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Policondrite recidivante e meningite linfocitária com sintomas neurológicos variados

Introdução

A policondrite recidivante é uma doença autoimune rara,11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,22 Sharma A, Gnanapandithan K, Sharma K, Sharma S. Relapsing polychondritis: a review. Clin Rheumatol. 2013;32:1575-83. com uma proporção feminino:masculino de 2:4.33 Pinto P, Brito I, Brito J, Pinto J, Ventura F. Policondrite recidivante. Estudo retrospectivo de seis casos. Acta Med Port. 2006;10:213-6. O início dos sintomas se dá entre os 20 e 60 anos (com pico de incidência em torno de 40),44 Rodrigues EM, Silveira RCN, Leite N, Tepedino MM. Relapsing polychondritis: a case report. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69:128-30. é caracterizado por condrite auricular e nasal bilateral, envolvimento vestibular e sintomas sistêmicos variados decorrentes da inflamação progressiva e recorrente do tecido cartilaginoso e das estruturas ricas em proteoglicanos em vários locais do corpo.11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,22 Sharma A, Gnanapandithan K, Sharma K, Sharma S. Relapsing polychondritis: a review. Clin Rheumatol. 2013;32:1575-83. Descreve-se o caso de um paciente com policondrite recidivante com diversas manifestações neurológicas.

Relato de caso

Homem de 69 anos com diabetes, hipotiroidismo e dislipidemia apresentava edema e dor em ambos os lóbulos da orelha e artrite das articulações metacarpofalângicas e tornozelos havia dois meses, bem como dor generalizada. Vinte dias antes de ser admitido em nosso hospital começara a apresentar ataxia, paraparesia, zumbido, vertigem e confusão mental. Tinha sido atendido previamente em outro hospital, por volta do momento do início da confusão mental, onde foi tratado para encefalite herpética após uma punção lombar ter revelado leucócitos elevados, com predomínio de linfócitos. Embora no início tenha apresentado melhora na confusão mental, sua paraparesia permaneceu inalterada. Ao exame físico, tinha nistagmo ao olhar para baixo, rigidez de membros superiores, paraparesia, arreflexia, hipoestesia tátil, movimentos dismétricos, tremor grosseiro postural e de ação, bradicinesia e ataxia do tronco. Apresentava também edema e eritema purpúrico de ambos os lóbulos das orelhas e artrite das articulações metacarpofalângicas do segundo e terceiro dígitos da mão direita (fig. 1). A RM de crânio e da coluna cervical revelou um leve espessamento da dura-máter (fig. 1). Uma nova punção lombar confirmou a presença de leucócitos elevados e os exames laboratoriais revelaram atividade inflamatória aumentada e anemia por deficiência de ferro (tabela 1). Estabeleceu-se o diagnóstico de policondrite recidivante com base na associação de condrite, artrite e ataxia vestibular com sintomas neurológicos significativos. Após um curso de 1 mg/kg/dia de prednisona, houve significativa melhora na condrite, artrite, ataxia e paraparesia, mas o tremor manteve-se inalterado. Em uma consulta de acompanhamento após um ano, o paciente tinha desenvolvido complicações decorrentes do uso crônico de corticoesteroides, como osteopenia, hipertensão, síndrome de Cushing, agravamento da síndrome de apneia obstrutiva do sono e um episódio de herpes zoster cutâneo bilateral em tronco. Essas complicações exigiram uma alteração na terapia imunossupressora, substituindo a prednisona por metrotrexato. Apesar disso, o paciente não teve novos sintomas neurológicos e permaneceu com ataxia moderada.

Figura 1
Achados clínicos reumatológicos (imagens superiores): A) edema das articulações metacarpofalângicas; B) condrite da anti-hélice da orelha. Achados da ressonância magnética do encéfalo (imagens inferiores): C) Difusão axial com espessamento da dura-máter de ambos os lobos frontais; D) RM, corte sagital, sequência ponderada em T1 com fat sat que mostra sinal meníngeo aumentado adjacente ao cerebelo; E) Sequência FSE ponderada em T2 que mostra uma leve atrofia cerebelar.

Tabela 1
Exames complementares

Discussão

A policondrite recidivante é uma doença autoimune multissistêmica rara que afeta o tecido cartilaginoso, especialmente as cartilagens hialinas em vários locais, na maior parte das vezes compromete a anti-hélice de ambas orelhas, com preservação do lóbulo.22 Sharma A, Gnanapandithan K, Sharma K, Sharma S. Relapsing polychondritis: a review. Clin Rheumatol. 2013;32:1575-83.,55 Lahmer T, Treiber M, von Werder A, Foerger F, Knopf A, Heemann U, et al. Relapsing polychondritis: an autoimmune disease with many faces. Autoimmun Rev. 2010;9:540-6. Também pode ocorrer poliartrite soronegativa e o envolvimento sistêmico de outros órgãos (incluindo inflamação ocular, prejuízo audiovestibular, vasculite, envolvimento da pele, insuficiência valvular e sintomas neurológicos) decorrente do comprometimento de tecidos ricos em proteoglicanos.66 Arnaud L, Mathian A, Haroche J, Gorochov G, Amoura Z. Pathogenesis of relapsing polychondritis: a 2013 update. Autoimmun Rev. 2014;13:90-5.,77 Wang ZJ, Pu CQ, Wang ZJ, Zhang JT, Wang XQ, Yu SY, et al. Meningoencephalitis or meningitis in relapsing polychondritis: four case reports and a literature review. J Clin Neurosci. 2011;18:1608-5. Cerca de 30% dos casos estão associados a outras doenças autoimunes, a vasculites sistêmicas e à síndrome mielodisplásica.55 Lahmer T, Treiber M, von Werder A, Foerger F, Knopf A, Heemann U, et al. Relapsing polychondritis: an autoimmune disease with many faces. Autoimmun Rev. 2010;9:540-6.,88 Yang S, Chou C. Relapsing polychondritis with encephalitis. J Clin Rheumatol. 2004;10:83-5. O diagnóstico é feito por achados clínicos; ocasionalmente o exame patológico revela comprometimento inflamatório do tecido cartilaginoso afetado.55 Lahmer T, Treiber M, von Werder A, Foerger F, Knopf A, Heemann U, et al. Relapsing polychondritis: an autoimmune disease with many faces. Autoimmun Rev. 2010;9:540-6.,77 Wang ZJ, Pu CQ, Wang ZJ, Zhang JT, Wang XQ, Yu SY, et al. Meningoencephalitis or meningitis in relapsing polychondritis: four case reports and a literature review. J Clin Neurosci. 2011;18:1608-5. Atualmente, o diagnóstico é feito com base na demonstração de condrite em dois de três locais (auricular, nasal, laringotraqueal); ou em um desses locais e duas características adicionais, incluindo inflamação ocular, dano audiovestibular ou artrite inflamatória soronegativa.11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,99 Edrees A. Relapsing polychondritis: a description of a case and review article. J Clin Rheumatol. 2011;31:707-13. Não há achados laboratoriais específicos. Os sintomas neurológicos55 Lahmer T, Treiber M, von Werder A, Foerger F, Knopf A, Heemann U, et al. Relapsing polychondritis: an autoimmune disease with many faces. Autoimmun Rev. 2010;9:540-6.,77 Wang ZJ, Pu CQ, Wang ZJ, Zhang JT, Wang XQ, Yu SY, et al. Meningoencephalitis or meningitis in relapsing polychondritis: four case reports and a literature review. J Clin Neurosci. 2011;18:1608-5. ocorrem em uma minoria dos casos (3%) e podem variar de comprometimento de nervos cranianos a uma manifestação mais evidente com comprometimento cerebelar, convulsões ou outros achados focais sugestivos de comprometimento cortical. Esses são de natureza vasculítica. Também podem ocorrer meningite asséptica com espessamento das meninges, meningoencefalite linfocitária, romboencefalite e aneurismas cerebrais.11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,1010 Choi HJ, Lee HJ. Relapsing polychondritis with encephalitis. J Clin Rheumatol. 2011;17:329-31.

11 Chopra R, Chaudhary N, Kay J. Relapsing polychondritis. Rheum Dis Clin North Am. 2013;39:263-76.
-1212 Roux C, Guey S, Crassard I, Hautefort C, Lioté F, Jouvent E. A rare cause of gait ataxia. Lancet. 2011;378:1274. No caso descrito, o diagnóstico foi feito exclusivamente por achados clínicos, já que ao exame físico havia evidências de condrite em ambas orelhas, policondrite soronegativa e comprometimento neurológico com meningite asséptica. Cerca de 25% dos pacientes morrem em até cinco anos após o diagnóstico; o envolvimento laringotraqueal e as complicações cardiovasculares são as principais causas de morte.11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,44 Rodrigues EM, Silveira RCN, Leite N, Tepedino MM. Relapsing polychondritis: a case report. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69:128-30. Fatores que têm um impacto negativo na sobrevida no momento do diagnóstico incluem a idade avançada, a anemia e o estreitamento laringotraqueal.11 Kent PD, Michet CJ, Luthra HS. Relapsing polychondritis. Curr Opin Rheumatol. 2004;16:56-61.,22 Sharma A, Gnanapandithan K, Sharma K, Sharma S. Relapsing polychondritis: a review. Clin Rheumatol. 2013;32:1575-83. Fármacos anti-inflamatórios não esteroides orais podem ser usados para tratar pacientes com artralgia e artrite leve. A terapia imunossupressora padrão começa com altas doses de corticoesteroides (prednisona 1 mg/kg/dia), que posteriormente são gradualmente reduzidas em pacientes com comprometimento moderado a grave. O metotrexato pode ser usado como um medicamento de segunda linha para evitar os efeitos colaterais do tratamento crônico com corticoesteroides. Outras opções são a azatioprina, a ciclofosfamida, a ciclosporina, o micofenolato de mofetila e os antagonistas do TNF.55 Lahmer T, Treiber M, von Werder A, Foerger F, Knopf A, Heemann U, et al. Relapsing polychondritis: an autoimmune disease with many faces. Autoimmun Rev. 2010;9:540-6.,1111 Chopra R, Chaudhary N, Kay J. Relapsing polychondritis. Rheum Dis Clin North Am. 2013;39:263-76.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2015
  • Aceito
    25 Set 2015
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