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Avaliação do risco cardiovascular de pacientes com artrite reumatoide utilizando o índice SCORE

RESUMO

Introdução:

Artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune que determina manifestações sistêmicas e está associada a aumento do risco de evento cardiovascular.

Objetivo:

Analisar o índice SCORE de predição de evento cardiovascular em pacientes do gênero feminino portadores de AR comparados com controles sem a doença.

Métodos:

Estudo de caso-controle com análise de 100 pacientes pareadas por gênero e idade versus 100 pacientes do grupo controle. Para a predição do risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos, usamos os índices SCORE e SCORE modificado (mScore), conforme sugerido pela Eular, no subgrupo com 2 ou mais dos seguintes: duração da doença ≥ 10 anos, positividade para fator reumatoide e/ou anti-CCP e manifestações extra-articulares.

Resultados:

A prevalência das comorbidades analisadas foi similar nas pacientes com AR, em comparação com o grupo controle (p > 0,05). As médias do índice SCORE foram 1,99 (DP: 1,89) e 1,56 (DP: 1,87) nas portadoras de AR e nos controles (p = 0,06), respectivamente. Com o uso do índice mScore, nas pacientes com AR foi encontrada a média de 2,84 (DP: 2,86) versus 1,56 nos controles (DP: 1,87) (p = 0,001). Ao usar o índice SCORE, 11% dos portadores de AR foram classificados como de alto risco; com o índice mScores, 36% obtiveram essa classificação (p < 0,001).

Conclusões:

O índice SCORE é semelhante nos dois grupos, mas com a aplicação do índice mScore identificamos que os pacientes com AR têm maior risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos, com ênfase na importância dos fatores inerentes à doença não mensurados no índice SCORE, mas considerados no índice mScore.

Palavras-chave:
Artrite reumatoide; Eventos vasculares; Risco cardiovascular; Fatores de risco

ABSTRACT

Introduction:

Rheumatoid arthritis is an autoimmune disease that causes systemic involvement and is associated with increased risk of cardiovascular disease.

Objective:

To analyze the prediction index of 10-year risk of a fatal cardiovascular disease event in female RA patients versus controls.

Methods:

Case-control study with analysis of 100 female patients matched for age and gender versus 100 patients in the control group. For the prediction of 10-year risk of a fatal cardiovascular disease event, the SCORE and modified SCORE (mSCORE) risk indexes were used, as suggested by EULAR, in the subgroup with two or more of the following: duration of disease ≥10 years, RF and/or anti-CCP positivity, and extra-articular manifestations.

Results:

The prevalence of analyzed comorbidities was similar in RA patients compared with the control group (p > 0.05). The means of the SCORE risk index in RA patients and in the control group were 1.99 (SD: 1.89) and 1.56 (SD: 1.87) (p = 0.06), respectively. The means of mSCORE index in RA patients and in the control group were 2.84 (SD = 2.86) and 1.56 (SD = 1.87) (p = 0.001), respectively. By using the SCORE risk index, 11% of RA patients were classified as of high risk, and with the use of mSCORE risk index, 36% were at high risk (p< 0.001).

Conclusion:

The SCORE risk index is similar in both groups, but with the application of the mSCORE index, we recognized that RA patients have a higher 10-year risk of a fatal cardiovascular disease event, and this reinforces the importance of factors inherent to the disease not measured in the SCORE risk index, but considered in mSCORE risk index.

Keywords:
Rheumatoid arthritis; Cardiovascular events; Cardiovascular risk; Risk factors

Introdução

A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica autoimune de causa desconhecida caracterizada principalmente pela presença de inflamação sinovial, lesão cartilaginosa e deformidade articular. Determina também manifestações sistêmicas e se associa a inúmeras comorbidades.1McInnes IB, Scheet G. The pathogenesis of rheumatoid arthritis. N Engl J Med. 2011;365:2205-19.

Estudos revelam que a prevalência da AR gira em torno de 0,5 a 1% da população.2Sangha A. Epidemiology of rheumatic diseases. Rheumatology. 2000;39 Suppl. 2:3-12.,3Gabriel SE, Michaud K. Epidemiological studies in incidence, prevalence, mortality, and comorbidity of the rheumatic diseases. Arthritis Res Ther. 2009;11:229 A doença cardiovascular é a principal causa de mortalidade nesses pacientes. Em recente metanálise, os autores verificaram que o risco de mortalidade por causas cardiovasculares (doença isquêmica coronariana e acidentes vasculares cerebrais) é 50% superior em pacientes com AR quando comparados com a população em geral.4Aviña-Zubieta JA, Choi HK, Sadatsafavi M, Etminan M, Esdaile JM, Lacaille D. Risk of cardiovascular mortality in patients with rheumatoid arthritis: a meta-analysis of observational studies. Arthritis Rheum. 2008;59:1690-7. No entanto, está claro que a aterosclerose precoce observada nesse grupo de pacientes não pode ser explicada unicamente pelos fatores de risco cardiovasculares tradicionais. A formação de placas ateroscleróticas pelo processo inflamatório crônico da doença pode ser gerada diretamente (agindo na formação e desestabilização da placa) ou indiretamente pelo enrijecimento aórtico, o que pode levar à hipertrofia do ventrículo esquerdo.5Mäki-Petäjä KM, Booth AD, Hall FC, Wallace SM, Brown J, McEniery CM, et al. Ezetimibe and simvastatin reduce inflammation, disease activity, and aortic stiffness and improve endothelial function in rheumatoid arthritis. J Am Coll Cardiol. 2007;50:852-8.,6Hahn BH, Grossman J, Chen W, McMahon M. The pathogenesis of atherosclerosis in autoimmune rheumatic diseases: roles of inflammation and dyslipidemia. J Autoimmun. 2007;28:69-75.

Na população geral, inúmeros escores de predição de risco cardiovascular têm sido usados, como o escore de Framinghan e o índice Systematic Coronary Risk Evaluation (SCORE) na tentativa de prever riscos, atuar preventivamente e evitar desfechos desfavoráveis. Em pacientes com AR os estudos para uso desses escores são escassos. Segundo as recomendações da European League Against Rheumatism (Eular) devem-se usar os escores SCORE e mScore (SCORE modificado) na predição de risco dessa população em específico.

Este estudo teve como objetivo analisar o índice de predição de risco cardiovascular segundo SCORE e mScore em pacientes com AR comparados a controles sem a doença.

Métodos

Estudo caso-controle feito na clínica Movimento de doenças reumáticas, na Policlínica de Referência da Unisul e no grupo de Atenção Básica à Saúde (ABS), em Palhoça (SC).

Foram analisados os prontuários de pacientes femininas com diagnóstico de AR entre 35 e 70 anos que preencheram os critérios de classificação da doença de 1987.7Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS, et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24. Os indivíduos do grupo controle foram pareados por sexo e idade e eram pacientes não saudáveis, com outras patologias que não AR e oriundos do ambulatório de medicina interna, expostos teoricamente à mesma chance de comorbidades e a fatores de risco cardiovascular. A presença de doenças que aumentem risco cardiovascular ou medicamentos que interferissem nas variáveis analisadas foi investigada, incluindo uso de drogas hipolipemiantes, anti-hipertensivos e drogas para diabetes mellitus. A inclusão dos pacientes com AR e do grupo controle obedeceu ao critério de amostra probabilística randômica simples nos dois braços. A coleta dos dados observou uma padronização rigorosa para a correta avaliação da presença das variáveis nos dois grupos e todas foram feitas pelo mesmo investigador. O cálculo da amostra foi feito com o programa OpenEpi (Open Source Epidemiologic Statistics for Public Health Version 2.3.1), com os seguintes parâmetros: intervalo de confiança de 95% (IC 95%); poder do teste de 80%; razão de controles para casos 1 para 1; percentual de controles expostos: 20%; percentual de casos expostos: 40%; totalizando 100 casos e 100 controles.

Consideramos pacientes portadores das comorbidades aqueles que apresentassem os seguintes critérios:8VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Arq Bras Cardiol. 2010;95:1–51.-10Standards of medical care in diabetes 2011. Diabetes Care. 2011;34 Suppl. 1:S11-61.

  1. Hipertensão arterial sistêmica (HAS): PAS ≥ 140 mmHg; PAD ≥ 90 mmHg, ou uso de medicação anti-hipertensiva. Foram considerados como tendo HAS indivíduos com três aferições em pelo menos duas ocasiões diferentes. (de acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão de 2010).

  2. Dislipidemia: LDL ≥ 130 mg/dl; Colesterol total ≥ 200 mg/dl; Triglicerídeos ≥ 150 mg/dl; HDL ≤ 40 mg/dl; ou uso de estatinas (de acordo com a classificação do Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Cholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III) final report).

  3. Diabetes mellitus (DM): glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl em 2 amostras; glicemia ≥ 200 mg/dl após 2 horas no teste de tolerância (75 g de glicose); glicemia ao acaso ≥ 200 mg/dl; hemoglobina glicada ≥ 6,5% em 2 amostras; uso de hipoglicemiantes ou insulinoterapia. (de acordo com Standards of medical care in diabetes-2011)

  4. Tabagismo.

Para a predição do risco cardiovascular usamos o índice SCORE de alto risco (fig. 1), que classifica os pacientes em função da idade, do sexo, dos níveis de colesterol total, da pressão arterial sistólica (PAS) e do uso do tabaco, com o uso de matrizes de baixo e alto risco.11Peters MJ, Symmons DP, McCarey D, Dijkmans BA, Nicola P, Kvien TK, et al. EULAR evidence-based recommendations for cardiovascular risk management in patients with rheumatoid arthritis and other forms of inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:325-31. O cruzamento de dados de cada paciente fornece uma célula com um número que representa o valor numérico do índice SCORE e uma cor que representa a porcentagem de risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos a que cada paciente é exposto.

Figura 1
Índice SCORE

Para o cálculo do índice mScore multiplicou-se o valor inicialmente coletado do índice SCORE pelo fator 1,5 nos pacientes portadores de AR que apresentassem 2 dos 3 seguintes critérios: doença com duração superior a 10 anos, FR e/ou anti-CCP positivos e, por fim, pacientes com manifestações extra-articulares.

Aqueles pacientes, com base nos cálculos do índice SCORE e mScore, que foram classificados como tendo 5% ou mais de chance de risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos foram estratificados como alto risco.

O banco de dados foi elaborado no programa Excel e após foi exportado para o programa SPSS 16.0. A análise estatística envolveu avaliação de normalidade das variáveis quantitativas. Para a verificação da presença de associação entre as variáveis independentes e a variável dependente usou-se o qui-quadrado de Pearson para as variáveis qualitativas e o teste t de Student para as variáveis quantitativas. Usou-se a medida de associação OR com os respectivos IC 95%.

O estudo foi submetido ao CEP-Unisul e foi aprovado.

Resultados

Foram incluídos dados de 100 prontuários de pacientes com diagnóstico de AR para compor o grupo caso e dados de 100 prontuários de pacientes sem diagnóstico da doença para compor o grupo controle. Todos os participantes do estudo eram do sexo feminino.

A média de idade das pacientes do grupo com AR foi 55,4 ± 8,9 anos. No grupo controle a média de idade foi de 52,3 ± 7 anos. As pacientes com AR tinham em média 14 ± 8 anos de doença; 67% dos pacientes apresentavam diagnóstico de AR havia mais de 10 anos; 26% dos pacientes apresentaram manifestação extra-articular (em sua maioria acometimento pulmonar). A análise que verificou a associação entre as comorbidades dos participantes do estudo está descrita na tabela 1. Não foram encontradas diferenças na frequência das comorbidades em pacientes com e sem AR.

Tabela 1
Comorbidades em pacientes com AR (casos) e controles

A associação entre as médias do índice SCORE e do índice mScore está relatada na tabela 2. Ao analisar o índice SCORE de predição de risco cardiovascular fatal em 10 anos do total de participantes estudados, a média dos pacientes foi de 1,99 (DP: 1,89) no grupo caso e de 1,56 (DP: 1,87) no grupo controle (p = 0,06). Com o uso do índice SCORE modificado, concluiu-se que a média dos pacientes foi de 2,84 (DP: 2,86) no grupo portador de AR e de 1,56 (DP: 1,87) no grupo não portador da doença. Houve significância estatística nessa variável estudada (p = 0,001).

Tabela 2
Médias do índice SCORE e do índice mScore em casos e controles

A estratificação de risco que associa o índice SCORE e o índice mScore está relatada na tabela 3. A estratificação dos pacientes estudados em baixo e alto para evento cardiovascular fatal em 10 anos que usou como referência o índice SCORE mostrou que 11% dos pacientes portadores de AR e 7% dos participantes do grupo controle foram classificados como alto risco (p = 0,32). Ao se usar o mScore como base para a estratificação de risco observou-se que 36% dos pacientes do grupo caso e 7% do grupo controle foram classificados como alto risco (p < 0,001).

Tabela 3
Estratificação de risco associado ao índice SCORE e ao índice mScore

Discussão

Nesta pesquisa foi desenvolvida análise comparativa entre pacientes com diagnóstico de AR e sem o diagnóstico da doença a fim de se estabelecer o índice SCORE e o mScore de predição de evento cardiovascular fatal em 10 anos nos dois grupos. Em um primeiro momento foram identificadas diversas comorbidades que frequentemente estão presentes nos grupos estudados e estão definitivamente relacionadas a um pior prognóstico cardiovascular.

Ao analisar a presença de HAS no estudo, os resultados demonstraram frequência similar dessa comorbidade em ambos os grupos. Em metanálise feita por Boyer et al.,12Boyer JF, Gourraud PA, Cantagrel A, Davignon JL, Constantin A. Traditional cardiovascular risk factors in rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Joint Bone Spine. 2011;78:179-83. que selecionaram 15 estudos caso-controle com 2.956 casos e 2.713 controles, de 1950 a 2008, não foi encontrada diferença na presença de HAS nos dois grupos. Embora existam fatores inerentes à doença que contribuem para o aumento da pressão arterial, como a menor expressão de óxido nítrico derivada do endotélio, a maior produção de endotelina e angiotensina II e o uso de determinadas medicações, tais como leflunomida, anti-inflamatórios não esteroidais e corticosteroides, esses não são suficientes para determinar diferença de prevalência de HAS entre pacientes com AR e controles sem a doença.

Dislipidemia foi comum, mas não mais frequente do que no grupo controle. Urowitz,13Steiner G, Urowitz MB. Lipid profiles in patients with rheumatoid arthritis: mechanisms and the impact of treatment. Semin Arthritis Rheum. 2009;38:372-81. por outro lado, encontrou níveis levemente superiores de colesterol total em pacientes com diagnóstico de AR quando comparados com aqueles sem a doença. Uma das características do perfil lipídico desses pacientes também foi observada, os níveis de HDL circulantes eram inferiores aos da população em geral. Toms et al.14Toms TE, Panoulas VF, Kitas GD. Dyslipidaemia in rheumatological autoimmune diseases. Open Cardiovasc Med J. 2011;5:64-75. citam que tal comorbidade afeta entre 55-65% dos pacientes com AR, tanto em fase precoce como na fase tardia da doença, com ênfase também nos níveis de HDL circulantes nos grupos estudados, e encontraram níveis inferiores da molécula na população com AR. Nesse mesmo estudo, os autores citam que além de a predisposição genética ser uma das possíveis causas de dislipidemia nesses pacientes, haveria outros fatores, tais como a atividade inflamatória da doença, a inatividade física, gerada pela enfermidade, e certos medicamentos.

Pacientes com diagnóstico de AR têm risco duas vezes superior ao da população em geral de sofrer um evento cardiovascular e a magnitude desse aumento é comparável ao risco de evento cardiovascular em pacientes com DM tipo 2.15Peters MJ, van Halm VP, Voskuyl AE, Smulders YM, Boers M, Lems WF, et al. Does rheumatoid arthritis equal diabetes mellitus as an independent risk factor for cardiovascular disease? A prospective study. Arthritis Rheum. 2009;61:1571-9. Dados como esses reforçam a importância de reconhecer pacientes portadores de AR com diagnóstico de DM subjacente e evitar desfechos desfavoráveis. No presente estudo, o grupo controle apresentou tendência de prevalência de DM duas vezes superior ao grupo caso, porém sem significância estatística. As alterações nos níveis glicêmicos dos pacientes com AR podem ser explicadas por fatores modificáveis, tais como a obesidade abdominal, o uso de medicação anti-hipertensiva, a atividade da doença e o uso de corticosteroides.16Dessein PH, Joffe BI. Insulin resistance and impaired beta cell function in rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2006;54:2765-75. Em metanálise feita por Boyer et al.,12Boyer JF, Gourraud PA, Cantagrel A, Davignon JL, Constantin A. Traditional cardiovascular risk factors in rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Joint Bone Spine. 2011;78:179-83. a frequência de DM nos pacientes com AR foi superior à do grupo controle (p = 0,003) e outros estudos também apresentaram conclusões semelhantes.17Doran M. Rheumatoid arthritis and diabetes mellitus: evidence for an association?. J Rheumatol. 2007;34:460-2.,18Solomon DH, Love TJ, Canning C, Schneeweiss S. Risk of diabetes among patients with rheumatoid arthritis, psoriatic arthritis and psoriasis. Ann Rheum Dis. 2010;69:2114-7.

Outra importante comorbidade estudada no trabalho foi o tabagismo, com frequência semelhante nos grupos casos e controles. Em estudo de coorte histórica, Kremers et al.19Kremers HM, Crowson CS, Therneau TM, Roger VL, Gabriel SE. High ten-year risk of cardiovascular disease in newly diagnosed rheumatoid arthritis patients: a population-based cohort study. Arthritis Rheum. 2008;58:2268-74. encontraram prevalência de 52% de tabagismo em pacientes com AR (p = 0,004) e 43% no grupo sem a doença. Outro estudo de metanálise, que reforça a frequência superior de tabagistas em pacientes com AR em relação à população geral, pode ser visto em Boyer et al.,12Boyer JF, Gourraud PA, Cantagrel A, Davignon JL, Constantin A. Traditional cardiovascular risk factors in rheumatoid arthritis: a meta-analysis. Joint Bone Spine. 2011;78:179-83. com OR de 1,56 (IC 95% 1,35-1,80 - p < 0,00001). Acredita-se que a baixa frequência de tabagismo em pacientes portadores de AR em comparação com as coortes históricas decorre da maior informação recebida pelos pacientes a respeito dos malefícios desse hábito de vida. Os pacientes estão cientes de que esse hábito acarretaria menor resposta ao tratamento, maior gravidade da doença e risco cardiovascular aumentado.

Ferramentas de avaliação do risco cardiovascular projetadas para a população em geral, tais como o escore de Framingham, podem não prever o risco cardiovascular real em pacientes com AR, pois, apesar de a inflamação apresentar um papel fundamental no desenvolvimento da aterosclerose, ela não é incorporada por muitas ferramentas de estratificação de risco na prática clínica. Estudo de Crowson et al.,20Crowson CS, Matteson EL, Roger VL, Therneau TM, Gabriel SE. Usefulness of risk scores to estimate the risk of cardiovascular disease in patients with rheumatoid arthritis. Am J Cardiol. 2012;110:420-4. com 525 pacientes portadores de AR com idade igual ou superior a 30 anos que analisou os escores de Framingham e de Reynolds para avaliação do risco cardiovascular, concluiu que esses escores subestimam substancialmente o risco cardiovascular, em ambos os sexos, em pacientes portadores de AR, especialmente naqueles com idade avançada, com FR positivo e com taxas persistentemente elevadas de VHS, importante marcador de atividade inflamatória da doença. Tais resultados podem resultar em oportunidades perdidas de intervenções médicas preventivas, bem como oferecer um falso senso de segurança na prática médica em predizer o real risco cardiovascular ao qual os pacientes estão submetidos.

O projeto SCORE foi criado em 2003 pela ESC (European Society of Cardiology) em colaboração com a Third Joint Task Force, com o objetivo de desenvolver um sistema de estimativa de risco para a prática clínica na Europa. Usou dados de estudos de coorte de 12 países europeus, com 205.178 pessoas, o que representou 2,7 milhões de pessoas-ano de seguimento. Foi calculado o risco de doença cardiovascular em 10 anos, no qual a idade foi usada como uma medida de tempo de exposição ao risco, em vez de um fator de risco. Tais cálculos foram feitos para regiões de alto e baixo risco para a ocorrência de eventos cardiovasculares. Desenvolveram então, uma matriz simples para cálculo de risco e ofereceram uma estimativa direta do risco cardiovascular fatal em 10 anos, em um formato adequado para as limitações da prática clínica.21Conroy RM, Pyörälä K, Fitzgerald AP, Sans S, Menotti A, De Backer G, et al. Estimation of ten-year risk of fatal cardiovascular disease in Europe: the SCORE project. Eur Heart J. 2003;24:987-1003.

Estudo feito por Peters et al.,11Peters MJ, Symmons DP, McCarey D, Dijkmans BA, Nicola P, Kvien TK, et al. EULAR evidence-based recommendations for cardiovascular risk management in patients with rheumatoid arthritis and other forms of inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:325-31. com o objetivo de desenvolver recomendações baseadas em evidências da Eular (The European League Against Rheumatism) em pacientes com AR, espondilite anquilosante e artrite psoriática, foi orientado que em países em que não houvesse uma diretriz de avaliação do risco cardiovascular nesses pacientes o índice SCORE deveria ser usado. Rosales Alexander et al.22Rosales Alexander JL, Magro Checa C, Salvatierra J, Cantero Hinojosa J, Raya Alvarez E. Cardiovascular risk assessment in rheumatoid arthritis patients using the SCORE chart. Ann Rheum Dis. 2012;71 Suppl. 3:660 encontrou importante associação do índice SCORE com os níveis de PCR (p < 0,034), presença de manifestações extra-articulares (p < 0,048) e duração de doença maior do que 10 anos (p < 0,001), o que sugere relação do risco cardiovascular com a gravidade da AR e com a duração cumulativa da inflamação mantida ao longo dos anos. Esses dados forneceram subsídios para que o comitê de experts do Eular pudesse ajustar o cálculo do índice SCORE em pacientes que apresentassem pelo menos 2 de 3 fatores (doença com duração superior a 10 anos, FR e/ou anti-CCP positivo e presença de manifestação extra-articular). Usou-se o fator multiplicador 1,5 para a obtenção do índice SCORE modificado (mScore).11Peters MJ, Symmons DP, McCarey D, Dijkmans BA, Nicola P, Kvien TK, et al. EULAR evidence-based recommendations for cardiovascular risk management in patients with rheumatoid arthritis and other forms of inflammatory arthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:325-31.

Importante verificar no atual estudo que os pacientes com AR tiveram tendência a maior predição de risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos, quando usada a matriz SCORE clássica e que a significância dessa diferença ficou estabelecida quando o SCORE modificado foi usado, com o fator multiplicador 1,5 no subgrupo que se aplica. Essa diferença de risco, encontrada nos pacientes com AR, está de acordo com a maior prevalência de evento cardiovascular e mortalidade dessa causa já confirmada nos diversos estudos epidemiológicos previamente feitos.

Estudo de Gómez-Vaquero et al.,23Gómez-Vaquero C, Robustillo M, Narváez J, Rodríguez-Moreno J, González-Juanatey C, Llorca J, et al. Assessment of cardiovascular risk in rheumatoid arthritis: impact of the new EULAR recommendations on the score cardiovascular risk index. Clin Rheumatol. 2012;31:35-39. que incluiu 200 pacientes portadores de AR com o objetivo de se avaliar o impacto das recomendações da Eular na abordagem do risco cardiovascular, encontrou um percentual de pacientes classificados como alto risco (≥ 5%), para evento cardiovascular fatal em 10 anos, em 11% dos pacientes com o índice SCORE clássico e de 14%, quando foi usado o mScore.

Dados como esses reforçam a necessidade de serem incorporados às ferramentas de estratificação de risco cardiovascular, em pacientes com AR, fatores inerentes à doença, que, por si só, aumentam os índices de morbimortalidade de causa cardiovascular. Concluímos que a aplicação da matriz SCORE modificada, de acordo com a recomendação Eular, em pacientes com AR permite reconhecer nessa população de risco um subgrupo com alto risco de evento cardiovascular fatal em 10 anos, em que há necessidade de intervenção farmacológica precoce e intensiva e uso de alvos terapêuticos que determinem menor risco de eventos cardiovasculares futuros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2014
  • Aceito
    15 Jul 2015
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