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Desenvolvimento da orientação empreendedora em empresas de software: proposições preliminares

Development of entrepreneurial orientation in software companies: preliminary propositions

Resumos

Este artigo apresenta proposições preliminares sobre ações para o desenvolvimento da Orientação Empreendedora OE em empresas de software. Para isso, apresenta, após uma retomada conceitual, um breve panorama da OE no setor de Tecnologia de Informação TI , a partir da visão de especialistas. Num segundo momento, explora como se dá esse comportamento em 2 empresas de software; e finalmente apresenta proposições preliminares para o desenvolvimento desse comportamento em empresas do setor. O método de pesquisa consistiu em estudo exploratório e qualitativo, realizado em 2 etapas: a primeira envolveu entrevista em profundidade com 3 especialistas do setor de TI do estado do Rio Grande do Sul, na busca de uma percepção sobre a OE no setor; a segunda contou com entrevistas em profundidade com 2 empresários do setor de software, buscando melhor compreender como ocorre a OE nessas empresas. Os resultados apontam proposições iniciais sobre o desenvolvimento da OE em empresas do setor, contribuindo, assim, para o debate sobre ações de estímulo ao empreendedorismo no contexto de empresas de software.

Orientação empreendedora; Inovatividade; Assunção de riscos; Proatividade; Autonomia; Agressividade competitiva


The article presents preliminary propositions on actions for developing Entrepreneurial Orientation (EO) in companies which are in the software business. Therefore it brings a conceptual retaken on EO before stating a brief panorama of the entrepreneurship in the sector of Information Technology (IT) from the perspective of specialists. In the sequence the EO is exploited in 2 software businesses company and finally preliminary propositions for developing this behavior in this sector are presented. The researching method is constituted by an exploratory and qualitative study carried out in 2 stages: the first one involves interviews in depth with 3 specialists of the sector of IT in the state of the Rio Grande do Sul, that aims at searching perceptions about EO in the sector; the second step conveys interviews in depth with 2 entrepreneurs from software firms in order to search better understanding on how EO in these organizations occurs. The results point to initial propositions on developing EO in software companies in order to contribute with the debate about which actions stimulate the entrepreneurship in the context of those companies.

Entrepreneurial orientation; Innovativeness; Risk taking; Proactiveness; Autonomy; Competitive aggressiveness


ARTIGOS CIENTÍFICOS

Cristina Dai Prá MartensI; Henrique Mello Rodrigues de FreitasII; Rafael AndresIII

IUniversidade Nove de Julho - SP/Brasil. cristina@sphinxbrasil.com

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - RS/Brasil. hf@ea.ufrgs.br

IIIPetróleo Brasileiro S/A - RJ/Brasil. rafaelandresadm@hotmail.com

RESUMO

Este artigo apresenta proposições preliminares sobre ações para o desenvolvimento da Orientação Empreendedora OE em empresas de software. Para isso, apresenta, após uma retomada conceitual, um breve panorama da OE no setor de Tecnologia de Informação TI , a partir da visão de especialistas. Num segundo momento, explora como se dá esse comportamento em 2 empresas de software; e finalmente apresenta proposições preliminares para o desenvolvimento desse comportamento em empresas do setor. O método de pesquisa consistiu em estudo exploratório e qualitativo, realizado em 2 etapas: a primeira envolveu entrevista em profundidade com 3 especialistas do setor de TI do estado do Rio Grande do Sul, na busca de uma percepção sobre a OE no setor; a segunda contou com entrevistas em profundidade com 2 empresários do setor de software, buscando melhor compreender como ocorre a OE nessas empresas. Os resultados apontam proposições iniciais sobre o desenvolvimento da OE em empresas do setor, contribuindo, assim, para o debate sobre ações de estímulo ao empreendedorismo no contexto de empresas de software.

Palavras-chave: Orientação empreendedora; Inovatividade; Assunção de riscos; Proatividade; Autonomia; Agressividade competitiva.

ABSTRACT

The article presents preliminary propositions on actions for developing Entrepreneurial Orientation (EO) in companies which are in the software business. Therefore it brings a conceptual retaken on EO before stating a brief panorama of the entrepreneurship in the sector of Information Technology (IT) from the perspective of specialists. In the sequence the EO is exploited in 2 software businesses company and finally preliminary propositions for developing this behavior in this sector are presented. The researching method is constituted by an exploratory and qualitative study carried out in 2 stages: the first one involves interviews in depth with 3 specialists of the sector of IT in the state of the Rio Grande do Sul, that aims at searching perceptions about EO in the sector; the second step conveys interviews in depth with 2 entrepreneurs from software firms in order to search better understanding on how EO in these organizations occurs. The results point to initial propositions on developing EO in software companies in order to contribute with the debate about which actions stimulate the entrepreneurship in the context of those companies.

Keywords: Entrepreneurial orientation; Innovativeness; Risk taking; Proactiveness; Autonomy; Competitive aggressiveness.

1. INTRODUÇÃO

Ao longo da história dos estudos com foco no empreendedorismo, desenvolveram-se várias concepções. Schumpeter (1982), no início do século XX, definiu o empreendedor como aquele que destrói a ordem econômica existente com a introdução de novos produtos e serviços, com a criação de novas formas de organização ou com a exploração de novos recursos e materiais. Para ele, o empreendedor é a essência da inovação no mundo, que torna obsoletas antigas formas de fazer negócios.

Enquanto Schumpeter focou o indivíduo empreendedor, Shane e Venkataraman (2000) concentram o estudo nas fontes de oportunidades; ou melhor, no processo de descoberta, evolução e exploração de oportunidades, como também no conjunto de indivíduos que, evoluindo, descobrem e exploram essas oportunidades. Para Morris, Zahra e Schindehutte (2000), o empreendedorismo pode ser aplicado à criação de novas empresas, ao crescimento orientado de pequenas empresas, a grandes empresas já consolidadas, a organizações não lucrativas e a organizações governamentais.

Shildt, Zahra e Sillanpää (2006), com base em artigos publicados entre 2000 a 2004, identificaram diferentes linhas temáticas no campo dos estudos do empreendedorismo, as quais dividem pesquisadores e contribuem para o desenvolvimento de um amplo escopo de estudos na área. Entre essas linhas, destaca-se a Orientação Empreendedora (OE), que trata do estudo do empreendedorismo no nível da organização (GRÉGOIRE et al., 2006; SCHILDT; ZAHRA; SILLANPÄÄ, 2006). A OE é o foco adotado neste artigo.

A OE refere-se ao processo empreendedor, isto é, segundo Lumpkin e Dess (1996), aos métodos, práticas e estilo de tomada de decisão gerencial usados, para agir de forma empreendedora. Conforme Covin e Slevin (1991), as organizações podem e devem ser vistas como entidades empreendedoras, cujo comportamento empreendedor deve estar integrado às atividades da organização. Entretanto, alguns autores apontam como dificuldade, a falta de literatura sobre eventos que desencadeiam o comportamento empreendedor nas organizações (MORRIS; ZAHRA; SCHINDEHUTTE, 2000). Uma vez conhecidos, esses eventos seriam ferramentas importantes no processo de estímulo ao empreendedorismo em organizações.

Com base nesse contexto, o artigo objetiva propor alternativas, ainda que preliminares, para desenvolver a orientação empreendedora em empresas de software. Assim, na seção 2, apresenta-se breve revisão conceitual relativa à orientação empreendedora. Na seção 3, descreve-se o método de pesquisa utilizado no estudo. Na seção 4, trata-se dos resultados, com um breve panorama da orientação empreendedora no setor de TI. Também se faz um relato de como esse comportamento ocorre em duas empresas de software, com considerações sobre possibilidades de desenvolvimento desse comportamento. Na seção 5, são apresentadas as considerações finais do estudo e proposições iniciais para o desenvolvimento da OE, visando contribuir com o debate relativo a ações de estímulo ao empreendedorismo em empresas de software.

2 Orientação Empreendedora (OE): uma postura organizacional

A orientação empreendedora e o gerenciamento empreendedor caracterizam uma organização empreendedora, ou seja, uma organização com postura empreendedora. Conforme Guth e Ginsberg (1990), a organização empreendedora envolve dois tipos de fenômenos: o surgimento de novos negócios em organizações e a transformação de organizações através da renovação de ideias-chave em torno das quais ela foi construída.

Segundo Stevenson e Jarillo (1990), o gerenciamento empreendedor reflete os processos organizacionais, isto é, os métodos e estilos de uma organização para atuar de forma empreendedora. Covin e Slevin (1991) afirmam que organizações com postura empreendedora são as que, periodicamente, em todos os níveis, são invadidas por um particular padrão comportamental, que transforma uma filosofia estratégica global em efetivas práticas gerenciais. Entre os benefícios da intensificação da orientação empreendedora numa organização, destacam-se: o fato de ser positivamente associada ao crescimento; o de ter impacto positivo nas medidas de desempenho financeiro; o de prover a organização com habilidades para descobrir novas oportunidades; o de facilitar a diferenciação e a criação de vantagem competitiva, entre outros (MILLER, 1983; COVIN; SLEVIN, 1991; ZAHRA, 1993; ZAHRA; COVIN, 1995; WIKLUND; SHEPHERD, 2005).

Entre os diversos estudiosos que caracterizam a OE nas organizações, destaca-se Miller (1983), um dos primeiros a tratar desse tema, com a proposição de três dimensões: inovatividade, assunção de riscos e proatividade. Segundo ele, uma organização empreendedora empenha-se nestes três aspectos, ao passo que uma organização não empreendedora inova muito pouco, é altamente adversa a riscos e não age proativamente em relação aos competidores, ou seja, apenas imita as mudanças do mercado competidor.

Miller (1983) fundamentou estudos posteriores como os de Guth e Ginsberg (1990), como também influenciou diversas outras pesquisas sobre organizações empreendedoras. Com base em Miller (1983), Lumpkin e Dess (1996) propõem mais duas dimensões como características do processo empreendedor: agressividade competitiva e autonomia. Para eles, a OE é caracterizada por 5 dimensões chave: inovatividade, assunção de riscos, proatividade, autonomia e agressividade competitiva. De forma integrada, as 5 dimensões devem permear os estilos decisórios e as práticas de uma organização (DESS; LUMPKIN, 2005).

Grande número de estudos sobre OE adota apenas as 3 dimensões propostas por Miller (1983). Para a realização dessa pesquisa optou-se por adotar as 5 dimensões, seguindo a abordagem de Lumpkin e Dess (1996), uma vez que se deseja uma proposta mais completa e abrangente. O Quadro 1, a seguir, apresenta um panorama a respeito, considerando alguns estudos de referência na temática.


Quadro 1 - Clique para ampliar

2.1 Elementos que caracterizam o empreendedorismo no nível organizacional

Cada uma das dimensões da OE (inovatividade, assunção de riscos, proatividade, autonomia e agressividade competitiva) retrata elementos distintos, porém complementares, como características do empreendedorismo nas organizações. Os elementos referem-se a métodos, práticas e estilo de tomada de decisão gerencial, para agir de forma empreendedora.

Entende-se por inovatividade a postura de engajar e de apoiar novas ideias, novos experimentos e processos criativos, que resultem em novos produtos, serviços ou processos. A assunção de riscos é, em suma, a propensão da organização a assumir riscos e a engajar-se em projetos de alto risco. A proatividade é evidente no comportamento da organização que se antecipa ao mercado, busca oportunidades, tende a influenciar o ambiente ou a iniciar mudanças, tem uma perspectiva de olhar adiante acompanhada de iniciativas inovativas ou novos negócios. A autonomia, por sua vez, tem relação direta com a equipe. Retrata uma organização que desenvolve as atividades com times de trabalho autônomos e com líderes com comportamento autônomo. Em suma, retrata a ação independente na forma de agir das pessoas. A organização com agressividade competitiva, em geral, atua competitivamente com os concorrentes; responde a tendências e demandas que já existem no mercado; move-se em função das ações da concorrência, respondendo agressivamente a elas.

Lumpkin e Dess (1996) argumentam que as cinco dimensões, embora importantes, não necessitam, todas elas, estar presentes em negócios bem sucedidos, uma vez que a importância de cada uma delas para predizer a natureza e o sucesso do empreendimento depende de fatores externos, fatores internos, ou, ainda, de características dos fundadores ou dos líderes da organização.

A revisão conceitual com o propósito de identificar elementos que constituem as dimensões da OE é traduzida no Quadro 2, a seguir, que apresenta um modelo para observação da orientação empreendedora em organizações, contemplando as 5 dimensões, bem como elementos que as caracterizam. Os conceitos apresentados estão fundamentados em estudos clássicos, que deram origem ao conceito de OE, entre eles Miller e Friesen (1978, 1982) e Miller (1983); nos estudos que deram sequência no desenvolvimento desse construto, dos autores Covin e Slevin (1989), Lumpkin e Dess (1996, 2001) e Dess e Lumpkin, (2005); bem como em estudos que tratam especificamente de algumas dimensões, como os de Miles e Snow (1978), Macmillan e Day (1987), Venkatraman (1989), Chen e Hambrick (1995) e Lee e Peterson (2000).


Quadro 2 - Clique para ampliar

A categorização dos elementos das dimensões apresentada na segunda coluna do quadro foi elaborada pelos autores deste artigo, a partir de estudo de cada um dos elementos, visando assim melhor situá-los no contexto organizacional. O Quadro 2 constitui um referencial a ser utilizado como base para o estudo da OE em organizações, considerando que a identificação da presença ou ausência de cada um dos elementos caracteriza a existência das respectivas dimensões em maior ou menor intensidade nas organizações.

2.2 Estímulo ao empreendedorismo em organizações

Para alguns pesquisadores, o empreendedorismo é um comportamento transitório. Shane e Venkataraman (2000) acreditam que o empreendedorismo não pode ser explicado considerando apenas características pessoais. Ou seja, para eles também é relevante a influência das situações e do ambiente, uma vez que o engajamento em comportamentos empreendedores geralmente responde a situações e oportunidades do ambiente. Para Lumpkin e Dess (1996), as diferenças da orientação empreendedora nas organizações podem ser atribuídas a várias combinações de fatores individuais, organizacionais e ambientais, que influenciam o como e o porquê do empreendedorismo em cada organização.

Miller (1983) aponta que o empreendedorismo, no contexto organizacional, se relaciona a variáveis de ambiente, estrutura, estratégia e personalidade do líder. Este relacionamento varia sistemática e logicamente de um tipo de organização para outro. Em pequenas empresas, por exemplo, o empreendedorismo é predominantemente influenciado pelo líder, ou seja, por sua personalidade, sua força e sua informação.

Wiklund (1998) afirma que assim como o comportamento empreendedor em nível individual pode afetar a ação organizacional, em muitos casos, os comportamentos empreendedores, individual e organizacional, podem ser muito semelhantes, como é o caso de pequenas empresas. Covin e Slevin (1991) também apontam que o modelo de comportamento empreendedor permite intervenção gerencial. Assim, o processo empreendedor pode ser visto com muito menos desconhecimento e mistério.

Sabe-se que a orientação empreendedora pode estar presente em maior ou menor intensidade (LUMPKIN; DESS, 1996) e que ela pode ser trabalhada (COVIN; SLEVIN, 1991), mas, para isso, é necessário que haja condições adequadas, que sejam considerados alguns elementos e a forma de trabalhá-los. Segundo Miller (1983), diferentes organizações requerem diferentes tipos de forças para estimular a orientação empreendedora.

Lumpkin e Dess (1996) apontam que a orientação empreendedora emerge de uma perspectiva de escolha estratégica, no sentido de que oportunidades de negócios podem ser empreendidas com sucesso de forma intencional. Assim, ela envolve as intenções e ações de atores chave, que funcionam num processo dinâmico gerador, que visa à criação de novos negócios. Ou seja, a OE envolve ações deliberadas.

Como a postura empreendedora é um fenômeno comportamental, ela pode ser gerenciada. Assim, a partir dos elementos subjacentes à OE (inovatividade, assumir riscos, proatividade, autonomia e agressividade competitiva), comportamentos que refletem esses componentes empreendedores podem ser encorajados (COVIN; SLEVIN, 1991). Justifica-se, portanto, a necessidade de conhecer as dimensões e os elementos mais importantes para o desenvolvimento da OE em empresas de software, a fim de potencializar o comportamento.

A seguir, é apresentado o método utilizado para a realização da pesquisa.

3 Método de pesquisa

A presente pesquisa, de natureza exploratória e qualitativa, buscou compreender melhor o fenômeno (SELLTIZ et al., 1967) da orientação empreendedora em empresas de software, com o objetivo de propor ações, ainda que preliminares, para o desenvolvimento da OE em organizações, de modo especial nas pesquisadas.

O setor de Tecnologia da Informação (TI) do estado do Rio Grande do Sul foi o contexto adotado para desenvolver a pesquisa. No setor de TI, a característica inovativa é fator crítico (ROSELINO, 2007). Esse foi um dos aspectos que contribuíram para sua escolha. Também é um dos setores considerados prioritários pela política industrial brasileira, além de haver crescente interesse nacional na produção de software (DESENVOLVIMENTO, 2006). A escolha também se justifica por ser um setor alvo de interesse por parte de entidades e instituições de ensino e pesquisa no que se refere ao desenvolvimento das organizações e do empreendedorismo.

Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia apontam que, além do destacado crescimento, o setor tem diversas particularidades, entre elas o fato de ter impacto direto sobre a base produtiva de toda a economia, e de ser fonte permanente de inovação e diferenciação de produtos (NUNES, 2004). O segmento de software, parte do setor de TI, relaciona-se diretamente com a inovação de processos, produtos e formas de uso, como também têm efeito indutor de melhorias em outras cadeias produtivas e apresenta potencial para o desenvolvimento de vantagens comparativas (CARVALHO JUNIOR, 2005).

No contexto gaúcho (contexto desta pesquisa), alguns dados merecem destaque. Segundo informações da Agência de Desenvolvimento Polo RS, o Rio Grande do Sul deverá transformar-se no principal pólo de informática do Brasil em poucos anos. Ao lado do conjunto de empresas de TI, de automação industrial e de software já existente no Estado, está surgindo toda a estrutura necessária para o crescimento do setor. Centros de desenvolvimento tecnológico, incubadoras empresariais e treinamento de especialistas vêm sendo fortalecidos com a participação de universidades, do Poder Público Federal, Estadual e dos Municípios, da SOFTSUL (Sociedade Sul-rio-grandense de Apoio ao Desenvolvimento de Software) e das próprias empresas do setor (POLO RS, 2006).

Para estudar a orientação empreendedora no setor de TI, buscou-se, num primeiro momento, contato com especialistas dirigentes de entidades representativas do setor, no intuito de obter a percepção de tais profissionais sobre o tema em estudo no contexto definido. Num segundo momento, foram alvo do estudo dois empresários do setor, com a intenção de melhor compreender como ocorre a orientação empreendedora nas organizações. Assim, a pesquisa envolveu duas etapas descritas a seguir.

3.1 Entrevistas com especialistas do setor

A organização do setor de TI no estado do RS é hoje liderada por algumas entidades representativas, entre elas, associações de abrangência local e também nacional, um sindicato e um projeto setorial de abrangência estadual. Para essa etapa do estudo, buscou-se contato com algumas dessas entidades, sendo possível entrevistar três dirigentes, considerados qualificadas para os objetivos pretendidos, tendo em vista o envolvimento diário e a longa experiência à frente do setor.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas em profundidade, entre os meses de setembro e outubro de 2007. Um dos entrevistados é diretor presidente de uma entidade associativa do setor, constituída há cerca de 15 anos, com quase 200 organizações associadas, que objetiva o desenvolvimento sócio-econômico e o aumento da competitividade do setor produtivo de software. O entrevistado atua na entidade desde a fundação, e, há 2 anos, ocupa o cargo de diretor presidente. O segundo entrevistado atua há 10 anos na entidade que representa e há 4 anos como diretor superintendente. Trata-se de uma associação de empresas de TI existente no Brasil todo, com cerca de 25 anos no RS, cujo objetivo é representar os interesses dos associados, que são quase 200 no Estado. O terceiro entrevistado é ligado a uma entidade nacional de apoio a micro e pequenas empresas e coordenador de um projeto para o desenvolvimento do setor de software do RS. Atua no projeto desde a criação, há pouco mais de 2 anos, e mantém contato com as cerca de 200 organizações participantes.

Um roteiro explicativo sobre os conceitos do estudo, isto é, sobre as dimensões da orientação empreendedora norteou as entrevistas, que foram conduzidas de forma bastante livre, mas com o foco na conceituação da OE no contexto do setor de TI no Estado, bem como na identificação de exemplos de organizações que ilustrassem tal realidade. As entrevistas, com duração de cerca de uma hora e trinta minutos, foram gravadas.

A análise dos dados é qualitativa. A transcrição das entrevistas passou por escuta atenta, sendo identificados os pontos importantes, de acordo com o que se pretendia buscar, com base na literatura. Concluída a primeira etapa, que proporcionou um panorama geral sobre a orientação empreendedora no setor, conforme apresentado na seção 4.1, partiu-se para a segunda etapa, a seguir.

3.2 Entrevistas com empresários do setor

Com o intuito de melhor compreender como ocorre a OE nas organizações, foram contatadas duas organizações do setor, escolhidas por conveniência, pelo critério de acessibilidade. Também foram considerados os seguintes aspectos: empresas de pequeno porte, já consolidadas no mercado (com mais de 10 anos de atuação); localização em diferentes regiões do estado do Rio Grande do Sul (uma na região metropolitana de Porto Alegre outra no interior do Estado); atuação com produtos/serviços de software.

A entrevista em profundidade com os dois empresários orientou a coleta de dados. Como guia para as entrevistas, utilizou-se um protocolo de coleta de dados, com os elementos e dimensões da orientação empreendedora, constantes no quadro 2 apresentado na seção 2.1. As entrevistas, conduzidas de forma aberta e guiadas por tal protocolo, com duração de cerca de uma hora e trinta minutos cada, foram gravadas e depois transcritas para fins de análise.

Para proceder à análise dos dados, procurou-se agrupá-los em categorias, comparando os dados apontados pelos entrevistados com a estrutura conceitual sobre a orientação empreendedora, suas dimensões e elementos. Utilizou-se a estratégia de análise baseada em proposições teóricas, proposta por Yin (2005). Seguiu-se a orientação de Tesch (1990, apud GODOY, 2006), que sugere que a análise deve incluir uma atividade reflexiva que resulte num conjunto de notas que guiam o processo, no sentido de orientar o pesquisador a trazer os dados empíricos para o nível conceitual, usando como principal ferramenta intelectual a comparação, com o objetivo de formar categorias, estabelecer fronteiras, atribuir segmentos de dados às categorias, sumarizar o conteúdo de cada categoria e encontrar evidências. Os resultados, apresentados na seção 4.2, procuram demonstrar como a OE foi percebida nas duas organizações estudadas e, com base nesses dados, propor ações preliminares para o desenvolvimento da OE nas organizações.

4 O desenvolvimento da Orientação Empreendedora em empresas de software

Esta seção apresenta, inicialmente, um breve panorama da orientação empreendedora no setor de TI, a partir da visão dos especialistas entrevistados. Na sequência, aborda-se como a orientação empreendedora é percebida nas empresas de software que participaram do estudo; finalmente, são apresentadas algumas propostas preliminares para o desenvolvimento desse comportamento nas organizações de software pesquisadas.

4.1 Um panorama da orientação empreendedora no setor de TI do Rio Grande do Sul

As entrevistas com os especialistas do setor de TI do RS sobre a orientação empreendedora e suas dimensões revelam percepções, visões diferentes a respeito do tema, mas, de certa forma, complementares, conforme ilustrado no relato que segue.

Um dos entrevistados considera o setor de TI muito pouco empreendedor. Fica claro o olhar sobre micro e pequenas empresas, que são a grande maioria das organizações do setor: "(...) têm algumas empresas que talvez se caracterizem por essas características, mas não são muitas. Principalmente falando de micro e pequenas empresas" (Especialista 1). Sabe-se que boa parte das micro e pequenas empresas são limitadas nos processos de gestão, na relação com o mercado, enfim, numa série de aspectos, muitas vezes básicos para o bom desempenho da organização. Em sua fala, o especialista aponta que as organizações que se destacam em termos de orientação empreendedora normalmente já superaram essas dificuldades mais básicas; por isso, a existência de poucas nessas condições, ou seja, refere-se a organizações já consolidadas, com um pensamento diferenciado em relação à grande maioria, com outro nível de exigência, com um comportamento constante de estar atento a tudo, de olhar o mercado, de conhecer os concorrentes, de inovar, de investir nesta direção.

Com o mesmo intuito de caracterizar a orientação empreendedora no setor, verifica-se, uma percepção semelhante à anterior. Conforme ilustra a fala do segundo especialista, no setor de TI, há poucas empresas que, de fato, possuem as cinco dimensões da orientação empreendedora: "Eu vejo o setor de TI do RS muito pouco engajado nesses cinco itens, com exceção de algumas pequenas empresas, porque mais de 80% das nossas empresas do setor são micro e pequenas empresas, e essas empresas não têm muito fôlego para ter todos esses itens, principalmente assumir riscos, que é um dos itens que talvez seja mais complicado para todos" (Especialista 2). Nesta entrevista, evidencia-se a presença de cada uma das dimensões da orientação empreendedora no setor.

Em relação à inovatividade, revela-se que poucas empresas se destacam, uma vez que a realidade local é de uma estrutura de organizações pequenas, baseadas em softwares de uma única linha (uma grande quantidade de ERPs, sistemas administrativos). Há, também, uma grande quantidade de empresas, não focadas, que fazem vários tipos de softwares. Segundo o especialista, aquelas que são realmente focadas têm mercado daqui pra frente. Nesse contexto, em sua visão, é difícil investir em novas ideias, novidades e experimentos, e, quando isso acontece, é, geralmente, depois de uma pesquisa, quando a empresa começa a trabalhar com uma nova ferramenta, que identificou sua potencialidade. Menciona-se como exemplo a situação diferenciada em um Parque Tecnológico - o TECNOPUC, junto à PUCRS - onde há empresas gerando inovação, pesquisas, porém os casos são poucos, considerando o conjunto de organizações do Estado.

Ainda referindo-se à inovatividade, o especialista aponta que há queixas do setor em relação à falta de incentivos para a inovação. Há poucas iniciativas pontuais nesse sentido, a exemplo de alguns municípios que estão desenvolvendo ações para gerar fundos específicos, que visem o fomento e o desenvolvimento de empresas do setor. Além disso, existem fundos, como o FINEP, que apoiam a pesquisa e a inovação, mas poucas empresas conseguem entrar nesse processo.

No que se refere à dimensão assunção de riscos, o entrevistado observa que, via de regra, a empresa trabalha com determinada tecnologia e, para mudar (para poder renovar um software, por exemplo), faz muita pesquisa, para minimizar a possibilidade de erro. Há assunção de riscos, mas existe um risco calculado. Já em relação à dimensão agressividade competitiva, acredita-se tratar-se de característica comum nas empresas do setor. Facilmente o entrevistado identifica várias empresas conhecidas no mercado, com grande agressividade competitiva, que respondem às tendências, que se movem rapidamente em função das ações da concorrência e respondem agressivamente a elas. No que diz respeito à proatividade, ele salienta a presença dessa dimensão da orientação empreendedora em diversas organizações.

Na fala do terceiro entrevistado, verifica-se uma percepção um pouco diferente da dos anteriores, conforme explicitado a seguir: "Eu acho que na média, um pouco acima da média, as empresas de TI do nosso Estado, do nosso Município - a grande Porto Alegre - onde se concentra a maior parte delas, são efetivamente empresas empreendedoras. (...) Eu entendo que, via de regra, nós temos um setor que eu caracterizaria como empreendedor acima da média, comparado com os demais setores" (Especialista 3).

O especialista sugere que as dimensões da OE fazem parte do perfil dos que estão à frente das organizações. Segundo sua fala, a agressividade competitiva de uma organização depende muito de quem a concebeu. Nesse mesmo sentido, se o empresário entende que inovação é importante, ele vai induzi-la. O mesmo ocorre com a autonomia, considerada atrelada às lideranças, ao intra-empreendedorismo, comportamento que acredita estar presente nas empresas de TI. Em relação à proatividade, sugere que a maior parte das empresas de TI do Estado são proativas, em virtude da dinamicidade do setor - as tecnologias se renovam com velocidade muito grande - que exige que as empresas tenham internalizado na cultura esse comportamento, sob pena de não sobreviverem no mercado. Para ele, a proatividade também tem a ver com inovação, posto que se a empresa quer estar à frente, ela precisa ser inovadora.

Também, na terceira fala, relaciona-se a presença das dimensões da OE com o bom desempenho organizacional: "Existem algumas empresas que não têm uma dimensão da orientação empreendedora, outras que não têm várias, outras que não têm nenhuma; as que não têm nenhuma não existem mais, as que não têm várias estão passando por sérias dificuldades, as que não têm algumas estão mais ou menos, e as que têm todas estão muito bem obrigado" (Especialista 3).

Em suma, sob o olhar de dois entrevistados, poucas organizações, micro e pequenas empresas, se destacam em termos de orientação empreendedora. Já sob o olhar do terceiro entrevistado, mais direcionado ao setor de TI, comparado com os demais setores, o setor de TI pode ser considerado acima da média em termos de OE.

Os dados das entrevistas apontam diversas características que denotam a orientação empreendedora no setor, tendo por base organizações que se destacam em termos de orientação empreendedora, conforme apresentado no Quadro 3.


De maneira geral, os especialistas consideram que organizações com maior orientação empreendedora são empresas de pequeno e médio porte, já consolidadas no mercado (normalmente com mais de 10 anos de atuação), algumas situadas em pólos de TI. Na sequência, a seção 4.2 traz um breve relato da presença da orientação empreendedora em duas empresas de software, com base no depoimento dos proprietários.

4.2 A orientação empreendedora em empresas de software

A Empresa A, localizada na região metropolitana de Porto Alegre/RS, que atua no mercado de TI há 12 anos com duas linhas de produtos, tem como foco produtos e serviços na internet. O proprietário, um dos entrevistados, coordena uma equipe de 6 colaboradores. A Empresa B, localizada num município do interior do Estado, distante cerca de cem quilômetros da capital, atua no mercado de TI há 13 anos com uma linha de 5 produtos (software de gestão empresarial), sendo o principal deles um ERP. É de propriedade de 4 sócios, que compõem uma equipe de 19 pessoas. O entrevistado foi o sócio majoritário, responsável pela gestão.

A seguir, apresenta-se resumidamente como as dimensões da OE são percebidas nas duas organizações, com base nos elementos apresentados no Quadro 2, na seção 2.1.

4.2.1 A Inovatividade nas organizações pesquisadas

A inovatividade, em diferentes graus, está presente nas duas organizações pesquisadas. A Empresa A apresenta elementos que lhe atribuem maior grau de inovatividade relação à Empresa B, porém, em ambas as organizações não há investimento em P&D, ou em atividades de inovação, o que é comum em pequenas empresas brasileiras (CRUZ, 2005).

Embora o setor de TI tenha a capacidade inovativa como fator crítico (ROSELINO, 2007), a inovatividade é percebida pelos empresários entrevistados como algo natural do negócio, e não como necessidade decorrente de pressões do mercado. A seguir, o Quadro 4 aponta elementos de inovatividade identificados nas organizações.


Quadro 4 - Clique para ampliar

4.2.2 Assunção de riscos nas organizações pesquisadas

Diferente do que ocorreu com a inovatividade, a dimensão assunção de riscos ficou bem mais evidente em uma das organizações pesquisadas. O Quadro 5, a seguir, apresenta elementos dessa dimensão e como eles foram percebidos nas duas organizações. Fica clara a postura adotada por uma das empresas, retratando uma forte tendência a não assumir riscos.


Quadro 5 - Clique para ampliar

4.2.3 Proatividade nas organizações pesquisadas

A dimensão proatividade fica clara nas duas organizações e, assim como a assunção de riscos, remete a características individuais do empreendedor, fato explícito no depoimento do proprietário da Empresa B. No Quadro 6 são apresentados elementos de proatividade, bem como de que forma foram percebidos nas organizações alvo da pesquisa.


A proatividade, de certa forma, está próxima da inovatividade, uma vez que ações proativas podem levar à inovação. A pesquisa aponta que há clareza quanto à importância da proatividade, embora se manifeste contemplar apenas a proatividade necessária para a sobrevivência, o que aparece ilustrado na fala a seguir: "de um índice de 100 que a gente deveria ser, a gente se dá conta de uns 50 e desses 50 a gente implementa 10. (...). Eu acho que a gente é um pouquinho proativo, mas muito menos daquilo que a gente gostaria de ser, e muito menos ainda daquilo que deveria ser, pelo mercado, que a gente nem consegue enxergar" (Empresário B). O baixo índice de proatividade é atribuído a uma série de fatores: investimento, tempo, equipe enxuta, pessoas multifuncionais, perfil das pessoas, entre outros.

4.2.4 Autonomia nas organizações pesquisadas

A autonomia está presente nas duas organizações pesquisadas. Em geral, há iniciativas em busca de maior autonomia nas organizações, mas nada sistematizado. Segundo uma das falas da entrevista, via de regra, o empresário dá mais autonomia para as pessoas que trabalham com ele do que elas sabem administrar, o que constitui uma dificuldade na sua empresa e em outras que conhece. O Quadro 7, a seguir, ilustra como a autonomia foi observada nas 2 empresas.


Quadro 7 - Clique para ampliar

4.2.5 Agressividade competitiva nas organizações pesquisadas

Essa dimensão da OE apresenta diferenças nas duas organizações pesquisadas. Na Empresa A, fica evidente certa agressividade competitiva, mas com necessidade de melhorias, segundo a percepção do empresário. Na Empresa B, por outro lado, a opção é por não ter agressividade competitiva, em decorrência de uma situação de certa forma "cômoda" no mercado. O Quadro 8 demonstra elementos dessa dimensão.


Os Quadros 4 a 8, apresentados ao longo desta seção 4.2, permitem identificar como os elementos das dimensões da OE se manifestam nas duas organizações pesquisadas, com base na entrevista realizada com os empresários, bem como a intensidade com que estão presentes. A seguir, algumas propostas preliminares relativas ao desenvolvimento da OE, com base no que os empresários apontaram.

4.3 Alguns indicativos para o desenvolvimento da OE em empresas de software

Em relação à inovatividade, ficou evidente, nos dois casos estudados, a sua relação com o perfil do empresário. Alguns fragmentos das entrevistas corroboram aspectos apontados pela literatura, que tratam da relação entre empreendedor e orientação empreendedora da organização (MILLER, 1983). De acordo com o proprietário da Empresa A, "Eu acho que é mais uma questão da cara do dono. Toda pequena empresa tem muito a cara do dono. E eu sou meio inquieto nesse sentido e curioso também. Acho que é uma questão mais pessoal que acaba transferindo para a empresa" (Empresário A). Em sentido semelhante, o proprietário da Empresa B afirma: "Eu tenho a impressão que isso é um pouco nativo. Eu sou um daqueles caras que pra onde eu olho eu enxergo um negócio, uma possibilidade" (Empresário B).

No que diz respeito aos elementos que podem contribuir para o desenvolvimento da inovatividade, alguns aspectos se destacam. O primeiro deles, apontado pelos dois entrevistados, seria a disponibilidade de recursos financeiros, bem como de uma equipe dedicada a essa finalidade. Outro aspecto apontado tem relação com o mercado, isto é, fazer com que o novo produto compense o investimento realizado, o que, muitas vezes, é dificultado pela carência na área comercial da organização. Raciocínio semelhante se aplica à manutenção do diferencial quando do lançamento de um produto inovador: com o fácil acesso à tecnologia, um novo produto tem uma vida curta até que outra empresa faça algo similar; assim, se a organização não tem uma força de vendas adequada, não consegue uma boa fatia de mercado até que um similar surja. Um dos empreendedores também manifestou ser um facilitador da inovatividade, a formação em áreas de criatividade e desenvolvimento, o que facilitaria o processo de concepção de produto e sua aplicação prática.

De certa forma relacionada à inovação, a dimensão assunção de riscos também remeteu à necessidade de recursos financeiros. Segundo manifestações, há barreiras que impedem a busca de recursos via programas especiais, como, por exemplo, convênios com instituições de pesquisa ou ensino, via editais de órgãos financiadores. Tais recursos, via de regra subsidiados, contribuiriam para o desenvolvimento da assunção de riscos. O investimento próprio, muito caro, não compensa o risco. O fato de já ter vivido situações anteriores de dificuldade financeira e o desejo de não querer passar por algo parecido novamente, retrai a possibilidade de correr risco, em busca da inovação. Outro aspecto levantado nas entrevistas é o perfil dos sócios. Se a maioria apresentar um perfil mais conservador, acaba podando iniciativas mais ousadas.

Também foi apontado como dificultador para a OE, a cultura do brasileiro, que compartilha a ideia de que a venda de uma empresa é sinal de fracasso, o que acaba retraindo o empreendedor. Em outras regiões do mundo, é rotina vender uma empresa para constituir outra, bem como é comum a existência de investidores, o que ainda não é muito difundido no Brasil. Essa também poderia ser uma alternativa para alavancar tanto a inovatividade, como a própria dimensão de assunção de riscos.

Em relação à proatividade, uma das alternativas apontadas para facilitar esse comportamento é o melhor uso do tempo, por ser uma atividade que demanda algumas horas por mês para pesquisa, atualização e reflexão a respeito. Como possível solução, aponta-se a padronização de todos os procedimentos da organização, para reduzir o tempo gasto em atividades operacionais e restar mais tempo para atividades estratégicas, que envolvam olhar para o ambiente, pensar no negócio, correr na frente, enfim, atividades que refletem proatividade.

No que se refere a recursos financeiros, uma das alternativas apontadas como possibilidade de melhorar a proatividade é, uma vez identificada a nova frente de vantagens a ser oferecida, aliar o interesse em desenvolvê-la com a necessidade do cliente, de modo que ele passe a ser co-financiador da nova atividade.

Segundo dados da pesquisa, o fato de a internet ser um mercado novo, não consolidado, dificulta a implementação de muitas ações. Via de regra, as organizações (clientes) não disponibilizam verbas para a internet, o que remete à necessidade de proatividade para conquistá-los. Por outro lado, aponta-se a própria internet como grande facilitadora da proatividade, uma vez que proporciona amplas possibilidades de pesquisa. Sob essa ótica, a busca por algo que diferencie a organização da concorrência é o que mais estimula a proatividade.

No que tange à autonomia, são apontados alguns aspectos que podem contribuir para o seu desenvolvimento, sendo um deles a postura de quem está à frente da equipe, ilustrada na fala a seguir de um dos entrevistados: "O que facilita é a minha postura. É não querer ser controlador ao máximo, querer saber cada detalhe do projeto. É mais acompanhar e ir conduzindo. Outro aspecto é a questão de eles mesmos se sentirem significativos no processo e não somente cumpridores de ordens" (Empresário A). Já em outras falas destaca-se o perfil das pessoas: há quem tem motivação própria e há quem não a tem. Sob essa ótica, o empresário questiona a possibilidade de estimular/desenvolver essa característica na pessoa. Nesse contexto, é importante a seleção de pessoas com o perfil adequado para a formação da equipe que se deseja; bem como, a identificação de formas de desenvolvimento da autonomia nas pessoas.

No que se refere à agressividade competitiva, o estudo sugere que contemplar ou não essa dimensão pode, em alguns casos, ser opção da empresa, decorrente de uma condição privilegiada de mercado, em que a organização simplesmente atende à demanda espontânea do mercado. Por outro lado, pode haver carência na área comercial, fato muito comum em pequenas empresas. A fala a seguir mostra claramente a necessidade ser mais agressivo na área comercial: "se a gente tem tanta proatividade para desenvolver os produtos, não faz muito sentido não ser agressivo na hora de colocar eles na rua. E é isso que a gente identificou nos dois últimos anos, e está tentando reverter. Que é tirar um pouquinho de energia da empresa para dentro e botar mais energia da empresa para fora. (...) eu chamo isso de visão ostra. É querer fazer uma pérola, mas a pérola está dentro da ostra. Ninguém vê a pérola ali. Então a gente tem que tirar a pérola para fora da ostra, colocar num colar e colocar numa vitrine de joalheria" (Empresário A). Nesse caso, uma forma de contribuir para o desenvolvimento da agressividade competitiva seria o desenvolvimento de estratégias comerciais, o que, muitas vezes, passa por aspectos de equipe, de tamanho e estrutura da empresa, de forma de atuação, de mix de marketing, de organização da área comercial, entre outros. Em empresas de software, onde, muitas vezes, os profissionais têm perfil técnico, esses aspectos precisam ser considerados.

Chama atenção que, na visão dos empresários entrevistados, há forte relação do perfil do empresário e das pessoas que estão à frente da organização com a orientação empreendedora, o que vem ilustrado no seguinte depoimento: "(...) eu analiso bastante o caso de outras empresas, e frequentemente eu me pego pensando assim: ´será que se não fosse o cara aquele, teria alguém na empresa que faria aquilo, daquele jeito?'. (...) Geralmente é uma pessoa que tem as ideias, ou que é perseverante, que é determinada. Na minha empresa eu sempre tinha medo, alguns anos atrás, que a equipe fosse se desfazer, que o fulaninho que é muito bom, que está acostumado, que conhece o sistema, ´bah, se ele sair, como é que vai ser?'. E as equipes se desfizeram, os fulaninhos passaram e a empresa continua. Hoje ela é uma marca, não existe por si mesma, mas tem a minha figura junto e a minha perseverança presente, não dá para negar" (Empresário A). Nesse caso, acredita-se que estratégias para desenvolvimento do comportamento empreendedor nessas pessoas-chave seja também um fator importante no desenvolvimento da orientação empreendedora, bem como das dimensões individualmente.

O quadro 9 apresenta uma síntese das proposições apresentadas nesta seção.


A seguir, as considerações finais do estudo.

5 Considerações finais

A partir do estudo realizado junto aos especialistas representantes de entidades do setor de TI do Rio Grande do Sul, percebe-se que há elementos de orientação empreendedora no setor, porém presentes em poucas organizações, principalmente nas micro e pequenas empresas. Por outro lado, percebe-se que a orientação empreendedora fica acima da média, se comparada com outros setores da economia, conforme retrata a percepção de expert no setor, entrevistado no estudo.

Dados colhidos junto a dois empresários revelam que há elementos das dimensões da OE presentes em diferentes intensidades nas organizações. Há fatores que podem facilitar e estimular o desenvolvimento de tais elementos, como também alguns são dificultadores.

Para facilitar a OE nas organizações pesquisadas propõe-se: o desenvolvimento do perfil empreendedor dos empresários/gestores; a disponibilização de recursos financeiros subsidiados, dedicados à inovação, pesquisa e desenvolvimento, bem como orientações para a busca e acesso a tais recursos; desenvolvimento de força de vendas e de estratégias comerciais, na busca por mais agressividade na área comercial; formação em áreas de criatividade e desenvolvimento; existência de investidores e de cultura de investidor; otimização do tempo em atividades rotineiras operacionais (padronização de processos e procedimentos), a fim de facilitar maior dedicação a atividades estratégicas; uso da internet como facilitador da proatividade (identificação de oportunidades, realização de monitoramento, etc.); postura de quem está à frente da equipe; seleção de pessoas com o perfil adequado.

Os dados também sugerem que as dimensões da OE podem estar presentes em maior ou menor intensidade na organização, dependendo de diversos fatores, entre os quais, os internos (perfil do empresário e da equipe, estrutura da organização, disponibilidade de recursos financeiros, etc.); e os externos (demanda de produto, competitividade do mercado, etc.).

Entre as contribuições teóricas e gerenciais deste estudo destacam-se as seguintes: o artigo apresenta um condensado da literatura a respeito, de modo especial, dos elementos que caracterizam as dimensões da OE, constituindo um referencial a ser utilizado como base para o estudo da OE em organizações. Além disso, as propostas para o desenvolvimento da OE são um primeiro passo para a constituição de um modelo conceitual de base para desenvolver esse comportamento em empresas de software, ao mesmo tempo em que contribuem para o debate para a implementação de ações de estímulo ao empreendedorismo no contexto de empresas de software.

Como contribuição gerencial o artigo sugere ações que, na prática, podem potencialmente facilitar a OE nas duas organizações pesquisadas, se colocadas em prática no contexto organizacional. É importante salientar que os resultados deste estudo são preliminares considerando o fato de que apenas duas organizações foram pesquisadas, o que passa a ser um limite do estudo. Para um avanço no sentido de contribuição teórica e gerencial, é importante que o estudo tenha continuidade num conjunto de empresas de software que sejam representativas do setor em termos de orientação empreendedora, visando assim à ampliação e mesmo à validação dos resultados aqui alcançados.

Recebido em 25/11/2008

Aprovado em 25/06/2010

Disponibilizado em 01/08/2011

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  • Desenvolvimento da orientação empreendedora em empresas de software: proposições preliminares

    Development of entrepreneurial orientation in software companies: preliminary propositions
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Nov 2008
    • Aceito
      25 Jun 2010
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