kaya A, Durmus B, Yildirim K, et al. Pattern of disease onset, diagnostic delay, and clinical features in juvenile onset and adult onset ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 2009;36:2830–3.
  • 20
    Burgos-Vargas R, Clark P. Axial involvement in seronegative enthesopaty and arthropathy syndrome and its progression to ankylosing spondylitis. J Rheumatol. 1989;16:192–7.
  • 21
    Demirkaya E, Ozen S, Bilginer Y, Ayaz NA, Makay BB, Unsal E, et al. The distribution of juvenile idiopathic arthritis in the eastern Mediterranean: results from the registry of the Turkish Paediatric Rheumatology Association. Clin Exp Rheumatol. 2011;29:111–6.
  • 22
    Stoll ML, Bhore R, Dempsey-Robertson M, Punaro M. Spondyloarthritis in a pediatric population: risk factors for sacroiliitis. J Rheumatol. 2010;37:2402–8.
  • 23
    Sonkar GK, Usha Singh S. Is HLA-B27 a useful test in the diagnosis of juvenile spondyloarthropathies? Singapore Med J. 2008;49:795–9.
  • 24
    Stone M, Warren RW, Bruckel J, Cooper D, Cortinovis D, Inman RD. Juvenile-onset ankylosing spondylitis is associated with worse functional outcomes than adult-onset ankylosing spondylitis. Arthritis Rheum. 2005;53:445–51.
  • 25
    Flato B, Aasland A, Vinje O, Forre O. Outcome and predictive factors in juvenile rheumatoid arthritis and juvenile spondyloarthropathy. J Rheumatol. 1998;25:366–75.
  • 26
    Selvaag AM, Lien G, Sorskaar D, Vinje O, Forre O, Flato B. Early disease course and predictors of disability in juvenile rheumatoid arthritis and juvenile spondyloarthropathy: a 3-year prospective study. J Rheumatol. 2005;32:1122–30.
  • 27
    Flato B, Lien J, Smerdel-Ramoya A, Vinje O. Juvenile psoriatic arthritis: longterm outcome and differentiation from other subtypes of juvenile idiopathic arthritis. J Rheumatol. 2009;36:642–50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2013
  • Aceito
    2 Jun 2014
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br