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Uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas por pacientes com lúpus eritematoso sistêmico pediátrico

Resumo

Objetivo

Avaliar o uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas e a história de bullying entre adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico pediátrico (LES-i) e controles saudáveis.

Métodos

Selecionaram-se 174 adolescentes com doenças reumatológicas pediátricas. Todos os 34 pacientes com LES-i e 35 controles saudáveis participaram deste estudo. Um estudo transversal incluiu avaliações de dados demográficos/antropométricos e marcadores da puberdade, um questionário estruturado e a entrevista de triagem Crafft.

Resultados

Testes de McNemar indicaram uma excelente confiabilidade teste-reteste do questionário estruturado (p = 1,0). A idade média atual foi semelhante entre pacientes com LES-i e controles [15 (12 a 18) vs. 15 (12 a 18) anos, p = 0,563]. A mediana da idade na menarca foi significativamente maior em pacientes com LES-i em comparação com os controles [12 (10 a 15) vs. 11,5 (9 a 15) anos, p = 0,041], particularmente naquelas em quem o lúpus ocorreu antes da primeira menstruação [13 (12 a 15) vs. 11,5 (9 a 15) anos, p = 0,007]. Os outros marcadores da puberdade e parâmetros de função sexual foram similares nos dois grupos (p > 0,05). O uso de álcool foi semelhante entre pacientes com LES-i e controles (38% vs. 46%, p = 0,628). Evidenciou-se uma tendência de menor frequência de pontuação ≥ 2 no Crafft (alto risco para uso abusivo/dependência de substâncias) em pacientes com LES-i em comparação com os controles (0% vs. 15%, p = 0,053). O bullying foi relatado em frequência semelhante nos dois grupos (43% vs. 44%, p = 0,950). Uma análise mais aprofundada em relação ao uso de álcool/tabaco/drogas ilícitas em pacientes com lúpus não mostrou diferenças nos dados demográficos, marcadores da puberdade, história de bullying, função sexual, uso de anticoncepcionais, escores de atividade/danos da doença, características clínicas/laboratoriais e tratamentos (p > 0,05).

Conclusão

Este estudo mostrou uma alta frequência de uso precoce de álcool em adolescentes com lúpus e controles saudáveis, apesar de um possível baixo risco para uso abusivo/dependência de substâncias em pacientes com LES-i.

Palavras-chave
Álcool; Tabagismo; Bullying; Puberdade; Lúpus eritematoso sistêmico pediátrico

Abstract

Objective

To evaluate alcohol, smoking and/or illicit drug use, and history of bullying in adolescent childhood-onset systemic lupus erythematosus and healthy controls.

Methods

174 adolescents with pediatric rheumatic diseases were selected. All of the 34 childhood-onset systemic lupus erythematosus patients and 35 healthy controls participated in this study. A cross-sectional study included demographic/anthropometric data and puberty markers assessments; structured questionnaire and CRAFFT screening interview.

Results

McNemar tests indicated an excellent test–retest reliability of the structured questionnaire (p = 1.0). The median current age was similar between childhood-onset systemic lupus erythematosus patients and controls [15 (12–18) vs. 15 (12–18) years, p = 0.563]. The median of menarche age was significantly higher in childhood-onset systemic lupus erythematosus patients compared to controls [12 (10–15) vs. 11.5 (9–15) years, p = 0.041], particularly in those that lupus had occurred before first menstruation [13 (12–15) vs. 11.5(9–15) years, p = 0.007]. The other puberty marker and sexual function parameters were similar in both groups (p > 0.05). Alcohol use was similar in both childhood-onset systemic lupus erythematosus patients and controls (38% vs. 46%, p = 0.628). A trend of lower frequency of CRAFFT score ≥2 (high risk for substance abuse/dependence) was evidenced in childhood-onset systemic lupus erythematosus patients compared to controls (0% vs. 15%, p = 0.053). Bullying was reported similarly for the two groups (43% vs. 44%, p = 0.950). Further analysis in lupus patients regarding alcohol/smoking/illicit drug use showed no differences in demographic data, puberty markers, history of bullying, sexual function, contraceptive use, disease activity/damage scores, clinical/laboratorial features and treatments (p > 0.05).

Conclusion

This study showed high frequencies of early alcohol use in lupus adolescents and healthy controls, despite of a possible low risk for substance abuse/dependence in childhood-onset systemic lupus erythematosus patients.

Keywords
Alcohol; Smoking; Bullying; Puberty; Childhood onset systemic lupus erythematosus

Introdução

O lúpus eritematoso sistêmico pediátrico (LES-i) é uma doença rara que ocorre principalmente em adolescentes. A adolescência é um período de transição de desenvolvimento físico e psicológico que pode estar associado a comportamentos de alto risco.11 Silva CA, Avcin T, Brunner HI. Taxonomy for systemic lupus erythematosus with onset before adulthood. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64:1787-93.

O uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas é um problema de saúde pública relevante em adolescentes saudáveis com alto risco de uso abusivo/dependência de substâncias22 Atilola O, Stevanovic D, Balhara YP, Avicenna M, Kandemir H, Knez R, et al. Role of personal and family factors in alcohol and substance use among adolescents: an international study with focus on developing countries. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2014;21:609-17. e disfunção sexual.33 Mialon A, Berchtold A, Michaud PA, Gmel G, Suris JC. Sexual dysfunctions among young men: prevalence and associated factors. J Adolesc Health. 2012;51:25-31. Além disso, os adolescentes podem ser vítimas de bullying, com pior estado de saúde e sofrimento psíquico.44 Sentenac M, Gavin A, Gabhainn SN, Molcho M, Due P, Ravens-Sieberer U, et al. Peer victimization and subjective health among students reporting disability or chronic illness in 11 Western countries. Eur J Public Health. 2013;23:421-6. No entanto, a avaliação concomitante desses problemas de saúde dos adolescentes não foi feita na população com LES-i.

Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar o uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas em pacientes adolescentes com LES-i e controles saudáveis. Também avaliaram-se as possíveis associações entre o uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas e dados demográficos, bullying, características clínicas, marcadores da puberdade, função sexual, uso de anticoncepcionais, parâmetros da doença e tratamentos na população com lúpus.

Material e métodos

Pacientes e controles

De fevereiro a junho de 2014, a Unidade de Reumatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil, acompanhou 174 adolescentes (de acordo com critérios da Organização Mundial de Saúde, atualmente a idade para ser considerado adolescente varia de 10 a 19 anos) com doenças reumáticas pediátricas. Desses, 34 tinham LES-i. Os critérios de exclusão foram distúrbios psiquiátricos atuais ou a não disposição de participar do estudo. Todos aceitaram participar deste estudo transversal e atenderam aos critérios de classificação do American College of Rheumatology para LES.55 Hochberg MC. Updating the American College of Rheumatology revised criteria for the classification of systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1997;40:1725. O grupo controle incluiu 35 adolescentes saudáveis acompanhados neste hospital universitário pelo grupo educativo e preventivo da Unidade de Adolescentes. Esses voluntários-controle foram submetidos aos mesmos critérios de exclusão. O Comitê de Ética local do hospital universitário em que foi feita a pesquisa aprovou o estudo.

Marcadores de puberdade, função sexual, uso abusivo de álcool/tabaco/drogas ilícitas e bullying

Este estudo incluiu avaliações de dados demográficos/antropométricos e marcadores da puberdade; um questionário estruturado avaliou a função sexual, o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas e o bullying. Foi aplicada a escala de triagem Crafft (sigla mnemônica para carro, relaxar, sozinho, esquecer, amigos, problemas), versão em português (Crafft/Ceaser).66 Knight JR, Schram P. Portuguese version of CRAFFT screen (CEASER); 2014. Available at: http://www.ceasar-boston.org/CRAFFT/pdf/CRAFFT_Portuguese.pdf [accessed 17.07.14].
http://www.ceasar-boston.org/CRAFFT/pdf/...
,77 Knight JR, Sherritt L, Shrier LA, Harris SK, Chang G. Validity of the CRAFFT substance abuse screening test among adolescent clinic patients. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156:607-14. Esses aspectos foram avaliados de modo cego às avaliações clínicas, laboratoriais e de tratamento.

Dados sociodemográficos e antropométricos

Avaliou-se idade atual, sexo, anos de escolaridade, peso e altura. O índice de massa corporal (IMC) foi definido pela seguinte fórmula: peso em quilogramas/altura em metros quadrados.

As classes socioeconômicas brasileiras foram classificadas de acordo com a Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa).88 ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) 2008. Available at: www.abep.org – abep@abep.org [accessed 17.07.14].
www.abep.org...

Avaliações de marcadores da puberdade

As características sexuais secundárias foram classificadas de acordo com as mudanças na puberdade de Tanner em ambos os sexos.99 Marshall JC, Tanner JM. Variations in patterns of pubertal changes in boys and girls. Arch Dis Child. 1970;45:13-23. Registrou-se a idade na primeira menstruação (menarca) e na primeira ejaculação (espermarca) com base na memória do indivíduo.

Questionário estruturado

Fez-se um estudo-piloto em 30 adolescentes consecutivos, que foram testados e então retestados um a dois meses depois, em fevereiro e abril de 2014, para avaliar a confiabilidade das respostas do questionário mencionado previamente, e foram abordadas as seguintes características: função sexual e uso de álcool/tabaco e drogas ilícitas.

A avaliação da função sexual incluiu a presença e idade na primeira relação sexual, relações sexuais no último mês, uso de contracepção masculina (preservativo) na primeira atividade sexual, uso de contraceptivo oral e de emergência, conhecimento da atividade sexual por parte dos pais e número total de parceiros sexuais. Os controles saudáveis e pacientes com LES-i receberam orientações de rotina sobre a função sexual e o controle de natalidade, problemas emocionais e problemas com drogas nas unidades de Reumatologia Pediátrica e Adolescência de nosso hospital universitário. Incentiva-se o uso de métodos de barreira a todos os pacientes com LES-i sexualmente ativos dos sexos masculino e feminino. Embora seu uso em longo prazo esteja associado a uma diminuição na densidade mineral óssea, o uso de Depo Provera injetável (a cada três meses, administrado em nosso hospital dia) é o método preferível indicado a todos os pacientes sexualmente ativos com LES-i, em decorrência da adesão adequada. Também podem ser usadas pílulas com somente progestágeno, embora o principal problema relacionado com seu uso em adolescentes seja a baixa adesão decorrente da irregularidade menstrual. O levonorgestrel oral também é indicado como um método de contracepção de emergência em mulheres com LES-i.

A avaliação do uso de álcool/tabaco e drogas ilícitas envolveu idade em que começou a usar álcool, número de dias em que consumiu álcool nos últimos 30 dias, idade em que começou a fumar, número de dias em que fumou nos últimos 30 dias, idade em que começou a usar drogas ilícitas e número de dias em que usou drogas ilícitas nos últimos 30 dias. Avaliou-se sistematicamente o uso de drogas ilícitas inalatórias (cheirar cola, aerosol e solvente) e drogas ilícitas [maconha, estimulantes (cocaína, crack e anfetaminas), LSD, opioides, heroína e ecstasy]. O bullying, que é definido como a exposição recorrente à agressão emocional e/ou física, foi registrado com base na memória do indivíduo. O questionário foi aplicado na ausência de representantes legais, parentes e/ou amigos.

Escala de triagem Crafft

Usou-se a versão em português da escala de triagem Crafft (Crafft/Ceaser) aplicada por um médico. A escala é composta por nove questões desenvolvidas para rastrear adolescentes à procura do risco elevado de uso de álcool e drogas.66 Knight JR, Schram P. Portuguese version of CRAFFT screen (CEASER); 2014. Available at: http://www.ceasar-boston.org/CRAFFT/pdf/CRAFFT_Portuguese.pdf [accessed 17.07.14].
http://www.ceasar-boston.org/CRAFFT/pdf/...
Esse questionário é dividido em duas partes. A parte A inclui três perguntas sobre o uso de álcool, maconha, haxixe ou outras substâncias nos últimos 12 meses. Se o adolescente responder "não" às três perguntas, deve ser perguntada apenas a questão relacionada com a parte B "Carro". Se o adolescente responder "sim" a uma das perguntas da abertura, devem-se fazer todas as perguntas da parte B. A parte B abrange seis questões, que são sinais de uso problemático de substâncias, como: 1. "Você alguma vez andou em um carro (CAR) dirigido por alguém (inclusive você) que estivesse 'alto' ou usado álcool ou drogas?"; 2. "Em algum momento você faz uso de álcool ou drogas para relaxar (relax), sentir-se melhor ou se adaptar?"; 3. "Você alguma vez usou álcool ou drogas enquanto estava sozinho (alone)?"; 4. "Você alguma vez se esqueceu (forget) das coisas que fez quando usou álcool ou drogas?"; 5. "Sua família ou amigos (friends) alguma vez lhe disseram que você deveria diminuir o consumo de bebida ou o uso de drogas?"; 6. "Você alguma vez se envolveu em problemas (trouble) quando usou álcool ou drogas?". Contabiliza-se um ponto para cada resposta "sim"» da parte B do questionário. Uma pontuação total ≥ 2 indica um alto risco de uso abusivo/dependência de substâncias e a necessidade de avaliação adicional.77 Knight JR, Sherritt L, Shrier LA, Harris SK, Chang G. Validity of the CRAFFT substance abuse screening test among adolescent clinic patients. Arch Pediatr Adolesc Med. 2002;156:607-14.

Avaliações laboratoriais, clínicas e de tratamento de pacientes com LES-i

As manifestações clínicas do LES foram definidas como: envolvimento articular (artrite não erosiva), lesões mucocutâneas (eritema malar ou discoide, úlceras orais ou fotossensibilidade), serosite (pleurite ou pericardite), doenças neuropsiquiátricas (convulsões ou psicose), envolvimento renal (proteinúria ≥ 0,5 g/24 horas, presença de cilindros celulares e/ou hematúria persistente ≥ 10 hemácias por campo de alta potência) e anormalidades hematológicas (anemia hemolítica, leucopenia com uma contagem de leucócitos < 4.000/mm3, linfopenia < 1.500/mm3 em duas ou mais ocasiões e trombocitopenia com contagem de plaquetas < 100.000/mm3 na ausência de drogas ou infecção).

A velocidade de hemossedimentação (VHS) foi medida pelo método Westergreen e a proteína C-reativa (PCR) por nefelometria. Os anticorpos anti-DNA de cadeia dupla (anti-dsDNA) foram detectados por imunofluorescência indireta com Crithidia luciliae como substrato.

A atividade da doença foi avaliada de acordo com o LES Disease Activity Index 2000 (Sledai-2K).1010 Gladman DD, Ibañez D, Urowitz MB. Systemic lupus erythematosus disease activity index 2000. J Rheumatol. 2002;29:288-91. O dano cumulativo foi medido pelo SLE International Collaborating Clinics/ACR Damage Index (Slicc/ACR-DI).1111 Gladman D, Ginzler E, Goldsmith C, Fortin P, Liang M, Urowitz M, et al. The development and initial validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics/American College of Rheumatology damage index for systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 1996;39:363-9.

Foram determinados também dados sobre o uso e a dosagem atual de prednisona, hidroxicloroquina, metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida intravenosa, micofenolato de mofetila e imunoglobulina intravenosa.

Análise estatística

A confiabilidade teste-reteste do questionário estruturado foi verificada pelo teste de McNemar. Os resultados foram apresentados como a média ± desvio padrão (DP) ou mediana (intervalo) para variáveis contínuas e número (%) para variáveis categóricas. Os dados foram comparados pelo teste t de Student ou teste U de Mann-Whitney nas variáveis contínuas para avaliar diferenças entre os pacientes com LES-i e controles e entre os subgrupos com LES. Para as variáveis categóricas, as diferenças foram avaliadas pelo teste exato de Fisher ou teste de qui-quadrado de Pearson. O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para correlações entre as pontuações no Crafft e a idade. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p < 0,05).

Resultados

Os testes de McNemar indicaram uma excelente confiabilidade teste-reteste do questionário estruturado (p = 1,0).

A tabela 1 inclui dados demográficos, marcadores da puberdade, função sexual, uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas e bullying nos pacientes com LES-i e controles. A média da idade atual foi semelhante entre os pacientes com LES-i e controles [15 (12 a 18) vs. 15 (12 a 18) anos, p = 0,563], do mesmo modo que a frequência do sexo feminino (76% vs. 74%, p = 0,833). O IMC foi significativamente maior em pacientes com LES-i em comparação com os controles [22,11 (16,4 a 36,6) vs. 19,53 (16,4 a 25,9) kg/m2, p = 0,002].

A mediana da idade da menarca foi significativamente maior em pacientes com LES-i em comparação com os controles [12 (10 a 15) vs. 11,5 (9 a 15) anos, p = 0,041], particularmente naquelas em quem o lúpus surgiu antes da menarca [13 (12 a 15) vs. 11,5 (9 a 15 anos), p = 0,007] (tabela 1).

Tabela 1
Dados demográficos, marcadores da puberdade, função sexual, uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas e bullying em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico pediátrico (LES-i) e controles

As frequências de uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas foram elevadas e semelhantes em pacientes com LES-i e controles (38% vs. 46%, p = 0,628). A maconha foi usada por dois controles saudáveis e nenhum paciente com LES-i (0% vs. 6%, p = 1,000). A mediana da pontuação na escala Crafft foi semelhante em ambos os grupos [0 (0 a 1) vs. 0 (0 a 5), p = 0,721], ao passo que foi evidenciada uma tendência de menor frequência de pontuações ≥ 2 na escala Crafft em pacientes com LES-i em comparação com os controles (0% vs. 15%, p = 0,053). O bullying foi relatado em frequência semelhante nos dois grupos (43% vs. 36%, p = 0,572) (tabela 1).

Uma análise mais aprofundada dos pacientes com lúpus que usaram álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas em comparação com aqueles que não usaram essas substâncias não mostrou diferenças nos dados demográficos, marcadores de puberdade, parâmetros de função sexual, uso de anticoncepcionais, história de bullying, manifestações clínicas do lúpus, Sledai-2K, Slicc/ACR-DI, VHS, PCR e anticorpos anti-dsDNA (p > 0,05). O uso atual e a dose atual de prednisona, hidroxicloroquina, metotrexato, azatioprina, ciclofosfamida intravenosa e micofenolato de mofetila também foram semelhantes em ambos os grupos (p > 0,05).

Não foi evidenciada correlação entre a pontuação na escala Crafft nos grupos LES-i e controles saudáveis (n = 69) e a idade atual (p = 0,249), idade em que começou a usar álcool (p = 0,800) e idade de início da atividade sexual (p = 0,297).

Discussão

Este estudo mostrou altas frequências de uso precoce de álcool por adolescentes com LES-i e controles saudáveis, apesar de um possível baixo risco de uso/dependência de substâncias no primeiro grupo.

A principal vantagem deste estudo foi a avaliação por meio de um questionário estruturado com alta confiabilidade teste-reteste que avaliou a função sexual, o uso de substâncias lícitas e ilícitas e o bullying. Também foi aplicada a escala Crafft, uma ferramenta de triagem do alto risco de uso de álcool ou drogas em adolescentes.1212 Menezes AH, Dalmas JC, Scarinci IC, Maciel SM, Cardelli AA. Factors associated with regular cigarette smoking by adolescents from public schools in Londrina, Paraná, Brazil. Cad Saude Publica. 2014;30:774-84. Além disso, a presença de um grupo controle saudável com idade, gênero e classe socioeconômica semelhante foi relevante, uma vez que esses dados foram associados ao bullying, uso de álcool e drogas ilícitas em adolescentes.22 Atilola O, Stevanovic D, Balhara YP, Avicenna M, Kandemir H, Knez R, et al. Role of personal and family factors in alcohol and substance use among adolescents: an international study with focus on developing countries. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2014;21:609-17.,1212 Menezes AH, Dalmas JC, Scarinci IC, Maciel SM, Cardelli AA. Factors associated with regular cigarette smoking by adolescents from public schools in Londrina, Paraná, Brazil. Cad Saude Publica. 2014;30:774-84.

13 Patrick ME, Wightman P, Schoeni RF, Schulenberg JE. Socioeconomic status and substance use among young adults: a comparison across constructs and drugs. J Stud Alcohol Drugs. 2012;73:772-82.

14 Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil – a national survey. Addict Behav. 2012;37:1171-5.
-1515 Tippett N, Wolke D. Socioeconomic status and bullying: a meta-analysis. Am J Public Health. 2014;104:e48-e59. No entanto, as principais limitações deste estudo foram o pequeno número de indivíduos recrutados em apenas um serviço de reumatologia pediátrica, um desenho transversal e o não uso de um questionário de autopreenchimento padronizado para diferentes tipos de bullying. 44 Sentenac M, Gavin A, Gabhainn SN, Molcho M, Due P, Ravens-Sieberer U, et al. Peer victimization and subjective health among students reporting disability or chronic illness in 11 Western countries. Eur J Public Health. 2013;23:421-6. Além disso, neste estudo não foi feito um cálculo do tamanho da amostra, o que não permite a generalização desses resultados, especialmente por se tratar de uma pesquisa baseada apenas em um questionário, e não em exames médicos nem em uma história mais detalhada.

O uso de álcool foi elevado no presente estudo, conforme esperado em adolescentes com LES-i e controles saudáveis. A prevalência do uso de álcool em adolescentes variou de 23% a 68% com o uso de procedimentos metodológicos distintos, como questionários ou entrevistas estruturadas.1414 Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil – a national survey. Addict Behav. 2012;37:1171-5.,1616 Barbosa Filho VC, Campos WD, Lopes Ada S. Prevalence of alcohol and tobacco use among Brazilian adolescents: a systematic review. Rev Saude Publica. 2012;46:901-17. Esse achado provavelmente está relacionado com o baixo custo e o fácil acesso dos adolescentes às substâncias no país estudado, apesar dos esforços das políticas de saúde pública brasileiras. A idade em que começou a usar álcool também foi precoce em nossos pacientes com LES-i (14 anos), diferentemente de uma pesquisa nacional feita entre adolescentes brasileiros (15,8 anos).1414 Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil – a national survey. Addict Behav. 2012;37:1171-5.

Em contraste com o uso de álcool, o tabaco e a maconha foram raramente usados por adolescentes com lúpus e indivíduos saudáveis, provavelmente em razão do predomínio do sexo feminino na amostra estudada. Na verdade, o sexo masculino esteve associado a um risco aumentado de uso de drogas ilícitas.1414 Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil – a national survey. Addict Behav. 2012;37:1171-5. O uso de drogas lícitas ou ilícitas influenciou os parâmetros de função sexual e o uso de anticoncepcionais, diferentemente de outro estudo analisado.33 Mialon A, Berchtold A, Michaud PA, Gmel G, Suris JC. Sexual dysfunctions among young men: prevalence and associated factors. J Adolesc Health. 2012;51:25-31. Essas substâncias não pareceram interferir nos marcadores da doença e tratamentos em pacientes com LES-I.

É importante ressaltar que nosso estudo mostrou um baixo risco de padrão de uso problemático/perigoso de substâncias em pacientes com LES-i, provavelmente decorrente da doença complexa e superproteção pelos pais e famílias. No entanto, a experimentação pelo adolescente tem um potencial risco de posterior desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias na idade adulta.1616 Barbosa Filho VC, Campos WD, Lopes Ada S. Prevalence of alcohol and tobacco use among Brazilian adolescents: a systematic review. Rev Saude Publica. 2012;46:901-17. Portanto, a prevenção é a intervenção mais eficaz em termos de custos do que as abordagens curativas. Na verdade, a American Academy of Pediatrics recomenda que os adolescentes sejam rastreados como parte da consulta de rotina tanto à procura de comportamento sexual de alto risco quanto à procura de uso de drogas e álcool.1717 Levy SJ, Kokotailo PK. Substance use screening, brief intervention, and referral to treatment for pediatricians. Pediatrics. 2011;128:e1330-40.

Deve-se ressaltar que o bullying consiste no comportamento indesejado, repetido e agressivo entre adolescentes escolares que envolve um desequilíbrio de poder real ou percebido. Os adolescentes com doenças crônicas têm um risco aumentado de vitimização entre colegas, o que reforça a relevância da qualidade de um sistema educacional inclusivo.44 Sentenac M, Gavin A, Gabhainn SN, Molcho M, Due P, Ravens-Sieberer U, et al. Peer victimization and subjective health among students reporting disability or chronic illness in 11 Western countries. Eur J Public Health. 2013;23:421-6. Além disso, o bullying pode provocar taxas mais elevadas de depressão e ansiedade1818 Calvete E. Emotional abuse as a predictor of early maladaptive schemas in adolescents: contributions to the development of depressive and social anxiety symptoms. Child Abuse Negl. 2014;38:735-46. e pode influenciar a adesão entre os pacientes.1919 Julian LJ, Yelin E, Yazdany J, Panopalis P, Trupin L, Criswell LA, et al. Depression, medication adherence, and service utilization in systemic lupus erythematosus. Arthritis Rheum. 2009;61:240-6. Estudos prospectivos futuros, que recrutemo uma maior amostra e avaliem esses aspectos, serão necessários na população com LES-i.

Confirmaram-se nossas observações anteriores da idade tardia na menarca2020 Febronio MV, Pereira RM, Bonfa E, Takiuti AD, Pereyra EA, Silva CA, et al. Inflammatory cervicovaginal cytology is associated with disease activity in juvenile systemic lupus erythematosus. Lupus. 2007;16:430-5.,2121 Rygg M, Pistorio A, Ravelli A, Maghnie M, Di Iorgi N, Bader-Meunier B, et al. A longitudinal PRINTO study on growth and puberty in juvenile systemic lupus erythematosus. Ann Rheum Dis. 2012;71:511-7. e idade normal na espermarca2222 Vecchi AP, Borba EF, Bonfá E, Cocuzza M, Pieri P, Kim CA, et al. Penile anthropometry in systemic lupus erythematosus patients. Lupus. 2011;20:512-8. de pacientes com LES-i em comparação com adolescentes brasileiros saudáveis. Efeitos da desregulação endócrina pelo uso de álcool e tabaco podem influenciar no desenvolvimento puberal,2323 Peck JD, Peck BM, Skaggs VJ, Fukushima M, Kaplan HB. Socio-environmental factors associated with pubertal development in female adolescents: the role of prepubertal tobacco and alcohol use. J Adolesc Health. 2011;48:241-6. embora esse aspecto não tenha sido evidenciado no presente estudo.

Em conclusão, este estudo mostrou uma alta frequência de uso precoce de álcool por adolescentes com lúpus e controles saudáveis, com um possível baixo risco de uso abusivo/dependência de substâncias em pacientes com LES-i. Portanto, nosso estudo enfatizou a necessidade de fazer uma triagem de rotina à procura do uso de substâncias em todos os adolescentes com LES-c.2424 Britto MT, Rosenthal SL, Taylor J, Passo MH. Improving rheumatologists' screening for alcohol use and sexual activity. Arch Pediatr Adolesc Med. 2000;154:478-83.

  • Financiamento
    Este estudo foi apoiado por subsídios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp 2011/12471-2 para CAS), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 303422/2015-7 - 1A para CAS), Fundação Federico (para CAS) e Núcleo de Apoio à Pesquisa Saúde da Criança e do Adolescente da USP (NAP-CriAd) para CAS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2015
  • Aceito
    13 Out 2015
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