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Prevalência de fibromialgia em pacientes acompanhados no ambulatório de cirurgia bariátrica do Hospital de Clínicas do Paraná - Curitiba

Resumo

Introdução:

Fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor crônica caracterizada por dor generalizada. Sabe-se que pacientes obesos têm mais dor músculo esquelética e disfunção física do que pacientes de peso normal. Portanto, é importante que o diagnóstico precoce da FM seja feito em pacientes obesos.

Objetivo:

Determinar a prevalência de FM em um grupo de pacientes obesos com indicação de cirurgia bariátrica.

Materiais e métodos:

Os pacientes foram captados do ambulatório de Cirurgia Bariátrica do Hospital de Clínicas da UFPR (HC-UFPR), antes de serem submetidos à cirurgia. A avaliação dos pacientes consistia em constatar a presença ou ausência de FMG pelos critérios ACR 1990 e 2011 e também a presença de comorbidades.

Resultados:

Foram avaliados 98 pacientes, 84 mulheres. A idade média foi de 42,07 anos e o IMC de 45,39. A prevalência de FM foi de 34% (n = 29) pelos critérios de 1990 e de 45% (n = 38) pelos de 2011. Não houve diferença em idade, IMC, escala de Epworth e prevalência de outras doenças entre pacientes que preenchiam ou não os critérios de 1990. Apenas depressão foi mais comum nas pacientes com FM (24,14% vs. 5,45%). Os mesmos achados foram vistos nas pacientes que preenchiam os critérios de 2011.

Conclusões:

A prevalência de FM em pacientes com obesidade mórbida é extremamente alta. Porém o IMC não difere nos pacientes com ou sem FM. A presença de depressão pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de FM nesses pacientes.

Palavras-chave
Fibromialgia; Obesidade; Depressão

Abstract

Introduction:

Fibromyalgia (FM) is a chronic pain syndrome characterized by generalized pain. It is known that obese patients have more skeletal muscle pain and physical dysfunction than normal weight patients. Therefore, it is important that the early diagnosis of FM be attained in obese patients.

Objective:

To determine the prevalence of FM in a group of obese patients with indication of bariatric surgery.

Materials and methods:

The patients were recruited from the Bariatric Surgery outpatient clinic of Hospital de Clínicas of UFPR (HC-UFPR) before being submitted to surgery. Patient assessment consisted in verifying the presence or absence of FM using the 1990 and 2011 ACR criteria, as well as the presence of comorbidities.

Results:

98 patients were evaluated, of which 84 were females. The mean age was 42.07 years and the BMI was 45.39. The prevalence of FM was 34% (n = 29) according to the 1990 criteria and 45% (n = 38) according to the 2011 criteria. There was no difference in age, BMI, Epworth score and prevalence of other diseases among patients who met or not the 1990 criteria. Only depression was more common in patients with FM. (24.14% vs. 5.45%). The same findings were seen in patients that met the 2011 criteria.

Conclusions:

The prevalence of FM in patients with morbid obesity is extremely high. However, BMI does not differ in patients with or without FM. The presence of depression may be a risk factor for the development of FM in these patients.

Keywords:
Fibromyalgia; Obesity; Depression

Introdução

Fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor crônica caracterizada por dor generalizada, dor à palpação da musculatura, além de outros sintomas associados, como fadiga, rigidez matinal, sono não reparador e sintomas cognitivos.11 Kim CH, Luedtke CA, Vincent A, Thompson JM, Oh TH. Association of body mass index with symptom severity and quality of life in patients with fibromyalgia. Arthritis Care Res (Hoboken). 2012;64:222-8.

Em 1990 o American College of Rheumatology (ACR) desenvolveu critérios de classificação para FM que se baseavam na presença de dor generalizada somada a dor à palpação em pelo menos 11 de 18 pontos pré-definidos (tender points). Dor generalizada é definida como dor axial, dor nos dois dimidios corporais, assim como nos segmentos superior e inferior. Em 2010, o ACR desenvolveu critérios diagnósticos preliminares para FM. Nesse novo conjunto de critérios usa-se a pontuação em um Índice Generalizado de Dor (IGD) somado com a Escala de Gravidade de Sintomas (EGS). Pacientes com IGD ≥ 7 e EGS ≥ 5 ou IGD 3-6 e EGS ≥9 são diagnosticados com fibromialgia. Nesse novo critério não entra a pontuação de tender points e foram modificados em 2011 para uma aplicação mais prática.22 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Katz RS, Mease P, et al. The American College of Rheumatology preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res (Hoboken). 2010;62:600-10.,33 Wolfe F, Clauw DJ, Fitzcharles MA, Goldenberg DL, Häuser W, Katz RS, et al. Fibromyalgia criteria and severity scales for clinical and epidemiological studies: a modification of the ACR Preliminary Diagnostic Criteria for Fibromyalgia. J Rheumatol. 2011;38:1113-22.

Sabe-se que pacientes obesos têm mais dor musculoesquelética e disfunção física do que pacientes de peso normal e que a obesidade está relacionada com determinadas condições reumatológicas como a osteoartrite de joelho (OA), a síndrome do túnel do carpo e a dor lombar.44 Okifuji A, Hare BD. The association between chronic pain and obesity. J Pain Res. 2015;8:399-408.

Existem possíveis mecanismos pelos quais fibromialgia e obesidade se inter-relacionam. Pacientes com FM apresentam sobrepeso ou obesidade na maior parte dos estudos e esses podem piorar o quadro clínico doloroso. Isso pode ser devido a vários fatores, inclusive a síndrome da apneia obstrutiva do sono, outras alterações do sono, depressão, disfunção da tireoide e perfil de citocinas.55 Ursini F, Naty S, Grembiale RD. Fibromyalgia and obesity: the hidden link. Rheumatol Int. 2011;31:1403-8.

Além disso, há um estudo com pacientes submetidos à cirurgia bariátrica que após perda de peso apresentaram melhoria importante ou até mesmo resolução da FM.66 Saber AA, Boros MJ, Mancl T, Elgamal MH, Song S, Wisadrattanapong T. The effect of laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass on fibromyalgia. Obes Surg. 2008;18:652-5.

Sabendo-se que existe relação entre essas condições, é importante o diagnóstico precoce da FM em pacientes com obesidade, para um tratamento adequado e melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Este estudo visa a verificar a presença de fibromialgia em uma população atendida em um ambulatório de cirurgia bariátrica, antes do procedimento cirúrgico. A prevalência de FM foi verificada através da aplicação dos critérios de 1990 e os de 2010 modificados por Wolfe.

Material e métodos

Delineamento do estudo

Estudo transversal, de prevalência de fibromialgia em pacientes obesos com indicação de cirurgia bariátrica.

Pacientes

Os pacientes foram captados do ambulatório de Cirurgia Bariátrica do Hospital de Clínicas da UFPR (HC-UFPR). Foram avaliados 100 pacientes de 19.03.2012 a 09.12.2013 e todos forneceram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por escrito.

Os critérios de inclusão foram todos os pacientes do ambulatório que fornecessem TCLE e tivessem entre 18 e 65 anos. Pacientes fora desses parâmetros foram excluídos.

Os pacientes foram avaliados em relação aos itens idade, sexo, peso, altura, IMC e presença de comorbidades através de análise de prontuário. A avalição das comorbidades também foi feita através de questionário e perguntando-se diretamente ao paciente quais outras doenças apresentava e quais os medicamentos em uso.

Diagnóstico de FM

A avaliação dos pacientes consistia em verificar a presença ou ausência de FM tanto pelos critérios de ACR 1990 como os de ACR 2010 modificados. Os pacientes foram perguntados sobre a presença de dor generalizada e nos casos afirmativos havia quanto tempo a dor estava presente. Todos os pacientes foram avaliados quanto à presença de tender points. Se houvesse 11 ou mais de 18 tender points positivos o paciente estava classificado com FM pelos critérios de 1990.

Avaliamos também o Índice Generalizado de Dor (IGD), que pode ir de 0-19, depende do número de áreas dolorosas, bem como a Escala de Gravidade de Sintomas (EGS), que avalia os domínios fadiga, sono reparador e sintomas cognitivos. Para cada um desses itens o grau de gravidade poderia variar de 0 a 3, 0 = não é um problema; 1 = leve, ocasional; 2 = moderada, presente quase sempre; 3 = grave, persistente, grandes problemas. Foram avaliados também os sintomas somáticos, porém de uma forma simplificada. O paciente era perguntado sobre cefaleia, dor abdominal e depressão pontuados de 0 a 3, 0 = nenhum dos três problemas; 1 = um sintoma; 2 = dois sintomas e 3 = três sintomas. A avaliação final da EGS vai de 0 a 12. A soma do Índice de Dor Generalizada (EDG) com a Escala de Gravidade de Sintomas (EGS) gera um novo índice para avaliar a FM, chamado de fibromyalgianess, que seria uma dimensão de intensidade da doença.

Com o IGD juntamente com a EGS têm-se os itens para avaliar o diagnóstico de FM através dos critérios ACR 2010. Os pacientes são diagnosticados com FM nos casos em que o IGD seja ≥ 7 associado a EGS ≥ 5. Nos casos em que a dor não é o domínio mais afetado dentro da síndrome, o diagnóstico também se faz possível, desde que a quantidade de sintomas gerais seja maior, ou seja, com um IGD 3-6 associado a EGS ≥ 9 o paciente também é diagnosticado com FM. Além dos escores, para completar os critérios diagnósticos, o paciente deve apresentar o quadro nos últimos três meses e sem que haja outro quadro clínico que justifique a dor generalizada.

O questionário específico da FM, Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ), validado para o português, também foi aplicado a todos os pacientes.77 Burckhardt CS, Clark SR, Bennett RM. The fibromyalgia impact questionnaire: development and validation. J Rheumatol. 1991;18:728-33.,88 Marques A, Santos A, Assumpção A, Matsutani L, Lage L, Pereira C. Validation of the Brazilian version of the Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ). Rev Bras Reumatol. 2006;46:24-31. Nesse item são avaliados a frequência com que o paciente consegue fazer determinadas tarefas, quantos dias ele se sentiu bem na última semana, falta ao trabalho e, em escalas de 0-10, dor, cansaço, depressão, sono não reparador, entre outros. O FIQ vai de 0-100, quanto maior o número, maior o impacto da fibromialgia.

Avaliação do sono

Além dos critérios para FM avaliamos a escala de Epworth como um substituto para avaliação do sono. O paciente responde qual a chance de cochilar em determinadas tarefas de acordo com uma escala de 0 a 3, 0 = nunca cochilaria; 1 = pequena probabilidade de cochilar; 2 = probabilidade média de cochilar e 3 = grande probabilidade de cochilar. Nos casos em que o paciente atinja 10 pontos ou mais, a chance de distúrbios do sono e/ou apneia do sono estarem presentes são maiores. O diagnóstico específico das alterações do sono nos pacientes com ≥10 pontos vai além do objetivo deste trabalho.

Análise estatística

Foi feita com o programa JMP 7.0 (SAS, EUA). Para comparação de médias foi usado o teste t de Student para dados paramétricos e Wilcoxon-Mann para dados não paramétricos. Para as correlações, foi usado o teste de Pearson para dados paramétricos e para dados não paramétricos, o teste de Spearman. Para testes de proporção, foi usado o qui-quadrado.

Resultados

Cem pacientes foram avaliados de maneira consecutiva e preencheram os questionários, porém dois foram excluídos, pois não foi possível fazer a revisão de prontuário. A análise final foi composta por 98 pacientes, 84 (85,7%) mulheres e 14 (14,3%) homens.

Nas características iniciais avaliadas, IMC e idade, não houve diferença estatística entre os pacientes obesos com e sem fibromialgia. A idade média das mulheres foi de 42,07 anos e o IMC médio de 45,39.

Na análise do subgrupo das mulheres (n = 84), pelos critérios de 1990, 29 pacientes apresentavam FM (34% IC 25-45) e pelos critérios de 2010 modificados, 38 apresentavam FM (45% IC 35-55); 26 apresentavam FM pelos dois critérios. (26,2%).

Das 29 pacientes que cumpriam critérios de 1990, só nove (31,03%) tinham diagnóstico prévio a este estudo. Não houve diferença em idade, IMC, escala de Epworth e prevalência de outras doenças entre pacientes que preenchiam ou não os critérios de 1990. Apenas depressão foi mais comum nas pacientes com FM (24,14% vs. 5,45%) (tabela 1). Nas pacientes com FM observaram-se ainda valores significativamente maiores do FIQ e do índice de fibromylgianess em relação às sem FM, o que confirma a utilidade desses métodos na avaliação de pacientes com FM (35,48 ± 3,14 vs. 60,98 ± 4,33 para FIQ e 10 ± 0,8 vs. 20 ± 1,1 para fibromyalgianess em pacientes sem e com FM respectivamente).

Tabela 1
Análise das pacientes mulheres com e sem FM pelos critérios de 1990

Os mesmos achados foram vistos nas pacientes que preenchiam os critérios de 2011 (tabela 2). Quanto ao diagnóstico de FM pelos critérios de 2011, apenas 13,16% das pacientes já haviam sido previamente diagnosticadas.

Tabela 2
Análise das mulheres com FM pelos critérios de 2011 em relação às mulheres sem FM

A tabela 3 mostra a análise de correlações separadamente a depender do critério usado para diagnóstico. No grupo que preencheu critérios de 1990, o IMC não se correlacionou com índices relacionados com a FM, como a contagem de tender points, o FIQ e o índice fibromyalgianess. Na avaliação da idade das pacientes com FM houve uma correlação positiva com IDG (r = 0,30; p = 0,05) e com a escala de fibromyalgianess (r = 0,35; p = 0,03). Essas correlações foram semelhantes, independentemente do critério usado para o diagnóstico da FM.

Tabela 3
Análise de correlações entre as variáveis do estudo, somente nas pacientes mulheres

Em relação aos índices de FM houve correlação entre FIQ e fibromyalgianess (r = 0,33; p = 0,03), FIQ e EGS (r = 0,6; p = 0,0001), nos pacientes com critérios de 2011. Pelos critérios de 1990, essas correlações se mostraram mais fortes. Somente nas pacientes que preencheram os critérios de 1990 encontramos relação entre FIQ e escala de Epworth.

O índice de fibromyalgianess mostrou correlação ainda com os tender points, porém somente nas pacientes que preencheram os critérios de 2011. Os tender points, por sua vez, mostraram correlação com o IDG, em ambos os critérios.

Vinte e seis pacientes preencheram ambos os critérios de 1990 e de 2011 (tabela 4). Nesse subgrupo, a análise de correlação entre as variáveis mostrou correlação positiva entre idade e IDG e idade e fibromyalgianess. O FIQ mostrou alta correlação positiva com EGS e positiva com fibromyalgianess. Essa última, por sua vez, apresentou correlação positiva com tender points e esses mostraram ter correlação com IDG.

Tabela 4
Análise de correlações entre as variáveis do estudo nas pacientes que preencheram ambos os critérios (1990 e 2011)

Dos 14 homens presentes neste trabalho, sete apresentavam FM (50%), três pelos critérios de 1990 e quatro pelos de 2011. As características entre homens e mulheres não variaram neste trabalho, independentemente do critério usado para diagnóstico.

Discussão

A prevalência de FM no Brasil é estimada em 2,5%.99 Rezende MC, Paiva ES, Helfenstein M, Ranzolin A, Martinez JE, Provenza JR, et al. EpiFibro - um banco de dados nacional sobre a síndrome da fibromialgia - análise inicial de 500 mulheres. Rev Bras Reumatol. 2013;53:382-7. É mais comum em mulheres, afeta 3,4% das mulheres e 0,5% dos homens.1010 Wolfe F, Ross K, Anderson J, Russell IJ, Hebert L. The prevalence and characteristics of fibromyalgia in the general population. Arthritis Rheum. 1995;38:19-28.

Existe uma relação clara entre fibromialgia e obesidade, porém os mecanismos de tal relação ainda não estão bem estabelecidos. Não podemos afirmar se a obesidade é causa ou consequência da fibromialgia ou ainda se as duas doenças apresentam mecanismos fisiopatológicos semelhantes. Dentre os mecanismos propostos para explicar essa relação estão atividade física comprometida, distúrbios cognitivos e do sono, depressão e outras comorbidades psiquiátricas, disfunção tireoidiana e do eixo neuroendócrino e distúrbio do sistema opioide endógeno.55 Ursini F, Naty S, Grembiale RD. Fibromyalgia and obesity: the hidden link. Rheumatol Int. 2011;31:1403-8.

Na população com fibromialgia, a prevalência de obesidade e sobrepeso é de 32-50% e 21-35% respectivamente.55 Ursini F, Naty S, Grembiale RD. Fibromyalgia and obesity: the hidden link. Rheumatol Int. 2011;31:1403-8.,1111 Senna MK, Sallam RAR, Ashour HS, Elarman M. Effect of weight reduction on the quality of life in obese patients with fibromyalgia syndrome: a randomized controlled trial. Clin Rheumatol. 2012;31:1591-7.

12 Cordero MD, Alcocer-Gómez E, Cano-García FJ, Sánchez-Domínguez B, Fernández-Riejo P, Fernández AMM, et al. Clinical symptoms in fibromyalgia patients are associated to overweight and lipid profile. Rheumatol Int. 2014;34:419-22.
-1313 De Araújo TA, Mota MC, Crispim CA. Obesity and sleepiness in women with fibromyalgia. Rheumatol Int. 2015;35:281-7. A partir do contrário, ou seja, em uma população de obesos, a prevalência de FM não é tão bem documentada, varia de 5,15% a 27,7%.66 Saber AA, Boros MJ, Mancl T, Elgamal MH, Song S, Wisadrattanapong T. The effect of laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass on fibromyalgia. Obes Surg. 2008;18:652-5.,1414 Arreghini M, Manzoni GM, Catelnuovo G, Santovito C, Capodaglio P. Impact of fibromyalgia on functioning in obese patients undergoing comprehensive rehabilitation. PLOS ONE. 2014;9:e91392. Encontramos uma prevalência de FM entre 34 e 45%, depende do critério usado. Bem acima, portanto, do que já foi relatado na literatura.1414 Arreghini M, Manzoni GM, Catelnuovo G, Santovito C, Capodaglio P. Impact of fibromyalgia on functioning in obese patients undergoing comprehensive rehabilitation. PLOS ONE. 2014;9:e91392.

Não encontramos relação entre FM e IMC, independentemente do critério usado. Entretanto, devido ao elo entre FM e obesidade, esperávamos que pacientes com FM apresentassem um IMC maior, o que não foi confirmado por este trabalho. Esses dados são compatíveis com os de Arreghini et al., que de nosso conhecimento é o único trabalho publicado com um delineamento de estudo semelhante e que testou essa hipótese. Porém, no relato de Cordero et al., que avaliou obesidade em pacientes com FM, houve uma fraca correlação entre IMC e tender points. Além disso, estudos que avaliaram a FM antes e após perda de peso mostram que perda de peso tem impacto nos índices de dor. Portanto, o fato de não termos encontrado essa associação do peso com FM pode ser devido ao delineamento do estudo, já que partimos de um grupo de obesos, e não de pacientes com FM.

Em relação às comorbidades, encontramos uma maior prevalência de depressão entre as pacientes com FM, de novo independentemente do critério usado para avaliação. A relação existente entre depressão e FM já está bem documentada.99 Rezende MC, Paiva ES, Helfenstein M, Ranzolin A, Martinez JE, Provenza JR, et al. EpiFibro - um banco de dados nacional sobre a síndrome da fibromialgia - análise inicial de 500 mulheres. Rev Bras Reumatol. 2013;53:382-7.,1515 Senna MK, Ahmad HS, Fathi W. Depression in obese patients with primary fibromyalgia: the mediating role of poor sleep and eating disorder features. Clin Rheumatol. 2013;32:369-75. A maioria dos pacientes com FM apresenta também depressão, com uma prevalência cumulativa ao longo da vida que varia entre 62 a 86% dos pacientes. Algumas das hipóteses que explicam essa forte associação incluem a depressão como uma reação frente à dor crônica e disfunção ou ambas, parte de um mesmo espectro dentro das doenças afetivas com alterações do sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP). A depressão diminui o limiar de dor e piora a inatividade física, agrava a limitação funcional com prejuízo da qualidade de vida. Portanto, quando a depressão está associada à FM, é importante seu tratamento conjunto, por vezes com assistência psiquiátrica.1616 Aguglia A, Salvi V, Maina G, Rossetto I, Aguglia E. Fibromyalgia syndrome and depressive symptoms: comorbidity and clinical correlates. J Affect Disord. 2011;128:262-6.

Houve diferença entre os índices do FIQ e de fibromyalgeness, com valores maiores entre as pacientes com FM em relação às sem FM, com ambos os critérios. Isso confirma o impacto negativo que a doença tem na vida diária das pacientes, com um limiar de dor diminuído e maior limitação funcional. Isso chama a atenção para a complexidade do tratamento das pacientes com FM e obesidade. Se por um lado a perda de peso pode contribuir muito para o controle da dor, a FM faz com que o paciente obeso tenha mais depressão, menor motivação e resistência para atividade física. Com isso, o manejo da obesidade se torna um desafio diferente do que naqueles pacientes obesos sem FM. Para esses casos a abordagem multidisciplinar com educação do paciente deve incluir discussões a respeito da relação obesidade-fibromialgia.

A correlação positiva entre IDG e fibromyalgeness com idade pode ser explicada pelo fato de as mulheres mais velhas terem mais tempo de doença, com maior refratariedade em relação ao manejo da dor e maior impacto da FM na vida diária. A correlação entre FIQ e fibromyalgeness confirma que ambas as escalas são úteis para o acompanhamento evolutivo do paciente. Somente nos critérios de 1990 houve relação do FIQ com escala de apneia.

Neste estudo os tender points se correlacionaram com o IDG, em ambos os critérios, e com a escala de fibromyalgianess, porém com essa última somente nos critérios de 2011. O fato de os tender points se correlacionarem com o IDG mostra que os critérios de 2011, mais simples de serem aplicados, têm boa correlação com os de 1990. Os critérios de 2011 podem e devem ser usados para melhorar o diagnóstico da FM, principalmente entre médicos da atenção básica e não especialistas. Porém, entre reumatologistas e outros especialistas experientes, os tender points são ainda bastante úteis para o diagnóstico. Apesar disso, eles não servem para o acompanhamento dos pacientes, uma vez que a sensibilidade desses pontos pode variar depois de instituído o tratamento e o fato de um paciente apresentar menos de 11 tender points em determinado momento não necessariamente significa que ele está melhor ou curado da FM.

Uma vez que a fibromyalgianess é uma escala de intensidade da FM, composta por IDG e EGS, e houve relação dos tender points com IDG, não é de se estranhar que também haja uma relação entre fibromyalgianess com tender points. Porém, não podemos explicar o fato de essa relação só estar presente nos pacientes com critérios de 2011. Inicialmente pode parecer estranho termos encontrado essa relação de tender points com fibromyalgianess e IDG também nas pacientes com critérios de 2011, uma vez que esses não fazem parte desse critério. Porém, vale ressaltar que todos os pacientes foram avaliados para ambos os critérios, portanto os pacientes que só fecharam diagnóstico pelos critérios de 2011 tinham a contagem de tender points disponível, o que tornou possível a análise.

A incidência de homens com FM encontrada está muito acima da relatado na literatura. Wolfe et al. relatam 0,5% dos homens afetados, enquanto que na nossa amostra tivemos 50% de homens com fibromialgia. Além disso, a experiência clínica também reforça que a incidência de FM não é dessa magnitude nos homens. Possivelmente isso se deve ao pequeno número de homens na amostra (n = 14).

Este estudo tinha como objetivo primário encontrar a prevalência de pacientes com FM em um ambulatório de cirurgia bariátrica de um serviço público. A maioria dos estudos da relação entre fibromialgia e obesidade parte de grupos de pacientes com FM, e não de pacientes obesos, como foi o caso do presente estudo. Os trabalhos que partem de pacientes obesos são escassos na literatura,66 Saber AA, Boros MJ, Mancl T, Elgamal MH, Song S, Wisadrattanapong T. The effect of laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass on fibromyalgia. Obes Surg. 2008;18:652-5.,1414 Arreghini M, Manzoni GM, Catelnuovo G, Santovito C, Capodaglio P. Impact of fibromyalgia on functioning in obese patients undergoing comprehensive rehabilitation. PLOS ONE. 2014;9:e91392. mas nossos achados mostraram prevalência maior do que o previamente relatado.

Este trabalho apresenta algumas limitações. O número da amostra não é grande o suficiente para permitir generalizações. Como existem poucos trabalhos com o mesmo delineamento, ainda não é possível avaliar o significado de todos os nossos achados.

Em conclusão, este estudo mostrou uma alta prevalência de FM em pacientes obesos com indicação de cirurgia bariátrica. Na relação entre FM e obesidade a depressão mostrou-se como um fator importante. A FM traz um impacto adicional na qualidade de vida dos pacientes obesos, torna o seu tratamento um desafio à parte, que certamente merece uma abordagem multidisciplinar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    9 Jun 2016
  • Aceito
    5 Jan 2017
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