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Anormalidades esqueléticas da síndrome tricorrinofalangiana tipo I

Resumo

A síndrome tricorrinofalangiana (STRF) tipo I é uma doença genética rara, relacionada com a mutação no gene TRPS1 do cromossomo 8. É caracterizada por anomalias craniofaciais e distúrbios na formação e maturação da matriz óssea. As características são cabelos ralos e quebradiços, tendência à calvície prematura, nariz bulboso em formato de pera, filtro nasal longo e plano e baixa implantação das orelhas. As alterações esqueléticas mais notáveis são a clinodactilia, as epífises das falanges das mãos em forma de cone, a baixa estatura e as malformações na articulação do quadril. Relata-se o caso de um adolescente diagnosticado com STRF e encaminhado para avaliação reumatológica em decorrência de queixas articulares.

Palavras-chave:
Síndrome tricorrinofalangiana tipo I; Malformações articulares; Síndrome genética

Abstract

The tricho-rhino-phalangeal syndrome (TRPS) type I is a rare genetic disorder related to the TRPS1 gene mutation in chromosome 8, characterized by craniofacial abnormalities and disturbances in formation and maturation of bone matrix. The hallmarks are sparse and brittle hair, tendency to premature baldness, bulbous nose called pear-shaped, long and flat filter and low ear implantation. The most noticeable skeletal changes are clinodactyly, phalangeal epiphyses of the hands appearing as cone-shaped, short stature and hip joint malformations. We report a case of a teenager boy diagnosed with TRPS and referred for rheumatologic evaluation due to joint complaints.

Keywords:
Tricho-rhino-phalangeal syndrome type I; Joint malformations; Genetic syndrome

Introdução

Descrita pela primeira vez por Giedion, a síndrome tricorrinofalangiana (STRF) tipo I é uma doença rara causada pela haploinsuficiência do gene TRPS1, que está localizado no cromossomo 8.11 Giedion A. Das tricho-rhino-phalangeal syndrom. Helv Paediatr Acta. 1966;21:475-82. Esse gene está relacionado com a decodificação de fatores de transcrição envolvidos na regulação da mineralização óssea do pericôndrio e na proliferação e apoptose dos condrócitos. A STRF é classificada em três subtipos: os tipos I e III têm manifestações clínicas distintas de acordo com a mutação no TRPS1 e diferem clinicamente pelo grau de malformações.22 Ludecke HJ, Schaper J, Meinecke P, Momeni P, Grop S, Von Hultum D, et al. Genotypic and phenotypic spectrum in tricho-rhino-phalangeal syndrome types I and III. Am J Hum Genet. 2001;68:81-91. O tipo II tem como característica a associação de atraso intelectual e exostoses ósseas.33 Langer LO Jr, Krassikoff N, Laxova R, Scheer-Williams M, Lutter LD, Gorlin RJ, et al. The tricho-rhinophalangeal syndrome with exostoses (or Langer-Giedion syndrome): four additional patients without mental retardation and review of the literature. Am J Med Genet. 1984;19:81-111. Na maior parte dos casos, a síndrome é autossômica dominante e caracterizada por baixa estatura, cabelos finos e alopecia, nariz em forma de pera, malformações craniofaciais e esqueléticas e deformidade nas articulações das falanges. Embora a síndrome seja rara, os indivíduos podem chegar ao reumatologista em diferentes idades e trazer diagnósticos diferenciais que incluem a artrite idiopática juvenil e a doença de Legg-Calvé-Perthes. Além das alterações nas mãos e nos pés, a degeneração da articulação do quadril pode ser uma consequência grave, em razão do potencial comprometimento funcional precoce. Essa doença genética apresenta um amplo espectro clínico, exerce um importante impacto sobre o paciente e seus parentes e exige uma abordagem multidisciplinar.

Relato de caso

Um jovem do sexo masculino de 17 anos foi avaliado com queixas de dor crônica nos quadris e nas articulações interfalângicas das mãos. Nos últimos sete meses fora observada também dor nas articulações do quadril durante as atividades desportivas, o que levou o paciente à avaliação do sistema musculoesquelético. Não foram observados rigidez matinal nem sinais inflamatórios significativos. Não houve relato de febre nem perda de peso. Havia cinco anos sua mãe observou deformidade simétrica nas articulações interfalângicas proximais das mãos, caracterizada por edema local e dor mecânica insidiosa. Em 2009, durante a investigação da baixa estatura, o paciente foi diagnosticado com síndrome tricorrinofalangiana tipo I por meio de um estudo genético. O desenvolvimento cognitivo era normal. O exame físico mostrava rosto triangular com nariz alongado (formato de pera), presença de sulco nasogeniano mediano e afunilamento dos lábios, cabelos finos e queixo proeminente, ressalto das articulações interfalângicas das mãos, sem presença de rubor nem calor local (fig. 1). Não havia dor à manipulação nem limitação ao movimento nos membros superiores. Observou-se joelho varo discreto e dor com limitação dos movimentos em articulações do quadris. Os exames laboratoriais eram essencialmente normais: VHS de 2 mm/hora, PCR < 6 mg/L (valor de referência < 8 mg/L), anticorpos antinucleares e fator reumatoide negativos, creatinina e hemograma também normais. A radiografia das mãos mostrou dimorfismo ósseo na falange distal do polegar e na falange média dos outros dedos, caracterizado pelo encurtamento e alargamento da metáfise proximal e epífise proximal de forma triangular (fig. 2). A radiografia das articulações do quadril mostrou coxa plana e leve esclerose subcondral no acetábulo femoral direito, com preservação do espaço articular. A ressonância magnética (RMN) descartou necrose asséptica do quadril e mostrou achatamento dos colos femorais e hipertrofia do lábio glenoidal. A avaliação da densidade mineral óssea (DMO) e da composição corporal pela absorciometria de duplo feixe de raios-X (DXA) (Hologic Discovery W) mostrou diminuição da DMO na coluna lombar (Z-score de -2,3) e valor limítrofe de conteúdo mineral ósseo (Z-score de -2). O paciente e sua família receberam apoio sobre o diagnóstico e recomendações para a preservação das estruturas articulares.

Figura 1
Jovem de 17 anos com síndrome tricorrinofalangiana apresenta cabelo fino, filtro nasal longo e ponta do nariz bulbosa (a) e mão que mostra articulações interfalângicas proximais alargadas (b).
Figura 2
Radiografia de mãos e punhos que mostra encurtamento e alargamento da metáfise proximal e epífise proximal de formato triangular.

Discussão

O TRPS1 codifica um fator de transcrição para uma proteína zinco no lócus 8q24. Na maior parte dos casos, o padrão autossômico dominante completamente penetrante expresso indica uma haploinsuficiência como a causa para a condição. A síndrome tricorrinofalangiana tipo I é caracterizada por um nariz de ponta bulbosa, cabelo escasso e de crescimento lento e epífises dos ossos longos da mão em forma de cone.44 Burgess RC. Trichorhinophalangeal syndrome. South Med J. 1991;84:1268-70.,55 Vaccaro M, Guarneri C, Blandino A. Trichorhinophalangeal syndrome. J Am Acad Dermatol. 2005;53:858-60. O tipo II se distingue pela presença de deficiências mentais concomitantes e exostoses ósseas e o tipo III pela simultânea baixa estatura grave e pelo encurtamento dos metacarpais e das falanges.44 Burgess RC. Trichorhinophalangeal syndrome. South Med J. 1991;84:1268-70.66 Sayed CJ, Matheis P, Morrell DS. Hypotrichosis, bulbous nose, and cone-shaped epiphyses in an 8-year-old girl. Pediatr Dermatol. 2008;25:557-8. Acredita-se que os tipos I e III sejam parte de um espectro comum decorrente de mutações no gene TRPS1 e que são diferenciados pelo grau de deformidade esquelética fenotípica. As deleções que abrangem o TRPS1 e o gene adjacente distal EXT são encontrados na STRF tipo II. Acredita-se que as alterações no gene EXT sejam responsáveis pelas deficiências mentais e exostoses características desse tipo. A clinodactilia descreve uma curva ou curvatura do quinto dedo na direção do quarto dedo e pode ser uma anomalia isolada ou ocorrer em associação com síndromes genéticas, como a STRF. Deformidades como mãos irregularmente curtas e atarracadas são frequentes. Pode ocorrer envolvimento semelhante dos pés, mas em grau menor. Como neste caso, podem ser encontradas deformidades nos quadris e na pelve, como coxa plana, coxa magna ou achados que se assemelham à doença de Legg-Calvé-Perthes.

A história e o exame físico podem sugerir o diagnóstico, especialmente por causa da aparência craniofacial e das mãos nos casos típicos. As radiografias das mãos, da pelve e do quadril podem ser úteis. Embora a epífise em forma de cone na base da falange seja típica, pode ser encontrada em outras displasias esqueléticas e em quase 5% das crianças e dos adolescentes saudáveis. Pode-se fazer a análise dos genes TRP e EXT no lócus 8q24 para identificar a mutação responsável.66 Sayed CJ, Matheis P, Morrell DS. Hypotrichosis, bulbous nose, and cone-shaped epiphyses in an 8-year-old girl. Pediatr Dermatol. 2008;25:557-8. No paciente descrito neste estudo, não há relatos de parentes com condição semelhante e, provavelmente, uma mutação esporádica foi a responsável, como relatado por Booth em 1981.77 Booth CW, Maurer WF, Kaye C. De novo 9:11 translocation in a sporadic case of trichorhinophalangeal (I) syndrome. Pediatric Research. 1981;15:559. Há relatos de anormalidades cardíacas e neurológicas,88 Rué M, Ludecke HJ, Sibon I, Richez C, Taine L, Fouber-Samier A, et al. Rheumatologic and neurological events in an elderly patient with tricho-rhino-phalangeal syndrome type I. Eur J Med Genet. 2011;54:e405-8. mas nenhuma dessas foi encontrada em nosso paciente. Não foi descrita associação com a doença autoimune e os exames laboratoriais imunológicos são essencialmente normais.

Também são descritas maturação esquelética tardia e degeneração precoce dos quadris. Este relato de caso confirma as principais características da síndrome e acrescenta informações sobre o exame de ressonância magnética e a composição corporal por DXA. Ambos os métodos diagnósticos são ferramentas úteis na avaliação das características fenotípicas e trazem mais informações sobre as consequências articulares e os distúrbios de crescimento. A contribuição da ressonância magnética reside na possibilidade de avaliação precoce do estado das cartilagens articulares e possibilita a exclusão de outras doenças ou complicações, como a necrose asséptica do quadril.

A baixa densidade mineral óssea pode ser outra complicação em indivíduos jovens com síndrome tricorrinofalangiana. Uma avaliação apropriada da situação óssea na juventude compreende a combinação de densidade mineral da coluna lombar e conteúdo mineral ósseo por DXA. Nesse caso, em face aos resultados, podem ser implementadas estratégias para minimizar a evolução desfavorável. A maturação óssea tardia também pode ser acompanhada pelo DXA. É importante lembrar que o corpo total e a coluna lombar são os locais a serem avaliados em indivíduos com menos de 20 anos.

Uma das características da síndrome é a ampla variedade de suas manifestações clínicas, que vão de uma simples alteração nas falanges à baixa densidade mineral óssea, com alto risco de fraturas por fragilidade. Além dos cuidados musculoesqueléticos, os pacientes com síndrome tricorrinofalangiana devem ser acompanhados para determinar o desenvolvimento de distúrbios endócrinos, como o hipotireoidismo, a deficiência de hormônio de crescimento e a hipoglicemia idiopática.55 Vaccaro M, Guarneri C, Blandino A. Trichorhinophalangeal syndrome. J Am Acad Dermatol. 2005;53:858-60.

Estudos experimentais têm possibilitado avaliar o papel específico do TRPS1 no desenvolvimento do rim. Camundongos TRPS1−/− recém-nascidos têm ossos longos encurtados e articulações das falanges com formação incompleta. Isso pode revelar que o TRPS1 atua na via de sinalização Bmp7/p38 MAPK/TRPS1, responsável por mediar a indução da transição mesenquimal para epitelial, que leva à formação de túbulos e glomérulos e é essencial para o desenvolvimento renal normal.99 Sun Y,Gui T, Shimokado A, Muragaki Y.The role of tricho-rhino-phalangeal syndrome (TRPS) 1 in apoptosis during embryonic development and tumor progression. Cells. 2013;2:496-505.

Que se tenha conhecimento, este é o segundo caso que está sendo descrito no Brasil e acrescenta informações sobre o possível uso de exames de imagem da arquitetura óssea e cartilaginosa e da análise da composição corporal.1010 Carvalho JF. Tricho-rhino-phalangeal syndrome: first Brazilian case. Acta Reumatol Port. 2009;34:125-7. Além disso, para os reumatologistas, é muito importante reconhecer a síndrome, primeiro por causa do tratamento em longo prazo das queixas articulares e segundo lugar porque essa síndrome pode assemelhar-se à artrite idiopática juvenil, à doença de Legg-Calvé-Perthes ou a displasias esqueléticas. O valor da avaliação precoce também reside na prestação de apoio adequado e aconselhamento ao paciente e seus parentes para o planejamento familiar.

Referências

  • 1
    Giedion A. Das tricho-rhino-phalangeal syndrom. Helv Paediatr Acta. 1966;21:475-82.
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    Langer LO Jr, Krassikoff N, Laxova R, Scheer-Williams M, Lutter LD, Gorlin RJ, et al. The tricho-rhinophalangeal syndrome with exostoses (or Langer-Giedion syndrome): four additional patients without mental retardation and review of the literature. Am J Med Genet. 1984;19:81-111.
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  • 8
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  • 10
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2014
  • Aceito
    26 Ago 2014
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