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Alterações eletrocardiográficas em dermatomiosite e polimiosite

RESUMO

Introdução:

Acometimento cardíaco nas miopatias inflamatórias é frequente. Eletrocardiograma (ECG) pode mostrar indícios desse acometimento e suas alterações devem ser bem conhecidas e descritas.

Objetivos:

Devido à escassez de trabalhos na literatura, analisamos as alterações de ECG em pacientes com dermatomiosite (DM) e polimiosite (PM) e as comparamos com um grupo controle.

Métodos:

Este estudo transversal comparou ECGs de 86 indivíduos sem doenças reumatológicas (controles) com 112 pacientes (78 DM e 34 PM), de 2010 a 2013. Também comparamos os ECGs entre DM e PM.

Resultados:

Características demográficas, comorbidades e alterações de ECG foram semelhantes entre controles e pacientes (p > 0,05), exceto pela maior frequência de sobrecarga de ventrículo esquerdo (SVE) nos pacientes (10,7% vs. 1,2%; p = 0,008). Características demográficas, comorbidades, manifestações clínicas e laboratoriais também foram semelhantes entre os grupos PM e DM, exceto por lesões cutâneas apenas em pacientes com DM. Um terço dos pacientes apresentou alterações de ECG, que foram mais prevalentes em PM do que em DM (50% vs. 24,4%, p = 0,008). Sobrecarga de câmaras esquerdas (SCE), distúrbios do ritmo e da condução foram mais encontrados em PM do que em DM (p < 0,05 para todos), sobretudo o bloqueio divisional do ramo anterossuperior.

Conclusões:

Encontramos alterações distintas de ECG entre PM e DM e frequência aumentada de SVE em pacientes quando comparados com controles. Investigação do acometimento cardíaco nessas doenças deve ser considerada mesmo em pacientes assintomáticos, especialmente em se tratando de PM. Mais estudos são necessários para correlacionar os achados de ECG com outros exames complementares, manifestações clínicas, atividade das miopatias e evolução para outras doenças cardíacas.

Palavras-chave:
Coração; Dermatomiosite; Eletrocardiograma; Miopatias inflamatórias idiopáticas; Polimiosite

ABSTRACT

Introduction:

Cardiac involvement is frequent in inflammatory myopathies. Electrocardiogram (ECG) may show evidence of this involvement and its changes should be well-known and described.

Objectives:

Due to the lack of studies in the literature, we conducted an analysis of the ECG findings in patients with dermatomyositis (DM) and polymyositis (PM), comparing them with a control group.

Methods:

This cross-sectional study compared the ECG of 86 individuals with no rheumatic disorders (controls) with 112 patients (78 DM and 34 PM), during 2010 to 2013. The ECG findings between DM and PM were also compared.

Results:

Demographic characteristics, comorbidities and ECG abnormalities were similar between controls and patients (p > 0.05), except for a higher frequency of left ventricular hypertrophy (LVH) in patients (10.7% vs. 1.2%, p = 0.008). Demographic characteristics, comorbidities, clinical and laboratory manifestations, were also similar between the groups PM and DM, except for the presence of cutaneous lesions only in DM. One third of the patients had ECG abnormalities, which were more prevalent in PM than DM (50% vs. 24.4%, p = 0.008). LVH, left atrial enlargement, rhythm and conduction abnormalities were more frequent in PM than DM (p < 0.05 for all), especially the left anterior fascicular block.

Conclusions:

We showed distinct ECG changes between DM and PM and a higher frequency of LVH in patients compared to controls. Investigation of cardiac involvement should be considered even in asymptomatic patients, especially PM. Further studies are necessary in order to determine the correlation of ECG findings with other complementary tests, clinical manifestations, disease activity and progression to other cardiac diseases.

Keywords:
Heart; Dermatomyositis; Electrocardiogram; Idiopathic inflammatory myositis; Polymyositis

Introdução

Dermatomiosite (DM) e polimiosite (PM) são miopatias inflamatórias imunomediadas caracterizadas pela presença de fraqueza muscular proximal progressiva dos membros. Na DM, ainda ocorrem alterações cutâneas típicas, como heliótropo e/ou sinal de Gottron. Além disso, manifestações extramusculares, como envolvimentos articular, cardiopulmonar e do trato gastrintestinal, também podem estar presentes nessas doenças.1Dalakas MC, Hohlfeld R. Polymyositis and dermatomyositis. Lancet. 2003;362:971-82.,2Dalakas MC. Polymyositis, dermatomyositis, and inclusion-body myositis. N Engl J Med. 1991;325:1487-8.

Particularmente o acometimento cardíaco em miopatias inflamatórias idiopáticas pode ocorrer em 9%-72% dos casos, dependendo do método diagnóstico usado e da seleção dos pacientes.3Gottdiener JS, Sherber HS, Hawley RJ, Engel WK. Cardiac manifestations in polymyositis. Am J Cardiol. 1978;41:1141-9.-6Lundberg IE. The heart in dermatomyositis and polymyositis. Rheumatology (Oxford). 2006;45 Suppl 4:iv:18-21.

Entre os pacientes com envolvimento cardíaco, as manifestações clínicas são infrequentes e quando presentes estão relacionadas, principalmente, à insuficiência cardíaca congestiva.6Lundberg IE. The heart in dermatomyositis and polymyositis. Rheumatology (Oxford). 2006;45 Suppl 4:iv:18-21.,7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57. Em contrapartida, a imensa maioria dos pacientes é assintomática e caracterizada especialmente por alterações no sistema de condução, hipertrofia e dilatação de câmaras cardíacas e disfunção diastólica do ventrículo esquerdo.4Gonzalez-Lopez L, Gamez-Nava JI, Sanchez L, Rosas E, Suarez-Almazor M, Cardona-Muñoz C, et al. Cardiac manifestations in dermato-polymyositis. Clin Exp Rheumatol. 1996;14:373-9.,5Zhang L, Wang GC, Ma L, Zu N. Cardiac involvement in adult polymyositis or dermatomyositis: a systematic review. Clin Cardiol. 2012;35:686-91.

Até o presente momento, há escassez de trabalhos na literatura que avaliam especificamente alterações de eletrocardiograma (ECG) em miopatias inflamatórias idiopáticas.3Gottdiener JS, Sherber HS, Hawley RJ, Engel WK. Cardiac manifestations in polymyositis. Am J Cardiol. 1978;41:1141-9.-5Zhang L, Wang GC, Ma L, Zu N. Cardiac involvement in adult polymyositis or dermatomyositis: a systematic review. Clin Cardiol. 2012;35:686-91.,7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.-13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8. Quando existem, limitam-se basicamente a descrições vagas e breves de achados eletrocardiográficos nessa população.7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.,9Van Gelder H, Charles-Schoeman C. The heart in inflammatory myopathies. Rheum Dis Clin North Am. 2014;40:1-10.,10Sharratt GP, Danta G, Carson PH. Cardiac abnormality in polymyositis. Ann Rheum Dis. 1977;36:575-8.,12Denbow CE, Lie JT, Tancredi RG, Bunch TW. Cardiac involvement in polymyositis: a clinicopathologic study of 20 autopsied patients. Arthritis Rheum. 1979;22:1088-92.,13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8. Além disso, nenhum desses trabalhos7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.,9Van Gelder H, Charles-Schoeman C. The heart in inflammatory myopathies. Rheum Dis Clin North Am. 2014;40:1-10.,10Sharratt GP, Danta G, Carson PH. Cardiac abnormality in polymyositis. Ann Rheum Dis. 1977;36:575-8.,12Denbow CE, Lie JT, Tancredi RG, Bunch TW. Cardiac involvement in polymyositis: a clinicopathologic study of 20 autopsied patients. Arthritis Rheum. 1979;22:1088-92.,13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8. apresentava um grupo controle, nem analisou sistemática e comparativamente as possíveis alterações eletrocardiográficas encontradas em pacientes com DM e PM, o que nos motivou a fazer este estudo.

Materiais e métodos

O presente estudo é transversal e unicêntrico. Foram avaliados 112 pacientes consecutivos com DM e PM, segundo os critérios de Bohan e Peter,14Bohan A, Peter JB. Polymyositis and dermatomyositis (first of two parts). N Engl J Med. 1975;292:344-7.,15Bohan A, Peter JB. Polymyositis and dermatomyositis (second of two parts). N Engl J Med. 1975;292:403-7. entre 2010 e 2013, em acompanhamento no nosso serviço. Não foram incluídos os pacientes com DM amiopática, miopatias inflamatórias associadas a outras colagenoses, neoplasias ou miopatias de outras causas. Como grupo controle, foram selecionados 86 indivíduos ambulatoriais, sem história de doenças reumáticas. Todos os participantes do presente estudo apresentavam idade ≥ 18 anos, não faziam uso de drogas antiarritmogênicas nem apresentavam história de angina, palpitações, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, valvopatias e/ou hipertireoidismo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local [HC 0039/10].

Os dados clínicos e laboratoriais dos pacientes com DM e PM foram obtidos a partir de uma revisão sistemática do prontuário eletrônico com dados previamente parametrizados e padronizados, incluindo aqueles de interesse para o presente estudo. Os parâmetros analisados foram: tempo de doença e média de idade na ocasião da feitura de ECG; sexo; manifestações clínicas (sintomas constitucionais, disfagia, acometimento articular [artrite e/ou artralgia]); acometimento pulmonar (confirmado por tomografia computadorizada: presença de pneumopatia intersticial, lesões em "vidro-fosco" ou de faveolamento); alterações cutâneas (heliótropo, pápulas de Gottron, úlceras, calcinose, vasculite cutânea, "V" do decote, sinal de "xale"); alterações laboratoriais (nível sérico de creatinofosfoquinase [CPK], com valor de referência 24-173 U/L, feito pelo método automatizado cinético; fator antinuclear avaliado por imunofluorescência indireta, com o uso de células Hep-2 como substrato, anticorpo anti-Jo-1 por método de immunoblotting).

Também foram obtidos dados demográficos e de comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, hipotireoidismo e diabetes mellitus) de todos os participantes.

Um ECG de repouso de 12 derivações foi solicitado a todos pacientes para o presente estudo, foram feitos e laudados no Serviço de Eletrocardiologia do mesmo Instituto. O grupo controle foi composto por indivíduos sequenciais que haviam feito ECG no mesmo serviço, em sua maioria para pré-operatório de cirurgias não vasculares/cardíacas. Foram analisadas no estudo as seguintes alterações eletrocardiográficas: distúrbios do ritmo (extrassistolia ventricular, arritmia sinusal, fibrilação atrial, ritmo ectópico atrial, taquicardia supraventricular, bloqueio atrioventricular e extrassistolia supraventricular), sobrecargas de câmaras (ventrículos esquerdo e direito, átrios esquerdo e direito), distúrbios da condução (bloqueio do ramo direito [BRD], bloqueio do ramo esquerdo [BRE], bloqueio divisional do ramo anterossuperior [BDAS]) e alterações difusas da repolarização ventricular (ADRV). As alterações encontradas foram comparadas entre os grupos controle, PM e DM.

Os resultados foram expressos como média ± desvio padrão (SD), mediana [interquatil 25%-75%] ou porcentagem (%). Para a análise estatística, foram usados testes t de Student e de Mann-Whitney, para variáveis contínuas, e testes de qui-quadrado ou de Fisher, para dados categóricos. Esses cálculos foram feitos com o programa de computador STATA versão 7.0 (STATA, CollegeStation, TX, EUA). Valores de p < 0,050 foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

As características gerais dos 112 pacientes (DM e PM) e do grupo controle (n = 86) estão apresentadas na tabela 1. Os dados demográficos e as comorbidades foram similares em ambos os grupos (p > 0,05). Os achados de ECG também foram semelhantes, exceto pela maior frequência de SVE nos pacientes, quando comparados ao grupo controle (10,7% vs. 1,2%; p = 0,008). As alterações de ritmo foram mais frequentes nos pacientes em relação aos controles, porém sem significância estatística (28,6% vs. 8,1%; p = 0,631).

Tabela 1
Dados demográficos, clínicos e comorbidades dos pacientes (dermatomiosite e polimiosite) e do grupo controle

Uma análise adicional que comparou 78 DM e 34 PM é apresentada na tabela 2. Os pacientes com DM e PM foram comparáveis quanto a dados demográficos, clínicos, laboratoriais e quanto a comorbidades, exceto pela presença de lesões cutâneas apenas em pacientes com DM.

Tabela 2
Dados demográficos, clínicos, laboratoriais e comorbidades dos pacientes com dermatomiosite e polimiosite

Um terço dos pacientes apresentava alterações eletrocardiográficas (tabela 3), as quais incluíam alterações do ritmo (extrassistolia ventricular, arritmia sinusal, fibrilação atrial, ritmo ectópico atrial, bloqueio A-V de I grau, taquicardia supraventricular, extrassistolia supraventricular), sobrecarga de câmaras (átrio e ventrículo esquerdos) e distúrbios da condução (BDAS, BRD e BRE) e ADRV. A presença de alterações foi encontrada com maior frequência em pacientes com PM quando comparados com pacientes com DM (50% vs. 24,4%, p = 0,008). Mais de uma alteração de ECG por paciente foi observada apenas em PM e nenhum caso foi relatado em pacientes com DM. Nenhum sujeito do estudo apresentou alterações em câmaras direitas.

Tabela 3
Dados demográficos, clínicos, laboratoriais e comorbidades dos pacientes com dermatomiosite e polimiosite

As frequências de alterações do ritmo e de sobrecarga de câmaras foram maiores em pacientes com PM quando comparados com os com DM (p = 0,007 e p = 0,003; respectivamente). Tanto a SVE quanto a de átrio esquerdo foram predominantes em pacientes com PM (p = 0,007 e p = 0,029, respectivamente) (tabela 3). Fibrilação atrial, extrassistolia supraventricular e bloqueio atrioventricular de primeiro grau foram observados apenas em pacientes com PM e nenhum caso foi relatado em pacientes com DM. Taquicardia supraventricular foi observada em apenas um caso em todo o estudo, em paciente com DM.

Distúrbios de condução também foram mais encontrados em pacientes com PM (p = 0,010), com destaque para o BDAS (p = 0,029). Nenhum paciente apresentou BRD ou BRE no grupo DM em comparação a um caso de cada no grupo PM.

Discussão

No presente estudo, analisamos as alterações eletrocardiográficas (ritmo, sobrecarga de câmaras e condução) de uma grande casuística de pacientes com DM e PM, os quais foram comparados a um grupo controle. Os nossos resultados mostraram que a frequência de alterações de ECG em pacientes com DM e PM foi semelhante à observada no grupo controle, exceto pela maior prevalência de SVE nos pacientes. Uma análise adicional mostrou que as alterações de ECG foram mais encontradas em pacientes com PM, quando comparados aos pacientes com DM, sobretudo pela maior frequência de sobrecarga de câmaras esquerdas, de alterações de ritmo e da presença de BDAS no primeiro grupo.

Até agora, há escassez de trabalhos que avaliam alterações eletrocardiográficas em pacientes com DM e PM e quando presentes se limitam a uma casuística pequena e/ou com ausência de um grupo controle,7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.,9Van Gelder H, Charles-Schoeman C. The heart in inflammatory myopathies. Rheum Dis Clin North Am. 2014;40:1-10.,10Sharratt GP, Danta G, Carson PH. Cardiac abnormality in polymyositis. Ann Rheum Dis. 1977;36:575-8.,12Denbow CE, Lie JT, Tancredi RG, Bunch TW. Cardiac involvement in polymyositis: a clinicopathologic study of 20 autopsied patients. Arthritis Rheum. 1979;22:1088-92.,13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8. diferentemente do presente estudo. As alterações de ECG em miopatias inflamatórias idiopáticas ocorrem em 33%-72%.3Gottdiener JS, Sherber HS, Hawley RJ, Engel WK. Cardiac manifestations in polymyositis. Am J Cardiol. 1978;41:1141-9.-5Zhang L, Wang GC, Ma L, Zu N. Cardiac involvement in adult polymyositis or dermatomyositis: a systematic review. Clin Cardiol. 2012;35:686-91.,7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.-13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8.

Nossos dados mostram que SVE estava presente de forma significativa em pacientes com DM e PM, quando comparados com o grupo controle. Além disso, uma análise adicional mostrou a persistência de sobrecarga de câmaras esquerdas em pacientes com PM, quando comparados aos pacientes com DM. Esse achado poderia ser justificado pela alta prevalência de hipertensão arterial sistêmica, comumente encontrada em pacientes com DM e PM,16de Souza FH, Shinjo SK. The high prevalence of metabolic syndrome in polymyositis. Clin Exp Rheumatol. 2014;32:82-7.,17De Moraes MT, De Souza FH, De Barros TB, Shinjo SK. Analysis of metabolic syndrome in adult dermatomyositis: with a focus on cardiovascular disease. Arthritis Care Res. 2013;65:793-9. embora tenha sido semelhante à prevalência do grupo controle. É necessário, no entanto, avaliar o tempo e o grau de hipertensão arterial sistêmica nesses indivíduos, assim como seu controle pressórico. Ainda pode ter contribuído para a sobrecarga das câmaras esquerdas a própria fisiopatogênese da DM e da PM. Há indícios da presença de infiltrado de células inflamatórias mononucleares no endomísio e nas áreas perivasculares de miocárdio, assim como degeneração de miócitos cardíacos e áreas de fibrose miocárdica.12Denbow CE, Lie JT, Tancredi RG, Bunch TW. Cardiac involvement in polymyositis: a clinicopathologic study of 20 autopsied patients. Arthritis Rheum. 1979;22:1088-92.,13Taylor AJ, Wortham DC, Burge JR, Rogan KM. The heart in polymyositis: a prospective evaluation of 26 patients. Clin Cardiol. 1993;16:802-8.,18Haupt HM, Hutchins GM. The heart and cardiac conduction system in polymyositis–dermatomyositis. Am J Cardiol. 1982;50:998-1006.,19Lightfoot PR, Bharati S, Lev M. Chronic dermatomyositis with intermittent trifascicular block. Chest. 1977;71:413-6. Esse processo inflamatório no miocárdio pode levar a remodelamento, com alteração anatômica e funcional do miocárdio e, em última análise, a uma possível disfunção ventricular esquerda, além de cardiomiopatia restritiva e insuficiência cardíaca. Sendo assim, as alterações de ECG podem ser um achado precoce dessas complicações.

Corroborando nossos dados, Sharratt et al.10Sharratt GP, Danta G, Carson PH. Cardiac abnormality in polymyositis. Ann Rheum Dis. 1977;36:575-8. mostraram que cinco dos 13 pacientes com PM apresentavam alterações cardíacas vistas por exame clínico, ECG e/ou radiografia de tórax. Desses cinco, quatro apresentavam alterações de disfunção ventricular esquerda, vistas por ECG. Já Gonzalez et al.4Gonzalez-Lopez L, Gamez-Nava JI, Sanchez L, Rosas E, Suarez-Almazor M, Cardona-Muñoz C, et al. Cardiac manifestations in dermato-polymyositis. Clin Exp Rheumatol. 1996;14:373-9. observaram, em casuística de 32 pacientes, a presença de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo em 42% dos casos. Schwartz et al.11Schwartz T, Sanner H, Husebye T, Flato B, Sjaastad I. Cardiac dysfunction in juvenile dermatomyositis: a case–control study. Ann Rheum Dis. 2011;70:766-71. compararam 59 portadores de DM juvenil com 59 indivíduos sadios e observaram que somente os pacientes apresentavam disfunção diastólica (ventricular esquerda) subclínica, o que mostra que tal alteração é inerente à doença (DM juvenil).

Em relação às alterações do ritmo e do distúrbio de condução, não houve diferença significativa entre os pacientes e o grupo controle analisados no presente estudo. Entretanto, quando comparados pacientes com DM e portadores de PM, houve maior frequência de distúrbios do ritmo e de condução, sobretudo BDAS, em pacientes com PM. Estudos prévios com ECG e Holter em pacientes com DM e PM mostraram diversas anormalidades nessa população: extrassístoles atriais e ventriculares, taquicardia atrial, taquicardia ventricular, fibrilação atrial, bloqueio de condução atrioventricular, bloqueios de ramo, ondas Q anormais e alterações inespecíficas de segmento ST-T.3Gottdiener JS, Sherber HS, Hawley RJ, Engel WK. Cardiac manifestations in polymyositis. Am J Cardiol. 1978;41:1141-9.,4Gonzalez-Lopez L, Gamez-Nava JI, Sanchez L, Rosas E, Suarez-Almazor M, Cardona-Muñoz C, et al. Cardiac manifestations in dermato-polymyositis. Clin Exp Rheumatol. 1996;14:373-9.,6Lundberg IE. The heart in dermatomyositis and polymyositis. Rheumatology (Oxford). 2006;45 Suppl 4:iv:18-21.,7Plotz PH, Dalakas M, Leff RL, Love LA, Miller FW, Cronin ME. Current concept in the idiopathic inflammatory myopathies: polymyositis, dermatomyositis, and related disorders. Ann Intern Med. 1989;111:143-57.

Em estudos com autópsia, foram encontradas alterações histológicas no sistema de condução com a presença de infiltrado de linfócitos e fibrose de nódulo sinoatrial,18Haupt HM, Hutchins GM. The heart and cardiac conduction system in polymyositis–dermatomyositis. Am J Cardiol. 1982;50:998-1006.,19Lightfoot PR, Bharati S, Lev M. Chronic dermatomyositis with intermittent trifascicular block. Chest. 1977;71:413-6. o que pode justificar a presença dos achados de condução em pacientes com miopatias inflamatórias idiopáticas.

Nosso estudo tem como limitação não apresentar avaliação cardíaca estrutural, nem avaliação quanto à inflamação do miocárdio. No entanto, como o acometimento cardíaco constitui fator de pior prognóstico para os pacientes com miopatias,20Danko K, Ponyi A, Cosntantin T, Borgulya G, Szegedi G. Long-term survival of patients with idiopathic inflammatory myopathies according to clinical features: a longitudinal study of 162 cases. Medicine (Baltimore). 2004;83:35-42. o ECG pode servir como ferramenta não invasiva, barata e prática para avaliação inicial e de rastreamento desse problema. Outro fator limitante é o não estabelecimento de correlação dos achados de ECG particularmente com a atividade da doença (DM/PM). Além disso, devemos considerar que a escassez de diferenças eletrocardiográficas encontradas entre pacientes e controles também pode se dever a viés de seleção, já que o grupo controle foi proveniente do setor de pré-operatório (e clínica médica) com frequência de comorbidades semelhante à dos pacientes e podem apresentar maior frequência de alterações eletrocardiográficas do que indivíduos saudáveis. Entretanto, acreditamos que esse viés não foi expressivo, devido ao fato de que a maioria dos ECG no grupo controle foi feita em pacientes envolvidos em pré-operatórios de cirurgias não cardíacas/vasculares.

Em síntese, observamos maior frequência de SVE em pacientes com miopatias inflamatórias. Além disso, houve distinção de achados de ECG entre os pacientes com DM e PM, com maior prevalência de sobrecarga das câmaras esquerdas e de distúrbio de ritmo e de condução em pacientes com PM, quando comparados com os portadores de DM.

Mais estudos são necessários para determinar a correlação dos achados de ECG com outros exames complementares, manifestações clínicas, atividade das miopatias e evolução para outras doenças cardíacas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    1 Maio 2014
  • Aceito
    17 Ago 2014
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