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PROFESSORES O TEMPO TODO: UM ESTUDO SOBRE AS CONDIÇÕES MATERIAIS, FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DE DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR DURANTE A PANDEMIA DO COVID-19

TEACHERS AT ALL TIMES: A STUDY ON MATERIAL, PHYSICAL AND PSYCHOLOGICAL CONDITIONS OF TEACHERS IN HIGHER EDUCATION DURING THE COVID-19 PANDEMIC

PROFESORES TODO EL TIEMPO: UN ESTUDIO SOBRE LAS CONDICIONES MATERIALES, FÍSICAS Y PSICOLÓGICAS DE LOS PROFESORES DE EDUCACIÓN SUPERIOR DURANTE LA PANDEMIA DEL COVID-19

RESUMO

A pandemia causada pelo COVID-19 provocou transformações na organização social do trabalho, ocasionada principalmente pela expansão do trabalho remoto, e afetou trabalhadoras e trabalhadores brasileiros, já prejudicados pelas sucessivas reformas trabalhistas e previdenciárias realizadas especialmente no decorrer das últimas três décadas. Com o trabalho docente não foi diferente. O presente artigo tem como objetivo analisar de que forma as condições materiais, físicas e emocionais do docente universitário, que atuava no modelo presencial no momento pré-pandemia, afetam esse sujeito no momento da pandemia. Para tanto, adotamos um delineamento qualitativo, que contou com a realização e a análise de conteúdo de 18 entrevistas com professores e professoras que ministraram aulas para cursos de graduação e especialização em Administração e Contabilidade durante o primeiro semestre de 2020. Os resultados indicam que as adaptações emergenciais realizadas na organização do trabalho e a inadequação dos recursos materiais disponíveis sobrecarregaram os professores com novas funções e atividades, com efeitos prejudiciais às suas condições físicas e psicológicas. A ausência de suporte institucional ao trabalho docente foi também um traço marcante identificado no período.

Palavras-chave:
Condições de trabalho; COVID-19; Trabalho docente

The pandemic caused by COVID-19 caused changes in the social organization of work, caused mainly by the expansion of remote work, and affected Brazilian workers, already affected by the successive labor and social security reforms carried out especially over the past three decades. It was no different with teaching work. This article aims to analyze how the material, physical and emotional conditions of university professors who worked in the face-to-face learning in the pre-pandemic period affect this subject at the time of the pandemic. For this we adopted in the research a qualitative design, which included the conduct and content analysis of 18 interviews with teachers, who worked during the first semester of 2020 teaching classes for undergraduate and specialization courses in Administration and Accounting. The results indicate that the emergency adaptations made in the organization of work and the inadequacy of the available material resources overloaded teachers with new functions and activities, with harmful effects on their physical and psychological conditions. The absence of institutional support for teaching work was also a marked feature identified in the period.

Keywords:
Work conditions; COVID-19; Teaching work


La pandemia provocada por COVID-19 provocó cambios en la organización social del trabajo, provocados principalmente por la expansión del trabajo a distancia, y afectó a los trabajadores brasileños, ya afectados por las sucesivas reformas laborales y previsionales llevadas a cabo especialmente en las últimas tres décadas. Este artículo tiene como objetivo analizar cómo las condiciones materiales, físicas y emocionales de los profesores universitarios que trabajaron en el modelo presencial en el período prepandémico afectan a este tema en el momento de la pandemia. Para eso, adoptamos en la investigación un diseño cualitativo, que incluyó la realización y análisis de contenido de 18 entrevistas a docentes, quienes trabajaron durante el primer semestre de 2020 impartiendo clases para cursos de pregrado y especialización en Administración y Contabilidad. Los resultados indican que las adaptaciones de emergencia realizadas en la organización del trabajo y la insuficiencia de los recursos materiales disponibles sobrecargaron a los docentes con nuevas funciones y actividades, con efectos nocivos en sus condiciones físicas y psicológicas. La ausencia de apoyo institucional para la labor docente fue también un rasgo marcado identificado en el período.

Palabras clave:
Condiciones de trabajo; COVID-19; Trabajo docente


INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho tem sido objeto de diversas transformações ao longo das últimas cinco décadas sob a égide do capitalismo. O processo de acumulação flexível do capital, iniciado na década de 1970, nos países centrais do sistema capitalista, influenciou a execução de uma série de reformas político-econômicas de modo a ajustar o modelo produtivo às suas necessidades (ANTUNES, 2018; HARVEY, 2018). Na busca por promover o ideário neoliberal, os governantes passaram a adotar medidas que privilegiam proprietários capitalistas e instituições financeiras, ao mesmo tempo em que esvaziam a capacidade de regulação e intervenção econômica estatal (CHOMSKY, 2002CHOMSKY, N. O lucro ou as pessoas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.; DUMENIL; LEVY, 2004; BROWN, 2019BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.)

Neste contexto globalizado de transformações e incertezas, os trabalhadores enfrentam um novo adversário que os coloca “sob fogo cruzado” (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.): a pandemia causada pela variação da Síndrome Respiratória Aguda Grave, nomeada pelos cientistas COVID-19, que se espalhou por todo o planeta. Altamente contagiosa, a doença causou um número expressivo de mortes (GUAN et al., 2020GUAN, W. et al. Clinical characteristics of coronavirus disease 2019 in China. New England journal of medicine, v. 382, n. 18, p. 1708-1720, 2020.) e provocou mudanças nas rotinas pessoais e profissionais de indivíduos e grupos (COLLINS et al., 2020COLLINS, C. et al. COVID-19 and the gender gap in work hours. Gender, Work & Organization, 2020.), além de estender o uso das tecnologias de comunicação e informação como meio de mediação dos processos de socialização (FILGUEIRAS; ANTUNES, 2020FILGUEIRAS, V.; ANTUNES, R. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Revista Contracampo, v. 39, n. 1, 2020.; LEONARDI, 2020LEONARDI, P. M. COVID-19 and the new technologies of organizing: digital exhaust, digital footprints, and artificial intelligence in the wake of remote work. Journal of Management Studies, 2020.; TING et al., 2020TING, D. S. W. et al Digital technology and COVID-19. Nature medicine, v. 26, n. 4, p. 459-461, 2020.).

Apesar das otimistas previsões realizadas logo após a Organização Mundial da Saúde decretar a pandemia, por respeitados teóricos críticos (BERARDI, 2020BERARDI, F. B. Crónica de la psicodeflación. In: AGAMBEN, G et. al. Sopa de Wuhan: pensamiento contemporáneo en tiempos de pandemias (2020), 21-28. Rusia: Editorial ASPO, 2020.; ŽIŽEK, 2020ŽIŽEK, S. Coronavirus es un golpe al capitalismo al estilo de ‘Kill Bill’y podría conducir a la reinvención del comunismo. In: AGAMBEN, G et. al. Sopa de Wuhan: pensamiento contemporáneo en tiempos de pandemias (2020), 21-28. Rusia: Editorial ASPO, 2020.), a pandemia parece acentuar ainda mais tendências já reproduzidas há décadas no mundo do trabalho, que ganham força com o modelo uberizado (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020). Há indicativos sobre as pretensões do sistema capitalista em dar continuidade às suas adaptativas típicas dos períodos de crise, utilizadas para a imposição de modelos de trabalho mais flexíveis e precários com o intuito de facilitar o seu processo de acumulação (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.; DE SOUZA SANTOS, 2020DE SOUSA SANTOS, B. A cruel pedagogia do vírus. Boitempo Editorial, 2020.). Cabe-se destacar que, apesar da pandemia afetar globalmente trabalhadoras e trabalhadores em todo o mundo, devido as características históricas do desenvolvimento do sistema capitalista, seus efeitos nocivos são ainda mais perversos nas periferias, o que intensifica as discriminações de classe gênero e raça no interior destas sociedades (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.).

No Brasil em que a exclusão sistemática dos trabalhadores dos sistemas de proteção social, devido especialmente a enorme informalidade que permeia as relações de trabalho em seu interior, foi sempre regra e não exceção, a adoção das medidas de isolamento social, recomendadas pela OMS pelos governos estaduais brasileiros, produziu efeitos múltiplos sobre o trabalho assalariado: enquanto um grande número de brasileiros pertencente as camadas economicamente mais vulnerável perdeu em parte ou totalmente sua(s) fonte(s) de renda (COSTA, 2020COSTA, S. S. Pandemia e desemprego no Brasil. Revista de Administração Pública, v. 54, p. 969-978, 2020.), esmagadora maioria de trabalhadoras e trabalhadores dos setores industrial e comercial e também de alguns segmentos essenciais do setor de serviços continuaram exercendo seu trabalho in loco (NEDER; AMORIN, 2021NEDER, V; AMORIN, D 86% dos brasileiros não conseguem trabalhar remotamente O Estadão. 21 mar. 2021. Disponível em: < https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/86-dos-brasileiros-nao-conseguem-trabalhar-remotamente,642e35befac2db8546ed46cfd731298b81kqr0fc.html>. Acesso em 15 nov. 2021.
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), enfrentando os riscos físicos e psicológicos da contaminação, adoecimento e de vida ocasionados pelo COVID-19. Um contingente menor de representantes da classe que vive do trabalho, que atua em trabalhos socialmente considerados mais intelectualizados, foi orientado a migrar compulsoriamente suas atividades laborais para o formato digital (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.).

O trabalho docente seguiu a tendência desta última categoria mencionada de trabalhadores, passando a ser realizado exclusivamente de forma remota, no formato home office (GODOI, KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.; CIPRIANI; MOREIRA; CARIUS, 2021CIPRIANI, F. M.; MOREIRA, A. F. B.; CARIUS, A. C, Atuação Docente na Educação Básica em Tempo de Pandemia. Educação & Realidade, v. 46, 2021.). Na esteira do processo de expansão do ensino a distância (EAD) (RODRIGUES; FREITAS, 2017RODRIGUES, C. M. L.; DE FREITAS, L. G. TELETRABALHO E PRECARIZAÇÃO-CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO DOCENTE EM EAD| Teleworking and precariousness-teaching in e-learning work settings. Trabalho & Educação, v. 26, n. 2, p. 103-114, 2017; VELOSO; MILL, 2018), hoje dominado por grandes instituições e pelas holdings financeiras (PISSINATO; COUTINHO, 2019PISSINATO, W.; COUTINHO, L. C. S. A influência das fusões e aquisições no processo de financeirização da educação superior brasileira. Laplage em Revista, v. 5, p. 127-144, 2019.), as instituições de ensino superior (IES) privadas (ao contrário das universidades públicas, que inicialmente suspenderam suas atividades) optaram por adotar o que convencionalmente passou a ser denominado Ensino Remoto Emergencial (ERE) em substituição ao cursos ministrados no formato presencial tradicional. A estratégia foi pensada como uma ação capaz de mitigar o prejuízo ocasionado aos alunos com a vigência das medidas de afastamento social e supressão dos espaços físicos de socialização das IES (GODOI; KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.; HODGES et al., 2020).

Apesar de poupar as/os profissionais da educação superior dos riscos diretos de contaminação pelo COVID-19 no trabalho, a adoção do ERE, realizada às pressas, afetou a vida e o labor das/dos docentes submetidas(os) a este novo regime de trabalho e provocou mudanças em suas rotinas diárias (GODOI; KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.; MONTEIRO; SOUZA, 2020MONTEIRO, B. M. M.; SOUZA, J. C. Saúde mental e condições de trabalho docente universitário na pandemia da COVID-19. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e468997660-e468997660, 2020.). Estudos recentes mostram que o contexto e suas adaptações afetaram a saúde mental desses trabalhadores (SILVA et al., 2020SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020.; PEREIRA; SANTOS; MANENTI, 2020PEREIRA, H. P.; SANTOS, F. V.; MANENTI, M. A. Saúde mental de docentes em tempos de pandemia: os impactos das atividades remotas. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 3, n. 9, p. 26-32, 2020.; DE SOUZA et al., 2021DE SOUZA, K. R.; DOS SANTOS, G. B.; DOS SANTOS RODRIGUES, A. M.; FELIX, E. G.; GOMES, L.; DA ROCHA, G. L.; PEIXOTO, R. B. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, 2021.; SANTOS; SILVA; BELMONTE, 2020SANTOS, G. M. R. F.; SILVA, M. E; BELMONTE, B, R. COVID-19: ensino remoto emergencial e saúde mental de docentes universitários. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 21, p. 237-243, 2021.), suas formas de trabalho (RONDINI; PEDRO; DOS SANTOS SOARES, 2020RONDINI, C. A.; PEDRO, K. M.; DOS SANTOS DUARTE, C. Pandemia do Covid-19 e o ensino remoto emergencial: Mudanças na práxis docente. Interfaces Científicas-Educação, v. 10, n. 1, p. 41-57, 2020.; VALENTE et al., 2020VALENTE, G. S. C.; DE MORAES, E. B.; SANCHEZ, M. C. O.; DE SOUZA, D. F.; PACHECO, M. C. M. D. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: Reflexões sobre a prática docente. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e843998153-e843998153, 2020.), suas percepções sobre o trabalho (DE PAULO; ARAÚJO; DE OLIVEIRA, 2020DE PAULO, J. R; ARAÚJO, S. M. M. S.; DE OLIVEIRA, P. D. Ensino remoto emergencial em tempos de pandemia: tecendo algumas considerações. Dialogia, n. 36, p. 193-204, 2020.). Entre os aspectos que desencadearam essas mudanças e adaptações, atentamos para as tendências alinhadas à flexibilização do trabalho como reflexo da reestruturação na organização produtiva do capital mundial que ocorre no mundo desde a década de 1970 (ANTUNES, 2018; 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.) e já difundidas no setor educacional (em especial na modalidade Ead), como o desempenho das atividades de ensino-aprendizagem no formato home-office, em substituição ao formato presencial (VELOSO; MILL, 2018; HODGES et al., 2020). Isto implica em mudanças não somente nas condições materiais de trabalho e de suas limitações contingenciais, mas também nas condições físicas e emocionais dos docentes. Deste modo, estudos capazes de identificar os efeitos gerados pela pandemia sobre as condições de trabalho dos docentes do ensino superior brasileiro que envolvem, entre outros aspectos, crenças, ideologias e ações políticas se tornam fundamentais (DE SOUZA SANTOS, 2020DE SOUSA SANTOS, B. A cruel pedagogia do vírus. Boitempo Editorial, 2020.; SPICER, 2020SPICER, A. Organizational Culture and COVID-19. Journal of Management Studies, v. 57, n. 8, p. 1737-1740, 2020.).

O presente artigo tem como objetivo analisar de que forma as condições materiais, físicas e emocionais do docente universitário que atuava no modelo presencial no momento pré-pandemia, afetam esse sujeito no momento da pandemia. Nesse sentido, nosso recorte foram os docentes que atuavam na modalidade de ensino presencial, em instituições de ensino superior privadas, ministrando disciplinas de graduação e especialização dos cursos de Administração e Contabilidade durante o primeiro semestre de 2020.

Para que os objetivos fossem alcançados, entrevistamos dezoito professores (9 mulheres e 9 homens), escolhidos intencionalmente com o auxílio do método bola de neve (BRYMAN, 2016). As entrevistas foram realizadas a distância, entre os meses de julho e agosto de 2020, com o auxílio de plataformas de videoconferência. Adotamos um desenho de pesquisa qualitativo com o intuito de priorizar a comunicação verbal e os significados compartilhados entre pesquisadores e participantes para a construção do estudo (CRESWELL; POTH, 2016; MENDES; MISKULIN, 2017). Para a análise dos dados empregamos a técnica de análise de conteúdo, a partir da qual foram estabelecidas categorias não exaustivas (BARDIN, 2004).

O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiramente propomos uma breve discussão sobre a pandemia da COVID-19 e as mudanças acarretadas nas condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras para, em seguida, abordarmos as condições do trabalho docente na contemporaneidade. Apresentamos, então, o delineamento metodológico e, na sequência, aspectos sobre a organização do trabalho docente durante a pandemia para, então, discutirmos as mudanças acarretadas às rotinas dos professores, as condições materiais, físicas e psicológicas dos docentes. Ao final, são apresentadas as conclusões do trabalho.

1 A PANDEMIA DA COVID-19 E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

O ano de 2020 foi marcado pela pandemia decretada pela Organização Mundial da Saúde no mês de março, em virtude da variação COVID-19 da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e seu avanço global (OMS, 2020). A doença demanda cuidados específicos devido à facilidade de propagação e contágio, e aos expressivos números de mortes causadas até o momento (CHEN et al., 2020CHEN, N. et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. The lancet, v. 395, n. 10223, p. 507-513, 2020.; GUAN et al., 2020GUAN, W. et al. Clinical characteristics of coronavirus disease 2019 in China. New England journal of medicine, v. 382, n. 18, p. 1708-1720, 2020.). Mesmo com vacinas já aprovadas nas últimas fases de testes e liberadas para uso desde o mês de dezembro em países de todo o mundo, a ausência de métodos de combate efetivo à COVID-19 fez com que especialistas sugerissem desde o início da pandemia medidas como o isolamento social, o uso de máscaras, entre outras soluções paliativas (WENHAM et al., 2020WENHAM, C.; SMITH, J.; MORGAN, R. (2020). COVID-19: the gendered impacts of the outbreak. The lancet, v. 395, n. 10227, p. 846-848, 2020.). A grande maioria dos países do mundo seguiu as recomendações feitas pelos especialistas da área e da OMS, decretando períodos de lockdown.

Diante de tais recomendações, questões como o comportamento e a saúde física e mental dos trabalhadores emergem como importantes temas de pesquisas, ao passo que são de interesse dos líderes e gestores pela capacidade que possuem em subsidiar o desenvolvimento de políticas às organizações públicas e privadas (BAVEL et al., 2020; ITO; PONGELUPPE, 2020ITO, N. C.; PONGELUPPE, L. S. O surto da COVID-19 e as respostas da administração municipal: munificência de recursos, vulnerabilidade social e eficácia de ações públicas. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 4, p 782-838, 2020.). As discussões que permeiam o mundo do trabalho giram em torno de fatores ligados ao desemprego, à adaptação das rotinas pessoais e profissionais dos indivíduos, à adoção de tecnologias de comunicação e informação, aos riscos e condições de trabalho durante e após a pandemia, entre outros (COLLINS et al., 2020COLLINS, C. et al. COVID-19 and the gender gap in work hours. Gender, Work & Organization, 2020.; BAJRAMI et al., 2020BAJRAMI, D. D. et al. Will we have the same employees in hospitality after all? The impact of COVID-19 on employees’ work attitudes and turnover Intentions. International Journal of Hospitality Management, p. 102754, 2020.). Contudo, tais fatores são afetados de diferentes formas, a depender dos indivíduos e dos grupos em que estão inseridos, especialmente em uma sociedade contemporânea, que comporta níveis importantes de desigualdade econômica, social e material (BAPUJI et al., 2020BAPUJI, H., PATEL, C., ERTUG, G., & Allen, D. G. Corona Crisis and Inequality: Why Management Research Needs a Societal Turn. In Journal of Management, vol. 46, n 7, p. 1205–1222, 2020.).

Perante tais características sociais, mesmo que o momento de pandemia possa representar um avanço em diferentes áreas dos estudos das organizações, como gestão estratégica, cadeia de suprimentos e tecnologias digitais (KETCHEN; CRAIGHEAD, 2020CHEN, N. et al. Epidemiological and clinical characteristics of 99 cases of 2019 novel coronavirus pneumonia in Wuhan, China: a descriptive study. The lancet, v. 395, n. 10223, p. 507-513, 2020.; TING et al., 2020TING, D. S. W. et al Digital technology and COVID-19. Nature medicine, v. 26, n. 4, p. 459-461, 2020.), a análise das condições materiais, físicas e psicológicas/emocionais de trabalho se apresenta como campo urgente a ser explorado (HELIOTERIO et al., 2020HELIOTERIO, M. C. et al. Covid-19: Por que a proteção de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é prioritária no combate à pandemia? Trabalho, Educação e Saúde, v. 18, n. 3, 2020.; NOGUEIRA GOSSENHEIMER et al., n.d.; SILVA et al., 2020SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020.). Tal urgência é justificada, dentre outros motivos, pela pandemia representar um cenário em que modalidades do trabalho concreto, realizadas em espaços físicos e sociais, migraram emergencialmente para o modelo online, com o auxílio de plataformas digitais (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.; FILGUEIRAS; ANTUNES, 2020FILGUEIRAS, V.; ANTUNES, R. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Revista Contracampo, v. 39, n. 1, 2020.; LEONARDI, 2020LEONARDI, P. M. COVID-19 and the new technologies of organizing: digital exhaust, digital footprints, and artificial intelligence in the wake of remote work. Journal of Management Studies, 2020.; TING et al., 2020TING, D. S. W. et al Digital technology and COVID-19. Nature medicine, v. 26, n. 4, p. 459-461, 2020.). Para explorar as condições relacionadas ao trabalho na era da pandemia, faz-se necessário compreender que as mudanças que permeiam esse momento não envolvem apenas os aspectos superficiais das organizações, mas, principalmente, suas crenças, políticas e ideologias (SPICER, 2020SPICER, A. Organizational Culture and COVID-19. Journal of Management Studies, v. 57, n. 8, p. 1737-1740, 2020.).

Entre as ideologias que povoam crenças e políticas nas organizações contemporâneas e relações de trabalho, o sistema neoliberal, estruturado desde a “Carta Econômica das Américas”, passando pelo consenso de Washington e as lutas de Margaret Thatcher contra os sindicatos (CHOMSKY, 2002CHOMSKY, N. O lucro ou as pessoas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.; HARVEY, 2013HARVEY, D. Os limites do capital. Boitempo Editorial, 2013.), impacta profundamente o modelo de sociedade da segunda metade do século XX e século XXI. Trata-se de um sistema que privilegia a privatização das propriedades e a redução do Estado social, para garantir aos proprietários capitalistas e instituições financeiras poder e lucro (CHOMSKY, 2002CHOMSKY, N. O lucro ou as pessoas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.; DUMENIL; LEVY, 2004; BROWN, 2019BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.). Constituem esse sistema, ainda, as constantes crises geradas pelo capitalismo, que servem como elemento chave para a imposição de modelos de trabalho flexibilizados e precarizados, ao mesmo tempo em que justificam a dilapidação de políticas sociais nas áreas da educação, saúde e previdência (SENNETT, 2004SENNETT, R. A corrosão do caráter. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.; BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.; DE SOUZA SANTOS, 2020). No contexto brasileiro, dentre as consequências da nova configuração global do trabalho, produto da degradação do trabalho provocada pelo processo de flexibilidade liofilizada das organizações, é possível citar o vertiginoso da informalidade, ao mesmo tempo em que os postos de trabalhos formais diminuem cada vez mais (ANTUNES, 2018; 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.; ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020).

Fruto desse sistema neoliberal, a precarização das condições de trabalho vivenciadas pela população brasileira alcançou um preocupante patamar no ano de 2019, com mais de quarenta milhões de pessoas alocadas no mercado de trabalho informal (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.). e mais de cinco milhões no mercado uberizado (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020). Ampliando a atual crise do capital, o pandêmico ano de 2020 viu o desemprego no Brasil atingir mais de catorze milhões de pessoas, ao passo que os grupos de indivíduos mais ricos do mundo ultrapassavam suas riquezas em mais de dez trilhões de dólares, o maior nível da história (UBS, 2020). Com isso, é possível afirmar que o momento de pandemia se apresenta como um momento em que observamos (e ainda observaremos), e conhecemos “a verdade e a qualidade das instituições” de nossa sociedade (DE SOUZA SANTOS, 2020, p. 2).

2 A PANDEMIA DA COVID-19 E AS CONDIÇÕES CONTEMPORÂNEAS DO TRABALHO NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

O atual cenário pandêmico também produziu impactos consideráveis sobre a organização do trabalho universitário. As exigências emergenciais impuseram às IES restrições estruturais e exigiram a realização adaptações circunstanciais no modelo de organização do trabalho efetuado na modalidade de ensino presencial (SANTOS; SILVA; BELMONTE, 2020SILVA, A. F.; ESTRELA, F.; LIMA, N. S.; ABREU, C. T. D. A. Saúde mental de docentes universitários em tempos de pandemia. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 30, 2020.; SILVA ET AL., 2020SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020.). Enquanto a maior parte da classe trabalhadora brasileira atuante nos setores industrial e comercial e em segmentos essenciais do setor de serviços continuou exercendo suas atividades laborais dentro das organizações (NEDER; AMORIN, 2021NEDER, V; AMORIN, D 86% dos brasileiros não conseguem trabalhar remotamente O Estadão. 21 mar. 2021. Disponível em: < https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/86-dos-brasileiros-nao-conseguem-trabalhar-remotamente,642e35befac2db8546ed46cfd731298b81kqr0fc.html>. Acesso em 15 nov. 2021.
https://www.terra.com.br/noticias/corona...
), correndo frequentes riscos de contaminação e adoecimento (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.), o trabalho realizado in loco nas instituições universitárias foi readaptado ao formato digital, com a adoção massiva do home-office.

As adaptações necessárias à continuidade das atividades no ensino superior brasileiro foram possíveis a partir das prescrições legais do Ministério da Educação. A portaria nº 343, publicada pelo MEC no dia 17 de março de 2020, autorizou a substituição imediata das aulas presenciais por aulas mediadas pelo uso das TIC nas instituições superiores integrantes do sistema federal de ensino, que já faziam uso de tecnologias anteriores ao período pandêmico. As universidades públicas optaram, no início da pandemia, por não seguir as recomendações do MEC, dada a impossibilidade de garantir acesso aos recursos tecnológicos necessários para a mediação do processo de ensino-aprendizagem para alunos e docentes. (G1, 2020aG1a. Universidades públicas suspendem aulas virtuais em meio ao coronavírus; particulares se mobilizam contra a redução de mensalidades. G1. 27 mar. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/03/27/universidades-publicas-suspendem-aulas-virtuais-em-meio-ao-coronavirus-particulares-se-mobilizam-contra-reducao-de-mensalidades.ghtml>. Acesso em 20 set. 2020.
https://g1.globo.com/educacao/noticia/20...
).

Diferentemente das universidades públicas, as direções das faculdades e universidades privadas, que dependem das receitas oriundas do pagamento das mensalidades dos discentes para sua manutenção no mercado de educação, optaram, em sua grande maioria, por manter o calendário letivo para o ano de 2020 (G1, 2020bG1b. Na pandemia, 22% das faculdades particulares pausaram atividades e não adotaram o ensino remoto, diz pesquisa. G1, 07 mai. 2020. Disponível em : <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/05/07/na-pandemia-22percent-das-faculdades-particulares-pausaram-atividades-e-nao-adotaram-o-ensino-remoto-diz-pesquisa.ghtml>. Acesso em 20 nov. 2021.
https://g1.globo.com/educacao/noticia/20...
), mesmo com o avanço da pandemia no Brasil e no mundo. As adaptações efetuadas pelas IES, entretanto, foram feitas em caráter emergencial, de modo a não comprometer (com atrasos) a continuidade do ano letivo dos alunos matriculados em seus cursos superiores (GODOI; KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.). O Ensino Remoto Emergencial (ERE), como um modelo de ensino híbrido, que combina métodos tradicionais com a utilização de meios digitais para propagação do conteúdo pedagógico, foi a alternativa adotada, a princípio pelas IES particulares, para o atendimento das demandas educacionais, adaptada a partir dos métodos do Ensino à Distância (EAD) já há muito difundidos no magistério superior brasileiro,

Por se tratar de uma adaptação que objetivou suprimir as necessidades interacionais do processo educacional frente as restrições de contato e circulação impostas pela pandemia, o ERE apresenta claras limitações técnicas e pedagógicas (GODOI; KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.; HODGES et al., 2020). Enquanto o EAD exige planejamento, estruturas e métodos adequados à modalidade e possui uma legislação própria que ampara suas práticas, o ERE foi um modelo temporário encontrado pelas IES que ofertam cursos presenciais para atravessar o período pandêmico, e que deverá ser encerrado após a autorização da retomada das rotinas institucionais (HODGES et al., 2020; JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020JOYE, C. R.; MOREIRA, M. M.; ROCHA, S. S. D. Educação a Distância ou Atividade Educacional Remota Emergencial: em busca do elo perdido da educação escolar em tempos de COVID-19 Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020.). Devido ao seu caráter precário (não planejado), o ERE apresenta como traços a improvisação do uso de recursos para a mediação dos processos de ensino-aprendizagem e as deficiências nos processos de suporte ao ensino, (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020JOYE, C. R.; MOREIRA, M. M.; ROCHA, S. S. D. Educação a Distância ou Atividade Educacional Remota Emergencial: em busca do elo perdido da educação escolar em tempos de COVID-19 Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020.).

Em que pese a diferença qualitativa entre os modelos de ensino citados, é possível elencar alguns dos problemas levantados em relação ao EAD, e que podem ocorrer também no ERE, considerando que em ambos os processos educacionais são mediados pelo uso das TIC (LAPA; PRETTO, 2010LAPA, A. PRETTO, N. L. Educação a distância e precarização do trabalho docente. Em aberto, v. 23, n. 84, 2010): o primeiro deles é ruptura do tempo e espaço, que ocorre devido ao espaço físico de aprendizado não ser fixo ou dedicado à atividade de aprendizagem, e também pelo hiato temporal entre o planejamento da aula e sua efetiva execução (ou reprodução, se considerarmos o material gravado); o segundo está relacionado às tecnologias da informação e comunicação, especialmente à falta de infraestrutura adequada para viabilizar uma maior dinâmica de aprendizagem, capaz de amenizar o afastamento físico, por fim, a falta de conectividade com a internet pode dificultar a realização de uma comunicação efetiva entre alunos e docentes.

Nas últimas décadas o ensino superior passou por consideráveis mudanças que afetaram diretamente a organização e as condições do trabalho docente efetivado nas IES públicas e privadas (VELOSO; MILL, 2018). Orientadas à uma busca contínua pela redução de custos operacionais, as universidades privadas passaram a realizar ajustes tanto na forma de contratação dos professores, que passou a ser realizada, predominantemente, pelo regime de horas efetivas trabalhadas, quanto nas rotinas de trabalho e nas atribuições do cargo (CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; VIANA; MACHADO, 2016). O aumento das cobranças por produtividade e o enrijecimento dos critérios de avaliação institucional sobre o trabalho docente levaram à intensificação do trabalho dos professores e ampliação das atribuições funcionais da atividade, empilhadas no interior das mesmas rotinas de trabalho (VIANA; MACHADO, 2016; CARDOSO, 2018CARDOSO, J. Trabalho imaterial, informatização e estilos de vida dos docentes em instituições de ensino superior privado. Revista Espaço Acadêmico, v. 18, n. 208, p. 94-104, 2018.), sem que houvessem ajustes nas jornadas de trabalho e nos vencimentos pagos pelo exercício da atividade.

Junto a adoção do modelo de trabalho flexível orientado à objetivos pelas IES ocorreu concomitantemente o fenômeno de fragmentação e informalização do trabalho docente, impulsionado pela expansão do uso das TIC no ensino superior (VIANNA; CALDERARI, 2019VIANNA, F. R. P. M.; CALDERARI, E. B. Da Precarização à (In)Existência: Um Estudo sobre o Conteudista no Modelo EaD. In: XLIII Encontro da ANPAD – ENANPAD. Anais...São Paulo (SP), Universidade Mackenzie, out., 2019.). Funções como a de conteudista (professores que apenas produzem os conteúdos fornecidos nos cursos e que excluídos das outras funções pedagógicas) a de tutoria (professores que somente acompanham e orientam os alunos em sala, mas que não são incluídos nos debates pedagógicos das próprias disciplinas que “acompanham) foram criadas para suprir as demandas por trabalhos pontuais e altamente padronizados criadas pela modalidade EaD (VELOSO; MILL, 2018; CALDERARI; MENEGHETTI, 2020CALDERARI, E. B.; MENEGHETTI, F. K. O sentido no trabalho do conteudista no modelo ead. 2020.).

Essa nova configuração da organização do trabalho no magistério superior, que se efetiva nos rastros da financeirização da educação superior brasileira (PISSINATO; COUTINHO, 2019PISSINATO, W.; COUTINHO, L. C. S. A influência das fusões e aquisições no processo de financeirização da educação superior brasileira. Laplage em Revista, v. 5, p. 127-144, 2019.), aproxima os professores do ensino superior daquilo que Antunes (2018), em suas análises da nova morfologia do trabalho, denominou infoproletáriado e que Huws (2003)HUWS, U. The making of a cybertariat: Virtual work in a real world. New York: Monthly Review Press, 2003. nomeou como cybertrariado, uma nova classe de trabalhadoras e trabalhadores que atuam no setor de serviços em interação direta com meios tecnológicos, cujos trabalhos permanecem invisibilizados pela própria tecnologia. Além do mais, como a produção de conteúdos e de materiais didáticos passaram a ser realizados nos espaços privados dos professores (VIANA; MACHADO, 2016), com a transferência dos custos e riscos gerados pela atividade sendo transferidos aos docentes, podemos também associá-lo as diversas formas da uberização do trabalho (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020). Neste novo formato, a flexibilização do trabalho se desdobra em uma flexibilização do ambiente de trabalho, com a transferência das responsabilidades pela garantia de fornecimento e manutenção das estruturas e equipamentos necessários à efetivação do trabalho aos próprios trabalhadores do ensino, que passam a realizar suas funções no modelo home office, dispondo de seus meios para a realização do trabalho (VELOSO; MILL, 2018).

Levando em consideração as orientações mercantilistas das IES privadas é possível afirmarmos que, na atualidade, as IES submetem os seus docentes a práticas perversas, com o objetivo de melhorar os resultados financeiros organizacionais, sem levar em conta as condições de trabalho desses sujeitos (BELLINASO; NOVAES, 2018BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.; VELOSO; MILL, 2018), que podem ser caracterizadas como um arranjo de meios, bens e instrumentos que são capazes de prover aos professores condições adequadas ao desenvolvimento das atividades para quais são profissionalmente remunerados, que incluem a infraestrutura organizacional, além da disponibilização de materiais, serviços e equipamentos de apoio (MOURA ET AL, 2019). Os baixos salários, a exposição dos docentes a agentes de risco físico e a carência de recursos materiais para o trabalho são alguns dos problemas evidenciados na literatura (LIM; LIMA-FILHO, 2009LIM, M. F. E. M.; DE OLIVEIRA LIMA-FILHO, D. Condições de trabalho e saúde do/a professor/a universitário/a. Ciências & Cognição, v. 14, n. 3, p. 62-82, 2009.; VELOSO; MILL, 2018).

As deficiências no fornecimento das condições de trabalho adequadas, por parte das instituições de ensino, como resultado do processo de flexibilidade liofilizada pelo qual passa o ensino superior [sempre na esteira das tendências globais presentes no mundo do trabalho (ANTUNES, 2018)], que afeta tanto a disponibilidade de recursos físicos estruturais quanto a organização social do próprio trabalho e impede o desenvolvimento de um ensino

verdadeiramente crítico, exerce também impactos sobre a saúde dos docentes que trabalham (GASPAR; FERNANDES, 2015GASPAR, R. F.; FERNANDES, T. C. Oligopolização e precarização do trabalho docente no ensino superior privado brasileiro: causas, conexões e consequências. Revista Espaço Acadêmico, v. 14, n. 168, p. 77-92, 2015.; MOURA ET AL, 2019). Entre os elementos responsáveis pelo desgaste físico, emocional e intelectual dos docentes está o exercício de atividades em condições e circunstâncias desfavoráveis, e que exigem sobre-esforços do corpo e da psique desses profissionais. (GASPAR; FERNANDES, 2015GASPAR, R. F.; FERNANDES, T. C. Oligopolização e precarização do trabalho docente no ensino superior privado brasileiro: causas, conexões e consequências. Revista Espaço Acadêmico, v. 14, n. 168, p. 77-92, 2015.; DE PAULA; SOUZA, 2017SOUZA, K. R. et al. A nova organização do trabalho na universidade pública: consequências coletivas da precarização na saúde dos docentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 3667-3676, 2017; COTRIM, 2020).

A supressão do processo de socialização dos docentes, produto do processo de racionalização econômica do ensino superior brasileiro, afeta diretamente a formação e o exercício profissional das professoras e dos professores nas universidades, provoca a abstração do caráter social do trabalho (BOLZAN; POWACZUK, 2017BOLZAN, D. P. V.; POWACZUK, A. C. H. Docência universitária: a construção da professoralidade Revista Internacional de Formação de Professores, v. 2, n. 1, p 160-173, 2017), e transforma os professores em vulneráveis empreendedores isolados a serviço das IES (MANCEBO, 2010; VOSGERAU, 2017VOSGERAU, D. S. R.; ORLANDO, E. de A.; MEYER, P. (2017). Produtivismo acadêmico e suas repercussões no desenvolvimento profissional de professores universitários. Educação & Sociedade, v. 38, n. 138, p. 231-247, 2017.). Na busca por “competitividade” no mercado de trabalho, os docentes passam a dedicar mais tempo e dinheiro à sua formação por conta própria, enquanto são afastados gradativamente das condições necessárias ao florescimento do processo de ensino-aprendizagem (VEIGA, 2006; CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; SILVA et al., 2017SILVA, A. K. L. et al. Os impedimentos da atividade de trabalho do professor na EAD. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 37, n. 3, p. 683-696, 2017.; CARDOSO, 2018CARDOSO, J. Trabalho imaterial, informatização e estilos de vida dos docentes em instituições de ensino superior privado. Revista Espaço Acadêmico, v. 18, n. 208, p. 94-104, 2018.). O compromisso ético profissional, vinculado às representações simbólicas da docência, exerce influência sobre os professores a ponto de estimula-los a desenvolver suas atividades mesmo em condições de trabalho inadequadas (CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; COLLADO et. al., 2016COLLADO, P. A. et al. Condiciones de trabajo y salud en docentes universitarios y de enseñanza media de Mendoza, Argentina: Entre el compromiso y el desgaste emocional. Salud colectiva, v. 12, p. 203-220, 2016.; ELIAS; NAVARRO, 2019ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. Profissão docente no ensino superior privado. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 22, n. 1, p. 49-63, 2019.). Tal compromisso, pode ser apropriado estrategicamente pelas organizações do setor da educação que, orientadas pelos novos mecanismos de alienação e sujeição ao trabalho, podem utilizá-lo como pretexto para degradação do trabalho docente, intensificando e estendendo as jornadas laborais de seus quadros funcionais (ANTUNES, 2018).

Dentre as possíveis enfermidades físicas desenvolvidas por professoras e professores estão os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) (MOLINA, et al., 2017MOLINA, G. C. et al. Exigências musculoesqueléticas do trabalho docente em uma universidade pública Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia, v. 4, n. 7, 2017.), que levam a deterioração do corpo e a proliferação de intervenções cirúrgicas nos profissionais da classe (COLLADO et. al., 2016COLLADO, P. A. et al. Condiciones de trabajo y salud en docentes universitarios y de enseñanza media de Mendoza, Argentina: Entre el compromiso y el desgaste emocional. Salud colectiva, v. 12, p. 203-220, 2016.) e as comorbidades (gastrite, alergias, crises hipertensivas, distúrbios hormonais, gripes e resfriados constantes e problemas dermatológicos, entre outros) (OLIVEIRA; PEREIRA, 2017; ELIAS; NAVARRO, 2019ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. Profissão docente no ensino superior privado. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 22, n. 1, p. 49-63, 2019.). O não cumprimento das expectativas iniciais em relação ao trabalho pode também resultar em sentimentos de incapacidade e insuficiência e consequentemente levar os docentes ao sofrimento e ao adoecimento psíquico (BAPTISTA et al., 2019BAPTISTA, M. N. et al. Burnout, estresse, depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 19, n. 1, p. 564-570, 2019.; MONTEIRO, SOUZA, 2020MONTEIRO, B. M. M.; SOUZA, J. C. Saúde mental e condições de trabalho docente universitário na pandemia da COVID-19. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e468997660-e468997660, 2020.). Alterações emocionais como angústia, fobia e crises de pânico, desânimo e insatisfação são também apresentados como consequência das condições de trabalho dos docentes universitários na contemporaneidade (LIM, LIMA-FILHO, 2009LIM, M. F. E. M.; DE OLIVEIRA LIMA-FILHO, D. Condições de trabalho e saúde do/a professor/a universitário/a. Ciências & Cognição, v. 14, n. 3, p. 62-82, 2009.; OLIVEIRA; PEREIRA, 2017), e podem ser indícios do adoecimento psicossomático e da presença de doenças e distúrbios como o estresse, transtorno de ansiedade, depressão, Síndrome do Burnout (DE PAIVA; SARAIVA, 2005DE PAIVA, K. C. M.; SARAIVA, L. A. S. Estresse ocupacional de docentes do ensino superior. Revista de Administração-RAUSP, v. 40, n. 2, p 145-158, 2005.; OLIVEIRA; PEREIRA, 2017; HASHIZUME, 2018HASHIZUME, C. M. Trabalho docente e precarização nas relações laborais da educação: uma abordagem crítica Editora Appris, 2018; CAMPOS; VÉRAS; DE ARAUJO, 2020CAMPOS, T.; VÉRAS, R. M.; DE ARAÚJO, T. M. Trabalho docente em universidades públicas brasileiras e adoecimento mental. Revista Docência do Ensino Superior, v. 10, p. 1-19, 2020.).

No cenário da pandemia causada pelo COVID-19, é de se esperar que as IES considerem que os professores sejam capazes de entregar seu trabalho nos mesmos parâmetros anteriores. No entanto, como as deficiências estruturais do ensino remoto exigem a realização de adaptações às rotinas profissionais, é possível que o isto acarrete a extensão e a intensificação das jornadas de trabalho docente (BELLINASO; NOVAES, 2018BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.; MONTEIRO; SOUZA, 2020MONTEIRO, B. M. M.; SOUZA, J. C. Saúde mental e condições de trabalho docente universitário na pandemia da COVID-19. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e468997660-e468997660, 2020.). Ressalta-se ainda que os profissionais de educação que enfrentam eventos estressantes estão mais propensos a deterioração de sua saúde física e mental (BAPTISTA et al., 2019BAPTISTA, M. N. et al. Burnout, estresse, depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 19, n. 1, p. 564-570, 2019.). Nesse sentido, estudos recentes mostram que o contexto e suas adaptações afetaram a saúde mental desses trabalhadores (SILVA et al., 2020SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020.; PEREIRA; SANTOS; MANENTI, 2020PEREIRA, H. P.; SANTOS, F. V.; MANENTI, M. A. Saúde mental de docentes em tempos de pandemia: os impactos das atividades remotas. Boletim de Conjuntura (BOCA), v. 3, n. 9, p. 26-32, 2020.; DE SOUZA et al., 2021DE SOUZA, K. R.; DOS SANTOS, G. B.; DOS SANTOS RODRIGUES, A. M.; FELIX, E. G.; GOMES, L.; DA ROCHA, G. L.; PEIXOTO, R. B. Trabalho remoto, saúde docente e greve virtual em cenário de pandemia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 19, 2021.; SANTOS; SILVA; BELMONTE, 2020), suas formas de trabalho (RONDINI; PEDRO; DOS SANTOS SOARES, 2020RONDINI, C. A.; PEDRO, K. M.; DOS SANTOS DUARTE, C. Pandemia do Covid-19 e o ensino remoto emergencial: Mudanças na práxis docente. Interfaces Científicas-Educação, v. 10, n. 1, p. 41-57, 2020.; VALENTE et al., 2020VALENTE, G. S. C.; DE MORAES, E. B.; SANCHEZ, M. C. O.; DE SOUZA, D. F.; PACHECO, M. C. M. D. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: Reflexões sobre a prática docente. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e843998153-e843998153, 2020.) e suas percepções sobre o trabalho (DE PAULO; ARAÚJO; DE OLIVEIRA, 2020DE PAULO, J. R; ARAÚJO, S. M. M. S.; DE OLIVEIRA, P. D. Ensino remoto emergencial em tempos de pandemia: tecendo algumas considerações. Dialogia, n. 36, p. 193-204, 2020.).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A abordagem dessa pesquisa é qualitativa, tendo em vista o fato de os elementos constitutivos dessa investigação repousarem sobre o compartilhamento entre pesquisadores e participantes, sobre um determinado fato e seus significados (CHIZZOTTI, 2003; MENDES; MISKULIN, 2017). O desenho de pesquisa qualitativo utiliza a comunicação verbal e as histórias para compreender um ou mais processos organizacionais, resultando na interpretação dos dados pelos pesquisadores e desenvolvimento do conhecimento científico (CRESWELL; POTH, 2016; GEPHART, 2018). Além disso, o momento em que essa pesquisa foi desenvolvida, e sua relação com o momento da pandemia, demanda pesquisas que abordem, por uma lente crítica, as relações entre organizações e trabalhadores e as desigualdades entre esses atores (DEZIN; LINCOLN, 2011).

Coleta de dados

Foram realizadas dezoito entrevistas, entre os meses de julho e agosto de 2020, com o período sendo escolhido propositalmente, por acolher dois eventos complementares, e relevantes, no caso dessa pesquisa. Primeiro por coincidir com o final do semestre letivo das instituições de ensino superior privadas, nas quais os participantes lecionam ou lecionaram. E, segundo, por estarmos, nesse período, sob os efeitos do decreto do estado de pandemia, tanto no que concerne questões políticas, quanto econômicas e de trabalho. A amostra analisada pode ser considerada intencional, além de contar com amostras de participantes e contexto (BRYMAN, 2016), haja vista o critério de os participantes serem professores do ensino superior de cursos de Administração e Contabilidade no modelo presencial, que migraram para o modelo remoto após o início dos protocolos de segurança, sem qualquer exigência quanto à localidade ou contexto geográfico. A escolha por docentes vinculados aos cursos de Administração e Contabilidade ocorreu por se tratar das áreas de pesquisa e de interesse dos autores do texto.

Para alcançar o maior número de participantes possível, dentro das características de participantes e contextos, adotou-se o método de bola de neve, onde os próprios participantes indicavam outros potenciais participantes (BRYMAN, 2016). Para encerrar a busca por novos participantes, o critério adotado foi o da saturação (BODDY, 2016). Por meio desse critério, a busca por novas entrevistas foi finalizada quando os novos dados não apresentavam novas possibilidades de codificação (nesse caso, a partir da entrevista número dezesseis), mas corroboravam aquilo que já havia sido observado nas entrevistas anteriores.

Dentre as (os) entrevistadas (os) estavam 9 mulheres e 9 homens, todos, no momento da entrevista, professores de cursos de graduação e especialização na área de Administração e Contabilidade. A experiência como docentes da maior parte das entrevistadas e dos entrevistados variou entre 1 e 15 anos, sendo que 7 possuem a titulação de mestres, 3 estão cursando o mestrado, 3 possuem a titulação de doutores, e 5 estão cursando o doutorado. Além disso, todas as entrevistadas e os entrevistados são brasileiros e atuavam em diferentes IES privadas, localizadas em diferentes partes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.

Dado o momento vivido em todo o mundo, decorrente da pandemia, e com todas as orientações e protocolos desenvolvidos por órgãos de saúde, com o objetivo de restringir as possibilidades de contaminação, todas as entrevistas foram realizadas remotamente, com o auxílio de plataformas digitais. De acordo com Curasi (2001) e Oltmann (2016), as entrevistas online apresentam importantes vantagens quando a pesquisa se depara com barreiras financeiras, geográficas ou de segurança do pesquisador e participantes, como ocorre no caso dessa pesquisa, em decorrência do estado de pandemia. Além disso, questões como a segurança de dados e de confidencialidade de identidade, que em outras pesquisas online emergiram como problemas (SEYMOUR, 2001), atualmente são consideradas já ultrapassadas, devido à onipresença de plataformas digitais e as inúmeras formas de interações digitalizadas.

É importante mencionar que Curasi (2001) orienta os pesquisadores que optam por entrevistas por meio de tecnologias online, devem recrutar participantes engajados, e que estejam dispostos a participar da pesquisa. Sendo assim, os pesquisadores envolvidos com o presente trabalho perceberam um importante engajamento e interesse dos participantes em detalhar as situações que vivenciaram durante o primeiro semestre da pandemia. A partilha entre pesquisador e participante, que caracterizam a pesquisa qualitativa, sedimentaram a ausência da neutralidade, característica dos estudos positivistas, permitindo a interpretação significante e a elevação de conhecimentos suprimidos (CHIZZOTTI, 2003).

As plataformas de entrevista foram escolhidas caso a caso, de acordo com a conveniência proporcionada aos participantes do mesmo modo que os horários das entrevistas foram combinados levando em consideração a disponibilidade das agendas dos docentes. Todas as entrevistas foram gravadas com a autorização dos participantes e com recursos fornecidos pelas próprias plataformas, com exceção de duas delas, que foram gravadas pelo próprio gravador do smartphone do pesquisador. Após, as entrevistas foram transcritas integralmente, e disponibilizadas individualmente aos participantes para que pudessem lê-las com atenção e revisá-las. Informamos a eles sobre a possibilidade de realizarem ainda adições ou exclusões nas falas. Nenhuma alteração foi solicitada pelos participantes e, em dois casos, trechos das entrevistas foram complementados com informações adicionais.

Análise das entrevistas

A análise das entrevistas foi realizada com o emprego da técnica de análise de conteúdo, apoiada nas orientações de Bardin (2004), onde foram efetuadas a pré-análise dos dados, a exploração do material, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A importância da análise das comunicações, que resultaram do domínio linguístico oral da análise de conteúdo, as entrevistas, repousa sobre a larga abrangência dos dados e a descoberta de suas significações (COLAUTO; BEUREN, 2003; BARDIN, 2004; SCHIAVINI; GARRIDO, 2018).

Dessa forma, a pré-análise ocorreu em três etapas distintas e complementares. Na primeira etapa foram efetuadas as leituras flutuantes e atentas de todas as transcrições, com o objetivo de ser verificado que todos os documentos eram homogêneos, ou seja, tratavam de indivíduos semelhantes e seus dados foram levantados de forma semelhante (BARDIN, 2004). Em seguida, a segunda etapa da pré-análise consistiu em estabelecer o objetivo da análise dos dados, que foi analisar de que forma as condições estruturais, físicas e emocionais do trabalho do professor que atuava no modelo presencial no momento pré-pandemia, afetam esse sujeito no momento da pandemia. Para alcançar o objetivo, o desenvolvimento do estudo ocorre de maneira exploratória. Por fim, a terceira etapa da pré-análise envolveu um processo de categorização preliminar das falas dos entrevistados, em um processo de dupla verificação realizada pelos pesquisadores, e o agrupamento dos dados em categorias definitivas (não exaustivas) capazes de retratar as condições de trabalho confrontadas pelos docentes durante o período analisado.

O resultado dessa pré-análise permitiu uma categorização semântica (BARDIN, 2004), com os dados das respostas relacionados às condições de trabalho sendo reagrupados nas seguintes categorias: condição material, condição emocional e condição física. Esse reagrupamento nas mencionadas categorias e os elementos que as constituem são resultado de inferências (GONÇALVES, 2016) que emergiram da interação entre a experiência dos próprios pesquisadores enquanto professores de cursos de Administração presenciais, afetados pela pandemia, e das falas dos participantes. Com isso, faz-se importante reafirmar que o método de pesquisa qualitativa aqui adotado, afasta a neutralidade dos pesquisadores/professores envolvidos, já que o próprio viver desses indivíduos foi afetado pelas práticas e situações aqui relatadas.

Trechos das falas dos entrevistados foram utilizados no corpo do texto como modo de enfatizar aspectos relevantes de suas experiências com a docência durante a pandemia. Para uma melhor visualização dos leitores, as passagens foram transcritas em itálico. Ressaltamos ainda que os nomes reais dos entrevistados foram omitidos e substituídos por pseudônimos sugeridos pelos entrevistados. Nos casos em que não houve sugestão, propusemos nós mesmos os nomes.

Tendo em vista as transformações ocorridas no trabalho diante da situação de pandemia, seguimos a orientação de Kunda (1992)KUNDA, G. Engineering culture: Control and commitment in a high-tech corporation. Temple University Press: Philadelphia, 1992. quando, inicialmente, apresentarmos e caracterizarmos a organização do trabalho docente na pandemia, a partir das experiências relatadas pelos entrevistados. Mapeada a organização do trabalho docente na pandemia, discorremos sobre os aspectos que permeiam o objetivo desse artigo, representados pelas categorias definidas.

4 A REORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NA PANDEMIA

A pandemia do COVID-19, declarada em março de 2020 pela OMS, surpreendeu todo o mundo do trabalho. Com a declaração do estado de pandemia ocasionada pela COVID-19 no Brasil e a orientação de isolamento como medida de contenção de disseminação, as empresas foram obrigadas a pensar em soluções paliativas para adaptar as rotinas de trabalho de seus funcionários (COLLINS et al., 2020COLLINS, C. et al. COVID-19 and the gender gap in work hours. Gender, Work & Organization, 2020.; BAJRAMI et al., 2020BAJRAMI, D. D. et al. Will we have the same employees in hospitality after all? The impact of COVID-19 on employees’ work attitudes and turnover Intentions. International Journal of Hospitality Management, p. 102754, 2020.; WENHAM et al., 2020WENHAM, C.; SMITH, J.; MORGAN, R. (2020). COVID-19: the gendered impacts of the outbreak. The lancet, v. 395, n. 10227, p. 846-848, 2020.). No setor educacional a necessidade de adaptações na tentativa de reorganizar o trabalho docente frente as contingências não foram diferentes.

Na educação superior brasileira, a portaria nº 343, de março de 2020, autorizou as IES cadastradas no SFE a substituírem as aulas presenciais por aulas a distância, mediadas com o auxílio das TCIs. O modelo de ensino remoto emergencial foi difundido neste segmento do ensino, especialmente, pelas IES particulares, e resultou na migração do trabalho docente para o formato online, como forma de atender, parcialmente, às necessidades de convívio do processo educacional (GODOI; KAWASHIMA; GOMES, 2020GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020.; HODGES et al., 2020). Essa situação demandou a improvisação do uso de recursos técnicos frente às dificuldades estruturais que se apresentaram (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020JOYE, C. R.; MOREIRA, M. M.; ROCHA, S. S. D. Educação a Distância ou Atividade Educacional Remota Emergencial: em busca do elo perdido da educação escolar em tempos de COVID-19 Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020.), além da adaptação das práticas pedagógicas e a realização de modificações no conteúdo programático previsto nas disciplinas.

Em busca da escolha de procedimentos que garantissem efetividade no processo de ensino-aprendizagem na modalidade emergencial, o planejamento do semestre letivo [segundo todas(os) as(os) entrevistadas(os)] precisou ser revisitado e em alguns casos até mesmo completamente refeito. Segundo as entrevistadas e os entrevistados as adaptações nas ementas, conteúdo programático e nos procedimentos de ensino das disciplinas tiveram como objetivo tornar as aulas mais dinâmicas. A busca por maior dinamismo nas aulas se deve às várias dificuldades ocasionadas pelas contingências do modelo de ensino remoto, como i) o afastamento entre professores e alunos, que traz dificuldades à interpretação sensível dos docentes quanto ao entendimento do conteúdo pelos alunos, e ii) a manutenção da atenção do aluno, frente a possíveis distrações do ambiente, sendo essa última a principal dificuldade pedagógica citada pelas entrevistadas e entrevistados. Para amenizar as dificuldades, os entrevistados relataram que optaram por conduzir as aulas em um formato que privilegiasse o diálogo entre as partes, como forma de evitar que os encontros se transformassem em monólogos docentes.

Vários testes foram realizados pelos docentes em busca da adaptação do melhor formato para a reprodução , desde a tentativa de gravação antecipada das aulas (modelo que logo foi abandonado, devido ao grande volume de trabalho demandado para a realização das atividades de roteirização, gravação e edição dos vídeos) até a transmissão das aulas via streaming, por intermédio plataformas como o Facebook e o Youtube, formato que, segundo as entrevistadas e os entrevistados, dificultou a interação entre alunos e docentes devido aos pequenos atrasos na reprodução das imagens e do áudio. Ao final das primeiras três semanas de adaptação, os professores decidiram, alguns em consenso com as IES e outros por conta própria, adotar as plataformas de vídeo conferência como formato oficial de mediação por três motivos principais: elas i) fornecem um maior dinamismo interativo, o que facilitou o processo de ensino-aprendizagem; ii) permitem a gravação e disponibilização dos encontros aos alunos que tiverem dificuldade de acompanhar os encontros em tempo real; iii) possibilitam a manutenção das rotinas de trabalho e estudo aos docentes e discentes, algo considerado muito importante pelos(as) entrevistados(as) em um período de incertezas e inseguranças. As plataformas de vídeo conferência mais citadas e utilizadas pelos entrevistados foram o Zoom, o Skype, o Google Mets e a Microsoft Teams. Em alguns casos, as(os) docentes fizeram o uso simultâneo de mais de uma delas, devido às frequentes oscilações de sinal de internet e quedas de conexão.

Mesmo com todos os esforços realizados pelas(os) docentes no que tange ao conteúdo e a forma de mediação dificuldades de adaptação dos alunos ao modelo emergencial adotado. Problemas pedagógicos que anteriormente eram facilmente resolvidos em sala de aula, relacionados ao conteúdo e a continuidade das disciplinas, passaram a demandar mais atenção e tempo, devido ao afastamento físico entre docentes e alunos. Até mesmo questões de cunho administrativo, sem relação alguma com as atividades e tarefas que compõem a função docente, passaram a ser solucionadas com as professoras e os professores. Devido à proximidade entre alunos e docentes, os entrevistados e as entrevistadas relataram que eram procurados(as) para resolução de problemas financeiros e administrativos junto às instituições, que tornarem-se mais frequentes no período de isolamento.

Além disso, os professores, além de suas funções clássicas relacionadas à docência, já incorporadas as tarefas administrativas (VEIGA, 2006; BELLINASSO; NOVAES; 2018BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.), relataram que, durante a pandemia, assumiram outras atribuições, dentre elas as de editores audiovisuais e de assistentes técnicos. Tais funções foram caracterizadas pela realização de uploads de vídeos e materiais nas plataformas para acesso assíncrono dos alunos e solução de problemas administrativos alheios à função docente.

Apesar de dois professores relatarem ter recebido apoio institucional, participando de reuniões frequentes para o delineamento das adaptações pedagógicas teóricas e aplicadas, que se mostraram necessárias no interior do contexto pandêmico, o restante dos entrevistados afirma que não teve suporte das IES para esta tarefa. 6 dos(as) docentes entrevistados(as) afirmaram ter aguardado quase um mês para que as instituições que trabalhavam no período se posicionassem oficialmente quanto aos procedimentos adotados para a continuidade do semestre letivo. Para a entrevistada Judite, o período de espera foi muito desgastante e repleto de incertezas sobre a continuidade da manutenção ou não do vínculo com a IES para a qual trabalhava

Evidencia-se, assim, que a organização emergencial do trabalho exigiu a mobilização de grandes esforços por parte dos docentes, levando os mesmos a incorporarem novas funções, com o objetivo de atender às demandas dos alunos. Apesar das necessidades evidenciadas, o suporte institucional ficou restrito à oferta de capacitação para o uso das plataformas cedidas para mediação do contato entre discentes e docentes. Como resultado de uma nova organização do trabalho localizada nos ambientes residenciais, as rotinas pessoais e profissionais dos trabalhadores e trabalhadoras da área de ensino foram também afetadas.

5 ROTINA DE TRABALHO NA PANDEMIA5 5 Ainda que itálico seja adotado para registrar palavras em língua estrangeira, nessa seção e na seguinte adotou-se esse recurso para destacar trechos das falas de participantes da pesquisa.

A reorganização do trabalho docente, frente às contingências ocasionadas pela pandemia, demandou adaptações no formato das aulas, que passaram a ser transmitidas a distância e nos métodos e procedimentos pedagógicos, que necessitaram de adaptação ao novo contexto de trabalho pandêmico. Em busca da manutenção de um nível de qualidade de trabalho que fosse equivalente aquele experimentado em sala de aula, as professoras e os professores, guiados pelo compromisso ético profissional (CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; COLLADO et al., 2016COLLADO, P. A. et al. Condiciones de trabajo y salud en docentes universitarios y de enseñanza media de Mendoza, Argentina: Entre el compromiso y el desgaste emocional. Salud colectiva, v. 12, p. 203-220, 2016.; ELIAS; NAVARRO, 2019ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. Profissão docente no ensino superior privado. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 22, n. 1, p. 49-63, 2019.), repensaram, já com o semestre letivo iniciado, sobre os aspectos didáticos, teóricos e práticos mais adequados à situação, mesmo sem efetivo apoio institucional. As adaptações improvisadas diante das exigências do ERE não afetaram apenas o planejamento e a organização do trabalho, mas também exerceram impactos sobre a rotina efetiva de trabalho dos(as) entrevistados(as) (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020JOYE, C. R.; MOREIRA, M. M.; ROCHA, S. S. D. Educação a Distância ou Atividade Educacional Remota Emergencial: em busca do elo perdido da educação escolar em tempos de COVID-19 Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020.).

Em meio às novas atribuições delegadas, os entrevistados afirmaram que seus números de telefones pessoais e, consequentemente, seus contatos em aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp, foram fornecidos aos discentes tanto voluntariamente quanto de modo arbitrado pelas IES. A justificativa foi a de que, devido ao afastamento físico, a comunicação seria deste modo facilitada, o que diminuiria eventuais problemas de mediação. A divulgação dos contatos dos professores pelas instituições de ensino foi realizada por meio de e-mails ou das próprias plataformas fornecidas pelas instituições de ensino e softwares de teleconferência.

A comunicação entre docentes e discentes passou a ocorrer, prioritariamente, com o intermédio do aplicativo WhatsApp, inclusive em horários fora do expediente de aula e dos horários de atendimento aos alunos. A ausência de privacidade gerada pela adoção do aplicativo foi agravada pelo fato de que o Whatsapp mantém seus usuários a todo tempo conectados à sua base, permitindo a realização do contato a qualquer tempo e os notificando a cada mensagem recebida. Os alertas sonoros e visuais constantes que indicavam as novas notificações que chegavam em seus smartphones geraram, entre os entrevistados e as entrevistadas, uma incômoda e onipresente sensação de alerta que os impedia de ignorá-las sem que um sentimento de omissão aos deveres da docência tomasse conta deles. Em busca de atender as solicitações e pedidos de auxílio que se estenderam das manhãs às noites dos seus dias, os(as) entrevistados(as) a ser “professores o tempo todo”.

Essa percepção de ser “professor o tempo todo” foi operacionalizada com a adoção da própria residência como ambiente de trabalho, levando aos professores a aumentar o imbricamento entre sua vida profissional e vida pessoal já marcante no trabalho docente realizado na contemporaneidade (VELOSO; MILL, 2018). Para que pudessem atender às demandas dos alunos e das IES, a entrevistada Rosa relatou que ela própria e seus colegas precisaram trabalhar efetivamente, em tela, mais do que 10, 12 horas, por dia, como a produção original de materiais complementares para os alunos, a realização de aulas adicionais (fora do calendário programado) e até mesmo a flexibilização de prazos de entrega e correção das atividades. As soluções foram pensadas pelos(as) entrevistados(as) como meio de amenizar os problemas técnicos e de conectividade derivados do modelo emergencial e de fornecer suporte aos alunos contaminados pelo COVID-19 ou que tiveram casos de contaminação em suas famílias.

Este contexto de trabalho repleto de dificuldades fez com que as professoras e professores ficassem com o ônus de se dispor 24 horas por dia ao trabalho, tendo em vista que, devido a extensão de suas rotinas, já se sentiam como professores 24 horas por dia (Henrique). E enquanto as jornadas de trabalho foram estendidas e intensificadas, as rotinas pessoais dos participantes da pesquisa foram deixadas de lado. O entrevistado Túlio relatou que não tem mais horário para dormir e que só sabe que tem que dormir em algum momento do dia, da noite. Para a entrevistada Renata, a dificuldade em definir horários para atividades ocorre porque o home-office disfarça, e... realmente a gente não consegue perceber que a gente está (trabalhando) 2 horas a mais, porque a gente está em casa. A entrevistada Valéria relatou uma experiência sua, e que ilustra a situação vivenciada por outros entrevistados, da seguinte forma:

E aí intensifica, também, o nosso trabalho; porque era domingo, de noite, era Dia das Mães, eu disse assim... eu liberei o meu WhatsApp para a turma, uma turma pequenininha, mas eu liberei para eles, porque a dúvida vai surgir a hora que for fazer; porque a hora da aula, eles acompanhavam, eles prestavam atenção, mas não faziam, e custos é fazer. Então, o quê que eu vou fazer, não é? Como a turma era pequena, deu; mas se fosse quarenta alunos, eu acho que seria inviável, não é? (Elisane)

Apesar da função docente exigir dos profissionais uma grande carga de trabalho a ser realizada, muitas vezes, em espaços de convívio particular, Fabíola afirma que o ritmo de trabalho (em períodos regulares e não de pandemia) é diferente, não é o que foge completamente do controle, como fugiu agora., pois o volume de trabalho amplificou bastante (Mário), dado que o desafio aumentou em 10 vezes (Agnaldo). Tal situação descompensou a distribuição periódica da jornada de trabalho, que passou a se estender por todo o dia: acordo já olhando e-mail, verificando se não tem nada. Vou dormir “aceso”, pensando que: Putz, deveria ter respondido. Não. Deveria ter feito isso hoje, porque amanhã, provavelmente, vai chegar mais coisa (Henrique).

A sobrecarga de trabalho aumentada durante o período de pandemia, segundo as entrevistadas e os entrevistados, foi somada ao trabalho que resultou da adaptação às plataformas adotadas pelas IES durante a vigência do ERE, resultado da inexperiência de manejo dos docentes com estas ferramentas. Para que pudessem dar conta dos aspectos básicos das novas demandas digitais de seu trabalho, os entrevistados relataram que dedicavam parte do tempo diário disponível ao estudo do funcionamento dos softwares e aplicativos utilizados. Eles descreveram também duas situações sobre a capacitação e suporte que as IES para as quais trabalhavam ofertaram: em alguns casos esse apoio ocorria, especificamente, relacionado às plataformas de ensino disponibilizadas pelas próprias IES, considerada em alguns casos básica demais e insuficiente para o atendimento pleno às demandas. Em outros relatos, os participantes afirmavam que as instituições adotaram uma postura passiva no suporte aos docentes, terceirizando as decisões de escolha e uso dos meios de trabalho. Isso revela que durante a pandemia houve continuidade na tendência das IES em transferir aos professores os ônus da autoformação, que ocorre no ensino presencial (CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; CARDOSO, 2018CARDOSO, J. Trabalho imaterial, informatização e estilos de vida dos docentes em instituições de ensino superior privado. Revista Espaço Acadêmico, v. 18, n. 208, p. 94-104, 2018.), as custas de ocupar praticamente todas as janelas de horários disponíveis às(aos) docentes com as demandas das instituições.

É necessário destacar que, mesmo se submetendo a rotinas de trabalhos mais extensas e que envolviam funções de docência e atividades acessórias, os participantes da pesquisa relataram que a qualidade do trabalho exercido durante a pandemia não pode ser considerada a mesma do regime presencial. Para Henrique, a gente vai perdendo tempo com coisinhas bobas, assim, que a gente não tinha antes; fora, o período que a gente... que eu, pelo menos, tive que me dedicar mais, também. As novas atribuições exigidas na adaptação ao ensino remoto, como fazer o download, edição e upload dos vídeos e áudios das aulas transmitidas ao vivo e gravadas, na plataforma sugerida pela instituição, geraram um trabalho maior para todo mundo (Carlos), sem, no entanto, gerar uma melhora qualitativa ao processo educacional. As adaptações ao ritmo de trabalho e às novas rotinas de trabalho acarretaram em maior desgaste nas primeiras semanas de ensino remoto. Conforme o relato da entrevistada Judite, o que ela produzia na instituição em 2 horas, 3 horas, num dia, eu demorava dias fazendo; porque eu não conseguia.

Esse senso de que a qualidade do efetiva de seus trabalhos diminuiu durante o período, fez com que alternativas possíveis a serem adotadas, com o objetivo de reduzir a carga efetiva de trabalho, como a indicação de materiais complementares, com a recomendação de leituras e de vídeos sobre os temas tratados nas disciplinas (disponíveis em plataformas abertas) fossem descartadas pelos(as) docentes. A preocupação com a o processo de aprendizagem dos(as) discentes e a vulnerabilidade socioeconômica enfrentada por eles(as) durante o período fez com que as entrevistadas e entrevistados passassem a não medir esforços para o atendimento de suas necessidades. Paula, que ministrou uma disciplina com dois encontros semanais, reflete sobre sua decisão: eu poderia ter feito um dia online e outro dia texto; é, seria muito mais fácil para mim; porque, sim, claro, com a pandemia, acabou acarretando aí um pouco mais de demanda, mas eu achei que... eu pensei muito neles, na verdade, sabe; então, eu me doei mesmo. Para Simone, se eu tenho alunos engajados, eu vou aproveitar, porque se a gente planta uma sementinha, é melhor que nada; então, eu disponibilizo o meu WhatsApp para os alunos tirarem dúvidas comigo.

É possível perceber, a partir dos relatos aqui transcritos, que o trabalho dos professores foi estendido e intensificado durante o período analisado. A ampliação das jornadas de trabalho e das atribuições funcionais vivenciadas pelos participantes da pesquisa são fenômenos evidentes do mundo do trabalho comandado sobre o ideário neoliberal (BROWN, 2019BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.), que valoriza o capital em detrimento das pessoas (CHOMSKI, 2002). Tais práticas se associam as tendências contemporâneas de extração máxima de mais valor sobre o trabalho vivo, muito próximas as práticas de intensificação e extensão das jornadas de trabalho impostas ao novo proletário informatizado da área de serviços, o infoproletariado/cybertrariado (ANTUNES, 2018; HUWS, 2003HUWS, U. The making of a cybertariat: Virtual work in a real world. New York: Monthly Review Press, 2003.).

Quanto as instituições de ensino empregadoras, as entrevistadas e os entrevistados afirmaram que seus/suas dirigentes não pareceram preocupados com a sobrecarga de trabalho dos docentes, mesmo quando comunicaram, após serem consultados, os seus problemas às coordenações de curso e às direções das IES em que trabalharam. Na verdade, a manutenção dos ritmos e rotinas flexíveis de trabalho como retratados aqui permitiu às IES um bônus estratégico na manutenção de suas taxas de lucro durante o período: ao passo que professoras e professores não contemplam retornos pecuniários pela ampliação da jornada de trabalho e de suas atribuições, haja vista que o compromisso ético profissional (COLLADO et. al., 2016COLLADO, P. A. et al. Condiciones de trabajo y salud en docentes universitarios y de enseñanza media de Mendoza, Argentina: Entre el compromiso y el desgaste emocional. Salud colectiva, v. 12, p. 203-220, 2016.; ELIAS; NAVARRO, 2019ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. Profissão docente no ensino superior privado. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 22, n. 1, p. 49-63, 2019.) os fizeram amenizar as deficiências da condições excepcionais e emergenciais do ERE (JOYE; MOREIRA; ROCHA, 2020JOYE, C. R.; MOREIRA, M. M.; ROCHA, S. S. D. Educação a Distância ou Atividade Educacional Remota Emergencial: em busca do elo perdido da educação escolar em tempos de COVID-19 Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020.), as instituições puderam justificar manter as mensalidades de seus alunos inalteradas, sob a escusa da prestação do serviço estar ocorrendo, mesmo que na prática os custos de utilização de suas estruturas organizacionais tenha sido vertiginosamente reduzido. Na percepção do entrevistado Richard, toda assistência fornecida aos discentes durante o primeiro semestre do trabalho docente na pandemia se deu as custas da intensificação e extensão das jornadas de trabalho e da piora das condições de trabalho de professoras e professores.

6 CONDIÇÕES ESTRUTURAIS DE TRABALHO

O exercício de qualquer função profissional exige um acervo de recursos diversos, capazes de fornecer um suporte adequado ao exercício das atividades exigidas pelo cargo ou ofício. As condições de trabalho se caracterizam como o conjunto dos bens materiais ou não, instrumentos e serviços, capazes de fornecer o suporte adequado ao desenvolvimento da atividade laborativa, dentre os quais está incluída a infraestrutura organizacional (MOURA et al., 2019). Na organização contemporânea do trabalho, orientada pelo ideário neoliberal (CHOMSKY, 2002CHOMSKY, N. O lucro ou as pessoas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.; BROWN, 2019BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. São Paulo: Politeia, 2019.), entretanto, é de se esperar que a imposição de modelos de trabalho cada vez mais flexíveis e precários (SENNETT, 2004SENNETT, R. A corrosão do caráter. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.; BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.) que ocasionam a degradação da vida e trabalho da nova e heterogênea classe proletária (ANTUNES, 2018).

Ao longo dos últimos anos, as transformações ocorridas na organização do trabalho da educação superior brasileira levaram à piora das condições de trabalho nas IES (BELLINASO; NOVAES, 2018BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.; VELOSO; MILL, 2018). A carência de recursos materiais, os salários baixos e a exposição dos profissionais a estruturas de trabalho inadequadas são alguns dos problemas gerados pela adoção de modelos flexíveis de contratos e de relações de trabalho no âmbito das IES (LIM; LIMA-FILHO, 2009LIM, M. F. E. M.; DE OLIVEIRA LIMA-FILHO, D. Condições de trabalho e saúde do/a professor/a universitário/a. Ciências & Cognição, v. 14, n. 3, p. 62-82, 2009.; VELOSO; MILL, 2018; BELLINASO; NOVAES, 2018BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.). Muitas instituições superiores se adequaram às exigências do modelo de acumulação flexível (ANTUNES, 2018) por meio da adoção do home-office, e com isso enxugaram suas estruturas organizacionais e implementaram massivamente as TIC em seus processos, o que resultou na intensificação do trabalho docente sem aumentar o dispêndio de recursos financeiros (SENO; KAPPEL; VALADÃO JUNIOR, 2014; VELOSO; MILL, 2018).

Se as condições para o trabalho docente desenvolvido dentro das IES já se demonstravam inadequadas antes da pandemia, com a adoção do ERE ficaram ainda piores. A estrutura de trabalho que as(os) entrevistadas(os) em casa é muito mais precária do que disponível nas IES em que trabalham. Enquanto no ambiente acadêmico podem ser encontrados espaços propícios para o trabalho docente, com recursos como cadeiras, mesas, carteiras, computadores, projetores e quadros, em suas residências os(as) professores(as) afirmaram não dispor nem mesmo de espaços privativos, capazes de isolar ruídos externos, adequados ao exercício da função. As dificuldades enfrentadas pelos entrevistados vão desde problemas relacionais gerados pelas novas rotinas de trabalho até a insuficiência de recursos físicos e tecnológicos, necessários ao exercício das atividades.

Especialmente nos períodos de isolamento mais severos, os docentes e suas famílias permaneceram por mais tempo em casa. Como muitos dos espaços residenciais estruturalmente não comportaram o trabalho simultâneo dos residentes, foram necessárias concessões e adaptações para a flexibilização da vida familiar como meio para incorporação das atividades profissionais. A entrevistada Paula, por exemplo, que vive em um pequeno apartamento, sem divisão dos cômodos, com seu noivo e seus dois cães se sentiu incomodada com a situação: assim, é... meio que atrapalhando quem mora contigo, não é? Para poder ministrar suas aulas, a entrevistada recorria a pequenas salas de trabalho compartilhadas do seu condomínio, mas que nem sempre dispunham mais de horários (as reservas, durante o período, passaram a ser realizadas diariamente, devido à alta demanda pelos espaços). Outra entrevistada, Jéssica, relata a complexidade da situação enfrentada pelos professores, também compartilhada pelos alunos:

Algo que eu percebi, também, em relação aos alunos. Muitos deles queriam participar, queriam prestar atenção, queriam dedicar o seu tempo, mas o ambiente, às vezes, não favorecia; é o filho cutucando, é alguém chamando; então, é uma outra realidade, não é? Olha, o aluno está lá na casa dele, naquele ambiente com crianças, cachorro, marido, sei lá, milhões de pessoas ali, e ele precisa dar atenção para a aula, mas também ele está naquele ambiente, e às vezes ele não consegue, não é? Então, foi muito isso que eles trouxeram: Olha, vocês precisam entender a realidade do aluno, também.

Outras limitações estruturais também foram apontadas pelos entrevistados como fatores que dificultaram o desenvolvimento de seus trabalhos. O entrevistado Carlos citou que precisou improvisar um mecanismo para gerar luz no escritório adaptado para servir de sala de aula, tendo em vista a falta de iluminação do local, e que prejudicava a nitidez da transmissão das imagens em suas videoconferências. A entrevistada Renata nos relatou que, devido à proximidade entre o seu quarto e a lavanderia, o funcionamento da máquina de lavar a atrapalhava o desenvolvimento de suas atividades docentes. Os docentes descreveram, ainda, que, do outro lado das telas, as alunas e os alunos se deparavam com problemas semelhantes, impostos pela mesma inadequação estrutural, ainda piores nos locais afastados do grande centro, como na região em que vive e trabalha a entrevistada Telma

As falas dos entrevistados revelaram, também, que os equipamentos eletrônicos (smartphones, notebooks, câmeras, microfones) utilizados para o acesso às plataformas e softwares digitais, em muitos casos, mostraram-se inadequados. No relato da entrevistada Rosa fica evidente a precariedade dos recursos tecnológicos disponíveis aos professores e professoras para a realização das aulas: ouço, também, muita gente falando, que divide o notebook com o filho, que está em casa, que também não tem aula; que divide o celular com o filho também; ou, que divide o notebook com o marido, com o companheiro, que também está em home-office.

Com a realização das aulas por teleconferência, uma boa conexão com a internet é fundamental para a participação nos encontros. No entanto, as redes domésticas, mais comuns nas residências, não possuem a mesma capacidade das redes empresariais, que contam frequentemente com serviço dedicado capaz de impedir oscilações. Dessa forma, as entrevistadas e entrevistados relataram que os problemas de conexão com a internet foram frequentes e atingiram professores e alunos, o que prejudicou o desenvolvimento das aulas e das atividades complementares. O aumento de usuários conectados à internet durante o período de pandemia aumentou as dificuldades de acesso e conexão (LAVADO, 2020). Deste modo, o desnivelamento de acesso a artefatos tecnológicos e a serviços de internet entre alunos, e entre alunos e professores, atrapalhou ainda mais o andamento do modelo de ensino remoto. Enquanto alguns tiveram acesso a serviços de conexão adequados e capazes de reproduzir imagens e áudios com qualidade, outros não tinham a mesma condição. Essa situação é relatada pelo entrevistado Richard, ao afirmar que às vezes, o cara (aluno) está lá, com telefoninho pré-pago, com crédito de dados baixíssimo, tentando assistir a aula; e o outro (aluno) está lá com uma internet de fibra ótica.

Com o objetivo de amenizar os problemas ocasionados pelas carências estruturais, alguns entrevistados relataram terem feito investimentos. A entrevistada Renata afirmou que teve que reformar o escritório: eu tive que... o meu computador, eu tive que mandar arrumar, tive que arrumar... mandar arrumar a tela. Já o entrevistado Mário relata que investiu em um melhor pacote de internet, além de adquirir câmera e microfone novos, dado que os disponíveis em seu notebook e smartphone não atendiam às demandas impostas pelo novo sistema de trabalho. O entrevistado Túlio, devido à inadequação do software fornecido pela instituição onde trabalho, optou por adquirir a versão paga de uma plataforma de videoconferência, por considerar o investimento uma forma de amenizar o volume de trabalho que teria com o primeiro software.

Se por um lado foram necessários investimentos por parte dos docentes para adequação de suas residências às exigências do trabalho digitalizado, por outro não foi relatada nenhum tipo de compensação pecuniária por parte das IES aos docentes, seja pelos investimentos estruturais ou pelo aumento do volume de trabalho. Ao contrário, os entrevistados Carlos, Renata e Elói relataram que tiveram sua remuneração reduzida, devido ao reajuste das grades curriculares e ao cancelamento ou a incorporação de turmas menores. Tal redução foi justificada pelas IES como decorrentes do crescimento da evasão de alunos, como resultado, principalmente, de três fenômenos: i) a diminuição da renda dos trabalhadores durante o período, ii) a inadequação estrutural que permitisse o acompanhamento remoto das disciplinas cursadas, e iii) a inaptidão física e psicológica ao ensino remoto. Contudo, é preciso mencionar que a vulnerabilidade material dos professores é ainda maior em onze casos entrevistados, devido aos docentes receberem apenas o salário-hora e não contarem com vínculo formal de trabalho. Essa situação faz com que os mesmos onze se encontrem alheios ao amparo dos benefícios previdenciários.

Seguindo as tendências da reestruturação da organização produtiva do capital, que terceiriza às trabalhadoras e aos trabalhadores os ônus da atividade produtiva geradora de valor (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020), os custos e riscos referentes a adequação dos ambientes de trabalho foram transferidos pelas IES às professoras e aos professores. Até mesmo a gestão do próprio tempo familiar, com o ajuste das rotinas domésticas às necessidades de uso dos espaços durante o período de trabalho. Estas práticas de imbricamento da vida social a privada, que já eram adotadas como meio de organizar o trabalho nas novas funções do EAD, como a de conteudismo e a de tutoria (VELOSO; MILL, 2018; CALDERARI, MENEGHETTI, 2020CALDERARI, E. B.; MENEGHETTI, F. K. O sentido no trabalho do conteudista no modelo ead. 2020.), puderam agora ser difundidas à totalidade de trabalhadoras e trabalhadores que compõem a força de trabalho do magistério superior e que foram submetidas(os) ao provisório modelo do ERE.

Além das dificuldades relacionadas às questões materiais vivenciadas pelos professores, apresentadas até aqui, foram relatados por oito dos(as) entrevistados(as) a ocorrência de atrasos no pagamento dos salários devidos pelas IES. Segundo o entrevistado Henrique, a instituição, ainda, atrasa pagamento, um mês e meio, dois meses. Se você não encher o saco da Direção, eles não te pagam. E é muito difícil.... O entrevistado José relata não saber afirmar ao certo se o atraso de seu pagamento ocorreu por inadimplência dos alunos, se os alunos pagaram depois, ou se é uma... se é esperado da instituição, mas que...foi algo que foi conversado comigo sobre... é, de outros professores, comigo. A soma da instabilidade econômica às tensões produzidas durante a pandemia, como efeito das rotinas de trabalho extenuantes realizadas em condições de trabalho inadequadas, resultou em perturbações de ordens física e psicológica aos entrevistados e as entrevistadas.

7 CONDIÇÕES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS DOS PROFESSORES

A inadequação das condições estruturais de trabalho prejudica a busca por qualidade na realização da atividade docente, com efeitos nocivos à saúde dos professores (GASPAR; FERNANDES, 2015GASPAR, R. F.; FERNANDES, T. C. Oligopolização e precarização do trabalho docente no ensino superior privado brasileiro: causas, conexões e consequências. Revista Espaço Acadêmico, v. 14, n. 168, p. 77-92, 2015.; MOURA et al., 2019). Além disso, a extensão e a intensificação das rotinas de trabalho distribuídas no decorrer de três turnos diários, exige que os profissionais realizem sobre-esforços corpóreos para que sejam capazes de cumprir com seus objetivos e atribuições. O enfraquecimento do corpo e da mente pode tornar os docentes vulneráveis ao desenvolvimento de distúrbios e comorbidades físicas (MOLINA, et al., 2017MOLINA, G. C. et al. Exigências musculoesqueléticas do trabalho docente em uma universidade pública Cadernos de Educação, Saúde e Fisioterapia, v. 4, n. 7, 2017.; OLIVEIRA; PEREIRA, 2017; ELIAS; NAVARRO, 2019ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. Profissão docente no ensino superior privado. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, v. 22, n. 1, p. 49-63, 2019.), assim como alterações emocionais e doenças psicossomáticas (DE PAIVA; SARAIVA, 2005DE PAIVA, K. C. M.; SARAIVA, L. A. S. Estresse ocupacional de docentes do ensino superior. Revista de Administração-RAUSP, v. 40, n. 2, p 145-158, 2005.; HASHIZUME, 2018HASHIZUME, C. M. Trabalho docente e precarização nas relações laborais da educação: uma abordagem crítica Editora Appris, 2018; LIM, LIMA-FILHO, 2009LIM, M. F. E. M.; DE OLIVEIRA LIMA-FILHO, D. Condições de trabalho e saúde do/a professor/a universitário/a. Ciências & Cognição, v. 14, n. 3, p. 62-82, 2009.; OLIVEIRA; PEREIRA, 2017; CAMPOS; VÉRAS; DE ARAUJO, 2020CAMPOS, T.; VÉRAS, R. M.; DE ARAÚJO, T. M. Trabalho docente em universidades públicas brasileiras e adoecimento mental. Revista Docência do Ensino Superior, v. 10, p. 1-19, 2020.).

A entrevistada Rosa relata que, a partir das conversas com colegas da área, percebeu que se a gente for discutir questões de ergonomia, ergonometria, aí vai longe; eu acho que dificilmente alguém tem uma mesa adequada, uma cadeira adequada, não é? Por outro lado, a entrevistada Rafaela afirma que, em sua casa, conta com uma estrutura melhor e mais adequada para trabalhar, do que dispunha no local de trabalho cedido pela IES para a qual trabalhava. As divergências nos relatos demonstram a existência de diferenças percebidas na qualidade do ambiente de trabalho dentro das instituições, assim como as diferenças de condições estruturais das professoras e dos professores que vêm desempenhando seu trabalho no modelo de ensino remoto.

Os entrevistados ainda afirmaram que, antes, durante e depois da execução de suas atividades, sentiram-se fisicamente cansados e desgastados. Para o entrevistado Túlio, o cansaço se deve, principalmente, à mecanização das funções burocráticas atribuídas aos professores. O entrevistado Henrique afirma que, como professor, trabalhar num ambiente que você vive e que não tem nenhum meio, nenhum modo de escapar disso alguns minutos, de fazer uma caminhada, de dar uma corrida, de aliviar a tensão do corpo contribui em muito para o desenvolvimento da fadiga. Ainda abordando aspectos que influenciam a condição física, as/os participantes da pesquisa falaram sobre a negligência com a alimentação, resultado das rotinas ininterruptas de trabalho. Para o entrevistado Mário, entretanto, os problemas derivados de condições de trabalho inadequadas é mais amplo e não prejudica somente o corpo, tendo em vista que professores e professoras trabalham muito com a mente; então, eu acredito que ali vai muito além do físico, não é?

A saúde mental também foi um tema abordado pelos participantes da pesquisa. Os entrevistados e as entrevistadas relataram sofrer durante o período analisado de distúrbios psicossomáticos, dentre eles a ansiedade e o nervosismo, além de sentimentos negativos como medo, angústia e insegurança. As causas dessas disfunções e sensações não são pontuais, mas os produtos da soma das mudanças na organização do trabalho, a sobrecarga e as incertezas frente ao cenário de pandemia causada pelo COVID-19.

Para os participantes da pesquisa, a ausência de uma rotina de trabalho definida, com horário para início e término se tornou um elemento de angústia. A tensão, segundo os entrevistados, resultou do fato de o dia todo em estado de alerta, aguardando possíveis contatos das IES e dos alunos, sem saber ao certo quais demandas surgiriam. Nas palavras da entrevistada Fabíola, a gente não sabe mais se está no trabalho, se está em casa, o quê que está acontecendo ali. A ansiedade se deve às incertezas oriundas das adaptações nas rotinas, do retrabalho e da didática apresentada durante as aulas. A entrevistada Jéssica relatou que sua preocupação em promover uma aprendizagem adequada foi muito grande e que isso despertou uma ansiedade. Eu sou muito ansiosa quanto a isso (aos métodos de trabalho) já no presencial.

Durante as aulas, realizadas com o auxílio dos softwares de videoconferência, os sintomas mais latentes relatado pelos entrevistados foram o nervosismo e o medo. O nervosismo foi relacionado à possibilidade de errar e perder o controle sobre o andamento da aula, podendo desencadear, inclusive, em seu abandono pelos alunos. Para a entrevistada Fabíola, o período que passava na “sala de aula virtual” era de um nervosismo muito, muito grande; porque, o tempo de aula, como eu falei, é diferente, e você está falando sozinha. você não... você não está olhando as pessoas. Sobre essa sensação de ser abandonada pelos alunos e pelos alunos, a entrevistada Paula reflete sobre uma de suas estratégias para evitá-la:

Eu tinha metas loucas, assim; porque aí a gente fica vendo quem está entrando e está saindo, usar o Skype, então dava para ver quem estava entrando e estava saindo. E aí eu entrava, assim e pensava: caraca, hoje eu vou fazer uma aula, que eu quero que ninguém saia. E daí eu dava o meu melhor para ninguém sair. Que doido. Eu acho que é a mesma coisa, você está dando a aula, de repente, a pessoa pega a mochila e sai. Pô, isso meio que te abala, não é?

Já o medo surgiu, de acordo com participantes da pesquisa, como consequência da possibilidade de fracasso no processo de ensino-aprendizagem. Esse medo não deve ser analisado como pontual ou relacionado a um único aspecto, mas como o resultado de diferentes percepções e sensações vivenciadas pelo docente. Ao mesmo tempo em o medo dos entrevistados e entrevistadas foi manifestado como um produto dos problemas encontrados por docentes na adaptação emergencial a modalidade remota, também se expressou como fruto da possibilidade de não cumprimento das expectativas relacionadas a realização do próprio trabalho. Essa complexidade que resulta no medo, é evidenciada nas palavras da entrevistada Valéria: eu senti que eu falhei um pouco, por conta de ter medo de não vencer o conteúdo.

Outro ponto importante a ser trazido, trata da solidão relatada pelos participantes da pesquisa, causada, em larga medida, pelo isolamento social oriundo das medidas restritivas adotadas pelo Estado como meio de evitar o contágio em massa da população pelo COVID-19. Se por um lado a adoção das práticas de distanciamento social para a categoria diminuiu os riscos de contaminação dos docentes, ao contrário do que ocorreu com a maioria dos representantes da classe que vive do trabalho que continuou exercendo suas atividades in loco (NEDER; AMORIN, 2021NEDER, V; AMORIN, D 86% dos brasileiros não conseguem trabalhar remotamente O Estadão. 21 mar. 2021. Disponível em: < https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/86-dos-brasileiros-nao-conseguem-trabalhar-remotamente,642e35befac2db8546ed46cfd731298b81kqr0fc.html>. Acesso em 15 nov. 2021.
https://www.terra.com.br/noticias/corona...
), o afastamento do convívio de familiares e amigos produziu efeitos de ordem subjetiva às professoras e aos professores.

Sofrendo as pressões, preocupações e aflições do período, o entrevistado Alisson relata que teve que segurar essa barra para não passar para os alunos, porque os alunos não têm nada a ver com isso. A decisão de não expor os problemas e aparentar uma suposta normalidade, mesmo enfrentando todos os problemas já expostos aqui, faz com que Renata perceba que os docentes agem como se tivessem “duas caras”, no sentido de fingir um bem-estar inexistente como forma de preservar os alunos do seu próprio sofrimento. Novamente o compromisso ético em relação aos simbolismos relativos à profissão docente (CALDERÓN; DA SILVA LOURENÇO, 2009CALDERÓN, A. I.; DA SILVA LOURENÇO, H. Ensino superior particular: terceirização e exploração do trabalho docente. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 5, 2009.; COLLADO et. al., 2016COLLADO, P. A. et al. Condiciones de trabajo y salud en docentes universitarios y de enseñanza media de Mendoza, Argentina: Entre el compromiso y el desgaste emocional. Salud colectiva, v. 12, p. 203-220, 2016.) e a preocupação com o processo de aprendizagem dos alunos fizeram com que as(os) entrevistadas(os) optassem em não compartilhar suas frustrações, ao mesmo tempo em que abriram espaço para o desabafo de seus discentes durante a realização dos encontros síncronos.

Quando questionados sobre a existência de eventuais ações de amparo e suporte emocional fornecidas pelas IES, os entrevistados afirmaram que não receberam qualquer orientação ou apoio das instituições para o enfrentamento da insegurança, dos medos e dos sintomas psicossomáticos apresentados durante o período. A entrevistada Judite relatou que, no início da pandemia, passava mal mesmo, me sentia bem mal; então, eu achava que eu estava sendo uma péssima professora, e isso me deixava muito mal, de chorar, de me sentir um lixo, assim, como profissional. A entrevistada Paula relatou que passou alguns dias sem conseguir levantar da cama, e afirmou que faltou às IES a sensibilidade de perceber que é um momento delicado, difícil, a gente continuar trabalhando e formando pessoas. Como relata o entrevistado Henrique, faltou a compreensão por parte da gestão da IES de que ao mesmo tempo, que todo mundo está passando pela pandemia, você (como docente) também está.

A partir dos fatos expostos, podemos concluir que o desamparo e a sobrecarga que os(as) docentes entrevistados(as) enfrentaram não foi, como apresentado anteriormente, somente de ordens técnica, pedagógica e material, mas também emocional e fisiológica. As IES que foram objetos indiretos do nosso contexto analítico, ao ignorarem as condições de trabalho precárias apresentadas pelo regime ERE e desconsiderarem a necessidade da prestação de suporte especializado para a manutenção das condições físicas e psicológicas dos trabalhadores e das trabalhadoras por elas contratados(as), contribuíram não somente para o desgaste físico e intelectual do trabalho docente (GASPAR; FERNANDES, 2015GASPAR, R. F.; FERNANDES, T. C. Oligopolização e precarização do trabalho docente no ensino superior privado brasileiro: causas, conexões e consequências. Revista Espaço Acadêmico, v. 14, n. 168, p. 77-92, 2015.; DE PAULA; SOUZA, 2017SOUZA, K. R. et al. A nova organização do trabalho na universidade pública: consequências coletivas da precarização na saúde dos docentes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, p. 3667-3676, 2017; COTRIM, 2020), evidenciadas nas manifestações de alterações emocionais (LIM, LIMA-FILHO, 2009LIM, M. F. E. M.; DE OLIVEIRA LIMA-FILHO, D. Condições de trabalho e saúde do/a professor/a universitário/a. Ciências & Cognição, v. 14, n. 3, p. 62-82, 2009.; OLIVEIRA; PEREIRA, 2017), mas também, nos docentes submetidos as práticas de trabalho no decorrer do primeiro semestre de pandemia, para o desenvolvimento de doenças psicossomáticas (OLIVEIRA; PEREIRA, 2017; HASHIZUME, 2018HASHIZUME, C. M. Trabalho docente e precarização nas relações laborais da educação: uma abordagem crítica Editora Appris, 2018; CAMPOS; VÉRAS; DE ARAUJO, 2020CAMPOS, T.; VÉRAS, R. M.; DE ARAÚJO, T. M. Trabalho docente em universidades públicas brasileiras e adoecimento mental. Revista Docência do Ensino Superior, v. 10, p. 1-19, 2020.),

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo dessa pesquisa foi analisar de que forma as condições materiais, físicas e emocionais do trabalho do docente universitário que atuava no modelo presencial no momento pré-pandemia, afetam esse sujeito no momento da pandemia Para isso, foram entrevistados docentes dos cursos de graduação e especialização que atuava no modelo presencial no momento pré-pandemia em IES privadas. Foram entrevistados dezoito docentes que tiveram seus trabalhos migrados do modelo presencial para o chamado Ensino Remoto Emergencial (ERE). Dentre as pessoas entrevistadas, contamos com nove homens e nove mulheres, todos atuando em IES privadas. O presente trabalho buscou contribuir com teorias de condição de trabalho e do trabalho docente. Empiricamente, buscamos contribuir com a formação de um rol de pesquisas que tangenciam as organizações do trabalho no momento da pandemia.

Inicialmente observamos que as mudanças afetam tanto os aspectos materiais, quanto físicos e emocionais dos docentes, no momento específico da pandemia abordado pelas entrevistas. Ao longo dos relatos, e na própria experiência dos pesquisadores como professores que atuaram na docência durante a pandemia, os aspectos materiais, físicos e emocionais não podem ser analisados de forma separada, mas sim de modo complementar e imbricado. Isso ocorre devido ao fato de uma condição inadequada de estrutura ou material, por exemplo, gerar no docente sensações de insegurança ou medo quanto à qualidade de sua aula e o aprendizado das alunas e dos alunos.

Nas entrevistas observamos que a própria organização do trabalho foi afetada, com docentes e IES tendo conduzido o planejamento emergencial de modo desencontrado e não organizado. Com isso, tanto o planejamento sobre as aulas ensejou dúvidas e inseguranças nos docentes entrevistados, quanto sobre a própria estrutura física disponível, aqui inserida no contexto da condição material, acabaram influenciando as indecisões e geraram dificuldades às rotinas de trabalho, com algumas variações no modo de operação entre as instituições. Enquanto algumas IES definiram junto com os docentes o planejamento de aula, outras impuseram ou nem mesmo contataram os docentes a esse respeito.

Por estarem na linha de frente do trabalho no segmento da educação universitária durante a pandemia, os entrevistados encontram-se sobrecarregados. A sobrecarga foi atribuída, especialmente, a três fatores: primeiro em decorrência de os docentes se imbuídos de funções como técnicos de informática, produtores de conteúdo digital e atividades relacionadas à edição de áudios e vídeos; segundo, por serem cobrados, pelos alunos, por demandas administrativas, haja vista terem contato frequente com os alunos e as IES terem adotado, também nas atividades internas, modelos de trabalho home office, dificultando o contato das alunas e alunos com a IES e; terceiro, pelo fato de que os próprios docentes, motivados por empatia e sentimento de cuidado para com as alunas e os alunos, acabaram repassando seus contatos de aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp (algo também realizado pelas coordenações das IES, sem consulta prévia aos docentes). O acúmulo de atividades e funções, a ausência de suporte institucional e a onipresença dos alunos nos aplicativos de mensagens gerou nos entrevistados a sensação de que seriam “professores a todo tempo”, incapazes de se desligar das rotinas de trabalho dentro de seus ambientes residenciais. Como forma de manter os docentes produtivos, as IES se apropriaram do compromisso ético profissional, transformando-o em um mecanismo de alienação e sujeição ao trabalho, que resultou em sobrecarga e na consequente degradação do trabalho dos entrevistados e entrevistadas durante o período (ANTUNES, 2018).

A precarização das condições de trabalho se deu também aos professores na dimensão financeira, especificamente por três motivos. Primeiro, os entrevistados relataram terem investido seus próprios recursos na aquisição de pacotes de internet, câmeras, microfones e, até mesmo, serviços de plataformas de videoconferência, sem os quais não poderiam atender as demandas ocasionadas pelas mudanças na organização e nas rotinas de trabalho. Segundo, por atrasos nos pagamentos de até três meses para alguns dos entrevistados, efeito do aumento da evasão de alunos no ensino superior e da informalidade dos acordos de trabalho, em alguns casos somente verbais, feitos com as instituições. Terceiro, pela diminuição de carga horária com redução salarial proporcional aos professores que tiveram disciplinas canceladas ou reduzidas durante a pandemia.

Os resultados aqui apontados corroboram com as conclusões de outros estudos que avaliaram o trabalho docente em meio ao contexto pandêmico. Em uma revisão de trabalhos produzidos durante a pandemia, Silva et al. (2020)SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020. indicaram que pressões institucionais, dificuldades relacionadas ao uso e manuseio das tecnologias de informação e alterações emocionais ocorreram no contexto do trabalho docente em universidades espanholas e chinesas, algo também exposto por Cipriani, Moreira e Carius (2021)CIPRIANI, F. M.; MOREIRA, A. F. B.; CARIUS, A. C, Atuação Docente na Educação Básica em Tempo de Pandemia. Educação & Realidade, v. 46, 2021. em pesquisa realizada com 209 docentes do ensino básico da cidade de Juiz de Fora, MG e por Godoi, Kawashima e Gomes (2020)GODOI, M. et al. O ensino remoto durante a pandemia de covid-19: desafios, aprendizagens e expectativas dos professores universitários de Educação Física. Research, Society and Development, v. 9, n. 10, p. e4309108734-e4309108734, 2020. em pesquisa realizada com seis docentes do ensino superior da área de educação física. Outra revisão bibliográfica, realizada por Santos, Silva e Belmonte (2020)SILVA, L. S., MACHADO, E. L., OLIVEIRA, H. N. de; RIBEIRO, A. P. Condições de trabalho e falta de informações sobre o impacto da COVID-19 entre trabalhadores da saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 45, 2020., que contou com a seleção de onze artigos nacionais e internacionais de um universo inicial de 203, apontou que a sobrecarga de trabalho, ocasionada pela virtualização da atividade docente e o aumento da carga horária dedicada às atividades pelos professores, somada a incerteza e o medo ocasionado pelo momento delicado enfrentado em todo o mundo, levou docentes universitários brasileiros e portugueses ao esgotamento intelectual. Ao mesmo tempo, projeções e perspectivas positivas quanto ao uso pedagógico das TIC no contexto pandêmico (VALENTE et al., 2020VALENTE, G. S. C.; DE MORAES, E. B.; SANCHEZ, M. C. O.; DE SOUZA, D. F.; PACHECO, M. C. M. D. O ensino remoto frente às exigências do contexto de pandemia: Reflexões sobre a prática docente. Research, Society and Development, v. 9, n. 9, p. e843998153-e843998153, 2020.) e as condições para a reinvenção das práticas pedagógicas (RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020RONDINI, C. A.; PEDRO, K. M.; DOS SANTOS DUARTE, C. Pandemia do Covid-19 e o ensino remoto emergencial: Mudanças na práxis docente. Interfaces Científicas-Educação, v. 10, n. 1, p. 41-57, 2020.) não se concretizaram no contexto analisado por esse trabalho, marcado pela degradação do trabalho dos docentes entrevistados.

Ao realizarmos a análise do trabalho efetuado pelos docentes no período da pandemia causada pelo COVID-19, pudemos perceber que o movimento de degradação do trabalho na contemporaneidade parece não encontrar barreiras para se perpetrar às custas da saúde física e mental dos trabalhadores. Ao contrário das expectativas de previsões otimistas realizadas logo no início da pandemia (BERARDI, 2020BERARDI, F. B. Crónica de la psicodeflación. In: AGAMBEN, G et. al. Sopa de Wuhan: pensamiento contemporáneo en tiempos de pandemias (2020), 21-28. Rusia: Editorial ASPO, 2020.; ŽIŽEK, 2020ŽIŽEK, S. Coronavirus es un golpe al capitalismo al estilo de ‘Kill Bill’y podría conducir a la reinvención del comunismo. In: AGAMBEN, G et. al. Sopa de Wuhan: pensamiento contemporáneo en tiempos de pandemias (2020), 21-28. Rusia: Editorial ASPO, 2020.), as hélices do moinho satânico (conceito elaborado por Karl Polanyi como referência ao efeito destrutivo produzido pelo mecanismo de livre mercado, exaltado hoje pelos neoliberais que pregam o fim do Estado perante um domínio imaginário do capital) movem-se cada vez mais depressa, impulsionadas pela vulnerabilidade dos trabalhadores frente aos riscos e as contingências da crise sanitária sem precedentes que o mundo enfrenta neste momento, e deixam em seu rastro de destruição o sangue, os músculos e os nervos das trabalhadoras e dos trabalhadores submetidos às suas leis.

Nos relatos coletados na pesquisa, observamos que, ao mesmo tempo em que os docentes são motivados a intensificar e estender as suas cargas de trabalho por questões de empatia ou ética, as direções das IES privadas não compartilham dos mesmos sentimentos. Na realidade, as IES, cujas práticas neste trabalho foram analisadas de forma indireta, aparentemente se beneficiam economicamente do mais trabalho docente como uma estratégia que permite: i) a redução dos custos estruturais e dos investimentos relacionados ao ensino presencial tradicional com a absorção de parte dos custos de produção (como internet, luz, água, equipamentos, etc.) pelos docentes e; ii) a possibilidade de diminuição de seus quadros funcionais, com a absorção de novas funções e atividades também pelas professoras e professores, ao mesmo tempo em que permite aos alunos a manutenção de um nível de serviço aceitável para continuidade da manutenção dos vínculos mercantis com as instituições.

É possível afirmarmos que a degradação das condições do trabalho e do próprio labor, característica estrutural da reorganização flexível do mundo do trabalho comandada pela ideologia neoliberal (ANTUNES, 2018; DE SOUZA SANTOS, 2020DE SOUSA SANTOS, B. A cruel pedagogia do vírus. Boitempo Editorial, 2020.), parece ter atingido amplamente e de forma definitiva o trabalho docente na educação superior brasileira. Com a pandemia servindo de período para realização de testes sobre a possibilidade de utilização nos regimes presenciais das tecnologias já amplamente adotadas no modelo EAD (LAPA; PRETTO, 2010LAPA, A. PRETTO, N. L. Educação a distância e precarização do trabalho docente. Em aberto, v. 23, n. 84, 2010; VELOSO; MILL, 2018; VIANNA; CALDERARI, 2019VIANNA, F. R. P. M.; CALDERARI, E. B. Da Precarização à (In)Existência: Um Estudo sobre o Conteudista no Modelo EaD. In: XLIII Encontro da ANPAD – ENANPAD. Anais...São Paulo (SP), Universidade Mackenzie, out., 2019.), as instituições de ensino privado (GOMES; BALMANT, 2021GOMES, A; BALMANT, O No ensino particular, modelo híbrido dará o tom quando pandemia estiver controlada. Estadão, 07 out. 2021. Disponível em: <https://educacao.estadao.com.br/noticias/geralno-ensino-particular-modelo-hibrido-dara-o-tom-quando-pandemia-estiver-controlada,70003861009. Acesso em 03 dez. 2021.
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) já sinalizam a possibilidade de predominância dos modelos híbridos de ensino, enquanto o Ministério da Educação sinaliza positivamente à criação de universidades federais 100% digitais, que seriam justificadas pelo barato custo de operação e a possibilidade de diminuição dos repasses orçamentários às UF tradicionais, destinados à ampliação e manutenção de suas estruturas e quadros funcionais (RODRIGUES, 2021RODRIGUES, A. Mec estuda criação da primeira universidade federal digital do país. Agência Brasil. 16 set. 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2021-09/mec-estuda-criacao-da-primeira-universidade-federal-digital-do-pais>. Acesso em 03 dez. 2021.
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).

O possível excedente financeiro que recai sobre as IES poderia ser aplicado no amparo às condições estruturais, físicas e psicológicas do trabalho docente. No entanto, tal situação só ocorreria se em nossa sociedade ainda observássemos algum resquício de bem estar social e respeito a atividades como a docência e pesquisa. Muito distante do prestígio de outrora, o trabalho do professor universitário hoje se aproxima muito mais das novas formas de trabalho flexíveis uberizadas (ABÍLIO, 2020ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020), enquanto que, como classe profissional, as características presentes na forma de organização da atividade o aproximam, ao menos parcialmente e momentaneamente, junto ao infoproletariado/cybertrariado (ANTUNES, 2018; HUWS, 2003HUWS, U. The making of a cybertariat: Virtual work in a real world. New York: Monthly Review Press, 2003.).

Como sugestão para estudos futuros, indicamos o desenvolvimento de estudos semelhantes ou de caráter quantitativo, que possam evidenciar possíveis diferenças entre os variados modelos de IES privadas, como aquelas com fins lucrativos, filantrópicas, entre outras. Além disso, uma pesquisa de caráter quantitativo exploratória poderia evidenciar diferenças sobre a percepção das condições de trabalho entre docentes que atuam em diferentes localidades. Acreditamos que a importância de estudos deste caráter, que propõem discutir as condições atuais do trabalho docente informatizado, reside também na possibilidade de tornar visíveis trabalhos e práticas inviabilizadas pela adoção das novas tecnologias da informação e da comunicação no interior do trabalho executado também em funções tradicionais, como é o caso da docência universitária.

  • 5
    Ainda que itálico seja adotado para registrar palavras em língua estrangeira, nessa seção e na seguinte adotou-se esse recurso para destacar trechos das falas de participantes da pesquisa.

REFERÊNCIAS

  • ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos avançados, v. 34, n. 98, p. 111-126, 2020
  • ANTUNES, R. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado Boitempo Editorial, 2020.
  • BAPTISTA, M. N. et al Burnout, estresse, depressão e suporte laboral em professores universitários. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 19, n. 1, p. 564-570, 2019.
  • BAPUJI, H., PATEL, C., ERTUG, G., & Allen, D. G. Corona Crisis and Inequality: Why Management Research Needs a Societal Turn. In Journal of Management, vol. 46, n 7, p. 1205–1222, 2020.
  • VAN BAVEL, J. J. et al Using social and behavioural science to support COVID-19 pandemic response. Nature Human Behaviour, v. 4, n. 5, p. 460-471, 2020.
  • BELLINASO, F.; NOVAES, H. T. A precarização do trabalho docente na educação a distância (ead) no brasil: uma discussão teórica Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 10, n. 1, p. 316-325, 2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2021
  • Aceito
    04 Jul 2022
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