Acessibilidade / Reportar erro

Ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 e lúpus eritematoso sistêmico: o que sabemos? Instituição: Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG/Departamento do Aparelho Locomotor e Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da UFMG, Pós-graduacção em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da UFMG, área de concentração em Ciências Clínicas.

Resumos

Diversos estudos têm demonstrado a habilidade dos ácidos graxos ômega-3 em reduzir asconcentrações de proteína C-reativa (PCR), eicosanoides pró-inflamatórios, citocinas, quimiocinas e de outros biomarcadores da inflamação. Por essas propriedades, a suplementação com essa classe de lipídeos pode representar terapia adicional ao tratamento de doençasinflamatórias crônicas sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e outrasdoenças reumáticas. O papel dessa classe de lipídeos no LES ainda não está bem estabelecido. No entanto, parece haver relação entre o consumo deste tipo de gordura e a diminuiçãodas manifestações e da atividade inflamatória da doença. Sendo assim, este artigo apresentarevisão da literatura científica sobre os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 em pacientescom LES. Realizou-se levantamento bibliográfico junto aos bancos de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), utizando-se como palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico (LES), ácidos graxos poli-insaturados ômega-3, ácido eicosapentaenoico(EPA), ácido docosahexaenoico (DHA), antioxidantes e dieta. Foram incluídos artigos publicados até setembro de 2013. Quarenta e três artigos relacionados ao tema foram encontrados. Após limitar a busca apenas para estudos realizados em seres humanos foram encontrados 15 artigos, sendo três de revisão e 12 ensaios clínicos.

Lúpus eritematoso sistêmico (LES); Ácidos graxos poli-insaturados; ômega-3; Ácido eicosapentaenoico (EPA); Ácido docosahexaenoico (DHA); Antioxidantesr


Various studies have demonstrated the impact of omega-3 fatty acids on the concentration of C reactive protein (CRP), pro-inflammatory eicosanoids, cytokines, chemokines and other inflammatory mediators. Therefore, the supplementation of these types of lipids may represent additional option treatment for chronic systemic diseases, such as Systemic Lupus Erythematous and other rheumatic diseases. The role of these lipids has not been well established, yet. However, it seems there is a direct relationship between its intake and the decrease of the disease clinical manifestations as well as of the inflammatory status of the patients. Thus, the aim of this manuscript is to present a thorough review on the effects of omega-3 fatty acids in patients with SLE. Bibliographic data set as the Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) and Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) were searched using as key words: systemic lupus erythematous (SLE), polyunsaturated fatty acids omega-3, eicosapentanoic acid (EPA), docosahexanoic acid (DHA), antioxidants and diet. Manuscripts published up to September 2013 were included. There were 43 articles related to the topic, however only 15 pertained human studies, with three review articles and 12 clinical studies.

Systemic lupus erythematous (SLE); Polyunsaturated fatty acids omega-3; Eicosapentanoic acid (EPA); Docosahexanoic acid (DHA); Antioxidants and diet


Introdução

Os efeitos benéficos dos ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 têm sido extensivamente estudados, principalmente aqueles sobre o sistema cardiovascular.1Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell’Infarto miocardico. Dietary supplementation with n−3 polyunsaturated fatty acids and vitamin E after myocardial infarction: results of the GISSI-Prevenzione trial. Lancet. 1999;354:447–55.4Lorente-Cebrián S, Costa AG, Navas-Carretero S, Zabala M,Martínez JA, Moreno-Aliaga MJ. Role of omega-3 fatty acidsin obesity, metabolic syndrome, and cardiovascular diseases:a review of the evidence. J Physiol Biochem. 2013;69:633–51 Nos últimos anos, cresceu o interesse sobre o papel desse nutriente na redução da inflamação.5Calviello G, Su HM, Weylandt KH, Fasano E, Serini S, Cittadini A. Experimental evidence of ω-3 polyunsaturated fatty acid modulation of inflammatory cytokines and bioactive lipid mediators: their potential role in inflammatory, neurodegenerative, and neoplastic diseases. Biomed Res Int. 2013;2013:743171.

Esses ácidos graxos são considerados essenciais e devem ser fornecidos pela alimentação ou na forma de suplementos. Competem com o ácido araquidônico (AA), membro da família ômega-6 (ω-6), pela mesma via enzimática, e estimulam a produção de prostaglandinas da série 3 e leucotrienos da série 5, que possuem menor ação inflamatória que aqueles eicosanoides derivados do AA.6Ferrucci L, Cherubini A, Bandinelli S, Bartali B, Corsi A, Lauretani F, Martin A, Aandres-Lacueva C, Senin U, Guralnik JM. Relationship of plasma polyunsaturated fatty acids to circulating inflammatory markers. JCEM. 2006;91:439–46.

Diversos estudos têm demonstrado a habilidade dos ácidos graxos ômega-3 em reduzir as concentrações de proteína C-reativa (PCR), eicosanoides pró-inflamatórios, citocinas, quimiocinas e de outros biomarcadores da inflamação.7Schwab JM, Serhan CN. Lipoxins and new lipid mediators in the resolution of inflammation. Curr Opin Pharmacol. 2006;6:414–20.1010 Wallace FA, Miles EA, Calder PC. Comparison of the effects of linseed oil and different doses of fish oil on mononuclear cell function in healthy human subjects. Brit J Nutr. 2003;89:679–89. Além disso, o ácido eicosapentaenoico (EPA) e o ácido docosahexaenoico (DHA), membros da família ômega-3 (ω-3), são precursores de mediadores lipídicos denominados resolvinas e protectinas, que possuem características anti-inflamatórias e imunomoduladoras.1111 Serhan CN, Hong S, Gronert K, Colgan SP, Devchand PR, Mirick G, Moussignac RL. Resolvins: a family of bioactive products of omega-3 fatty acid transformation circuits initiated by aspirin treatment that counter proinflammatory signals. J Exp Med. 2002;196:1025–37.1313 Calder PC. Omega-3 fatty acids and inflammatory processes. Nutrients. 2010;2:355–74.

Por essas propriedades, a suplementação com essa classe de lipídeos pode representar terapia adicional ao tratamento de doenças inflamatórias crônicas sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e outras doenças reumáticas. Estudos realizados em indivíduos com artrite reumatoide referem melhora da avaliação física geral, da dor, da rigidez matinal e, redução no uso de medicamentos anti-inflamatórios após suplementação com ω-3.1414 Lau CS, Morley KD, Belch JJ. Effects of fish oil supplementation on non-steroidal anti-inflammatory drug requirement in patients with mild rheumatoid arthritis - a double-blind placebo controlled study. Br J Rheumatol. 1993;32:982–9.1616 Lee YH, Bae SC, Song GG. Omega-3 polyunsaturated fatty acids and the treatment of rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Arch Med Res. 2012;43:356–62.

O papel desses ácidos graxos no LES ainda não está bem estabelecido. No entanto, parece haver relação entre o consumo deste tipo de gordura e a diminuição das manifestações e da atividade inflamatória da doença.1717 Clark WF, Parbtani A, Huff MW, Reid B, Holub BJ, Falardeau P. Omega-3 fatty acid dietary supplementation in systemic lupus erythematosus. Kidney Int. 1989;36:653–60.2525 Bello KJ, Fang H, Fazeli P, Bolad W, Corretti M, Magder LS, Petri M. Omega-3 in SLE: a double-blind, placebo-controlled randomized clinical trial of endothelial dysfunction and disease activity in systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2013. Epub ahead of print.

Os autores apresentam revisão da literatura científica sobre os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 em pacientes com LES.

Método

Realizou-se revisão de literatura científica baseada no levantamento bibliográfico junto aos bancos de dados MEDLINE e LILACS. Utilizaram-se como palavras-chave: lúpus eritematoso sistêmico (LES), ácidos graxos poli-insaturados ômega-3, ácido eicosapentaenoico (EPA), ácido docosahexaenoico (DHA), antioxidantes e dieta. Foram incluídos artigos publicados até setembro de 2013. Quarenta e três artigos relacionados ao tema foram encontrados. Após limitar a busca apenas para estudos realizados em seres humanos foram encontrados 15 artigos, sendo três artigos de revisão e 12 ensaios clínicos.

Lúpus Eritematoso Sistêmico

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória autoimune, multissistêmica, com amplo espectro de manifestações, clinicamente caracterizada por períodos de atividade e remissão, com curso e prognóstico variáveis. A gravidade da doença varia desde formas leves e intermitentes até quadros graves e fulminantes. Entretanto, remissão completa e permanente é rara.2626 Vasudevan A, Ginzler E. Clinical features of systemic lupus erythematosus. In: Hochberg M, Silman A, Smolen J, Weinblatt M, Weisman M, editors. Rheumatology. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2011.

Embora a causa do LES não seja conhecida, admite-se que a interação de fatores genéticos, hormonais e ambientais participe do desencadeamento dessa doença, havendo perda do equilíbrio da imunorregulação celular.2727 Cooper GS, Dooley MA, Treadwell EL, St Clair EW, Gilkeson GS. Risk factors for development of systemic lupus erythematosus: allergies, infections, and family history. J Clin Epidemiol. 2002;55:982–9. Este desequilíbrio imunológico ocorre por meio da perda da tolerância a antígenos nucleares, ativação desregulada dos linfócitos B e T e subsequente ativação policlonal de linfócitos B com a produção de grande quantidade de autoanticorpos reativos e formação de complexos imunológicos. Estes, conjuntamente com os autoanticorpos, são os principais responsáveis pela lesão tecidual e pelo dano orgânico.2828 Yu SL, Kuan WP, Wong CK, Li EK, Tam LS. Immunopathological roles of cytokines, chemokines, signaling molecules, and pattern-recognition receptors in systemic lupus erythematosus. Clin Dev Immunol. 2012;2012:715190.

Esse processo complexo envolve a interação de várias citocinas, quimiocinas, moléculas de adesão e receptores de reconhecimento de padrão (pattern- recognition receptors - PRRs) que desencadeiam a ativação celular.2929 Heinlen LD, McClain MT, Merrill J, Akbarali YW, Edgerton CC,Harley JB, JA J. Clinical criteria for systemic lupus erythematosus precede diagnosis, and associated autoantibodies are present before clinical symptoms. Arthritis Rheum. 2007;56:2344–51.

Os linfócitos T com resposta funcional TH1 são estimulados pela interleucina (IL) 12 a produzir fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interferon gama (IFN-γ) e IL2. Já os linfócitos TH2 produzem IL4, IL5 e IL13 quando estimulados pela IL4. Significante elevação de citocinas, decorrentes da resposta TH1 é observada em soro de pacientes com LES indicando provável desequilíbrio no padrão de resposta TH1/TH2.2828 Yu SL, Kuan WP, Wong CK, Li EK, Tam LS. Immunopathological roles of cytokines, chemokines, signaling molecules, and pattern-recognition receptors in systemic lupus erythematosus. Clin Dev Immunol. 2012;2012:715190. A resposta funcional TH17 e os níveis séricos de outras citocinas, como, IL23, IL18, IL21, IL33, também encontram-se elevados, mas o papel delas na patogênese da doença ainda está sendo estudado.2828 Yu SL, Kuan WP, Wong CK, Li EK, Tam LS. Immunopathological roles of cytokines, chemokines, signaling molecules, and pattern-recognition receptors in systemic lupus erythematosus. Clin Dev Immunol. 2012;2012:715190. Muitas dessas citocinas estão elevadas no soro de pacientes com LES e, são associadas a pior atividade da doença ou a determinadas manifestações clínicas.2929 Heinlen LD, McClain MT, Merrill J, Akbarali YW, Edgerton CC,Harley JB, JA J. Clinical criteria for systemic lupus erythematosus precede diagnosis, and associated autoantibodies are present before clinical symptoms. Arthritis Rheum. 2007;56:2344–51.3232 Su DL, Lu ZM, Shen MN, Li X, Sun LY. Roles of pro and anti-inflammatory cytokines in the pathogenesis of SLE. J Biomed Biotechnol. 2012;2012:34714.

Até o momento, poucos estudos avaliaram o papel da nutrição na patogênese do LES. Os ácidos graxos poli-insatutados ômega-3 poderiam ter efeitos clínicos benéficos no LES, em virtude das ações anti-inflamatórias, o que justificaria o uso como outra opção no tratamento da doença.1313 Calder PC. Omega-3 fatty acids and inflammatory processes. Nutrients. 2010;2:355–74.

Ácidos graxos poli-insaturados ômega-3

Os ácidos graxos podem ser classificados como saturados (sem duplas ligações entre átomos de carbono) e mono ou poli-insaturados de acordo com o número de ligações duplas em cadeia. Os ácidos graxos saturados mais frequentes na alimentação de humanos são: láurico, mirístico, palmítico e esteárico (que variam de 12 a 18 átomos de carbono). Os ácidos graxos insaturados são classificados em duas categorias principais: poli-insaturados, representados pelas séries ω-6(sendo os principais representantes os ácidos linoleico e araquidônico) e ω-3 (sendo os principais representantes os ácidos α-linolênico, eicosapentaenoico [EPA] e docosahexaenoico [DHA]) ou monoinsaturados representados pela série ômega-9 (ω-9 - oleico). Ômega-3 (ω-3) e ômega-6 (ω-3) são considerados essenciais por não serem sintetizados pelo organismo. O ácido linoleico (18:2 ω-3) é o precursor dos demais ácidos graxos poli-insaturados da série ω-6, cujas principais fontes alimentares são os óleos vegetais de soja, milho e girassol. Na família ω-3, o ácido α-linolênico (18:3 ω-3) é encontrado em alguns vegetais, como canola e linhaça, e EPA (20:5 ω-3) e DHA (22:6 ω-3) são encontrados em peixes de águas frias e profundas (cavala, sardinha, salmão, arenque). Já o ácido oleico (18:1 ω-9) pode ser sintetizado pelo organismo e tem como principais fontes dietéticas o óleo de oliva, o óleo de canola, a azeitona, o abacate e as oleaginosas (amendoim, castanhas, nozes, amêndoas).3333 Bhangle S, Kolasinski SL. Fish oil in rheumatic diseases. Rheum Dis Clin N Am. 2011;37:77–84.

Mecanismos de ação dos ácidos graxos ômega-3

Os primeiros dados que sugerem o possível papel anti-inflamatório dos ácidos graxos ômega-3 derivam de estudo epidemiológico com esquimós da Groenlândia, realizado por Kronmann and Green em 1980. Os autores verificaram que a prevalência de doenças com componente inflamatório como infarto agudo do miocárdio, diabete melito (DM), esclerose múltipla, asma brônquica e tireotoxicose foi menor na população do estudo que nas populações dos países ocidentais. Os esquimós consomem dieta rica em frutos do mar, fontes de ácidos graxos poli-insaturados.3434 Kronmann N, Green A. Epidemiological studies in the Upernavik district, Greenland: incidence of some chronic diseases 1950-1974. Acta Med Scand. 1980;208:401–6. A partir de então, foram realizados diversos estudos buscando verificar o papel desses lipídeos em diversas doenças crônicas nas quais a inflamação tem papel central na patogênese.

As famílias ω-3 e ω-6, por meio dos seus membros EPA, DHA e ácido araquidônico (AA), são as duas classes de lipídeos essenciais para a síntese de eicosanoides. Os eicosanoides estão entre os principais mediadores e reguladores da inflamação. Incluem prostaglandinas (PG), leucotrienos (LT), tromboxanos e outros derivados oxidados. São produzidos pelas vias oxidativas das enzimas cicloxigenase (COX) e lipoxigenase (LOX).3535 Tilley SL, Coffman TM, Koller BH. Mixed messages: modulation of inflammation and immune responses by prostaglandins and thromboxanes. J Clin Invest.2001;108:15–23.

Devido à semelhança química, ácido linoleico e α-linolênico competem pelas mesmas enzimas para sintetizar os derivados com 20 átomos de carbono: AA (20:4 ω-6), ácido eicosapentaenoico (EPA) (20:5 ω-3) e ácido eicosatrienoico (ETA) (20:3 ω-9). O ácido α-linolênico ainda possui um derivado com 22 átomos de carbono, o ácido docosaexaenoico (DHA) (22:6 ω-3)3333 Bhangle S, Kolasinski SL. Fish oil in rheumatic diseases. Rheum Dis Clin N Am. 2011;37:77–84.,3636 Bistrian BR. Clinical aspects of essential fatty acid metabolism: Jonathan Rhoads lecture. JPEN. 2003;27:168–75.,3733 Bhangle S, Kolasinski SL. Fish oil in rheumatic diseases. Rheum Dis Clin N Am. 2011;37:77–84. (fig. 1).

Figura 1
Metabolismo dos ácidos graxos ômega-3 e ômega-6. Adaptado de Leonard et al., 2004.3737 Leonard AE, Pereira SL, Sprecher H, Huang HS. Elogation of long-chain fatty acids. Prog Lipid Res. 2004;43:36–54.

Alto consumo de ácido linoleico favorece o aumento do conteúdo de AA nos fosfolipídios de membrana, aumentando a produção de eicosanoides das séries 2 e 4 (prostaglandina E2 e leucotrieno B4) por meio das vias enzimáticas da ciclooxigenase e lipoxigenase, respectivamente. Alta produção desses eicosanoides está relacionada com a ocorrência de distúrbios imunológicos, doenças cardiovasculares e inflamatórias. Por outro lado, o consumo de ácidos graxos da família ω-3, como o ácido α-linolênico, EPA ou DHA, que competem com o AA pelas mesmas vias enzimáticas, inibe competitivamente a oxidação do ácido araquidônico pela ciclooxigenase (COX) para prostaglandinas e a conversão para leucotrienos (LTs) via 5-lipoxigenase (LOX).6Ferrucci L, Cherubini A, Bandinelli S, Bartali B, Corsi A, Lauretani F, Martin A, Aandres-Lacueva C, Senin U, Guralnik JM. Relationship of plasma polyunsaturated fatty acids to circulating inflammatory markers. JCEM. 2006;91:439–46.,3333 Bhangle S, Kolasinski SL. Fish oil in rheumatic diseases. Rheum Dis Clin N Am. 2011;37:77–84. O ácido graxo ômega-6 leva à produção de eicosanoides das séries 2 e 4 (PGE2, tromboxano A2 (TXA2) e leucotrieno B4 (LTB4)) que são todos inflamatórios. PGE2 induz a inúmeros efeitos pró-inflamatórios como aumento da permeabilidade vascular, vasodilatação, hiperemia e hiperalgesia.3838 Samuelsson B. Leukotrienes: mediators of immediate hyersensitivity reactions and inflammation. Science. 1983;220:568–75.4040 Miles EA, Calder PC. Influence of marine n-3 polyunsaturated fatty acids on immune function and systematic review of their effects on clinical outcomes in rheumatoid arthritis. Br J Nutr. 2012;107:S171–84. TXA2 promove a síntese de citocinas inflamatórias, IL-1β e TNF-α por fagócitos mononuclerares.3939 Salmmon JA, Higgs GA. Prostaglandins and leukotrienes as inflammatory mediators. Br Med Bull. 1987;43:285–96.,4141 Caughey GE, Pouliot M, Cleland LG, James MJ. Regulation of tumor necrosis factor-alpha and IL-1 beta synthesis by thromboxane A2 in nonadherent human monocytes. J Immunol. 1997;158:351–8. Já o LTB4, além de causar aumento da permeabilidade vascular e hiperemia, é potente agente quimioatraente de leucócitos que induz à produção de enzimas lisossomais e aumenta a produção de espécies reativas de oxigênio e citocinas como TNF-α, IL-1β e IL-63939 Salmmon JA, Higgs GA. Prostaglandins and leukotrienes as inflammatory mediators. Br Med Bull. 1987;43:285–96.,4040 Miles EA, Calder PC. Influence of marine n-3 polyunsaturated fatty acids on immune function and systematic review of their effects on clinical outcomes in rheumatoid arthritis. Br J Nutr. 2012;107:S171–84. (fig. 2).

Figura 2
Sínteses e ac¸ões dos mediadores lipídicos produzidos pelo AA, EPA e DHA. AA: ácido araquidônico; EPA: ácido eicosapentaenoico; DHA: ácido docosahexaenoico; COX: ciclooxigenase; LOX: lipoxigenase; PG: prostaglandinas; LT: leucotrienos Adaptado de Calder et al., 2010.1313 Calder PC. Omega-3 fatty acids and inflammatory processes. Nutrients. 2010;2:355–74.

Desta forma, o ácido graxo ômega-3 age diminuindo a formação de eicosanoides com características inflamatórias, já que compete com ácidos graxos ômega-6 pela mesma via enzimática, e ainda inibe a síntese de TNF-α, IL-1 e IL-6 e reduz a expressão de moléculas de adesão intracelular (ICAM-1).4242 Hugues DA, Pinder AC. n-3 polynsaturated fatty acids inhibit the antigen-presenting function of human monocytes. Am J Clin Nutr. 2000;71:357S–60S. É também substrato para a síntese de eicosanoides das séries 3 e 5, que possuem características menos inflamatórias6Ferrucci L, Cherubini A, Bandinelli S, Bartali B, Corsi A, Lauretani F, Martin A, Aandres-Lacueva C, Senin U, Guralnik JM. Relationship of plasma polyunsaturated fatty acids to circulating inflammatory markers. JCEM. 2006;91:439–46. (fig. 2).

Estudos com culturas de células têm demonstrado ainda que EPA e DHA podem inibir a produção de citocinas inflamatórias clássicas como TNF-α, IL-1, IL-6 entre outras.4040 Miles EA, Calder PC. Influence of marine n-3 polyunsaturated fatty acids on immune function and systematic review of their effects on clinical outcomes in rheumatoid arthritis. Br J Nutr. 2012;107:S171–84.,4343 De Caterina R, Cybulsky MI, Clinton SK, Gimbrone MA, Libby P. The omega-3 fatty acid docosahexaenoate reduces cytokine-induced expression of proatherogenic an proinflammatory proteins in human endothelial cells. Arterioscler Thromb. 1994;14:1829–36.4545 Zhao Y, Joshi-Barve S, Barve S, Chen LH, Barve S, Chen LH. Eicosapentaenoic acid prevents LSP-induced TNF-alpha expression by preventing NF-kappaB activation. J Am Coll Nutr. 2004;23:71–8. Em indivíduos saudáveis já foi demonstrada diminuição na produção de TNF-α, IL-1β e IL-6 por monócitos e células mononucleares após a suplementação com óleo de peixe,9Trebble T, Arden NK, Stroud MA, Wootton SA, Burdge GC, Miles EA, Ballinger AB, Thompson RL, Calder PC. Inhibition of tumour necrosis factor-α and interleukin-6 production by mononuclear cells following dietary fish-oil supplementation in healthy men and response to antioxidantco-supplementation. Brit J Nutr. 2003;90:405–12.,1010 Wallace FA, Miles EA, Calder PC. Comparison of the effects of linseed oil and different doses of fish oil on mononuclear cell function in healthy human subjects. Brit J Nutr. 2003;89:679–89.,4646 Meydani SN, Endres S, Woods MM, Goldin BR, Soo C, Morrill-Labrode A, Dinarello CA, Gorbach SL. Oral (n-3) fatty acid supplementation suppresses cytokine production and lymphocyte proliferation: comparison between young and older woman. J Nutr. 1991;121:547–55. apesar de outros estudos não confirmarem esses achados.8Thies F, Miles EA, Nebe-von-Caron G, Powell JR, Hurst TL, Newsholme EA, Calder PC. Influence of dietary supplementation with long-chain n-3 or n-6 polyunsaturated fatty acids on blood inflammatory cell populations and functions and on plasma soluble adhesion molecules in health adults. Lipids. 2001;36:1183–93.,4747 Kew S, Banerjee T, Minihane AM, Finnegan YE, Muggli R, Albers R, Williams CM, Calder PC. Lack of effect of food senriched with plan- or marine-derived n-3 fatty acids on human immune function. Am J Clin Nutr. 2003;77:1287–95.,4848 Miles EA, Banerjee T, Dooper MM, M’Rabet L, Graus YM,Calder PC. The influence of different combinations of gamma-linolenic acid, stearidonic acid and EPA on immune function in healthy young male subjects. Brit J Nutr. 2004;91:893–903. Tais diferenças podem ter ocorrido devido à diferença de doses utilizadas, tempo de tratamento e amostras não representativas.

Também em culturas de células, foi verificada inibição da proliferação de células T e produção de IL-2 após suplementação com EPA e DHA.4949 Calder PC, Newsholme EA. Polyunsaturated fatty acids suppress human peripheral blood lymphocyte proliferation and interleukin-2 production. Clin Sci. 1992;82:695–700. No entanto, esses achados são ainda inconsistentes em estudos com humanos.

Além disso, EPA e DHA são precursores de mediadores lipídicos chamados resolvinas e protectinas. A via de produção desses mediadores também envolve as enzimas ciclo-oxigenaxe e lipoxigenase (fig. 2). Em estudos com culturas de células e com animais, tem sido demonstrado que tanto as resolvinas quanto as protectinas são anti-inflamatórias e imunomoduladoras.1111 Serhan CN, Hong S, Gronert K, Colgan SP, Devchand PR, Mirick G, Moussignac RL. Resolvins: a family of bioactive products of omega-3 fatty acid transformation circuits initiated by aspirin treatment that counter proinflammatory signals. J Exp Med. 2002;196:1025–37.1313 Calder PC. Omega-3 fatty acids and inflammatory processes. Nutrients. 2010;2:355–74.,5050 Serhan CN, Chiang N, Van Dyke TE. Resolving inflammation: dual anti-inflammatory and pro-resolution lipid mediators. Nature Rev Immunol. 2008;8:349–61. Resolvinas E1 e D1 e protectina D1 podem inibir a migração transendotelial de neutrófilos, prevenindo a infiltração dessas células imunológicas no local da inflamação. Resolvina E1 pode ainda inibir a produção de IL-1 e a protectina E1 de IL-1 e TNF-α.5050 Serhan CN, Chiang N, Van Dyke TE. Resolving inflammation: dual anti-inflammatory and pro-resolution lipid mediators. Nature Rev Immunol. 2008;8:349–61. Desta forma, esses mediadores lipídicos podem ajudar na resolução da inflamação e limitação dos danos causados aos tecidos.

Assim, a razão entre a ingestão diária de alimentos fontes de ácidos graxos ω-6 e ω-3 assume grande importância na nutrição humana.3636 Bistrian BR. Clinical aspects of essential fatty acid metabolism: Jonathan Rhoads lecture. JPEN. 2003;27:168–75. No entanto, a dieta ocidental é caracterizada por alto consumo de ácidos graxos poli-insaturados ω-6 e alta relação ω-6/ω-3, o que pode favorecer a patogênese de muitas doenças, incluindo as cardiovasculares, inflamatórias, autoimunes e câncer. Estima-se que a relação ω-6/ω-3 na dieta ocidental seja de 15-20:1. Por outro lado, aumento do consumo de ω-3, com consequente diminuição na relação entre esses ácidos graxos, parece exercer efeito supressor na patogênese dessas doenças.5151 Simopoulos AP. Ômega-6/omega-3 essential fatty acid ratio and chronic diseases. Food Rev Int. 2004;20:36–54.

Ômega-3 e Lúpus Erimatoso Sistêmico

Até o momento, foram realizados poucos estudos investigando os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 em indivíduos com LES. No entanto, alguns ensaios clínicos sugerem que a suplementação com essa classe de lipídeos pode representar terapia adicional ao tratamento farmacológico tradicional dessa doença devido às propriedades anti-inflamatórias.1717 Clark WF, Parbtani A, Huff MW, Reid B, Holub BJ, Falardeau P. Omega-3 fatty acid dietary supplementation in systemic lupus erythematosus. Kidney Int. 1989;36:653–60.2525 Bello KJ, Fang H, Fazeli P, Bolad W, Corretti M, Magder LS, Petri M. Omega-3 in SLE: a double-blind, placebo-controlled randomized clinical trial of endothelial dysfunction and disease activity in systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2013. Epub ahead of print.

Parece haver diferença nos níveis de ácidos graxos nas hemácias e no plasma de indivíduos com LES e naqueles sem a doença. No entanto, não se sabe se essa diferença ocorre devido à dieta inadequada ou à própria doença. Aghdassi et al. (2011) compararam a composição de ácidos graxos nas células vermelhas e no plasma entre mulheres com LES e controles sem a doença, entre pacientes com LES com ou sem história de doença cardiovascular (DCV) e entre as pacientes que faziam ou não uso de prednisona. Na membrana de eritrócitos de indivíduos com LES foram encontrados menores índices de ω-3 (EPA+DHA) e de EPA isoladamente quando comparados com indivíduos sadios. Já no plasma, não foram encontradas diferenças significativas quanto ao conteúdo de ácidos graxos entre pacientes e controles. Além disso, os pacientes com LES com história de DCV apresentaram maiores índices plasmáticos de ácidos graxos monoinsaturados e maiores índices de ácidos graxos poli-insaturados da família ω-6 que aqueles sem DCV. Pacientes em uso de prednisona apresentaram maiores níveis de ω-3 e menores índices de AA/EPA quando comparados com aqueles sem uso de prednisona. Entretanto, essas diferenças não foram estatisticamente significativas.2323 Aghdassi E, L. Ma DW, Morrison S, Hillyer LM, Clarke S, Gladman DD, Urowitz MB, Fortin PR. Alterations in circulating fatty acid composition in patients with systemic lupus erythematosus: a pilot study. JPEN. 2011;35:198–208.

Os baixos níveis de ω-3 poderiam contribuir para piora da inflamação já presente nesses pacientes, indicando que a suplementação do nutriente, por sua vez, contribuiria para melhora do perfil inflamatório e, consequentemente, da atividade da doença, como constatado por Elkan et al. (2012) em estudo realizado com 114 pacientes com LES e 122 indivíduos sem a doença. Os autores verificaram que maiores níveis de EPA e DHA nas células do tecido adiposo de pacientes com LES foram negativamente associados com atividade da doença (medida pelo Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index – SLEDAI) e presença de placas ateroscleróticas. Por outro lado, maiores níveis de ω-6 foram positivamente associados com maior índice de dano (avaliado pelo Systemic Lupus International Collaboration Clinics/American College of Rheumatoloy Damage Index–SLICC/ACR) e com presença de placas ateroscleróticas. Neste estudo a avaliação da ingestão alimentar identificou que os indivíduos com LES descreveram maior consumo de carboidratos e menor consumo de fibras e ácidos graxos poli-insaturados (ω-6e ω-3) que os indivíduos do grupo controle. A ingestão de carboidrato foi positivamente associada com a quantidade de ácidos graxos ômega-6 presente no tecido adiposo. Não foi encontrada associação entre a ingestão de carboidratos, fibras, ácidos graxos saturados e monoinsaturados com a atividade da doença ou índice de dano.2424 Elkan AC, Anania C, Gustafsson T, Jogestrand T, Hafstrõm I, Frostegard J. Diet and fatty acid pattern among patients with SLE: associations with disease activity, blood lipids and atherosclerosis. Lupus. 2012;21:1405–11.

O primeiro estudo avaliando o efeito dos ácidos graxos ômega-3 em pacientes com LES utilizou óleo de peixe e foi publicado em 1989 por Clark et al. Os autores analisaram o efeito do ω-3 (EPA e DHA) em 12 indivíduos com LES e nefrite e concluíram que a suplementação da dieta com óleo de peixe pode afetar os mecanismos envolvidos na inflamação e na aterosclerose. Os pacientes receberam suplementação durante cinco semanas com doses diárias de 6g de óleo de peixe, seguido por período de cinco semanas sem suplementação e, em seguida, mais cinco semanas de 18g de óleo de peixe por dia. Verificou-se aumento dos níveis de EPA e DHA nos fosfoslipídeos de membranas e diminuição da incorporação de AA. Estas mudanças foram associadas com a diminuição da agregação de plaquetas e da viscosidade sanguínea e o aumento na flexibilidade dos glóbulos vermelhos. Houve também redução significativa na produção de LTB4 por neutrófilos. A dose mais elevada de óleo de peixe induziu diminuição de 38% dos níveis de triglicerídeos e 39% no colesterol VLDL associada ao aumento de 28% nos níveis de colesterol HDL. Não foi verificado efeito sobre o título de anti-DNA e albuminúria.1717 Clark WF, Parbtani A, Huff MW, Reid B, Holub BJ, Falardeau P. Omega-3 fatty acid dietary supplementation in systemic lupus erythematosus. Kidney Int. 1989;36:653–60.

Em contrapartida, em outro ensaio clínico, realizado por esse mesmo grupo de pesquisadores, resultados diferentes foram encontrados. Em 21 pacientes com nefrite lúpica estável, suplementados com dose diária de 15g de óleo de peixe ou placebo contendo azeite de oliva, por um ano, não foi verificada melhora da função renal ou da atividade da doença no grupo de estudo quando comparado com o grupo que usou placebo. Quanto aos lipídeos sanguíneos, apenas o colesterol VLDL e os triglicerídeos apresentaram redução significativa após o tratamento com óleo de peixe, enquanto as frações LDL e HDL não foram afetadas.1919 Clark WF, Parbtani A, Naylor CD, Levinton CM, Muirhead N, Spanner E, Huff MW, Philbrick DJ, Holub BJ. Fish oil in lupus nephritis: clinical findings and methodological implications. Kidney Int. 1993;44:75–86.

Já Westberg et al. (1990) avaliaram os efeitos dos ácidos graxos ômega-3 em 60 pacientes com LES moderadamente ativo por meio da suplementação com cápsulas contendo óleo de peixe ou cápsulas de azeite de oliva como placebo. Durante os primeiros três meses os pacientes suplementados com ω-3 apresentaram significativa melhora dos parâmetros clínicos e laboratoriais. No entanto, após seis meses de suplementação não foram detectadas diferenças entres os grupos, sugerindo, segundo os autores, que os efeitos do suplemento ocorrem apenas por curto período.1818 Westberg G, Tarkowski A. Effect of MaxEPA in patients with SLE. A double-blind, crossover study. Scand J Rheumatol. 1990;19:137–43.

Em 2004, Duffy et al. publicaram outro ensaio clínico em que foi avaliado o efeito da suplementação com ω-3 e/ou cobre em pacientes com LES. Cinquenta e dois pacientes foram divididos em quatro grupos de tratamento. Um grupo recebeu 3g de óleo de peixe em cápsulas (540mg EPA+360mg DHA/cápsula) e 3mg de cobre, o outro 3g de óleo de peixe e placebo de cobre, o terceiro grupo foi suplementado com 3mg de cobre e placebo de óleo de peixe e o quarto com placebo de ambos nutrientes. Após seis meses de suplementação, verificou-se diminuição da atividade da doença, medida pelo Systemic Lupus Activity Measure (SLAM), de 6,12 para 4,69 (p < 0,05). Os componentes do SLAM mais afetados pela suplementação foram pele, sistema neuromotor e exames laboratoriais.2020 Duffy EM, Meenagh GK, McMillan SA, Strain JJ, Hannigan BM, Bell AL. The clinical effect of dietary supplementation with omega-3 fish oils and copper in systemic lupu serythematosus. J Rheumatol. 2004;31:1551–6.

Os efeitos benéficos do ω-3 na redução da atividade da nefrite lúpica foram avaliados por Nakamura et al. (2005). Os autores analisaram o efeito da suplementação diária com 1,8g de EPA purificado, em seis pacientes com nefrite lúpica, diagnosticada por biópsia renal. Após três meses de suplementação foi detectada diminuição dos níveis de AA e aumento dos níveis de EPA nos fosfolipídeos plasmáticos, além da diminuição dos níveis urinários de 8-isoprostano (de 530±113 pg/mg • CR para 235±49 pg/mg • CR, p=0,02). Esses achados, na opinião dos autores, indicaram que o EPA pode promover diminuição do estresse oxidativo, com consequentes benefícios no tratamento da nefrite lúpica. Já quando avaliados parâmetros imunológicos, não foram encontradas diferenças significativas nos valores de anti-DNA e complemento sérico após tratamento com ω-3.2121 Nakamura N, Kumasaka R, Osawa H, Yamabe H, Shirato K, Fujita T, Murakami R, Shimada M, Nakamura M, Okumura K, Hamazaki K, Hamazaki T. Effects of eicosapentaenoic acids on oxidative stress and plasma fatty acid composition in patients with lupus nephritis. In vivo. 2005;19:879–82.

Wright et al. (2008) compararam os efeitos do consumo diário de 3g de ω-3 (1.200g de DHA+1.800g de EPA) com o uso de placebo de óleo de oliva, em 60 pacientes com LES, por um período de 24 semanas. Identificaram que a suplementação com ω-3 em pacientes com LES não apenas pode ter efeito terapêutico sobre a atividade da doença, medida segundo os índices Systemic Lupus Activity Measure (SLAM-R) e British Isles Lupus Assessment Group (BILAG), como também pode promover melhora da função endotelial e redução do estresse oxidativo, conferindo benefícios cardiovasculares.2222 Wright SA, O´Prey FM, McHenry MT, Leahey WJ, Devine AB, Duffy EM, Johnston DG, Finch MB, Bell AL, McVeigh GE. A randomised interventional trial of w-3 polyunsaturated acids on endothelial function and disease activity in systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2008;67:841–8.

Recentemente Bello et al. (2013) publicaram ensaio clínico duplo-mascarado placebo controlado, no qual 85 pacientes com LES foram randomizados em um grupo recebendo 3g diários de suplemento de ω-3 ou placebo. Após 12 semanas de suplementação não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos quanto à atividade da doença, níveis séricos de marcadores inflamatórios (ICAM-1, VCAM-1 e IL-6) e função endotelial. Já quanto ao perfil lipídico, os pacientes que receberam ω-3 apresentaram aumento significativo dos níveis de LDL-c, enquanto aqueles do grupo placebo apresentaram redução significativa dessa lipoproteína.2525 Bello KJ, Fang H, Fazeli P, Bolad W, Corretti M, Magder LS, Petri M. Omega-3 in SLE: a double-blind, placebo-controlled randomized clinical trial of endothelial dysfunction and disease activity in systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2013. Epub ahead of print.

Os estudos avaliando o efeito dos ácidos graxos ômega-3 no LES estão listados na tabela 1.

Tabela 1
Estudos de intervenção com ácidos graxos ômega-3 em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES)

Considerações finais

Estudos clínicos sugerem que a suplementação com ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 pode representar opção adicional ao tratamento farmacológico tradicional do LES pelas propriedades anti-inflamatórias.1717 Clark WF, Parbtani A, Huff MW, Reid B, Holub BJ, Falardeau P. Omega-3 fatty acid dietary supplementation in systemic lupus erythematosus. Kidney Int. 1989;36:653–60.2525 Bello KJ, Fang H, Fazeli P, Bolad W, Corretti M, Magder LS, Petri M. Omega-3 in SLE: a double-blind, placebo-controlled randomized clinical trial of endothelial dysfunction and disease activity in systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2013. Epub ahead of print. Essa classe de lipídeos está relacionada com a produção de eicosanoides com menor ação inflamatória do que os produzidos pelos ácidos graxos pertecentes à família ω-6, além da redução dos níveis séricos de citocinas inflamatórias e da ativação de linfócitos T.

Os ensaios clínicos realizados diferem muito quanto à dose utilizada, variando entre 1,8g e 18g de óleo de peixe, e ao tempo de tratamento, que variou de cinco semanas a 12 meses. Há ainda dúvidas quanto aos efeitos positivos serem devido ao consumo de EPA, DHA ou à combinação de ambos. Além disso, a maioria dos estudos apresenta número reduzido de participantes, o que limita as conclusões.

Desse modo, são ainda necessários mais estudos, com maior número de participantes, para avaliar o real efeito desses ácidos graxos em pacientes LES, a dose eficaz e o tempo de tratamento.

  • Instituição: Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da UFMG/Departamento do Aparelho Locomotor e Departamento de Cirurgia, Faculdade de Medicina da UFMG, Pós-graduacção em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da UFMG, área de concentração em Ciências Clínicas.
  • Financiamento
    Este projeto de pesquisa foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Referências

  • 1
    Gruppo Italiano per lo Studio della Sopravvivenza nell’Infarto miocardico. Dietary supplementation with n−3 polyunsaturated fatty acids and vitamin E after myocardial infarction: results of the GISSI-Prevenzione trial. Lancet. 1999;354:447–55.
  • 2
    Wang C, Harris WS, Chung M, Lichtenstein AH, Balk EM, Kupelnick B, Jordan HS, Lau J. N−3 Fatty acids from fish or fish-oil supplements, but not alpha-linolenic acid, benefit cardiovascular disease outcomes in primary- and secondary-prevention studies: a systematic review. Am J Clin Nutr. 2006;84:5–17.
  • 3
    Kromhout D, Giltay EJ, Geleijnse JM. N−3 fatty acids and cardiovascular events after myocardial infarction. N Engl J Med. 2010;363:2015–26
  • 4
    Lorente-Cebrián S, Costa AG, Navas-Carretero S, Zabala M,Martínez JA, Moreno-Aliaga MJ. Role of omega-3 fatty acidsin obesity, metabolic syndrome, and cardiovascular diseases:a review of the evidence. J Physiol Biochem. 2013;69:633–51
  • 5
    Calviello G, Su HM, Weylandt KH, Fasano E, Serini S, Cittadini A. Experimental evidence of ω-3 polyunsaturated fatty acid modulation of inflammatory cytokines and bioactive lipid mediators: their potential role in inflammatory, neurodegenerative, and neoplastic diseases. Biomed Res Int. 2013;2013:743171.
  • 6
    Ferrucci L, Cherubini A, Bandinelli S, Bartali B, Corsi A, Lauretani F, Martin A, Aandres-Lacueva C, Senin U, Guralnik JM. Relationship of plasma polyunsaturated fatty acids to circulating inflammatory markers. JCEM. 2006;91:439–46.
  • 7
    Schwab JM, Serhan CN. Lipoxins and new lipid mediators in the resolution of inflammation. Curr Opin Pharmacol. 2006;6:414–20.
  • 8
    Thies F, Miles EA, Nebe-von-Caron G, Powell JR, Hurst TL, Newsholme EA, Calder PC. Influence of dietary supplementation with long-chain n-3 or n-6 polyunsaturated fatty acids on blood inflammatory cell populations and functions and on plasma soluble adhesion molecules in health adults. Lipids. 2001;36:1183–93.
  • 9
    Trebble T, Arden NK, Stroud MA, Wootton SA, Burdge GC, Miles EA, Ballinger AB, Thompson RL, Calder PC. Inhibition of tumour necrosis factor-α and interleukin-6 production by mononuclear cells following dietary fish-oil supplementation in healthy men and response to antioxidantco-supplementation. Brit J Nutr. 2003;90:405–12.
  • 10
    Wallace FA, Miles EA, Calder PC. Comparison of the effects of linseed oil and different doses of fish oil on mononuclear cell function in healthy human subjects. Brit J Nutr. 2003;89:679–89.
  • 11
    Serhan CN, Hong S, Gronert K, Colgan SP, Devchand PR, Mirick G, Moussignac RL. Resolvins: a family of bioactive products of omega-3 fatty acid transformation circuits initiated by aspirin treatment that counter proinflammatory signals. J Exp Med. 2002;196:1025–37.
  • 12
    Hong S, Gronert K, Devchand P, Moussignac RL, Serhan CN. Novel docosatrienes and 17S-resolvins generated from docosahexaenoic acid in murine brain, human blood and glial cells: autocoids in anti-inflammation. J Biol Chem. 2003;278:14677–87.
  • 13
    Calder PC. Omega-3 fatty acids and inflammatory processes. Nutrients. 2010;2:355–74.
  • 14
    Lau CS, Morley KD, Belch JJ. Effects of fish oil supplementation on non-steroidal anti-inflammatory drug requirement in patients with mild rheumatoid arthritis - a double-blind placebo controlled study. Br J Rheumatol. 1993;32:982–9.
  • 15
    Berbert AA, Kondo CR, Almendra CL, Matsuo T, Dichi I. Supplementation of fish oil and olive oil in patients with rheumatoid arthritis. Nutrition. 2005;21:131–6.
  • 16
    Lee YH, Bae SC, Song GG. Omega-3 polyunsaturated fatty acids and the treatment of rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Arch Med Res. 2012;43:356–62.
  • 17
    Clark WF, Parbtani A, Huff MW, Reid B, Holub BJ, Falardeau P. Omega-3 fatty acid dietary supplementation in systemic lupus erythematosus. Kidney Int. 1989;36:653–60.
  • 18
    Westberg G, Tarkowski A. Effect of MaxEPA in patients with SLE. A double-blind, crossover study. Scand J Rheumatol. 1990;19:137–43.
  • 19
    Clark WF, Parbtani A, Naylor CD, Levinton CM, Muirhead N, Spanner E, Huff MW, Philbrick DJ, Holub BJ. Fish oil in lupus nephritis: clinical findings and methodological implications. Kidney Int. 1993;44:75–86.
  • 20
    Duffy EM, Meenagh GK, McMillan SA, Strain JJ, Hannigan BM, Bell AL. The clinical effect of dietary supplementation with omega-3 fish oils and copper in systemic lupu serythematosus. J Rheumatol. 2004;31:1551–6.
  • 21
    Nakamura N, Kumasaka R, Osawa H, Yamabe H, Shirato K, Fujita T, Murakami R, Shimada M, Nakamura M, Okumura K, Hamazaki K, Hamazaki T. Effects of eicosapentaenoic acids on oxidative stress and plasma fatty acid composition in patients with lupus nephritis. In vivo. 2005;19:879–82.
  • 22
    Wright SA, O´Prey FM, McHenry MT, Leahey WJ, Devine AB, Duffy EM, Johnston DG, Finch MB, Bell AL, McVeigh GE. A randomised interventional trial of w-3 polyunsaturated acids on endothelial function and disease activity in systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2008;67:841–8.
  • 23
    Aghdassi E, L. Ma DW, Morrison S, Hillyer LM, Clarke S, Gladman DD, Urowitz MB, Fortin PR. Alterations in circulating fatty acid composition in patients with systemic lupus erythematosus: a pilot study. JPEN. 2011;35:198–208.
  • 24
    Elkan AC, Anania C, Gustafsson T, Jogestrand T, Hafstrõm I, Frostegard J. Diet and fatty acid pattern among patients with SLE: associations with disease activity, blood lipids and atherosclerosis. Lupus. 2012;21:1405–11.
  • 25
    Bello KJ, Fang H, Fazeli P, Bolad W, Corretti M, Magder LS, Petri M. Omega-3 in SLE: a double-blind, placebo-controlled randomized clinical trial of endothelial dysfunction and disease activity in systemic lupus erythematosus. Rheumatol Int. 2013. Epub ahead of print.
  • 26
    Vasudevan A, Ginzler E. Clinical features of systemic lupus erythematosus. In: Hochberg M, Silman A, Smolen J, Weinblatt M, Weisman M, editors. Rheumatology. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2011.
  • 27
    Cooper GS, Dooley MA, Treadwell EL, St Clair EW, Gilkeson GS. Risk factors for development of systemic lupus erythematosus: allergies, infections, and family history. J Clin Epidemiol. 2002;55:982–9.
  • 28
    Yu SL, Kuan WP, Wong CK, Li EK, Tam LS. Immunopathological roles of cytokines, chemokines, signaling molecules, and pattern-recognition receptors in systemic lupus erythematosus. Clin Dev Immunol. 2012;2012:715190.
  • 29
    Heinlen LD, McClain MT, Merrill J, Akbarali YW, Edgerton CC,Harley JB, JA J. Clinical criteria for systemic lupus erythematosus precede diagnosis, and associated autoantibodies are present before clinical symptoms. Arthritis Rheum. 2007;56:2344–51.
  • 30
    Jacob N, Stohl W. Cytokine disturbances in systemic lupus erythematosus. Arthritis Res. 2011;13:228.
  • 31
    Ohl K, Tenbrock K. Inflammatory cytokines in systemic lupus erythematosus. J Biomed Biotechnol. 2011;2011:432595.
  • 32
    Su DL, Lu ZM, Shen MN, Li X, Sun LY. Roles of pro and anti-inflammatory cytokines in the pathogenesis of SLE. J Biomed Biotechnol. 2012;2012:34714.
  • 33
    Bhangle S, Kolasinski SL. Fish oil in rheumatic diseases. Rheum Dis Clin N Am. 2011;37:77–84.
  • 34
    Kronmann N, Green A. Epidemiological studies in the Upernavik district, Greenland: incidence of some chronic diseases 1950-1974. Acta Med Scand. 1980;208:401–6.
  • 35
    Tilley SL, Coffman TM, Koller BH. Mixed messages: modulation of inflammation and immune responses by prostaglandins and thromboxanes. J Clin Invest.2001;108:15–23.
  • 36
    Bistrian BR. Clinical aspects of essential fatty acid metabolism: Jonathan Rhoads lecture. JPEN. 2003;27:168–75.
  • 37
    Leonard AE, Pereira SL, Sprecher H, Huang HS. Elogation of long-chain fatty acids. Prog Lipid Res. 2004;43:36–54.
  • 38
    Samuelsson B. Leukotrienes: mediators of immediate hyersensitivity reactions and inflammation. Science. 1983;220:568–75.
  • 39
    Salmmon JA, Higgs GA. Prostaglandins and leukotrienes as inflammatory mediators. Br Med Bull. 1987;43:285–96.
  • 40
    Miles EA, Calder PC. Influence of marine n-3 polyunsaturated fatty acids on immune function and systematic review of their effects on clinical outcomes in rheumatoid arthritis. Br J Nutr. 2012;107:S171–84.
  • 41
    Caughey GE, Pouliot M, Cleland LG, James MJ. Regulation of tumor necrosis factor-alpha and IL-1 beta synthesis by thromboxane A2 in nonadherent human monocytes. J Immunol. 1997;158:351–8.
  • 42
    Hugues DA, Pinder AC. n-3 polynsaturated fatty acids inhibit the antigen-presenting function of human monocytes. Am J Clin Nutr. 2000;71:357S–60S.
  • 43
    De Caterina R, Cybulsky MI, Clinton SK, Gimbrone MA, Libby P. The omega-3 fatty acid docosahexaenoate reduces cytokine-induced expression of proatherogenic an proinflammatory proteins in human endothelial cells. Arterioscler Thromb. 1994;14:1829–36.
  • 44
    Khalfoun B, Thibault F, Watier H, Bardos P, Lebranchu Y. Docosahexaenoic and eicosapentaenoic acids inhibit in bitro human endothelial cell production of interleukin-6. Adv Exp Biol Med. 1997;400:589–97.
  • 45
    Zhao Y, Joshi-Barve S, Barve S, Chen LH, Barve S, Chen LH. Eicosapentaenoic acid prevents LSP-induced TNF-alpha expression by preventing NF-kappaB activation. J Am Coll Nutr. 2004;23:71–8.
  • 46
    Meydani SN, Endres S, Woods MM, Goldin BR, Soo C, Morrill-Labrode A, Dinarello CA, Gorbach SL. Oral (n-3) fatty acid supplementation suppresses cytokine production and lymphocyte proliferation: comparison between young and older woman. J Nutr. 1991;121:547–55.
  • 47
    Kew S, Banerjee T, Minihane AM, Finnegan YE, Muggli R, Albers R, Williams CM, Calder PC. Lack of effect of food senriched with plan- or marine-derived n-3 fatty acids on human immune function. Am J Clin Nutr. 2003;77:1287–95.
  • 48
    Miles EA, Banerjee T, Dooper MM, M’Rabet L, Graus YM,Calder PC. The influence of different combinations of gamma-linolenic acid, stearidonic acid and EPA on immune function in healthy young male subjects. Brit J Nutr. 2004;91:893–903.
  • 49
    Calder PC, Newsholme EA. Polyunsaturated fatty acids suppress human peripheral blood lymphocyte proliferation and interleukin-2 production. Clin Sci. 1992;82:695–700.
  • 50
    Serhan CN, Chiang N, Van Dyke TE. Resolving inflammation: dual anti-inflammatory and pro-resolution lipid mediators. Nature Rev Immunol. 2008;8:349–61.
  • 51
    Simopoulos AP. Ômega-6/omega-3 essential fatty acid ratio and chronic diseases. Food Rev Int. 2004;20:36–54.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2013
  • Aceito
    10 Dez 2013
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br