Acessibilidade / Reportar erro

A associação fibromialgia e lúpus eritematoso sistêmico altera a apresentação e a gravidade de ambas as doenças?

Resumos

Introdução

A associação da fibromialgia (FM) e de lúpus eritematoso sistêmico (LES) tem sido investigada com resultados conflitantes em relação ao impacto de uma condição na outra.

Objetivos

Determinar a frequência de FM em uma amostra de pacientes com LES atendidos no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS) e o impacto da FM na atividade do LES e na qualidade de vida, bem como do LES na FM.

Material e métodos

Estudo descritivo e transversal. Incluíram-se pacientes que preenchem os critérios de classificação para LES e/ou de FM do Colégio Americano de Reumatologia (ACR). A amostra total foi dividida em três grupos: FM/LES (pacientes com associação LES e FM), LES (somente pacientes com LES) e FM (somente pacientes com FM). As seguintes variáveis foram Questionário de Impacto da Fibromialgia (FIQ), Índice de Atividade do Lúpus Eritematoso Sistêmico (Sledai), Índices dos Critérios Diagnósticos de Fibromialgia de 2010 (IGS E IDG) e o SF-36.

Resultados

A prevalência de pacientes com FM entre os pacientes com LES foi de 12%. O FIQ não apontou diferença entre os grupos e indicou que o LES não interferiu no impacto causado pela FM isoladamente. A presença da FM em pacientes com LES não influenciou a atividade clínica dessa doença. Observou-se um forte impacto da FM na qualidade de vida nos pacientes com LES e não foi observado o contrário.

Conclusões

A prevalência de FM observada nos pacientes com LES é de 12%. A presença de FM afeta adversamente a qualidade de vida dos pacientes com LES.

Fibromialgia; Lúpus eritematoso sistêmico; Atividade clínica; Qualidade de vida; Associação


Introduction

The association of fibromyalgia (FM) and systemic lupus erythematosus (SLE) has been investigated, with conflicting results regarding the impact of a condition on the other.

Objectives

To determine the frequency of FM in a sample of patients with SLE treated at the Hospital Complex of Sorocaba (CHS) and the impact of FM in SLE activity and quality of life, as well as of SLE in FM.

Materials and Methods

Descriptive and correlational study. Patients who met the American College of Rheumatology (ACR) criteria for SLE and/or FM were included. The total sample was divided into three groups: FM/SLE (patients with association of SLE and FM), SLE (SLE patients only) and FM (FM patients only). The following variables were used: Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), activity index of SLE (SLEDAI), Indices of Diagnostic Criteria for Fibromyalgia 2010 (SSI end GPI) and SF-36.

Results

The prevalence of patients with FM among SLE patients was 12%. FIQ showed no difference between groups, indicating that SLE did not affect the impact caused by FM alone. The presence of FM in SLE patients did not influence the clinical activity of this disease. A strong impact of FM on the quality of life in patients with SLE was observed; the opposite was not observed.

Conclusions

The prevalence of FM observed in SLE patients is 12%. The presence of FM adversely affects the quality of life of patients with SLE.

Fibromyalgia; Systemic lupus erythematosus; Clinical activity; Quality of life; Association


Introdução

A fibromialgia (FM) é uma condição reumática que tem como características principais dor crônica difusa, hiperalgesia e alodinia. Os sintomas fadiga, distúrbio do sono, rigidez matinal, cefaleia e parestesias estão frequentemente presentes.1Carville SF, Arendt-Nielsen S, Bliddal H, Blotman F, Branco JC, Buskila D, et al. EULAR - Evidence-based recommendations for the management of fibromyalgia syndrome. Ann Rheum Dis. 2008;67:536-41. Associam-se ainda comorbidades como depressão, ansiedade, síndrome do intestino irritável, síndrome miofascial e síndrome uretral inespecífica.2Heymann RE, Paiva ES, Helfenstein MJ, Pollak DF, Martinez JE, Provenza JR, et al. Consenso Brasileiro do Tratamento de Fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2010;50:56-66.

Essa síndrome de etiologia e patogênese ainda não totalmente esclarecida tem como mecanismo mais importante a amplificação da transmissão do estímulo doloroso com alteração da percepção de dor.1Carville SF, Arendt-Nielsen S, Bliddal H, Blotman F, Branco JC, Buskila D, et al. EULAR - Evidence-based recommendations for the management of fibromyalgia syndrome. Ann Rheum Dis. 2008;67:536-41. Observou-se ainda um desequilíbrio nos neurotransmissores envolvidos na fisiologia da dor. Constatou-se entre outras anormalidades o aumento da substância P e fator de crescimento neural envolvidos no liquido cefalorraquidiano (LCR) dos indivíduos com fibromialgia.3Abeles AM, Pillinger MH, Solitar BM, Abeles M. Narrative review: the pathophysiology of fibromyalgia. Ann Intern Med. 2007;146:726-34.

Apesar de poucos dados epidemiológicos brasileiros terem sido publicados, alguns estudos demonstram uma prevalência de cerca de 2,5% na população geral, em sua grande maioria mulheres na faixa dos 35-44 anos.4Senna ER, De Barros AL, Silva EO, Costa IF, Pereira LV, Ciconelli RM, et al. Prevalence of rheumatic diseases in Brazil: a study using the COPCORD approach. J Rheumatol. 2004;31:594-7. A idade média dos pacientes se situa em torno de 29,8 anos. Constata-se ainda uma relação com baixa renda familiar.5Costa SRR, Pereira Neto MS, Tavares Neto J, Kubiak I, Dourado MS, Araújo AC, et al. Características de pacientes com síndrome da fibromialgia atendidos em um hospital de Salvador BA-Brasil. Rev Bras Reumatol. 2005;45:64-70.

A avaliação clínica pode ser feita por meio de escalas de intensidade dos sintomas, instrumentos específicos de avaliação da doença como o Questionário de Impacto da Fibromialgia (FIQ)6Burckhardt CS, Clark SR, Bennett RM. The fibromyalgia impact questionnaire: development and validation. J Rheumatol. 1991;18:728-33. e questionários genéricos de qualidade de vida.7Martinez JE, Ferraz MB, Sato EI, Atra E. Fibromyalgia vs rheumatoid arthritis: a longitudinal comparison of quality of life. J Rheumatol. 1995;22:201-4.

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune inflamatória que envolve múltiplos órgãos, em especial pele, articulações, rim, vasos sanguíneos, pulmão e coração. É uma doença rara, que incide mais frequentemente em mulheres jovens, ou seja, na fase reprodutiva, numa proporção de nove a dez mulheres para um homem, e com prevalência que varia de 14 a 50/100.000 habitantes.8Siegel M, Lee SL. The epidemiology of systemic lupus erythematosus. Semin Arthritis Rheum. 1973;3:1-54.

Hopkinson ND, Doherty M, Powell RJ. The prevalence and incidence of systemic lupus erythematosus in Nottingham UK, 1989-1990. Br J Rheumatol. 1993;32:110-5.

10 Fessel WJ. Systemic lupus erythematosus in the community: incidence, prevalence, outcome, and first symptoms; the high prevalence in black women. Arch Intern Med. 1974;134:1027-35.

11 McCarty DJ, Manzi S, Medsger TA Jr, Ramsey-Goldman R, LaPorte RE, Kwoh CK. Incidence of systemic lupus erythematosus. Race and gender differences. Arthritis Rheum. 1995;38:1260-70.
-1212 Hochberg MC. The incidence of systemic erythematosus lupus in Baltimore, Maryland, 1970-1977. Arthritis Rheum. 1985;28:80-6.

O LES causa morbidade e mortalidade significativa devido à atividade inflamatória da doença, a processos infecciosos secundários à imunossupressão induzida pela doença e por seu tratamento, além de complicações cardiovasculares.1313 Johnson AE, Cavalcanti FS, Gordon C, Nived O, Palmer RG, Sturfelt G, et al. Cross sectional analysis of patients with systemic lupus erythematosus in England, Brazil, and Sweden. Lupus. 1994;3:501-6.

A avaliação da doença pode ser feita por meio de observação clínica, exames de laboratório e de imagem dos órgãos envolvidos, provas de atividade inflamatória, provas relacionadas à autoimunidade, questionários específicos de avaliação da atividade da doença, como, por exemplo, o Índice de Atividade do Lúpus Eritematoso Sistêmico (Sledai),1414 Bombardier C, Gladman DD, Urowitz MB, Caron D, Chang CH. The Committee on Prognosis Studies in SLE. Derivation of the Sledai. A disease activity index for lupus patients. Arthritis Rheum. 1992;35:630-40. e questionários genéricos para avaliar a qualidade de vida.1515 McElhone K, Abbott J. The L-S. A review of health related quality of life in systemic lupus erythematosus. Lupus. 2006;15:633-43.

A associação da FM e do LES tem sido investigada por vários autores, com resultados conflitantes em relação ao impacto de uma condição na outra.1616 Wolfe F, Petri M, Alarcón GS, Goldman J, Chakravarty EF, Katz RS, et al. Fibromyalgia. Systemic lupus erythematosus (SLE) and evaluation of SLE activity. J Rheumatol. 2009;36:82-8.

17 Middleton GD, McFarlin JE, Lipsky PE. The prevalence and clinical impact of fibromyalgia in systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1994;37:1181-8.

18 Gladman DD, Urowitz MB, Gough J, MacKinnon A. Fibromyalgia is a major contributor to quality of life in lupus. J Rheumatol. 1997;24:2145-8.

19 Akkasilpa S, Goldman D, Magder LS, Petri M. Number of fibromyalgia tender points is associated with health status in patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2005;32:48-50.

20 Handa R, Aggarwal P, Wali JP, Wig N, Dwivedi SN. Fibromyalgia in Indian patients with SLE. Lupus. 1998;7:475-8.

21 Valencia-Flores M, Cardiel MH, Santiago V,Resendiz M, Castaüo VA, Negrete O, et al. Prevalence and factors associated with fibromyalgia in Mexican patients with systemic lupus erythematosus. Lupus. 2004;13:4-10.
-2222 Friedman AW, Tewi MB, Ahn C, McGwin G Jr, Fessler BJ, Bastian HM, et al. Systemic lupus erythematosus in three ethnic groups: XV prevalence and correlates of fibromyalgia. Lupus. 2003;12:274-9. A prevalência da associação da concomitância entre as duas doenças encontra-se em torno de 20%.1616 Wolfe F, Petri M, Alarcón GS, Goldman J, Chakravarty EF, Katz RS, et al. Fibromyalgia. Systemic lupus erythematosus (SLE) and evaluation of SLE activity. J Rheumatol. 2009;36:82-8. Assim, a presença de FM em pacientes com LES é muito maior do que na população geral. Nenhum estudo sobre essa associação foi feito na população brasileira. A se levar em conta a natureza pessoal e cultural do impacto das doenças crônicas na qualidade de vida, entendemos que conhecer a natureza dessa associação em uma amostra brasileira pode contribuir para essa discussão. Os objetivos desse estudo são: determinar a presença de FM em uma amostra de pacientes com LES atendidos no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS) e o impacto da FM na atividade clínica do LES e na qualidade de vida desses pacientes, bem como do LES na FM.

Material e métodos

Trata-se de um estudo descritivo e transversal que envolveu os pacientes do ambulatório de reumatologia do Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS). Incluíram-se pacientes do sexo feminino que preencheram os critérios de classificação para LES e/ou de FM do Colégio Americano de Reumatologia (ACR).2323 Tan EM, Cohen AS, Fries JF, Masi AT, McShane DJ, Rothfield NF, et al. The 1982 revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1982;25:1271-7.,2424 Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennet RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.

As pacientes foram avaliadas por reumatologista que verificou o preenchimento dos critérios. A amostra total foi dividida em três grupos: FM/LES (pacientes com associação LES e FM), LES (somente pacientes com LES) e FM (somente pacientes com FM).

Os dados foram obtidos nos prontuários das pacientes e por meio de entrevistas feitas para a aplicação dos questionários, uma vez que os prontuários dos pacientes com LES não apresentavam os instrumentos específicos para FM e os dos pacientes com FM não apresentavam os específicos para LES. Além desses, os seguintes dados foram obtidos por meio da aplicação de questionários: duração das doenças, atividade clínica e gravidade das doenças, além do impacto na qualidade de vida das pacientes. Os instrumentos usados nesta avaliação estão descritos abaixo.

O número de pacientes em cada grupo foi determinado pelo número de pacientes com associação LES e FM no ambulatório do CHS. Vinte pacientes foram selecionadas em cada grupo. Durante o estudo, foram excluídas pacientes que abandonaram o acompanhamento com o reumatologista por motivos desconhecidos; pacientes cujos prontuários encontravam-se com dados incompletos e pacientes cujo questionário não foi completamente respondido. Não houve recusa por parte de nenhuma paciente para responder ao questionário. Embora o número de sujeitos da pesquisa possa ser considerado pequeno, o desenho do estudo visou a mostrar a realidade de um serviço específico e, portanto, usou-se um n compatível com o tamanho do ambulatório onde o trabalho foi feito. Apesar das exclusões, chegamos a um número de 20 para cada grupo.

Avaliou-se o impacto do LES na FM com o uso do FIQ,2525 Marques AP, Santos AMB, Assumpcão A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CAB. Validacão da versão brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol. 2006;46:24-31. que se mostrou válido e confiável para medir a capacidade funcional e o estado de saúde dessas pacientes. Constitui-se de questões que avaliam a dificuldade que a FM impõe nas atividades do dia a dia, o impacto ocupacional e a intensidade das principais características da síndrome. Seu escore total varia de 0 a 100, sendo 0 o menor impacto e 100 o pior. Sendo o FIQ um instrumento específico, ele só deve ser usado nos grupos com pacientes que preenchem os critérios de classificação para FM, e não no grupo com LES isoladamente.

Por meio do Sledai1616 Wolfe F, Petri M, Alarcón GS, Goldman J, Chakravarty EF, Katz RS, et al. Fibromyalgia. Systemic lupus erythematosus (SLE) and evaluation of SLE activity. J Rheumatol. 2009;36:82-8. avaliou-se o índice de atividade do LES e o impacto que a FM pode ter sobre essa condição com parâmetros clínicos presentes no LES. O Sledai é uma escala que avalia 24 variáveis associadas à atividade do LES e agrupadas em nove sistemas, em que a presença de cada comprometimento recebe pesos diferentes. Assim, peso 8 para lesões do sistema nervoso central e lesões vasculares; peso 4 para afecções renais, musculoesqueléticas e osteoarticulares; peso 2 para pele, serosas e alterações imunológicas e peso 1 para os sintomas constitucionais e hematológicos. Os escores foram obtidos nos prontuários no dia em que o questionário foi aplicado. Sendo o Sledai um instrumento específico, ele só deve ser usado nos grupos com pacientes que preenchem os critérios de classificação para LES, e não no grupo com FM isoladamente.

Por meio do índice de gravidade dos sintomas (IGS)2626 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia and Measurement of Symptom Severity. Arthritis Care & Research. 2010;62:600-10. verificou-se a gravidade dos principais sintomas nas pacientes com FM, excetuando-se a dor. Esse questionário varia de 0 a 12, sendo 0 a menor intensidade dos sintomas e 12 a maior.

O índice de dor generalizada (IDG)2626 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia and Measurement of Symptom Severity. Arthritis Care & Research. 2010;62:600-10. foi usado para avaliar a extensão da dor. O IDG mostra o número de áreas do corpo que apresentam dor. Varia de 0 a 19.

Tanto o IDG quanto o IGS são índices que compõem os Critérios Preliminares de Diagnóstico para Fibromialgia de 2010.2626 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia and Measurement of Symptom Severity. Arthritis Care & Research. 2010;62:600-10. Sendo os IDG e IGS instrumentos específicos, eles só devem ser usados nos grupos com pacientes que preenchem os critérios de classificação para FM, e não no grupo com LES isoladamente.

O SF-362727 Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W,Meinão I, Quaresma MR. Traducão para língua portuguesa e validacão do questionário genérico de avaliacão de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50. é um questionário genérico de avaliação de qualidade de vida composto por oito domínios: capacidade funcional, limitações físicas, estado geral de saúde, vitalidade, saúde mental, aspectos sociais e emocionais. Cada escala apresenta um escore que varia de 0-100, em que 0 corresponde à pior qualidade de vida possível e 100 à melhor.

Para a análise dos resultados foram aplicados os seguintes testes: de Mann-Whitney, com o objetivo de comparar os grupos FM e FM/LES em relação aos valores do FIQ e IGS, análise de variância de Kruskal-Wallis, com a finalidade de comparar os grupos LES, FM e FM/LES, em relação aos valores de EVA, IDG e os oito domínios do SF-36, do qui-quadrado, com o objetivo de comparar os grupos LES, FM e FM/LES em relação às porcentagens de presença de HAS, DM e doenças osteoarticulares.

Resultados

Sessenta pacientes com FM, LES e FM associado ao LES foram pesquisados de setembro de 2011 até agosto de 2012 e distribuídos igualmente em três grupos, a saber, FM, LES e FM/FM. A prevalência de pacientes com FM entre os pacientes com LES acompanhados no CHS foi de 12%. A idade média das pacientes entrevistadas foi 44 anos para o grupo de FM, 40 para LES e 43,5 para FM/LES.

Do mesmo modo, a presença de comorbidades diabetes mellitus (DM) e hipertensão arterial sistêmica (HAS) não apresentou diferença significante. As variáveis diagnóstico de depressão prévia ao estudo e outras doenças osteoarticulares (DOA) se mostraram mais presentes nos grupos que apresentam FM (tabela 1). Em relação às DOA, as pacientes com FM referiam dor miofascial (cinco), lombalgia (quatro) e tendinopatia (seis). As pacientes com LES referiram tendinopatia (sete) e lombalgia (quatro). Já os pacientes do grupo FM/LES citaram artrite (um), tendinopatia (sete) e lombalgia (10).

Tabela 1
Dados clínicos das pacientes avaliadas

A tabela 2 mostra as variáveis clínicas e o impacto na qualidade de vida. A comparação do impacto da fibromialgia pelo FIQ não apontou significância estatística na diferença entre os grupos FM e FM/LES e indicou que o LES não interferiu no impacto causado pela FM isoladamente. Embora não tenha sido observado nível de significância (p = 0,0881), observa-se uma tendência de que, nessa amostra, os pacientes com FM associada ao LES apresentem um menor impacto na qualidade de vida do que aqueles com FM isoladamente.

Tabela 2
Dados de atividade clínica e de impacto na qualidade de vida

Considerando-se que os pacientes foram estudados no setor terciário da assistência à saúde, no caso dos pacientes com fibromialgia, espera-se uma participação importante das questões emocionais, tais como a depressão. Este estudo não tem como concluir qual é a influência da depressão na qualidade de vida dos dois grupos, uma vez que isso não foi estudado com instrumentos específicos.

Por meio do IDG e do ISS pôde-se observar uma maior intensidade dos sintomas da FM nas pacientes que têm essa síndrome isoladamente em comparação com aquelas da associação com o LES. Esse achado pode explicar a tendência de menor impacto citada acima observada pelo FIQ. A presença da FM em pacientes com LES não influenciou a atividade clínica dessa doença quando avaliada pelo Sledai.

Em relação à qualidade de vida medida pelo SF-36, pode-se observar que os grupos que tinham FM tiveram um impacto físico, social, emocional e mental mais negativo quando comparados com o grupo do LES isolado em todas as suas escalas. Os domínios mais afetados pela fibromialgia foram aspectos físicos, dor e aspectos emocionais. No grupo LES, essa análise não detectou diferenças entre os domínios. Já no grupo FM/LES, as escalas mais alteradas também foram aspectos físicos e aspectos emocionais, portanto semelhantes às do grupo FM, e sugeriram novamente uma forte influência da FM no LES, e não o contrário.

Discussão

O LES é uma doença autoimune que pode afetar diversos órgãos, especialmente pele, sistema musculoesquelético e rim, entre outros.1010 Fessel WJ. Systemic lupus erythematosus in the community: incidence, prevalence, outcome, and first symptoms; the high prevalence in black women. Arch Intern Med. 1974;134:1027-35. A literatura já apontou uma maior prevalência de FM mais em pacientes com LES do que na população geral. A prevalência identificada de FM nos pacientes com LES no presente estudo foi de 12%, discretamente menor do que a encontrado na literatura,1616 Wolfe F, Petri M, Alarcón GS, Goldman J, Chakravarty EF, Katz RS, et al. Fibromyalgia. Systemic lupus erythematosus (SLE) and evaluation of SLE activity. J Rheumatol. 2009;36:82-8.

17 Middleton GD, McFarlin JE, Lipsky PE. The prevalence and clinical impact of fibromyalgia in systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1994;37:1181-8.

18 Gladman DD, Urowitz MB, Gough J, MacKinnon A. Fibromyalgia is a major contributor to quality of life in lupus. J Rheumatol. 1997;24:2145-8.

19 Akkasilpa S, Goldman D, Magder LS, Petri M. Number of fibromyalgia tender points is associated with health status in patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2005;32:48-50.

20 Handa R, Aggarwal P, Wali JP, Wig N, Dwivedi SN. Fibromyalgia in Indian patients with SLE. Lupus. 1998;7:475-8.

21 Valencia-Flores M, Cardiel MH, Santiago V,Resendiz M, Castaüo VA, Negrete O, et al. Prevalence and factors associated with fibromyalgia in Mexican patients with systemic lupus erythematosus. Lupus. 2004;13:4-10.
-2222 Friedman AW, Tewi MB, Ahn C, McGwin G Jr, Fessler BJ, Bastian HM, et al. Systemic lupus erythematosus in three ethnic groups: XV prevalence and correlates of fibromyalgia. Lupus. 2003;12:274-9. que varia entre 17% e 22%.

À avaliação das características da dor e a intensidade dos sintomas por meio dos questionários EVA, IDG e ISS, observaram-se os piores desempenhos nos grupos que apresentam FM isolada ou associada. Assim, a presença de FM tem um impacto negativo importante na qualidade de vida de pacientes com LES. Deve-se ressaltar, porém, que a maior parte dos pacientes do grupo LES deste estudo apresentava-se sem atividade de doença (Sledai zero).

Esses achados estão de acordo com a literatura, visto que estudos demonstraram que a FM, além de ser comum em pacientes com LES, é a principal determinante da frequência e gravidade dos sintomas, além de gerar incapacidade para as atividades diárias.1717 Middleton GD, McFarlin JE, Lipsky PE. The prevalence and clinical impact of fibromyalgia in systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1994;37:1181-8. Portanto, um melhor controle da FM deve se associar com melhoria na qualidade de vida dos pacientes com LES.

Na maioria dos domínios do SF-36, observou-se um pior resultado no grupo com FM isolada. O grupo FM/LES apresentou valores intermediários, o que pode indicar que a FM contribui para a pioria do estado de saúde, sendo esses pacientes mais sintomáticos e disfuncionais do que os que apresentam apenas LES. A fibromialgia provoca um impacto negativo importante na qualidade de vida dos pacientes que se correlaciona fortemente com intensidade da dor, fadiga e decréscimo da capacidade funcional.2828 Segarra TV, Abelló CJ, Oreiro CS, Domínguez MJM. Association between fibromyalgia and psychiatric disorders in systemic lupus erythematosus. Clin Exp Rheumatol. 2001;28:S22-6.,1818 Gladman DD, Urowitz MB, Gough J, MacKinnon A. Fibromyalgia is a major contributor to quality of life in lupus. J Rheumatol. 1997;24:2145-8.,2929 Buskila D, Press J, Abu-Shakra M. Fibromyalgia in systemic lupus erythematosus: prevalence and clinical implications. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2003;25:25-8.

De acordo com um estudo canadense, a presença de FM em pacientes com LES não esteve relacionada com aumento dos parâmetros que compõem o Sledai, entretanto está fortemente correlacionada com os oito domínios do SF-36.2929 Buskila D, Press J, Abu-Shakra M. Fibromyalgia in systemic lupus erythematosus: prevalence and clinical implications. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2003;25:25-8. Dessa maneira, a FM não se relaciona com a atividade da doença no LES, mas pode gerar uma má interpretação de sua atividade devido às características clínicas da FM, além de contribuir para a pioria na qualidade de vida nos pacientes com LES.2929 Buskila D, Press J, Abu-Shakra M. Fibromyalgia in systemic lupus erythematosus: prevalence and clinical implications. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2003;25:25-8.

Apesar de a FM contribuir para a pioria do estado de saúde dos pacientes com LES foi demonstrado na literatura que ela ocasiona pouco ou nenhum impacto sobre a atividade do LES,1919 Akkasilpa S, Goldman D, Magder LS, Petri M. Number of fibromyalgia tender points is associated with health status in patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2005;32:48-50.,2929 Buskila D, Press J, Abu-Shakra M. Fibromyalgia in systemic lupus erythematosus: prevalence and clinical implications. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2003;25:25-8. o que corrobora os achados do nosso estudo, em que não houve mudanças no Sledai dos respectivos grupos (FM, LES e FM/LES).

Em nosso estudo, os pacientes com LES apresentavam-se com quadro clínico estável, portanto os resultados podem não refletir a realidade nas fases agudas do LES.

A amostra de pacientes com FM e LES difere em relação ao encontrado na comunidade. Os pacientes com FM são aqueles refratários ao tratamento habitual, uma vez que são atendidos em nível terciário, enquanto que os pacientes com LES em geral são atendidos no terciário. Portanto, nossa amostra pode não refletir a população geral de fibromiálgicos. Um estudo complementar a este deve propor a avaliação de pacientes atendidos nos setores primário e secundário.

Conclusão

A frequência de FM observada nos pacientes com LES atendidos no CHS é de 12%. As pacientes apresentavam idade média entre 40-44 anos nos três grupos avaliados. A presença de LES não determinou um maior impacto na qualidade de vida dos pacientes com LES/FM quando avaliados pelo FIQ. A FM, por sua vez, também não resultou em maiores índices de atividade do LES, medido por meio do Sledai. Houve maior intensidade dos sintomas no grupo da FM isolada em relação ao da associação. A presença de FM afeta adversamente a qualidade de vida dos pacientes com LES.

Referências

  • 1
    Carville SF, Arendt-Nielsen S, Bliddal H, Blotman F, Branco JC, Buskila D, et al. EULAR - Evidence-based recommendations for the management of fibromyalgia syndrome. Ann Rheum Dis. 2008;67:536-41.
  • 2
    Heymann RE, Paiva ES, Helfenstein MJ, Pollak DF, Martinez JE, Provenza JR, et al. Consenso Brasileiro do Tratamento de Fibromialgia. Rev Bras Reumatol. 2010;50:56-66.
  • 3
    Abeles AM, Pillinger MH, Solitar BM, Abeles M. Narrative review: the pathophysiology of fibromyalgia. Ann Intern Med. 2007;146:726-34.
  • 4
    Senna ER, De Barros AL, Silva EO, Costa IF, Pereira LV, Ciconelli RM, et al. Prevalence of rheumatic diseases in Brazil: a study using the COPCORD approach. J Rheumatol. 2004;31:594-7.
  • 5
    Costa SRR, Pereira Neto MS, Tavares Neto J, Kubiak I, Dourado MS, Araújo AC, et al. Características de pacientes com síndrome da fibromialgia atendidos em um hospital de Salvador BA-Brasil. Rev Bras Reumatol. 2005;45:64-70.
  • 6
    Burckhardt CS, Clark SR, Bennett RM. The fibromyalgia impact questionnaire: development and validation. J Rheumatol. 1991;18:728-33.
  • 7
    Martinez JE, Ferraz MB, Sato EI, Atra E. Fibromyalgia vs rheumatoid arthritis: a longitudinal comparison of quality of life. J Rheumatol. 1995;22:201-4.
  • 8
    Siegel M, Lee SL. The epidemiology of systemic lupus erythematosus. Semin Arthritis Rheum. 1973;3:1-54.
  • 9
    Hopkinson ND, Doherty M, Powell RJ. The prevalence and incidence of systemic lupus erythematosus in Nottingham UK, 1989-1990. Br J Rheumatol. 1993;32:110-5.
  • 10
    Fessel WJ. Systemic lupus erythematosus in the community: incidence, prevalence, outcome, and first symptoms; the high prevalence in black women. Arch Intern Med. 1974;134:1027-35.
  • 11
    McCarty DJ, Manzi S, Medsger TA Jr, Ramsey-Goldman R, LaPorte RE, Kwoh CK. Incidence of systemic lupus erythematosus. Race and gender differences. Arthritis Rheum. 1995;38:1260-70.
  • 12
    Hochberg MC. The incidence of systemic erythematosus lupus in Baltimore, Maryland, 1970-1977. Arthritis Rheum. 1985;28:80-6.
  • 13
    Johnson AE, Cavalcanti FS, Gordon C, Nived O, Palmer RG, Sturfelt G, et al. Cross sectional analysis of patients with systemic lupus erythematosus in England, Brazil, and Sweden. Lupus. 1994;3:501-6.
  • 14
    Bombardier C, Gladman DD, Urowitz MB, Caron D, Chang CH. The Committee on Prognosis Studies in SLE. Derivation of the Sledai. A disease activity index for lupus patients. Arthritis Rheum. 1992;35:630-40.
  • 15
    McElhone K, Abbott J. The L-S. A review of health related quality of life in systemic lupus erythematosus. Lupus. 2006;15:633-43.
  • 16
    Wolfe F, Petri M, Alarcón GS, Goldman J, Chakravarty EF, Katz RS, et al. Fibromyalgia. Systemic lupus erythematosus (SLE) and evaluation of SLE activity. J Rheumatol. 2009;36:82-8.
  • 17
    Middleton GD, McFarlin JE, Lipsky PE. The prevalence and clinical impact of fibromyalgia in systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1994;37:1181-8.
  • 18
    Gladman DD, Urowitz MB, Gough J, MacKinnon A. Fibromyalgia is a major contributor to quality of life in lupus. J Rheumatol. 1997;24:2145-8.
  • 19
    Akkasilpa S, Goldman D, Magder LS, Petri M. Number of fibromyalgia tender points is associated with health status in patients with systemic lupus erythematosus. J Rheumatol. 2005;32:48-50.
  • 20
    Handa R, Aggarwal P, Wali JP, Wig N, Dwivedi SN. Fibromyalgia in Indian patients with SLE. Lupus. 1998;7:475-8.
  • 21
    Valencia-Flores M, Cardiel MH, Santiago V,Resendiz M, Castaüo VA, Negrete O, et al. Prevalence and factors associated with fibromyalgia in Mexican patients with systemic lupus erythematosus. Lupus. 2004;13:4-10.
  • 22
    Friedman AW, Tewi MB, Ahn C, McGwin G Jr, Fessler BJ, Bastian HM, et al. Systemic lupus erythematosus in three ethnic groups: XV prevalence and correlates of fibromyalgia. Lupus. 2003;12:274-9.
  • 23
    Tan EM, Cohen AS, Fries JF, Masi AT, McShane DJ, Rothfield NF, et al. The 1982 revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1982;25:1271-7.
  • 24
    Wolfe F, Smythe HA, Yunus MB, Bennet RM, Bombardier C, Goldenberg DL, et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum. 1990;33:160-72.
  • 25
    Marques AP, Santos AMB, Assumpcão A, Matsutani LA, Lage LV, Pereira CAB. Validacão da versão brasileira do Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol. 2006;46:24-31.
  • 26
    Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia and Measurement of Symptom Severity. Arthritis Care & Research. 2010;62:600-10.
  • 27
    Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W,Meinão I, Quaresma MR. Traducão para língua portuguesa e validacão do questionário genérico de avaliacão de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143-50.
  • 28
    Segarra TV, Abelló CJ, Oreiro CS, Domínguez MJM. Association between fibromyalgia and psychiatric disorders in systemic lupus erythematosus. Clin Exp Rheumatol. 2001;28:S22-6.
  • 29
    Buskila D, Press J, Abu-Shakra M. Fibromyalgia in systemic lupus erythematosus: prevalence and clinical implications. Clinical Reviews in Allergy & Immunology. 2003;25:25-8.
  • Financiamento
    Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para os acadêmicos de medicina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2013
  • Aceito
    26 Ago 2014
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br