Acessibilidade / Reportar erro

Análise de quatro marcadores sorológicos na artrite reumatoide: associação com manifestações extra-articulares no paciente e artralgia em familiares

RESUMO

Objetivos:

Avaliar a frequência de quatro marcadores sorológicos em pacientes com AR e seus familiares e identificar possíveis associações com achados clínicos da doença.

Métodos:

Estudo analítico transversal. Determinaram-se os níveis de anticorpos antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP), anticorpos antivimentina citrulinada-mutada (anti-MCV) e fator reumatoide (FR) IgA por Elisa e de FR-IgM por aglutinação em látex em 210 pacientes com AR, 198 familiares e 92 controles saudáveis do sul do Brasil. Coletaram-se dados clínicos e demográficos por meio da revisão de prontuários e questionários.

Resultados:

Observou-se maior positividade para todos os anticorpos em pacientes com AR em comparação com os familiares e controles (p < 0,0001). O FR-IgA era mais frequente em familiares quando comparados com os controles (14,6% versus 5,4%, p = 0,03, OR = 2,98; IC95% = 1,11 a 7,98). O anti-CCP foi o biomarcador mais comum entre pacientes com AR (75,6%). A positividade concomitante para os quatro biomarcadores foi mais comum nos pacientes (46,2%, p < 0,0001). Familiares e controles eram positivos em sua maioria para apenas um biomarcador (20,2%, p < 0,0001 e 15,2%, p = 0,016, respectivamente). Não foi observada associação entre o número de biomarcadores positivos e a idade de início da doença, classe funcional ou exposição ao fumo. Em pacientes soronegativos, predominou a ausência de manifestações extra-articulares (MEA) (p = 0,01; OR = 3,25; IC95% = 1,16 a 10,66). A artralgia estava presente em familiares positivos, independentemente do tipo de biomarcador.

Conclusões:

Um maior número de biomarcadores estava presente em pacientes com AR com MEA. A positividade dos biomarcadores estava relacionada com a artralgia em familiares. Esses achados reforçam a ligação entre os diferentes biomarcadores e os mecanismos fisiopatológicos da AR.

Palavras-chave:
Artrite reumatoide; Biomarcadores; Fator reumatoide; Anti CCP; Anti vimentina citrulinada

ABSTRACT

Objectives:

To evaluate the frequency of four serum biomarkers in RA patients and their relatives and identify possible associations with clinical findings of the disease.

Methods:

This was a transversal analytical study. Anti-cyclic citrullinated peptide (anti-CCP), anti-mutated citrullinated vimentin (anti-MCV) and IgA-rheumatoid factor (RF) were determined by ELISA and IgM-RF by latex agglutination in 210 RA patients, 198 relatives and 92 healthy controls from Southern Brazil. Clinical and demographic data were obtained through charts review and questionnaires.

Results:

A higher positivity for all antibodies was observed in RA patients when compared to relatives and controls (p < 0.0001). IgA-RF was more frequent in relatives compared to controls (14.6% vs. 5.4%, p = 0.03, OR = 2.98; 95% CI = 1.11-7.98) whereas anti-CCP was the most common biomarker among RA patients (75.6%). Concomitant positivity for the four biomarkers was more common in patients (46.2%, p < 0.0001). Relatives and controls were mostly positive for just one biomarker (20.2%, p < 0.0001 and 15.2%, p = 0.016, respectively). No association was observed between the number of positive biomarkers and age of disease onset, functional class or tobacco exposure. In seronegative patients predominate absence of extra articular manifestations (EAMs) (p = 0.01; OR = 3.25; 95% CI = 1.16-10.66). Arthralgia was present in positive relatives, regardless the type of biomarker.

Conclusions:

A higher number of biomarkers was present in RA patients with EAMs. Positivity of biomarkers was related to arthralgia in relatives. These findings reinforce the link between distinct biomarkers and the pathophysiologic mechanisms of AR.

Keywords:
Rheumatoid arthritis; Biomarkers; Rheumatoid factor; Anti CCp; Anti citrulinated vimentin

Introdução

A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica que ocorre em 0,2% a 1% da população mundial.11 Alamanos Y, Voulgari PV, Drosos AA. Incidence and prevalence of rheumatoid arthritis, based on the 1987 American College of Rheumatology criteria: a systematic review. Semin Arthritis Rheum. 2006;36:182-8. Sua prevalência em familiares de primeiro grau de pacientes com AR é de 2% a 4%, o que os caracteriza como um grupo de risco para a AR.22 Harney S, Wordsworth BP. Genetic epidemiology of rheumatoid arthritis. Tissue Antigens. 2002;60:465-73.

3 Firestein GS. Evolving concepts of rheumatoid arthritis. Nature. 2003;5:356-61.

4 Hemminki K, Li X, Sundquist J, Sundquist K. Familial associations of rheumatoid arthritis with autoimmune diseases and related conditions. Arthritis Rheum. 2009;60:661-8.
-55 Goeldner I, Skare TL, Messias Reason IT, Nisihara RM, Silva MB, Utiyama SRR. Anti-cyclic citrullinated peptide antibodies and rheumatoid factor in rheumatoid arthritis patients and relatives from Brazil. Rheumatology. 2010;49:1590-3. Nesse contexto, a investigação de marcadores sorológicos em familiares saudáveis pode ser importante para identificar casos precoces de AR66 Silman AJ, MacGregor AJ, Thomson W, Holligan S, Carthy D, Farhan A, et al. Twin concordance rates for rheumatoid arthritis: results from a nationwide study. Br J Rheumatol. 1993;32:903-7.,77 Mac Gregor AJ, Snieder H, Rigby AS, Koskenvuo M, Kaprio J, Aho K, et al. Characterizing the quantitative genetic contribution to rheumatoid arthritis using data from twins. Arthritis Rheum. 2000;43:30-7. e para compreender os mecanismos fisiopatológicos subjacentes ao processo de doença.

O fator reumatoide (FR) é um marcador sorológico clássico usado para o diagnóstico de AR, sendo FR-IgM a isoforma mais comum. Em contraste, o FR-IgA tem sido associado à artrite erosiva e parece ser um melhor indicador da gravidade da doença do que o FR-IgM ou o FR-IgG.88 Turesson C, Matteson EL. Vasculitis in rheumatoid arthritis. Curr Opin Rheumatol. 2009;21:35-40.,99 Nell-Duxneuner V, Machold K, Stamm T, Eberl G, Heinzl H, Hoefler E, et al. Autoantibody profiling in patients with very early rheumatoid arthritis - a follow-up study. Ann Rheum Dis. 2010;69:169-74. Anticorpos contra peptídeos citrulinados (ACPA), como o antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) e a antivimentina citrulinada-mutada (anti-MCV), são considerados marcadores altamente específicos para a AR.1010 Bartoloni E, Alunno A, Bistoni O, Bizzaro N, Migliorini P, Morozzi G, et al. Diagnostic value of anti-mutated citrullinated vimentin in comparison to anti-cyclic citrullinated peptide and anti-viral citrullinated peptide 2 antibodies in rheumatoid arthritis: an Italian multicentric study and review of the literature. Autoimmun Rev. 2012;11:815-20. O anti-CCP tem valor tanto diagnóstico quanto prognóstico e pode ser detectado antes de surgirem as manifestações clínicas da doença.1111 Farid SS, Azizi G, Mirshafiey A. Anti-citrullinated protein antibodies and their clinical utility in rheumatoid arthritis. Int J Rheum Dis. 2013;16:379-86. Recentemente, o anti-MCV também foi proposto como um marcador diagnóstico para a artrite precoce, com a mesma especificidade mas com maior sensibilidade do que o anti-CCP.1212 Mathsson L, Mullazehi M, Wick MC, Sjöberg O, Van Vollenhoven R, Klareskog L, et al. Antibodies against citrullinated vimentin in rheumatoid arthritis: higher sensitivity and extended prognostic value concerning future radiographic progression as compared with antibodies against cyclic citrullinated peptides. Arthritis Rheum. 2008;58:36-45. Além disso, o anti-MCV tem sido detectado em familiares saudáveis de pacientes com AR,1313 Raza K, Mathsson L, Buckley CD, Filer A, Rönnelid J. Anti-modified citrullinated vimentin (MCV) antibodies in patients with very early synovitis. Ann Rheum Dis. 2010;69:627-8. sugerindo que este autoanticorpo pode ser um novo marcador prognóstico para aparecimento da AR.

A positividade para mais de um marcador sorológico da AR em um mesmo paciente pode indicar um pior prognóstico ou, no caso de familiares, o início precoce da doença.1414 Rantapää-Dahlqvist S, Jong BAW, Berglin E, Hallmans G, Wandell G, Stenlund H, et al. Antibodies against cyclic citrullinated peptide and IgA rheumatoid factor predict the development of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2003;48:2741-9.,1515 Nielen MM, Van Schaardenburg D, Reesink HW, Van de Stadt RJ, Van der Horst-Bruinsma IE, de Koning MH, et al. Specific autoantibodies precede the symptoms of rheumatoid arthritis: a study of serial measurements in blood donors. Arthritis Rheum. 2004;50:380-6. Na verdade, a positividade para mais de um autoanticorpo tem sido relatada entre familiares de pacientes com AR não afetados, especialmente em famílias com múltiplos casos.1616 Kolfenbach JR, Deane KD, Derber LA, O’Donnell C, Weisman MH, Buckner JH, et al. A prospective approach to investigating the natural history of preclinical rheumatoid arthritis (RA) using first-degree relatives of probands with RA. Arthritis Rheum. 2009;61:1735-42.,1717 Arlestig L, Mullazehi M, Kokkonen H, Rocklöv J, Rönnelid J, Dahlqvist SR. Antibodies against cyclic citrullinated peptides of IgG, IgA and IgM isotype and rheumatoid factor of IgM and IgA isotype are increased in unaffected members of multicase rheumatoid arthritis families from northern Sweden. Ann Rheum Dis. 2012;71:825-9.

Até o momento, não há relatos que considerem a simultaneidade desses biomarcadores em pacientes com AR e seus familiares na população brasileira. Assim, no presente trabalho, investiga-se a frequência de anti-CCP, anti-MCV, FR-IgA e FR-IgM em pacientes com AR e seus familiares, procurando-se identificar possíveis associações entre a simultaneidade desses biomarcadores e achados clínicos da AR ou o seu diagnóstico.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e analítico devidamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local. Obteve-se o consentimento informado de todos os indivíduos.

Amostra

Foram incluídos 210 pacientes consecutivos com AR e que preenchiam os critérios de classificação do ACR,1818 Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS, et al. The American Rheumatology Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24. obtidos de um único centro de atenção terciária, entre agosto de 2007 e abril de 2009. As características demográficas e clínicas dos pacientes com AR são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Características demográficas e clínicas dos pacientes com AR

Foram estudados, também, 198 familiares (61,1% do sexo feminino, 38,9% do masculino; média de 36,8 anos; com variação de 7 a 91 anos sendo 94% familiares do primeiro grau) representando 78 famílias (2,54 familiares/família). Além disso, como controle, foi utilizado soro de 92 voluntários saudáveis da mesma área geográfica, pareados por sexo e idade com os pacientes (82,6% do sexo feminino, 17,4% do masculino, com média de 45,8 anos; intervalo 23 de 81 anos). Nenhum dos controles possuía familiares com AR.

Avaliação de autoanticorpos

Avaliaram-se o anti-CCP e o FR-IgA por imunoadsorção enzimática (ELISA) utilizando-se o Kit da Inova Diagnostics (San Diego, EUA). O anti-MCV foi determinado pelo Kit de ELISA da Orgentec Diagnostika (Mainz, Alemanha). O FR-IgM foi medido por meio do teste de aglutinação em látex (BioSystems SA, Barcelona, Espanha). Os valores de corte foram estabelecidos de acordo com as especificações fornecidas pelo fabricante.

Coleta de dados

Coletaram-se os dados demográficos e clínicos de pacientes e familiares por meio da revisão de prontuários e questionários padrão aplicados individualmente por um reumatologista no momento da entrada no estudo (tabelas 1 e 2). Em pacientes com AR, foram consideradas as seguintes manifestações extra-articulares (MEA): nódulos reumatoides, serosite, pericardite, doença valvar, vasculite, fibrose pulmonar, pneumonia, síndrome de Felty e síndrome de Sjögren secundária. A classificação funcional de Steinbrocker foi aplicada com a finalidade de determinar o grau de incapacidade física dos pacientes com AR. O diagnóstico de síndrome de Sjogren secundária seguiu os Critérios Americanos/Europeus.1919 Vitali C, Bomardieri S, Jonsson R, Moutsopoulos HM, Alexander EL, Carsons SE, et al. Classification criteria for Sjögren's syndrome: a revised version of the European criteria proposed by the American European consensus group. Ann Rheum Dis. 2002;61:554-8. O seguimento clínico dos familiares com testes positivos foi feito durante um período médio de sete anos (intervalo de dois a oito anos; IIQ = seis a sete anos).

Tabela 2
Associação entre dados demográficos e clínicos e biomarcadores em pacientes com AR

Análise estatística

Foi feita com auxílio dos softwares GraphPad Prism 4.0 (GraphPad Software Inc., La Jolla, EUA) e Statistic 5.5 (StatSoft Inc., Tulsa, EUA). As comparações entre os níveis de autoanticorpos foram realizadas através dos testes não paramétricos de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis. Os testes de qui-quadrado e exato de Fisher foram aplicados para as análises de associação entre grupos. O teste de Spearman foi usado para a análise de correlação. O nível de significância foi estabelecido em 0,05.

Resultados

Prevalência de biomarcadores em pacientes com AR, familiares e controles

A prevalência de cada um dos biomarcadores em pacientes com AR, seus familiares e controles pode ser vista na figura 1. Nela observa-se que o biomarcador mais prevalente nos pacientes com AR é o anti-CCP e o mais comum em familiares foi o FR-IgA.

Figura 1
Positividade dos biomarcadores nos grupos estudados.Pacientes: anti-CCP+ versus FR-IgA+: p = 0,03; OR = 1,62; IC95% = 1,06 a 2,48.Todas as outras comparações: p = ns.Familiares anti-CCP+ versus FR-IgA+: p = 0,004; OR = 0,34; IC95% = 0,16 a 0,70.Todas as outras comparações: p = ns.Controles: todas as comparações p = nsFamiliares FR-IgA+ versus Controles FR-IgA+: p = 0,03; OR = 2,98; IC95% = 1,11 a 7,98.Todas as outras comparações: p = ns.ns, não significativo.

Estudou-se o título médio de cada biomarcador nos três grupos e os resultados estão apresentados na figura 2, na qual é possível ver que os familiares tinham um valor intermediário entre os pacientes e controles.

Figura 2
Anti-CCP, anti-MCV, FR-IgM e FR-IgA em pacientes, familiares e controles. * Análise não aplicável.

Em pacientes com AR, observou-se uma correlação estatisticamente significativa entre os títulos dos quatro marcadores investigados, mas a correlação entre o anti-MCV e o anti-CCP (r = 0,73) e o FR-IgM e o FR-IgA (r = 0,71) foi mais forte em comparação com as outras associações (anti-MCV/FR-IgM, r = 0,38; anti-MCV/FR-IgA, r = 0,41; FR-IgM/anti-CCP, r = 0,46; FR-IgA/anti-CCP, r = 0,47).

A presença dos quatro biomarcadores simultaneamente positivos ocorreu em 46,2% no grupo de AR, enquanto nos familiares verificou-se em 2% desses e nenhum dos indivíduos do grupo controle.

Associação entre biomarcadores e achados clínicos em pacientes com AR e familiares

A tabela 2 apresenta os dados demográficos e clínicos dos pacientes com AR e sua associação com o número de biomarcadores positivos.

Em 34,8% (69/198) dos pacientes existia algum tipo de MEA. Os pacientes negativos para todos os biomarcadores tiveram menor frequência de MEA (5,8% versus 17,8%, p = 0,01; OR = 3,25; IC95% = 1,16 a 10,66). Foi observado um aumento na positividade concomitante para três biomarcadores em pacientes com MEA em comparação com pacientes sem MEA (tabela 3). Em uma análise individual das diferentes formas de MEA, apenas o valor de p para a síndrome de Sjögren secundária permaneceu significativo (p = 0,01; OR = 2,73; IC95% = 1,24 a 6,08).

Tabela 3
Manifestações extra-articulares de acordo com o número de biomarcadores positivos

A tabela 4 mostra a associação entre dados demográficos, clínicos e sorológicos com a positividade para biomarcadores em familiares. Existia artralgia em 11,7% (22/197) dos mesmos, sendo observada uma frequência significativa de artralgia em familiares positivos, independentemente do tipo de biomarcador. Cada biomarcador apresentou associação significativa com os outros autoanticorpos testados (tabela 4).

Tabela 4
Associação entre dados demográficos, clínicos e sorológicos e positividade dos biomarcadores nos familiares de pacientes com AR

Seguimento de familiares positivos

Os familiares foram acompanhados prospectivamente por um período médio de sete anos (intervalo de dois a oito; IIQ = seis a sete anos) com avaliações semestrais. Até o momento, três familiares positivos (duas mulheres e um homem, com média de 43,3 anos) tiveram o diagnóstico de AR confirmado; todos tinham títulos elevados de biomarcadores. Entre os familiares, um era positivo para todos os quatros biomarcadores e seu irmão (com AR) tinha altos títulos de anti-CCP. Além disso, sete familiares não afetados com altos títulos de autoanticorpos e alguns sintomas da doença estão sendo seguidos. Dois deles são positivos para quatro biomarcadores concomitantemente, dois para dois biomarcadores e três para um biomarcador. Nenhum dos outros familiares positivos para os biomarcadores testados atendeu aos critérios diagnóstico da AR.

Não foram detectados casos de AR entre familiares negativos para autoanticorpos.

Discussão

Este é um estudo pioneiro no qual quatro biomarcadores sorológicos foram avaliados concomitantemente em pacientes com AR e seus familiares em uma população do sul do Brasil. Estudos anteriores mostraram um aumento na positividade para autoanticorpos em familiares não afetados quando comparados com controles saudáveis.55 Goeldner I, Skare TL, Messias Reason IT, Nisihara RM, Silva MB, Utiyama SRR. Anti-cyclic citrullinated peptide antibodies and rheumatoid factor in rheumatoid arthritis patients and relatives from Brazil. Rheumatology. 2010;49:1590-3.,1717 Arlestig L, Mullazehi M, Kokkonen H, Rocklöv J, Rönnelid J, Dahlqvist SR. Antibodies against cyclic citrullinated peptides of IgG, IgA and IgM isotype and rheumatoid factor of IgM and IgA isotype are increased in unaffected members of multicase rheumatoid arthritis families from northern Sweden. Ann Rheum Dis. 2012;71:825-9.,2020 Ioan-Facsinay A, Willemze A, Robinson DB, Peschken CA, Markland J, Van der Woude D, et al. Marked differences in fine specificity and isotype usage of the anti-citrullinated protein antibody in health and disease. Arthritis Rheum. 2008;58:3000-8.,2121 Young KA, Deane KD, Derber LA, Hughes Austin JM, Wagner CA, Sokolove J, et al. Relatives without rheumatoid arthritis shoe reactivity to anti-citrullinated protein/peptide antibodies which are associated with arthritis-related traits: studies of the etiology of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2013;65:1995-2004. Os resultados do presente estudo corroboram esses achados.

Embora a especificidade do FR-IgA para a AR não seja tão elevada quanto a do anti-CCP, o FR-IgA tem sido detectado vários anos antes de surgirem os sintomas da doença, o que sugere um papel primário do FR-IgA na patogênese da AR.1414 Rantapää-Dahlqvist S, Jong BAW, Berglin E, Hallmans G, Wandell G, Stenlund H, et al. Antibodies against cyclic citrullinated peptide and IgA rheumatoid factor predict the development of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2003;48:2741-9. Essa é uma observação muito interessante, uma vez que no presente estudo o FR-IgA foi o biomarcador com maior positividade entre familiares. Além disso, vários familiares foram positivos para FR e anti-MCV, mas os três familiares que tinham AR confirmada foram positivos para anti-CCP, o que reforçou a elevada especificidade (99%) e o valor preditivo positivo (99%) desse autoanticorpo. Em apoio a essa observação, o anti-CCP foi o único biomarcador cujos títulos não foram estatisticamente diferentes quando familiares e pacientes foram comparados (fig. 2A).

Quanto ao número de biomarcadores positivos, um estudo prévio2222 Barra L, Scinocca M, Saunders S, Bhayana R, Rohekar S, Racapé M, et al. Anti-citrullinated protein antibodies in unaffected first-degree relatives relatives of rheumatoid arthritis patients. Arthritis Rheum. 2013;65:1439-47. mostrou que a maioria dos pacientes com AR foi positiva para os quatro biomarcadores simultaneamente, enquanto familiares geralmente tinham apenas um anticorpo, tal como confirmado no presente estudo. Uma explicação para esse achado pode ser o «epitope spreading», que causa um aumento de anticorpos pouco antes da doença clínica eclodir.2323 Van der Woude D, Rantapaa-Dahlqvist S, Ioan-Facsinay A, Onnekink C, Schwarte CM, Verpoort KN, et al. Epitope spreading of the anti-citrullinated protein antibody response occurs before disease onset and is associated with the disease course of early arthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:1554-61.

Algumas pesquisas sugeriram que os anticorpos anti-MCV têm um valor comparável ao do anti-CCP para diagnóstico de AR, tendo, inclusive, sensibilidade ainda maior.2424 Dejaco C, Klotz W, Larcher H, Duftner C, Schirmer M, Herold M. Diagnostic value of antibodies against a modified citrullinated vimentin in rheumatoid arthritis. Arthritis Res Ther. 2006;8:R119.,2525 Svard A, Kastbom A, Soderlin MK, Reckner-Olsson A, Skogh T. A comparison between IgG- and IgA-class antibodies to cyclic citrullinated peptides and to modified citrullinated vimentin in early rheumatoid arthritis and very early arthritis. J Rheumatol. 2011;38:1265-72. Esse não foi o caso no presente estudo, em que prevalência, sensibilidade e especificidade do anti-MCV foram inferiores às do anti-CCP.

Uma forte correlação entre os biomarcadores da AR já foi observada anteriormente. Poulsom et al.2626 Poulsom H, Charles PJ. Antibodies to citrullinated vimentin are a specific and sensitive marker for the diagnosis of rheumatoid arthritis. Clin Rev Allergy Immunol. 2008;34:4-10. mostraram uma boa correlação entre o anti-MCV e o anti-CCP e entre o anti-MCV e o FR-IgM, mas não entre o anti-CCP e o FR-IgM. O presente estudo encontrou uma correlação estatisticamente significativa entre todos os marcadores, especialmente entre o anti-CCP e o anti-MCV e entre o FR-IgA e o FR-IgM. Esse padrão foi previamente descrito em familiares de primeiro grau de pacientes com AR2727 Kim SK, Bae J, Lee H, Kim JH, Park SH, Choe JY. Greater prevalence of seropositivity for anti-cyclic citrullinated peptide antibody in unaffected first-degree relatives in multicase rheumatoid arthritis-affected families. Korean J Intern Med. 2013;28:45-53. e pode estar associado à presença de epítopos comuns.

Nossa casuística apresentou uma elevada prevalência de MEA (34,8%), e tal fato pode ser explicado por peculiaridades genéticas e ambientais locais, as quais influem no desenvolvimento da autoimunidade 2828 Gibofsky A. Overview of epidemiology, pathophysiology, and diagnosis of rheumatoid arthritis. Am J Care. 2012;18:S295-302. Observou-se positividade para um maior número de biomarcadores entre os pacientes com MEA, em especial a síndrome de Sjögren secundária.

Os resultados apresentados pelos familiares de pacientes com AR mostram que o rastreamento sorológico é uma ferramenta viável e útil em indivíduos em situação de risco, como enfatizado por outros autores.1717 Arlestig L, Mullazehi M, Kokkonen H, Rocklöv J, Rönnelid J, Dahlqvist SR. Antibodies against cyclic citrullinated peptides of IgG, IgA and IgM isotype and rheumatoid factor of IgM and IgA isotype are increased in unaffected members of multicase rheumatoid arthritis families from northern Sweden. Ann Rheum Dis. 2012;71:825-9.,2121 Young KA, Deane KD, Derber LA, Hughes Austin JM, Wagner CA, Sokolove J, et al. Relatives without rheumatoid arthritis shoe reactivity to anti-citrullinated protein/peptide antibodies which are associated with arthritis-related traits: studies of the etiology of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2013;65:1995-2004.,2222 Barra L, Scinocca M, Saunders S, Bhayana R, Rohekar S, Racapé M, et al. Anti-citrullinated protein antibodies in unaffected first-degree relatives relatives of rheumatoid arthritis patients. Arthritis Rheum. 2013;65:1439-47. A alta prevalência de artralgia em familiares positivos para qualquer um dos quatro biomarcadores evidencia essa hipótese, uma vez que alguns desses familiares (três) já evoluíram para AR florida. Todos os familiares que desenvolveram AR apresentavam altos títulos de biomarcadores; um era positivo para os quatro biomarcadores e tinha outro irmão positivo para anti-CCP. Entre os outros dois, um era positivo tanto para anti-CCP quanto para FR-IgM, enquanto o outro era positivo apenas para anti-CCP. A maior parte dos familiares com autoanticorpos que não desenvolveu a doença até agora era positiva para apenas um biomarcador. No entanto, isso não exclui o risco de que eles venham a desenvolver a doença. É possível que eles possam posteriormente soroconverter para dois, três ou mais biomarcadores, como demonstrado nos pacientes com AR estabelecida.

Concluindo, o número de biomarcadores foi mais elevado em pacientes com AR e MEA, mas não foi encontrada associação com duração da doença e/ou classe funcional. Por outro lado, os pacientes soronegativos apresentaram MEA menos frequentemente. Observou-se uma alta prevalência de artralgia em familiares positivos, independentemente do tipo de biomarcador. Estudos futuros podem vir a esclarecer essa fascinante ligação entre a presença de diferentes biomarcadores e os mecanismos fisiopatológicos da AR.

REFERENCES

  • 1
    Alamanos Y, Voulgari PV, Drosos AA. Incidence and prevalence of rheumatoid arthritis, based on the 1987 American College of Rheumatology criteria: a systematic review. Semin Arthritis Rheum. 2006;36:182-8.
  • 2
    Harney S, Wordsworth BP. Genetic epidemiology of rheumatoid arthritis. Tissue Antigens. 2002;60:465-73.
  • 3
    Firestein GS. Evolving concepts of rheumatoid arthritis. Nature. 2003;5:356-61.
  • 4
    Hemminki K, Li X, Sundquist J, Sundquist K. Familial associations of rheumatoid arthritis with autoimmune diseases and related conditions. Arthritis Rheum. 2009;60:661-8.
  • 5
    Goeldner I, Skare TL, Messias Reason IT, Nisihara RM, Silva MB, Utiyama SRR. Anti-cyclic citrullinated peptide antibodies and rheumatoid factor in rheumatoid arthritis patients and relatives from Brazil. Rheumatology. 2010;49:1590-3.
  • 6
    Silman AJ, MacGregor AJ, Thomson W, Holligan S, Carthy D, Farhan A, et al. Twin concordance rates for rheumatoid arthritis: results from a nationwide study. Br J Rheumatol. 1993;32:903-7.
  • 7
    Mac Gregor AJ, Snieder H, Rigby AS, Koskenvuo M, Kaprio J, Aho K, et al. Characterizing the quantitative genetic contribution to rheumatoid arthritis using data from twins. Arthritis Rheum. 2000;43:30-7.
  • 8
    Turesson C, Matteson EL. Vasculitis in rheumatoid arthritis. Curr Opin Rheumatol. 2009;21:35-40.
  • 9
    Nell-Duxneuner V, Machold K, Stamm T, Eberl G, Heinzl H, Hoefler E, et al. Autoantibody profiling in patients with very early rheumatoid arthritis - a follow-up study. Ann Rheum Dis. 2010;69:169-74.
  • 10
    Bartoloni E, Alunno A, Bistoni O, Bizzaro N, Migliorini P, Morozzi G, et al. Diagnostic value of anti-mutated citrullinated vimentin in comparison to anti-cyclic citrullinated peptide and anti-viral citrullinated peptide 2 antibodies in rheumatoid arthritis: an Italian multicentric study and review of the literature. Autoimmun Rev. 2012;11:815-20.
  • 11
    Farid SS, Azizi G, Mirshafiey A. Anti-citrullinated protein antibodies and their clinical utility in rheumatoid arthritis. Int J Rheum Dis. 2013;16:379-86.
  • 12
    Mathsson L, Mullazehi M, Wick MC, Sjöberg O, Van Vollenhoven R, Klareskog L, et al. Antibodies against citrullinated vimentin in rheumatoid arthritis: higher sensitivity and extended prognostic value concerning future radiographic progression as compared with antibodies against cyclic citrullinated peptides. Arthritis Rheum. 2008;58:36-45.
  • 13
    Raza K, Mathsson L, Buckley CD, Filer A, Rönnelid J. Anti-modified citrullinated vimentin (MCV) antibodies in patients with very early synovitis. Ann Rheum Dis. 2010;69:627-8.
  • 14
    Rantapää-Dahlqvist S, Jong BAW, Berglin E, Hallmans G, Wandell G, Stenlund H, et al. Antibodies against cyclic citrullinated peptide and IgA rheumatoid factor predict the development of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2003;48:2741-9.
  • 15
    Nielen MM, Van Schaardenburg D, Reesink HW, Van de Stadt RJ, Van der Horst-Bruinsma IE, de Koning MH, et al. Specific autoantibodies precede the symptoms of rheumatoid arthritis: a study of serial measurements in blood donors. Arthritis Rheum. 2004;50:380-6.
  • 16
    Kolfenbach JR, Deane KD, Derber LA, O’Donnell C, Weisman MH, Buckner JH, et al. A prospective approach to investigating the natural history of preclinical rheumatoid arthritis (RA) using first-degree relatives of probands with RA. Arthritis Rheum. 2009;61:1735-42.
  • 17
    Arlestig L, Mullazehi M, Kokkonen H, Rocklöv J, Rönnelid J, Dahlqvist SR. Antibodies against cyclic citrullinated peptides of IgG, IgA and IgM isotype and rheumatoid factor of IgM and IgA isotype are increased in unaffected members of multicase rheumatoid arthritis families from northern Sweden. Ann Rheum Dis. 2012;71:825-9.
  • 18
    Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS, et al. The American Rheumatology Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 1988;31:315-24.
  • 19
    Vitali C, Bomardieri S, Jonsson R, Moutsopoulos HM, Alexander EL, Carsons SE, et al. Classification criteria for Sjögren's syndrome: a revised version of the European criteria proposed by the American European consensus group. Ann Rheum Dis. 2002;61:554-8.
  • 20
    Ioan-Facsinay A, Willemze A, Robinson DB, Peschken CA, Markland J, Van der Woude D, et al. Marked differences in fine specificity and isotype usage of the anti-citrullinated protein antibody in health and disease. Arthritis Rheum. 2008;58:3000-8.
  • 21
    Young KA, Deane KD, Derber LA, Hughes Austin JM, Wagner CA, Sokolove J, et al. Relatives without rheumatoid arthritis shoe reactivity to anti-citrullinated protein/peptide antibodies which are associated with arthritis-related traits: studies of the etiology of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2013;65:1995-2004.
  • 22
    Barra L, Scinocca M, Saunders S, Bhayana R, Rohekar S, Racapé M, et al. Anti-citrullinated protein antibodies in unaffected first-degree relatives relatives of rheumatoid arthritis patients. Arthritis Rheum. 2013;65:1439-47.
  • 23
    Van der Woude D, Rantapaa-Dahlqvist S, Ioan-Facsinay A, Onnekink C, Schwarte CM, Verpoort KN, et al. Epitope spreading of the anti-citrullinated protein antibody response occurs before disease onset and is associated with the disease course of early arthritis. Ann Rheum Dis. 2010;69:1554-61.
  • 24
    Dejaco C, Klotz W, Larcher H, Duftner C, Schirmer M, Herold M. Diagnostic value of antibodies against a modified citrullinated vimentin in rheumatoid arthritis. Arthritis Res Ther. 2006;8:R119.
  • 25
    Svard A, Kastbom A, Soderlin MK, Reckner-Olsson A, Skogh T. A comparison between IgG- and IgA-class antibodies to cyclic citrullinated peptides and to modified citrullinated vimentin in early rheumatoid arthritis and very early arthritis. J Rheumatol. 2011;38:1265-72.
  • 26
    Poulsom H, Charles PJ. Antibodies to citrullinated vimentin are a specific and sensitive marker for the diagnosis of rheumatoid arthritis. Clin Rev Allergy Immunol. 2008;34:4-10.
  • 27
    Kim SK, Bae J, Lee H, Kim JH, Park SH, Choe JY. Greater prevalence of seropositivity for anti-cyclic citrullinated peptide antibody in unaffected first-degree relatives in multicase rheumatoid arthritis-affected families. Korean J Intern Med. 2013;28:45-53.
  • 28
    Gibofsky A. Overview of epidemiology, pathophysiology, and diagnosis of rheumatoid arthritis. Am J Care. 2012;18:S295-302.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2015
  • Aceito
    18 Nov 2015
Sociedade Brasileira de Reumatologia Av Brigadeiro Luiz Antonio, 2466 - Cj 93., 01402-000 São Paulo - SP, Tel./Fax: 55 11 3289 7165 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbre@terra.com.br