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Estudo prospectivo de fatores prognósticos em lombalgia crônica tratados com fisioterapia: papel do medo-evitação e dor extraespinal

RESUMO

Objetivo:

Identificar os fatores prognósticos para a fisioterapia convencional em pacientes com lombalgia mecânica comum crônica (LMC).

Métodos:

Estudo prospectivo observacional.

Participantes:

Foram selecionados pelo Ambulatório de Doenças da Coluna Vertebral 113 pacientes com lombalgia mecânica comum crônica.

Medidas de desfecho principais:

A intensidade da dor foi pontuada utilizando a Escala Numérica de Dor (END) e a função foi medida usando o Questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ).

Resultados:

Os resultados da subescala trabalho do Fear-Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-trabalho; odds ratio [OR] = 0,27, intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 0,13–0,56, p < 0,001) e da dor extraespinal (OR = 0,35, IC 0,17–0,74, p = 0,006) estiveram independentemente associados a uma diminuição na resposta à fisioterapia convencional para a lombalgia crônica.

Conclusão:

Foram identificados escores elevados na FABQ-trabalho e dor extraespinal como determinantes-chave para uma pior resposta à fisioterapia em pacientes com LMC o que apoia a necessidade de um programa de reabilitação especial para este subgrupo.

Palavras-chave:
Crenças de evitação e medo; Dor extraespinal; Resposta terapêutica; Lombalgia crônica

ABSTRACT

Objective:

To identify the prognostic factors for conventional physical therapy in patients with chronic low back pain (CLBP).

Methods:

Prospective observational study.

Participants:

One hundred thirteen patients with CLBP selected at the Spinal Disease Outpatient Clinic.

Main outcome measures:

Pain intensity was scored using the Numeric Rating Scale (NRS), and function was measured using the Roland-Morris Disability Questionnaire (RMDQ).

Results:

The Fear-Avoidance Beliefs Questionnaire work subscale results (FABQ-work; odds ratio [OR] = 0.27, 95% confidence interval [CI] 0.13–0.56, p < 0.001) and extraspinal pain (OR = 0.35, 95% CI 0.17–0.74, p = 0.006) were independently associated with a decreased response to conventional physical therapy for CLBP.

Conclusion:

We identified high FABQ-work and extraspinal pain scores as key determinants of a worse response to physical therapy among CLBP patients, supporting the need for a special rehabilitation program for this subgroup.

Keywords
Fear-avoidance beliefs; Extraspinal pain; Therapeutic response; Chronic low back pain

Introdução

A lombalgia mecânica comum crônica (LMC) é uma das causas mais comuns de incapacidade relacionada com o sistema musculoesquelético e está associada a altos níveis de uso de recursos de saúde.11 Gore M, Sadosky A, Stacey BR, Tai KS, Leslie D. The burden of chronic low backpain: clinical comorbidities, treatment patterns, and health care costs in usual care settings. Spine. 2012;37:E668-77.

Acredita-se que o impacto da lombalgia crônica no Brasil seja paralelo à situação encontrada no hemisfério norte, embora não haja dados precisos. A quantidade de brasileiros incapacitados pela LMC é muito alta; estudos estimam que aproximadamente 10 milhões de pessoas no Brasil são afetadas pela LMC.22 Salvetti Mde G, Pimenta CA, Braga PE, Corrêa CF. Disability related to chronic low back pain: prevalence and associated factors. Rev Esc Enferm USP. 2012;46:16-23. A condição representa a principal razão para pedidos de auxílio por invalidez e é a terceira causa mais comum de aposentadoria relacionada com a incapacidade no Brasil.33 Meziat Filho N, Silva GA. Disability pension from back pain among social security beneficiaries, Brazil. Rev Saude Publica. 2011;45:494-502.

O tratamento para a LMC geralmente é conservador. Evidências científicas consistentes favorecem o uso de agentes farmacológicos e reabilitação como as opções de tratamento primário;44 Duffy RL. Low back pain: an approach to diagnosis and management. Prim Care. 2010;37:729-41.,55 Chou R. Pharmacological management of low back pain. Drugs. 2010;70:387-402. no entanto, a resposta à fisioterapia é bastante variável e imprevisível.

Embora estudos tenham revelado a eficácia da reabilitação em comparação a nenhum tratamento, poucos demonstraram a superioridade de algum programa de reabilitação específico para a LMC.66 Van Middelkoop M, Rubinstein SM, Kuijpers T, Verhagen AP, Ostelo R, Koes BW, et al. A systematic review on the effectiveness of physical and rehabilitation interventions for chronic non-specific low back pain. Eur Spine J. 2011;20:19-39.99 Pincus T, Santos R, Breen A, Burton AK, Underwood M, Multinational Musculoskeletal Inception Cohort Study Collaboration. A review and proposal for a Core set of factors for prospective cohorts in low back pain: a consensus statement. Arthritis Rheum. 2008;59:14-24. Além disso, as taxas de recaída após a melhoria inicial da reabilitação são elevadas,77 Westrom KK, Maiers MJ, Evans RL, Bronfort G. Individualized chiropractic and integrative care for low back pain: the design of a randomized clinical trial using a mixed-methods approach. Trials. 2010;11:24. enquanto o custo-efetividade em longo prazo da reabilitação física e o seu real impacto sobre a recuperação em termos de possibilitar que o paciente retorne às suas atividades normais permanecem desconhecidos.88 Schaafsma FG, Whelan K, van der Beek AJ, van der Es-Lambeek LC, Ojajärvi A, Verbeek JH. Physical conditioning as part of a return to work strategy to reduce sickness absence for workers with back pain. CDS Rev. 2013;8:CD001822.

Desde o relatório do Quebec Task Force em 1987, muitas diretrizes internacionais foram publicadas.1010 Wells C, Kolt GS, Marshall P, Hill B, Bialocerkowski A. The effectiveness of Pilates exercise in people with chronic low back pain: a systematic review. PLOS ONE. 2014;9:e100402.1414 Airaksinen O, Brox JI, Cedraschi C, Hildebrandt J, Klaber-Moffett J, Kovacs F, et al. European guidelines for the management of chronic nonspecific low back pain. Eur Spine J. 2006;15(Suppl. 2):S192-300 [Chapter 4]. Embora essas diretrizes tenham sido produzidas em diferentes países, a maior parte das questões relacionadas com as intervenções terapêuticas foi semelhante.1313 Koes BW, van Tulder M, Lin CW, Macedo LG, McAuley J, Maher C. An updated overview of clinical guidelines for the management of non-specific low back pain in primary care. Eur Spine J. 2010;19:2075-94. O exercício supervisionado foi, em geral, recomendado, embora a maior parte das diretrizes não tenha proposto um conjunto específico de exercícios. Os fisioterapeutas usam uma ampla gama de intervenções terapêuticas não farmacológicas conservadoras, algumas das quais são consistente ou amplamente recomendadas por diversas diretrizes.

Em 2006, foram publicadas diretrizes europeias para o manejo da lombalgia crônica não específica. O objetivo do grupo de trabalho COST B13 foi fornecer um conjunto de recomendações que pudessem apoiar as diretrizes existentes e futuras.1414 Airaksinen O, Brox JI, Cedraschi C, Hildebrandt J, Klaber-Moffett J, Kovacs F, et al. European guidelines for the management of chronic nonspecific low back pain. Eur Spine J. 2006;15(Suppl. 2):S192-300 [Chapter 4]. Um dos principais pontos fortes dessas recomendações é seu caráter multinacional e multidisciplinar. Os autores propõem que a lombalgia crônica não deve ser considerada uma entidade clínica única e enfatizaram a necessidade de avaliar fatores prognósticos antes do tratamento.

Em 2007, o Multinational Musculoskeletal Inception Cohort Study (MMICS) publicou uma lista de fatores que considerou necessário analisar em estudos futuros de índices prognósticos para a cronicidade em pacientes com lombalgia aguda.99 Pincus T, Santos R, Breen A, Burton AK, Underwood M, Multinational Musculoskeletal Inception Cohort Study Collaboration. A review and proposal for a Core set of factors for prospective cohorts in low back pain: a consensus statement. Arthritis Rheum. 2008;59:14-24. A necessidade de identificar esses fatores é compreensível, porque, embora apenas 5% dos pacientes com lombalgia desenvolvam incapacidade, 75% de todas as despesas relacionadas com a lombalgia são decorrentes dessa população.11 Gore M, Sadosky A, Stacey BR, Tai KS, Leslie D. The burden of chronic low backpain: clinical comorbidities, treatment patterns, and health care costs in usual care settings. Spine. 2012;37:E668-77. Consequentemente, a maior parte dos estudos sobre a identificação de fatores prognósticos para a cronicidade e incapacidade se concentrou em pacientes com lombalgia aguda e muito poucos estudos têm-se centrado nos fatores prognósticos para a resposta ao tratamento em pacientes com LMC estabelecida.

A hipótese do estudo é que algumas características de base são capazes de identificar o subgrupo de pacientes com LMC com taxas de resposta distintas ao tratamento. Portanto, avaliaram-se as respostas clínicas dos pacientes com LMC a uma série de sessões de atividade física supervisionada e vários fatores incluídos nas recomendações do MMICS para determinar a sua capacidade de identificar os fatores prognósticos para a resposta ao tratamento com fisioterapia convencional.

Material e métodos

Pacientes

Os participantes foram recrutados por meio de anúncios desenvolvidos por nossa assessoria de imprensa. Todos os potenciais participantes foram selecionados pelo mesmo reumatologista (ASRH) entre janeiro e março de 2009. Recrutaram-se os participantes que foram diagnosticados com LMC não específica e que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 80 anos, dor entre a última costela e a prega glútea que persiste por mais de três meses, dor que era contínua ou que estava presente na maior parte do tempo e que era a principal queixa de dor do paciente e o fornecimento de um consentimento informado. Os critérios de exclusão foram diagnóstico de doença inflamatória sistêmica, presença de dor radicular característica, dor originada nas articulações periféricas, deformidades osteoarticulares nos membros inferiores, insuficiência cardíaca descompensada, neoplasias nos últimos cinco anos, cirurgia prévia da coluna lombar, doença sistêmica que pudesse interferir na interpretação dos resultados conforme determinado pelo médico, incapacidade de compreender os questionários/explicações ou aderir ao tratamento, ter realizado fisioterapia incluindo exercícios físicos nos últimos cinco anos, transtornos psiquiátricos e a presença de fibromialgia ou dor não localizada na coluna lombar como a principal queixa relacionada com a dor.

O Ambulatório de Doenças da Coluna Vertebral faz parte da Divisão de Reumatologia do hospital universitário. Os pacientes são encaminhados por outros departamentos do hospital e por uma rede de unidades de cuidados primários ou secundários ligados ao hospital.

Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Este estudo respeitou os princípios éticos da Declaração de Helsinque (2008) e as leis e regulamentos locais aplicáveis. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa local (Protocolo de Pesquisa 1110-1107).

Intervenção fisioterapêutica

O tratamento consistiu de 10 sessões individuais: duas sessões por semana durante cinco semanas. Cada sessão incluiu exercícios de fortalecimento do tronco (core) (ou seja, exercícios que envolvem músculos abdominais, músculos do assoalho pélvico, glúteos, diafragma e músculos da cintura pélvica), exercícios de alongamento e exercícios de orientação postural. Todas as avaliações e sessões de fisioterapia foram feitas pelo mesmo fisioterapeuta.

Avaliações

As respostas dos pacientes à fisioterapia foram avaliadas em termos de mudanças na intensidade da dor com a Escala Numérica de Dor (END), cuja pontuação vai de 0 a 10, e em termos de incapacidade relacionada com a LMC com o Questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ), cuja pontuação vai de 0 a 24. Os participantes foram avaliados na inclusão do estudo, imediatamente após as 10 sessões de fisioterapia (primeira reavaliação) e três meses após a primeira avaliação (segunda reavaliação).

Para a análise da resposta ao tratamento, os pacientes foram divididos nos grupos responsivo e não responsivo, de acordo com as alterações individuais nas medidas de intensidade de dor e incapacidade, em cada avaliação. Um paciente era considerado responsivo se mostrasse um decréscimo de pelo menos dois pontos na pontuação da END1515 Farrar JT, Young JP, LaMoreaux L, Werth JL, Poole RM. Clinical importance of changes in chronic pain intensity measured on an 11-point numerical pain rating scale. Pain. 2001;94:149-58. ou pelo menos quatro pontos na pontuação do RMDQ.1616 Cecchi F, Negrini S, Pasquini G, Paperini A, Conti AA, Chiti M, et al. Predictors of functional outcome in patients with chronic low back pain undergoing back school, individual physiotherapy or spinal manipulation. Eur J Phys Rehabil Med. 2012;48:371-8. Os resultados também foram expressos como a percentagem de mudança em relação ao escore obtido no início do estudo.

No início do estudo, coletaram-se dados sociodemográficos, fez-se um exame físico completo e avaliou-se a duração da dor. Além disso, todos os participantes responderam a questionários padronizados para avaliar os fatores incluídos nas diretrizes MMICS (tabagismo, atividade física, fatores ocupacionais, depressão e pensamentos catastróficos) e preencheram o Fear-Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ-Brasil). O FABQ contém duas subescalas, que foram avaliadas separadamente: crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho (FABQ-trabalho) e com a atividade física (FABQ-física). As crenças de evitação e medo relacionadas com a atividade física foram consideradas presentes (escore ≥ 15) ou ausentes (<15), enquanto as crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho foram consideradas presentes com escore FABQ-trabalho ≥ 34. As versões brasileiras de todos esses questionários foram previamente validadas.1717 Pardini R, Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade E, Braggion G, et al. Validation of the international physical activity (IPAQ – version 6): a pilot study in young Brazilians. Rev Bras Cienc Mov Brasilia. 2001;9:45-51.2020 Abreu A, Faria CD, Cardoso SM, Teixeira-Salmela LF. The Brazilian version of the fear avoidance beliefs questionnaire. Cad Saude Publica. 2008;24:615-23.

Os pacientes foram considerados como tendo dor extraespinal se tivessem queixas de dor crônica além da lombalgia, mas não preenchessem os critérios para fibromialgia.

Análise estatística

O tamanho da amostra seguiu os critérios para a análise de regressão logística múltipla com, pelo menos, cinco a 12 pacientes em cada uma das 12 variáveis explicativas.

A normalidade da distribuição dos dados foi analisada com o teste de Kolmogorov-Smirnov e foram aplicados testes paramétricos. Os dados quantitativos foram expressos como a média (DP), enquanto os dados qualitativos foram expressos em números absolutos e frequência relativa.

A influência combinada das variáveis e do momento de avaliação sobre a resposta do paciente foi avaliada com um modelo ajustado que usou equações de estimação generalizadas (GEE) com uma distribuição marginal normal e uma função de ligação identidade, assumiram-se correlações com modelo de simetria composta entre os momentos no tempo.

Somente as variáveis estatisticamente significativas foram mantidas nos modelos finais. O ajuste de cada modelo foi verificado com análises residuais que usaram a distância de Cook ou resíduos de desvio. O nível de significância foi estabelecido em 5%.

Resultados

A partir de 217 entrevistas, foram selecionadas 130 pessoas com lombalgia crônica; 17 pacientes saíram do estudo antes do fim das consultas regulares e foram excluídos; 113 concluíram o estudo. A principal razão descrita para a saída do estudo incluiu dificuldades de locomoção até o centro de reabilitação na quantidade de vezes necessária.

A amostra foi composta por 81 mulheres e 32 homens entre 21 e 80 anos. A coorte consistiu de 40% de donas de casa e aposentados, 16% de funcionários da limpeza, 10% de empregados de escritório e 31% de outras ocupações. Apenas 3% estavam desempregados. O valor médio do IMC foi de 27,9 kg/m2, variou de 18 a 47. A duração da LMC variou de três meses a 40 anos (± 0,76 anos). Características demográficas, antropométricas e clínicas adicionais desses pacientes são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Dados demográficos, antropométricos e clínicos

A resposta à fisioterapia avaliada pela END diminuiu da primeira para a segunda avaliação (74% versus 61%, p = 0,03). Quando avaliada com o RMDQ, a frequência de resposta foi semelhante em ambas as avaliações (80% versus 79%, p = 0,87; tabela 2).

Tabela 2
Resposta à fisioterapia para a lombalgia crônica medida pela Escala Numérica de Dor (END) e pelo Questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ) em cada momento de avaliação

Os participantes com uma pontuação elevada no FABQ-trabalho tiveram um pior desfecho nas avaliações baseadas nos resultados da END (55% não responsivo versus 30% responsivo e 59% não responsivo versus 22% responsivo, p < 0,001). Os mesmos resultados foram observados para os pacientes com dor extraespinal (48% versus 25% e 48% versus 20%, p = 0,002; tabela 3). As pontuações no FABQ-trabalho mais elevadas e a maior frequência de dor extraespinal de acordo com o RMDQ não alcançaram significância estatística (tabela 3).

Tabela 3
Fatores prognósticos para a resposta à fisioterapia avaliada pela Escala Numérica de Dor (END) e pelo Questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ) em cada momento de avaliação

Na análise do modelo final, a presença de crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho e dor extraespinal permaneceram como fatores independentes associados à não responsividade (OR = 0,27, IC 95% = 0,13-0,56; p < 0,001 e OR = 0,35, IC 95% 0,17-0,74; p = 0,006, respectivamente; tabela 4).

Tabela 4
Modelo final dos fatores prognósticos para a resposta à fisioterapia convencional avaliada pela Escala Análogo-Numérica (EAN)

Além disso, foram analisados os resultados como a percentagem de mudança na resposta em relação à linha de base. As taxas de resposta no RMDQ e END foram negativamente influenciadas pela dor extraespinal e crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho (tabela 5).

Tabela 5
Análise bivariada e multivariada dos fatores que influenciam a resposta à fisioterapia, avaliada pela Escala Numérica de Dor (END) e pelo Questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ) e medida como a porcentagem de alteração da linha de base

Discussão

Este trabalho é um dos poucos estudos prospectivos que avaliaram os fatores prognósticos relacionados com a fisioterapia para pacientes com lombalgia crônica. Observamos que as crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho e a dor extraespinal influenciam negativamente o desfecho.

Incapacidade funcional resultante de LMC tem aumentado, apesar de novas intervenções. As comparações entre os estudos têm sido dificultadas pelo uso de definições e medidas de desfechos discrepantes.2121 Deyo RA, Dworkin SF, Amtmann D, Andersson G, Borenstein D, Carragee E, et al. Report of the NIH Task Force on Research standards for chronic low back pain. Spine J. 2014;14:1375-91. Da mesma maneira, não existem regras de ouro para predizer resposta ao tratamento para a LMC.2222 Henschke N, van Enst A, Froud R, Ostelo RW. Responder analyses in randomised controlled trials for chronic low back pain: an overview of currently used methods. Eur Spine J. 2014;23:772-8. Neste estudo, os pacientes foram considerados responsivos se mostrassem uma diminuição de pelo menos dois pontos nos escores da END ou quatro pontos nos escores do RMDQ. Alternativamente, foi avaliada a resposta como a porcentagem de variação em relação à linha de base e encontraram-se resultados semelhantes. No entanto, não foram feitas análises de sensibilidade. Estudos futuros devem abordar essa questão em mais detalhes para apoiar as conclusões do presente estudo.

As pontuações no FABQ-trabalho surgiram como uma variável importante, apesar da inclusão de uma grande proporção de donas de casa na população de estudo. Os achados do nosso estudo apoiam os resultados de outras pesquisas, com a sugestão de que devam ser testados programas individualizados de fisioterapia que se concentrem nas diferentes atividades ocupacionais.2323 Patel S, Ngunjiri A, Sandhu H, Griffiths F, Thistlewaite J, Brown S, et al. Design and development of a decision support package for low back pain. Arthritis Care Res. 2014;66:925-33.,2424 Main CJ, George SZ. Psychologically informed practice for management of low back pain: future directions in practice and research. Phys Ther. 2011;91:820-4.

Não está claro se fatores psicológicos merecem intervenções específicas para reduzir o impacto da LMC.2525 Pincus T, Vlaeyen JW, Kendall NA, Von Korff MR, Kalauokalani DA, Reis S. Cognitive-behavioral therapy and psychosocial factors in low back pain: directions for the future. Spine (Phila, PA 1976). 2002;27:E133-8. Quando foi publicado em 2007, o MMICS sugeriu a inclusão da evitação e medo e outros fatores psicológicos (pensamento catastrófico e depressão) em pesquisas prospectivas da transição da lombalgia aguda para crônica.99 Pincus T, Santos R, Breen A, Burton AK, Underwood M, Multinational Musculoskeletal Inception Cohort Study Collaboration. A review and proposal for a Core set of factors for prospective cohorts in low back pain: a consensus statement. Arthritis Rheum. 2008;59:14-24. Os fatores que foram incorporados refletem em grande parte a opinião de especialistas e, portanto, eram um tanto subjetivos, apesar de representar um consenso. O impacto desses componentes na estratégia de tratamento da lombalgia crônica (e não apenas nas fases iniciais) não está tão bem estabelecido. No presente estudo, a evitação e o medo, mas não outros fatores psicológicos, influenciaram os desfechos.

A dor extraespinal foi outro importante fator a afetar a resposta ao tratamento. Os pacientes que tinham a lombalgia como queixa principal evoluiram melhor quando não tinham dor em outros locais. Já foi sugerido que os indivíduos com dor crônica muitas vezes apresentam mais de uma condição dolorosa,2626 Davis JA, Robinson RL, Le TK, Xie J. Incidence and impact of pain conditions and comorbid illnesses. J Pain Res. 2011;4:331-345. mas a importância dessa observação para o tratamento e o prognóstico ainda não está clara.

No presente estudo, a maior parte dos pacientes melhorou significativamente com a fisioterapia. O protocolo usado consistiu de uma série de exercícios que são normalmente aplicados e que têm um nível bem estabelecido de eficácia na literatura.2727 Delitto A, George SZ, Van Dillen LR, Whitman JM, Sowa G, Shekelle P, et al. Low back pain. J Orthop Sports Phys Ther. 2012;42:A1-57. Vale ressaltar que a taxa de resposta, medida pela END, diminuiu após três meses de tratamento; no entanto, esse fenômeno não foi observado com o RMDQ, o que sugere que a fisioterapia teve efeitos mais duradouros sobre a função do que sobre a percepção da dor. Talvez os programas de fisioterapia afetem a capacidade dos pacientes lidarem com a dor. Essa questão deve ser avaliada em estudos futuros, com períodos de seguimento mais longos.

Infelizmente, a amostra usada no presente estudo incluiu uma grande proporção de donas de casa, o que impede a extrapolação desses resultados para outras populações. Embora tenha sido avaliada uma grande quantidade de pacientes, a LMC é uma condição muito comum; assim, estudos ainda maiores em contextos ocupacionais e biopsicossociais variados devem ser realizados. Deve-se mencionar que o estudo durou apenas três meses; consequentemente, não abordou a necessidade de retratamento nem a duração em longo prazo da resposta ao tratamento, nem foi concebido para abordar a importante questão da capacidade dos pacientes de retornar ao trabalho.

Estudos epidemiológicos mostraram que o espectro de doenças musculoesqueléticas nos países em desenvolvimento é semelhante ao observado nos países industrializados, mas o peso da doença tende a ser maior por causa do atraso no diagnóstico ou da falta de acesso a instituições de saúde adequadas para um tratamento eficaz.2828 Mody GM, Brooks PM. Improving musculoskeletal health: global issues. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2012;26:237-49. No Brasil, a maior parte dos pacientes com lombalgia crônica recebe uma prescrição de sessões limitadas de fisioterapia, de uma maneira quase universal; no entanto, os resultados do presente estudo sugerem que a fisioterapia, como outros tratamentos para a lombalgia crônica, deve ser individualizada de acordo com as características específicas do paciente.

A evitação e o medo podem ser uma barreira para a recuperação da lombalgia crônica, independentemente da modalidade de tratamento. Acredita-se que a evitação e o medo devem ser rotineiramente testados para ajudar os profissionais e pesquisadores a definir as melhores estratégias de tratamento.

Em conclusão, identificou-se que as crenças de evitação e medo relacionadas com o trabalho e a presença de dor extraespinal são as características dos subgrupos de pacientes que podem exigir protocolos de tratamento individualizados e programas de reabilitação especiais para a LMC.

  • Financiamento
    Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (ASAF).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2015
  • Aceito
    11 Nov 2015
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