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A ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA DE ROBERTO SIMONSEN E A IDEOLOGIA DA TERCEIRA VIA NO CAPITALISMO ATRÓFICO BRASILEIRO2 2 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado concedida a um dos autores deste artigo. Agradecemos a Rômulo Cristaldo pela leitura e pelos comentários feitos à primeira versão do texto. Agradecemos também ao Serviço de Atendimento ao Usuário e Apoio às Bibliotecas, da Divisão de Biblioteca da Escola Politécnica (EPUSP); e ao Serviço de Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da USP pela digitalização de materiais de Simonsen que ajudaram a viabilizar o presente artigo.

THE ROBERTO SIMONSEN'S POLITICAL ADMINISTRATION AND THE THIRD WAY IDEOLOGY IN THE BRAZILIAN ATROPHIC CAPITALISM

LA ADMINISTRACIÓN POLÍTICA DE ROBERTO SIMONSEN E LA IDEOLOGIA DE LA TERCERA VÍA EN EL CAPITALISMO ATROFICO BRASILEÑO

RESUMO

O objetivo do presente artigo é apresentar a propositura de administração política de Roberto Simonsen como variante da ideologia da terceira via. Para tanto, utilizou-se os fundamentos materialistas da determinação social do pensamento que reconhece não apenas as condições concretas, como pressupostos objetivos para as formações ideais, como também sublinha a particularidade dos casos específicos. Assim, o ideário de Simonsen, extraído dos seus textos entre 1919 e 1947, foi considerado a partir dos traços semicoloniais do Brasil de então. As conclusões apontam para aspectos progressivos e regressivos na propositura de Simonsen, salientando que a ideologia da terceira via foi adaptada às condições nacionais à luz das aspirações industrialistas.

Palavras-chave:
Roberto Simonsen; Administração política; Terceira via; Brasil

The purpose of this article is to present Roberto Simonsen's proposal for political administration as a variant of the third way ideology. For that, we used the materialist foundations of the social determination of thought that recognizes not only the concrete conditions as objective presuppositions for the ideal formations, but also underlines the particularity of the specific cases. Thus, Simonsen's ideas, extracted from his texts between 1919 and 1947, were considered based on the semi-colonial traits of Brazil at that time. The conclusions point to progressive and regressive aspects in Simonsen's proposition, stressing that the third way ideology was adapted to national conditions in the light of industrialist aspirations.

Keywords:
Roberto Simonsen; Political administration; Third way; Brazil


El propósito de este artículo es presentar la propuesta de Roberto Simonsen para la administración política como una variante de la ideología de la tercera vía. Para eso, utilizamos los fundamentos materialistas de la determinación social del pensamiento que reconoce no solo las condiciones concretas como presupuestos objetivos para las formaciones ideales, sino que también subraya la particularidad de los casos específicos. Así, las ideas de Simonsen, extraídas de sus textos entre 1919 y 1947, fueron consideradas a partir de los rasgos semicoloniales del Brasil de la época. Las conclusiones apuntan a aspectos progresistas y regresivos en la propuesta de Simonsen, destacando que la ideología de la tercera vía se adaptó a las condiciones nacionales a la luz de las aspiraciones industriales.

Palabras clave:
Roberto Simonsen; Administración política; Tercera vía; Brasil


INTRODUÇÃO

O pensamento de Roberto Simonsen ocupa um lugar de destaque para a historiografia interessada na industrialização e na atuação estatal nos conturbados anos até a década de 1940. Considerado como o “líder máximo do setor industrial” (DINIZ, 1978, p. 96DINIZ, E Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930/1945 Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.), sua atuação deixou marcas importantes nos campos econômicos, políticos, jurídicos e educacionais da história nacional (CARONE, 1971CARONE, E. Roberto C. Simonsen e sua obra. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 11, n. 4, p. 23-28, 1 out. 1971. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-75901971000400002
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; FARO; SINELLI, 2016FARO, L. C; SINELLI, M. Roberto Simonsen: prelúdio à indústria. Rio de Janeiro: Insight Comunicação, 2016.).

Há registros de que é possível encontrar embrionariamente no autor muitos temas que marcariam, nas décadas seguintes, o pensamento social brasileiro (LEÃO; PINTO; SILVA, 2015LEÃO, I. Z. C. C; PINTO, T. L. de Q. R.; SILVA, N. G. da. Roberto Simonsen na origem do moderno pensamento social brasileiro. Economia e Sociedade [online]. 2015, v. 24, n. 1 [Acessado 22 Julho 2021], pp. 177-199. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-3533.2015v24n1art7>.
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) e, particularmente, os debates a respeito do desenvolvimentismo no país (BIELSCHOWSKY, 2012BIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.) que, de muitos modos, ainda ecoam no Brasil contemporâneo. Certos aspectos comuns aos países da América Latina também ocuparam, mas não extensivamente, as preocupações do último Simonsen dos anos de 1940SIMONSEN, R. C. Níveis de vida e economia nacional. São Paulo: Centro de Estudos e Ação Social, 1940., ao considerar, no contexto do debate sobre o Plano Marshall, que não era possível admitir a continuidade de circunstâncias que redundassem “em seu enfraquecimento econômico futuro e na manutenção de seu atual estado de pauperismo” (SIMONSEN, 1973, p. 341SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Enfatizou o equívoco em “reequipar o homem europeu, e manter e agravar a pobreza latino-americana, além de constituir uma injustiça social, significa também incorrer num grave erro de estratégia política” (SIMONSEN, 1973, p. 339SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.).

Diante do conjunto de tarefas identificadas pelo autor, o Estado teria papel fundamental, como destacaremos. De tal maneira, amplia-se a justificativa da consideração sobre as ideias de Simonsen, pois elas ajudaram a moldar não apenas o ideário brasileiro, a respeito dos meios de desenvolvimento do capitalismo nacional, como também a prática política propriamente dita nessa direção. O debate contemporâneo a respeito do papel do Estado e do seu grau de atuação na vida econômica reflete consideravelmente as posições sustentadas por Simonsen diante de adversários intelectuais da época, como Eugênio Gudin, um franco defensor de uma atuação estatal mais delimitada. Isso ajuda a sublinhar que a contenda contemporânea não opera, necessariamente, com termos novos, repetindo, em vários aspectos, argumentos já conhecidos. Nesses termos, tais argumentos remontam continuamente às ideias de Simonsen.

Variados materiais consideraram as ideias de Simonsen como elemento acessório ao estudo histórico das primeiras décadas do século XX, sobretudo da participação política do empresariado nacional (ANTONACCI, 1993ANTONACCI, M. A. M. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade paulista. São Paulo: Marco Zero, 1993.; WEINSTEIN, 1996WEINSTEIN, B. For social peace in Brazil: industrialists and the remaking of the working class in São Paulo, 1920-1964. Chapel Hill: University of North Carolian Press, 1996.). Outros materiais dedicaram maior ênfase ao estudo detalhado do próprio ideário do autor com profundidades variadas (LIMA, 1963LIMA, H. F. Mauá e Roberto Simonsen: dois pioneiros do desenvolvimentismo. São Paulo: Edaglit, 1963.; 1976LIMA, H. F. 3 industrialistas brasileiros: Mauá, Rui Barbosa, Roberto Simonsen. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.; FANGANIELLO, 1970FANGANIELLO, H Roberto Simonsen e o desenvolvimento econômico São Paulo: USP, 1970.; MAZA, 2004MAZA, F. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004.; CURI, 2015CURI, L. F. B. Entre a história e a economia: o pensamento econômico de Roberto Simonsen. São Paulo: Alameda Editorial, 2015.), e proporcionam alguns horizontes para a delimitação que gostaríamos de realizar a respeito do pensamento administrativo de Simonsen. Entre os últimos, destacam-se dois trabalhos importantes aos propósitos do presente artigo.

Maza (2004)MAZA, F. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004. apresenta uma vasta cobertura da obra de Simonsen, tendo por pano de fundo a presença das tendências do positivismo. A ênfase do autor o aproxima da corrente historiográfica brasileira que acentua a ligação de Simonsen à assim chamada “racionalização” (RAGO, 1985RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar — Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.; ANTONACCI, 1993ANTONACCI, M. A. M. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade paulista. São Paulo: Marco Zero, 1993.). No conjunto, Maza (2004)MAZA, F. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004. sustenta que a questão estatal entra no pensamento de Simonsen no transcorrer das décadas de 1920 e 1930, por decorrência da receptividade já existente quanto à essa questão na tradição positivista, e que o interesse e proposituras do autor sobre o Estado são um desdobramento da “racionalização” a partir da empresa. Com igual cobertura da produção de Simonsen, Curi (2015)CURI, L. F. B. Entre a história e a economia: o pensamento econômico de Roberto Simonsen. São Paulo: Alameda Editorial, 2015. se ocupa em deslindar o pensamento econômico do autor, ligando-o com as tendências intelectuais internacionais do período por ele apropriadas. Curi (2015)CURI, L. F. B. Entre a história e a economia: o pensamento econômico de Roberto Simonsen. São Paulo: Alameda Editorial, 2015. sugere que as ideias de Simonsen a respeito do Estado e da política econômica em particular decorreram do gradativo abandono de questões ligadas à organização da produção. Entre os anos de 1930 e 1940, Simonsen teria modificado seus interesses a partir da compreensão histórica das necessidades de um país ainda em condições quase coloniais, procurando dar uma resposta de conjunto às questões econômicas que identificou.

Argumentamos, em outra direção, que Simonsen não projetou uma “racionalização” ao Estado a partir da empresa e que não abandonou os problemas de organização da produção para dar atenção ao processo econômico global. Diferentemente, seu pensamento estabeleceu, a partir da finalidade da industrialização que emana de sua posição social e das experiências dos países de economia imperialista de então, os contornos gerais e inacabados de uma “administração política” da instauração do capitalismo industrial no Brasil e das contradições imanentes. Como veremos adiante, administração política em termos gerais é a capacidade e atuação efetiva do Estado no esforço de administrar a acumulação capitalista e as contradições por meio das quais se move (PAÇO CUNHA, 2019PAÇO CUNHA, E. Centralidade da gestão e os limites da razão política: as contradições sociais como objeto real da gestão do estado. REAd - Revista Eletrônica de Administração, v. 5, n. 2, 2019.).

Esse argumento se presta também ao reconhecimento das contribuições de Simonsen ao campo administrativo para além da mera aproximação entre ele e as teorias de administração, então, em voga (BEZERRA; FREESZ, 2017BEZERRA, M.F.; FREESZ, L. Intérpretes do Brasil: Roberto Simonsen e sua contribuição para os estudos organizacionais no Brasil. Revista Visão: Gestão Organizacional, v. 6, n. 2, p. 86-100, 2017.). Nesses termos, a retomada do pensamento de Simonsen é justificada pelo interesse no estudo sobre a “história do pensamento administrativo”, tratando-se, em linhas gerais, do “desdobramento do pensamento administrativo ao longo de um contínuo de tempo” (WREN, 1972, p. 341WREN, D A. The evolution of management thought The Ronald Press Co, 1972). Isso é reafirmado no entendimento de que o pensamento administrativo “é o corpo de conhecimento existente sobre as funções, propósito e escopo da gestão”, a partir do qual se procura entender o que foi tal pensamento, “mas também explicar por que ele se desenvolveu de uma dada maneira” (WREN; BEDEIAN, 2017, p. 3WREN, D A. & BEDEIAN, A. G The evolution of management thought 7 ed Wiley, 2017.). A história do pensamento administrativo, portanto, “estuda a ideia 'gerencial' em seu desenvolvimento histórico (em sentido amplo), reconstruindo o passado, restaurando o surgimento e a mudança de pensamentos e discursos, diferentes visões, atitudes, teorias gerenciais, suas transições e a lógica de cada uma dessas transições” (MARSHEV, 2021, p. 46MARSHEV, V. I. History of management thought: genesis and development from ancient origins to the present day. Springer, 2021.), considerando as “condições históricas específicas” (p. 30). A história do pensamento administrativo não permanece completa sem sua consideração crítica como forma de consciência (PAÇO CUNHA, 2020PAÇO CUNHA, E. Gênese do taylorismo como ideologia: acumulação, crise e luta de classes. Organizações & Sociedade, 27(95), 2020. https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaoes/article/view/28867
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; 2021bPAÇO CUNHA, E. Henri Fayol na encruzilhada da terceira via: organização da grande corporação e conflito social na forja do ideário fayolista. Revista Eletrônica de Ciência Administrativa, v. 20, n. 2,, p. 233 - 261, 2021b. https://doi.org/10.21529/RECADM.2021008
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) e ideologia ao considerar, por exemplo, os efeitos reais de certas ideias administrativas sobre a realidade social brasileira (PAÇO CUNHA; GUEDES, 2017PAÇO CUNHA, E; GUEDES, L. T. “Teoria das relações humanas” como ideologia na particularidade brasileira (1929-1963). Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, [S.l.], v. 3, n. 8, p. 957-1018, mar. 2017.). De tal maneira, temos na figura de Simonsen um importante capítulo da história do pensamento administrativo, especialmente no que tange à propositura, com ampla repercussão, de uma administração política do processo de acumulação capitalista no Brasil. Passa a ser uma importante contribuição para o avanço da história do pensamento administrativo uma vez que, mesmo fora do país, é uma área de estudos “geralmente negligenciada na maioria das faculdades de administração” (WREN; BEDEIAN, 2017, p. 3WREN, D A. & BEDEIAN, A. G The evolution of management thought 7 ed Wiley, 2017.).

A abordagem proposta para a investigação adiciona, ainda, uma problemática que auxilia na solução de certos impasses, entre eles encontram-se as incontornáveis denominações classificatórias. É muito frequente, por exemplo, a tentação de incluir Simonsen no desenvolvimentismo (FANGANIELLO, 1970FANGANIELLO, H Roberto Simonsen e o desenvolvimento econômico São Paulo: USP, 1970.), embora essa escola de fato só tenha se formado no final dos anos de 1940. Não muito distante está a possibilidade de Simonsen ser precursor do conservadorismo adotado por integrantes da Escola Superior de Guerra (SILVA, 2012SILVA, L. O. Roberto Simonsen: a industrialização brasileira e a Segunda Guerra Mundial. História Econômica & História de Empresas, v. 13, n. 2, 2012). É menos comum, mas não menos estimulante, o estabelecimento de afinidades entre Simonsen e o assim chamado “pensamento autoritário” brasileiro inspirado no fascismo europeu (BOSCHI, 1979BOSCHI, R. R. Elites industriais e democracia: hegemonia burguesa e mudança política no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.). Haveria ainda a resolução por meio da equiparação entre Brasil e Alemanha, por exemplo, para denominar o ideário de Simonsen como atinente a uma “modernização conservadora” (MAZA, 2004MAZA, F. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004.). Esses impasses são impasses porque são, primeiro, sintomas de uma dificuldade de se estabelecer certa particularidade do ideário simonseniano, sem recorrer às analogias com outras formações ideais. A alternativa está em reconhecer a presença de certa ideologia orientadora para a administração política esboçada e, simultaneamente, estabelecer as condições concretas nacionais que “explicam” os aspectos particulares daquele ideário.

Nessa direção, a abordagem teórico-metodológica, realizada na pesquisa que fundamenta o presente artigo, considera a gênese e a função da ideologia da “terceira via” nas principais economias imperialistas (LUKÁCS, 2020LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.). Nos impasses colocados pela inflexão societal nas primeiras décadas do século XX, ideólogos foram chamados a dar respostas às alternativas entre a ortodoxia liberal e o caminho socialista, alternativas postas sob os efeitos das crises, dos conflitos bélicos e de revoluções sociais. Diante dessas circunstâncias, as respostas às condições fáticas postas assumiram direções nitidamente reacionárias ou progressivas, além das complicadas combinações se considerarmos os complexos “econômico, político e ideológico” como totalidade (CHASIN, 1999CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.). Conforme veremos, ao tratar desses complexos nos interessa a função da “ideologia da terceira via” nas condições brasileiras nas quais, entretanto, não teve gênese. Assim, pudemos perguntar: em que medida a administração política de Simonsen é orientada pela ideologia da terceira via? Desenvolveremos a análise pela evidenciação da propositura de Simonsen como uma variante dessa ideologia, que será discutida adiante.

Investigamos os materiais de Simonsen entre os últimos anos de 1910 e de 1940 em um esforço de história do pensamento administrativo. A análise levou em consideração os aspectos essenciais que concederiam as evidências do esboço de uma administração política como variante da ideologia da terceira via e, assim, vários elementos importantes foram abstraídos. Na consideração da ideologia em tela e do ideário de Simonsen, atemo-nos, seguindo Lukács (2020)LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020. e Chasin (1999)CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999., não apenas à “gênese” e “função”, mas também ao esforço de deslindamento dos presentes elementos de “irracionalismo” (tendências de regressividade). Entendemos que os ideólogos, em que Simonsen foi um dos mais importantes, “conscientemente ou não, querendo ou não – sempre estão, também interiormente, envolvidos com sua sociedade e, nela, com uma determinada classe, com suas aspirações progressistas ou retrógradas” (LUKÁCS, 2020, p. 90LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.). Tem significado especial a compreensão de que “quanto mais autêntico e importante é um pensador, tanto mais ele é filho de seu tempo, de seu país, de sua classe”, uma vez que os questionamentos que faz são sempre concretos, isto é, “ele é determinado em conteúdo e forma pelas angústias e aspirações sociais, científicas, artísticas, entre outras, e contém – sempre dentro das tendências concretas aqui operantes – em si mesmo uma tendência concreta para frente ou para trás, para o novo ou para o velho” (p. 91). Consubstanciada na “determinação social do pensamento”, a orientação teórico-metodológica por nós operacionalizada remete à “tensão dialética entre a formação racional dos conceitos e a sua matéria real” em que varia a “maneira como esse problema se apresenta em cada caso, como a solução do problema é encarada ou, então, como ela é evitada, como se dá o recuo diante dela é, de acordo com a situação histórica, de acordo com os desdobramentos históricos das lutas de classes, algo qualitativamente diverso” (p. 91). É importante adicionar que, nessas considerações, a “consciência aparece não puramente como reflexo de exterioridades, mas também como antecipação marginada de possíveis” (CHASIN, 1999, p. 66CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.).

Em razão desses apontamentos, “para serem apreendidas as ideologias necessitam ser remetidas ontologicamente às raízes de suas bases materiais” (CHASIN, 1999, p. 24CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.), em que “classificar uma ideologia não é explicá-la, pois identificar sua natureza corresponde necessariamente a referi-la à totalidade concreta em que emerge” (p. 57). Esse aspecto sublinha os problemas da particularidade da circunstância histórica de cada país como fator explicativo e mediador entre os aspectos universais do modo de produção capitalista e aqueles singulares de cada caso concreto. É a particularidade dos casos que medeia e condensa os fatores universais e singulares como potência explicativa. Dadas as tendências sempre presentes de estabelecer identidades entre processos diferentes de instauração do capitalismo, é preciso registrar, seguindo Chasin (1999)CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999., que um “país de economia subordinada não é distinto dos países subordinantes simplesmente em grau”. Na verdade, “na medida que sua estrutura e seu processo histórico são de natureza apropriada e decorrente à sua condição de subordinado, seus fenômenos particulares não podem ser simplesmente igualizados aos fenômenos de aspecto semelhante que se verificam nos países dominantes”. Em suma, “igualizá-los para efeito de análise é suprimir a distância ontológica que os deve separar na investigação para que se possa entendê-los efetivamente nos concretos que lhes correspondem” (CHASIN, 1999, p. 58CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.).

Nossa abordagem, portanto, foi ancorada na referida “determinação social do pensamento”, procurando explicar a administração política de Simonsen como variante da terceira via a partir das condições objetivas do processo de instauração do capitalismo na particularidade brasileira em contraste com as economias imperialistas do período. Em outros termos, não obstante as similitudes com outras formações ideais do período histórico, a explicação advém do território concreto em que tais formações ocorrem e a função que desempenham em cada caso na medida em que os ideólogos são chamados a dar respostas às circunstâncias concretas.

Com efeito, o trabalho está organizado em três seções, além da presente introdução. Na primeira seção, apresentaremos os aspectos essenciais para o esboço de administração política de Simonsen. Na segunda, faremos a análise dessa administração política como variante da ideologia da terceira via. E, na terceira, e última seção, apresentaremos as considerações finais do artigo.

1 ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA DE ROBERTO SIMONSEN

O objetivo deste tópico é apresentar os principais elementos que dão os contornos da administração política possível de ser extraída dos materiais de Simonsen. Embora o autor não tenha empregado diretamente tal terminologia, seu conteúdo está repleto de elementos que nos permitem afirmar a existência de uma propositura de administração política. Assim, antes de considerarmos diretamente os materiais de Simonsen, faz-se necessária uma breve delimitação da matéria.

Em termos mais gerais, existe um entendimento de que a administração política é a análise da gestão do Estado sobre as relações sociais de produção (RIBEIRO; SANTOS; SILVA, 2020RIBEIRO, M. M.; SANTOS, R. S.; SILVA, G. A. B. Administração política: uma análise alternativa para as relações sociais de produção. Revista Fatec de Tecnologia e Ciências, 5(1), 2020.). Desse ângulo, abre-se a possibilidade não apenas de nomear, mas também de tratar conscientemente a ação estatal como potência de gestão do sistema econômico a partir do campo científico da administração.

No presente trabalho, assumimos uma fundamentação materialista para a qual a administração política é parte constitutiva da relação entre Estado e economia. Essa realidade expressa o “problema do conflito classista e os limites da atuação do Estado como corretivo das contradições do modo de produção capitalista” (PAÇO CUNHA, 2021a, p. 3PAÇO CUNHA, E. Capacidades estatais para administração política: proposta analítica fundamentada na ontologia materialista. XLV Encontro da ANPAD — EnANPAD, 2021a.) que tem, em fundamento, relações sociais de produção historicamente determinadas “as quais o próprio Estado é, em essência, encarregado de administrar, mas não de superar” (p. 3). De modo direto, a “administração política é o modo (variado) pelo qual o Estado responde à dinâmica de seu próprio objeto” (p. 3), isto é, a economia capitalista na qual o processo de acumulação surge como “fator objetivamente preponderante” (p. 7).

Tendo esse breve arrazoado em mente, passamos à apresentação dos elementos caracterizadores essenciais da administração política esboçada por Simonsen para as condições brasileiras.

1.1 SIMONSEN E A ECONOMIA INTEGRAL

A análise da administração política de Simonsen exige que perpassemos primeiramente por suas fontes de inspiração centrais entre os anos de 1930 e 1940, que o direcionaram a partir da exemplaridade da República de Weimar até às experiências de planificação, que consolidaram os esforços estatais para a gestão da dinâmica econômica.

Para a apresentação dessas fontes, é necessário se direcionar àquelas correntes que o influenciaram mais centralmente. Nesse sentido, é comum a identificação das marcas do taylorismo-fordismo nos escritos do autor (BONATES, 2018BONATES, M. F. Taylorismo, indústria e a construção dos quartéis do exército no Brasil na década de 1920: entre o discurso e a prática. Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 98-113, 2018.). Embora haja algum exagero na identificação de Simonsen como um prático dessa corrente, como já sugeriram outras pesquisas (WEINSTEIN, 1996WEINSTEIN, B. For social peace in Brazil: industrialists and the remaking of the working class in São Paulo, 1920-1964. Chapel Hill: University of North Carolian Press, 1996.), não restam dúvidas quanto ao seu papel como difusor de tais ideias, nem quanto à importância de tais ideias na composição do seu pensamento. Ainda mais central é a influência da assim chamada “racionalização alemã”, seja pelos exemplos práticos por ele mencionados, seja por seu diálogo crítico com a Constituição de Weimar.

A questão da “racionalização” é bastante presente para Simonsen; e seu entendimento, derivado da própria aplicação alemã, dá um tom mais preciso para um conceito relativamente amplo: a melhoria do bem-estar geral promovida pelo aumento da produtividade (SIMONSEN, 1931SIMONSEN, R. C. As finanças e a indústria. São Paulo: Editora São Paulo, 1931.). Mas não é exatamente por meio do exemplo alemão que o autor começa a desenhar essa ideia de “racionalização” que, posteriormente, resulta na propositura da planificação econômica. Além das questões vinculadas ao desperdício pelo exemplo do Ministro de Comércio e futuro presidente estadunidense Herbert Hoover, Taylor e Ford foram assimilados como métodos principais da excelência da organização da produção, os quais visavam ampliar a eficiência do trabalho no plano das indústrias. Simonsen esboçou críticas ao sistema taylorista por sua excessiva rigidez com a qual se “manda executar, sob o controle constante do chronometrador [sic]”, ao passo que enalteceu a tendência contrária no fordismo de permitir com que cada trabalhador encontrasse o “seu rhythmo [sic] pessoal” (SIMONSEN, 1931, p. 18-19SIMONSEN, R. C. As finanças e a indústria. São Paulo: Editora São Paulo, 1931.); algo em flagrante contraste com a real organização fordista do trabalho.

Não obstante, ambos os métodos eram essencialmente destinados à intensificação do trabalho. Se o taylorismo se concentrava mais no estudo dos tempos de operação para redução dos movimentos produtivos desnecessários, o fordismo teve em mira a movimentação dos componentes em linha de montagem mecanizada (PAÇO CUNHA; GUEDES, 2021PAÇO CUNHA, E; GUEDES, L. T. A incongruência do taylorismo à indústria têxtil como sistema de máquinas no Brasil e nos Estados Unidos. REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 27, n. 3, p. 663-692, set-dez, 2021. https://doi.org/10.1590/1413-2311.329.110072
https://doi.org/10.1590/1413-2311.329.11...
). Tais métodos traziam consigo sistemas de pagamento por produtividade já existentes no século XIX e isso parece ter sido efetivamente retido por Simonsen, inclusive em termos práticos, uma vez que suas pretensões de “racionalização” mantinham como horizonte declarado o aumento do padrão de vida “com o duplo intuito de criar maior poder aquisitivo e intensificar o consumo incrementando o escoamento dos produtos industriais” (SIMONSEN, 1931, p. 31SIMONSEN, R. C. As finanças e a indústria. São Paulo: Editora São Paulo, 1931.). Entretanto, para além de certa assimilação, não parece ser possível identificar de maneira clara em Simonsen, como sugeriu Weinstein (1996)WEINSTEIN, B. For social peace in Brazil: industrialists and the remaking of the working class in São Paulo, 1920-1964. Chapel Hill: University of North Carolian Press, 1996., a efetiva aplicação, na qualidade de “praticante”, de elementos específicos do taylorismo ou do fordismo nas suas indústrias, mesmo no texto em que o autor discorre sobre a construção de quartéis (SIMONSEN, 1919SIMONSEN, R. C. O trabalho moderno. São Paulo: Seção de obras do estado. 1919.). Assim, se abundam referências no plano ideológico, em termos práticos, a presença do taylorismo-fordismo possui um caráter mais genérico, bastante marcado pela questão dos salários vinculados à produtividade. Simonsen parecia enxergar nessas famosas iniciativas o argumento para o estabelecimento “científico” do salário, isto é, a definição supostamente técnica do quantum de pagamento por rendimento do trabalho, evitando-se contestações.

Com efeito, as referências ao tema são mais presentes quando tocam nos sistemas de pagamento em particular. Em um dos relatórios de gestão da empresa Companhia Construtora de Santos, Simonsen evocou Gantt, seguidor de Taylor e um dos difusores da administração científica nos Estados Unidos, como propositor mais definitivo do salário por produtividade. E o que Simonsen revelou se confirma como um aspecto que amadureceria nos seus escritos posteriores. Segundo nosso autor, o sistema de pagamento baseado na administração científica “deixará de promover as ações e reações inevitáveis nos velhos sistemas, colocando ambas as partes em íntima cooperação em prol dos seus legítimos interesses” (SIMONSEN, 1919, p. 40SIMONSEN, R. C. O trabalho moderno. São Paulo: Seção de obras do estado. 1919.). O autor tem em mente justamente a busca de meios, alegadamente científicos, que pudessem compatibilizar interesses entre capital e trabalho.

Os problemas de eficiência e conflito na organização da produção surgiram como fatores essenciais para os quais Simonsen considerava a psicotécnica e as aquisições da psicologia, elementos aplicados na exemplaridade alemã, como respostas adequadas, dados os limites da organização taylor-fordista; entretanto, insuficientes para o atingimento de uma economia integral. Tendo, portanto, a administração econômica por pressuposto, sua incursão sobre as questões da “racionalização alemã” apresentou mais nitidamente a forma como o autor desenvolveu elementos de uma modalidade de administração política do capital e das contradições decorrentes. Em “As Finanças e a Indústria”, de 1931, por exemplo, entendeu que o caso alemão apontava um caminho possível para o Brasil. Ao analisar a República de Weimar, destacou o papel do Estado na condução de uma “economia integral dirigida” e vários fatores se colocaram nessa composição. Além da ampla aplicação do fordismo e da psicotécnica na produção, o modelo continha o desenvolvimento de políticas de crédito; protecionismo; direitos sociais e trabalhistas; criação de estruturas de organização por associações de empresas do mesmo setor para controle dos monopólios; etc. Na leitura de Simonsen, o modelo de uma economia integral sob coordenação estatal facultou ao país europeu, em reconstrução, incrementos consideráveis dos níveis de produtividade, e os aumentos salariais provocaram o arrefecimento da luta de classes.

Esses aspectos contêm elementos essenciais da propositura de um projeto de administração política, em que o Estado é um agente de coordenação central para criar condições de acumulação e melhorar o padrão de vida dos trabalhadores. Nessa direção, Simonsen não parece se filiar integralmente à corrente taylorista-fordista, cuja linha geral excluía a atuação estatal, embora o autor tenha extraído a relação da produtividade com altos salários desses autores. Aqui, tem lugar o argumento da definição científica dos salários, o que ajudava no esforço de contenção das contestações trabalhistas. Também, a despeito das semelhanças propositivas, Simonsen não pode ser considerado um autor inteiramente guiado pelas referências da economia integral e dos ideólogos da “racionalização alemã”, como veremos adiante, justamente por considerar o caso brasileiro distinto e impossível de ser resolvido pelo mimetismo puro e simples das alternativas escolhidas no país europeu. Simonsen se articula como um produto dessa constelação de influências teóricas e também como uma consciência prática ocupada da realidade nacional.

1.2 ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA SIMONSENIANA COMO ECONOMIA INTEGRAL PLANIFICADA

Embora a questão do planejamento para uma economia dirigida já estivesse contida na compreensão de uma economia integral que pressupunha certa intervenção estatal, os materiais dos anos de 1940 são mais explícitos sobre o tema. Ao considerá-los, é preciso ter em mente que não há contradição, mas aprofundamento da propositura de uma administração política da economia, dos desafios de seu progresso e dos conflitos que engendra. Nosso propósito não é perpassar por todas as questões ligadas ao planejamento, nem revistar o contexto da contenda sobre o assunto entre Simonsen e Gudin, mas sim colecionar elementos que auxiliem na caracterização do planejamento, como a mediação enfim encontrada por nosso autor para a efetivação de uma economia integral, dando os contornos gerais de sua administração política.

Nesse passo, o diagnóstico de Simonsen é o mesmo ao longo do tempo: o Brasil se encontrava, ainda naqueles anos mais adiantados, em uma condição semicolonial. Isso implicaria o então padrão de vida regredido e a pauperização ampla. Tornava-se imperiosa a “quadruplicação da renda nacional, dentro do menor prazo possível” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 44SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a). Temia o autor que a continuidade do então lento ritmo do “progresso social” condenasse o Brasil, “em futuro próximo, a profundas intranquilidades sociais” aparentemente decorrentes das consideradas legítimas aspirações populares por “melhor alimentação, habitações apropriadas e vestuário conveniente” (p. 44).

Nesse contexto, despontaram-se as duas alternativas evocadas pelo autor, abstraindo qualquer via revolucionária, quais sejam: i) “meios clássicos de apressar a evolução econômica, estimulando pelos processos normais as iniciativas privadas, as várias fontes produtoras e o mercado interno”, caminho este de matriz na ortodoxia liberal; ou ii) “novos métodos […] em gigantesco esforço, de uma verdadeira mobilização nacional numa guerra ao pauperismo para elevar rapidamente o nosso padrão de vida”. A posição de Simonsen era a de que se mostrava “ser impossível” a realização de tais finalidades com a “simples aplicação dos processos clássicos” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 44SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a), restando o caminho da planificação para uma economia dirigida em que a industrialização ocupava lugar especial.

Ainda que Simonsen (1944)SIMONSEN, R. C. Elos da indústria. São Paulo: Fiesp, 1944. não se descuidasse das conexões entre indústria, comércio e agricultura, avaliava que os avanços, necessários para que o país deixasse sua condição semicolonial, passavam necessariamente pela industrialização como “parte nucleal de um programa dessa natureza” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 45SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a). Como vimos anteriormente, a economia integral, pensada com ressalvas pelo autor a partir do exemplo alemão, tinha por base os ganhos de produtividade que auxiliariam no barateamento dos produtos. A eficiência industrial, portanto, estava na base das possibilidades de elevação do padrão de vida. Mas não era condição suficiente, cabendo uma organização e direção externas ao plano diretamente produtivo diante do reconhecimento da incontornável atuação estatal. Assim, a administração política do processo industrializante se descortinava por meio do planejamento econômico. Vejamos alguns detalhes da compreensão do autor a respeito desse planejamento.

Simonsen admitia a posição do planejamento como essencialmente racional, assegurado pela “ciência e a técnica modernas” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 45SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a). O exemplo mais acabado de planificação à época estava no caminho russo. Simonsen, como já dito, não admitia de partida qualquer via revolucionária, assegurando que “o sistema de governo, a coletivização da propriedade e o planejamento econômico desse país [Rússia] são três coisas diferentes, historicamente entrelaçadas, mas que não têm lógica ou praticamente, dependência uma das outras” (p. 133). De tal forma, a planificação poderia ser abstraída, segundo nosso autor, das demais características identificadas no caso russo.

Sua defesa se fundamentou no caráter técnico do planejamento como uma “coordenação de esforços para um determinado fim” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 134SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b), algo imperioso para a correção do “estado de atraso”, sendo, portanto, um grande “erro supor que o conceito de planejamento se prenda, obrigatoriamente, a escolas políticas ou econômicas antidemocráticas” (p. 134), como alegava seu contendor, Eugênio Gudin. Simonsen colecionou inúmeros exemplos de países, insuspeitos em suas orientações democráticas e que, ainda assim, promoviam diuturnamente o esforço de planejamento. Assegurou que o “Estado liberal vem planejando, de há muito e progressivamente. Se a expressão é nova, a realidade é velha”, acrescentando o arremate segundo o qual o “planejamento apresenta-se, hoje, como técnica de maior vulto, porque os problemas se tornaram muito complexos e enormes têm sido os progressos verificados nas ciências econômicas, sociais e na tecnologia em geral” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 134SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b).

No diapasão do “planejamento integral”, porque abrangeria várias frentes “para assegurar um justo equilíbrio econômico e social” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 47SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a), o autor sublinhou que não existiria contradição entre intervencionismo estatal e iniciativa privada. Tomada como técnica e como independente da forma de governo, a planificação é necessariamente “organizada com a cooperação das classes produtoras” (p. 47). Leia-se: organizações do capital privado. Nessa direção, vale a rápida referência à presença de uma teoria das elites administrativas estatais e empresariais inspirada em Ortega y Gasset. Para Simonsen, era evidente a “falta de uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado, capaz de compreender, antes de agir, o meio social em que vivemos” (SIMONSEN, 1973, p. 461SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Segundo tal teoria, a “massa não pode comandar por si mesma, pois que pela sua própria essência ela é feita para ser dirigida e moldada”. Isso se deve ao fato de que “essa maioria [trabalhadora], dispondo de todos os elementos materiais e da liberdade de fazer realizações, está ameaçando a civilização de um retrocesso, por erro de orientação [das ideologias revolucionárias]” (SIMONSEN, 1933, p. 40SIMONSEN, R. C. Rumo à verdade. São Paulo: Editora São Paulo, 1933.). Assim, nos parece que a planificação estava no rol das tarefas de uma elite administrativa qualificada e isenta de uma “orientação” considerada como “retrocesso”, como fica sugerido pelo próprio autor (SIMONSEN, 1940SIMONSEN, R. C. Níveis de vida e economia nacional. São Paulo: Centro de Estudos e Ação Social, 1940.).

Não por menos, Simonsen sugeriu que a elaboração do plano ocorreria por meio de uma “Junta de Planificação que seria composta, em boa parte, de elementos eleitos pelas classes produtoras e liberais, visando, com isso, plasmar no plano elaborado a maior representação do pensamento do país, com o útil objetivo de despertar na opinião pública o espírito de cooperação indispensável à sua execução” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 136SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b). Alinhado a Carl Landauer, nosso autor registrou que a execução do plano, por sua vez, fosse “principalmente levada a efeito por meio de negociações entre o órgão planejador e as empresas privadas”, em que se destacariam os “meios suasórios” (p. 136), isto é, a coordenação do Estado teria caráter de convencimento dos agentes econômicos e não qualquer modo compulsório.

Para além das tarefas de coordenação geral, o Estado deveria ocupar o lugar produtivo da iniciativa privada tão somente nos poros em que os capitais são hipossuficientes, uma vez que a “intervenção do Estado se impõe sempre onde se mostrar falha ou incapaz a iniciativa privada” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 170SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b). Assim, ressoando suas preocupações anteriores sobre a adequabilidade dos modelos estrangeiros à realidade nacional, o próprio “grau de intervencionismo do Estado deveria ser estudado com as várias entidades de classe” tendo em vista, dentro dos limites normativos, a máxima utilização da “iniciativa privada e não se prejudicassem as atividades já em funcionamento no país, com a instalação de novas iniciativas concorrentes. Proporcionar-se-iam, ao mesmo tempo, os meios indispensáveis à renovação do aparelhamento já existente” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 46SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a).

No geral, portanto, as funções estatais no projeto de administração política orientada à industrialização acelerada do país abrangeriam a coordenação geral na elaboração e execução da planificação, admitindo a possibilidade de ação econômica direta onde o capital não apresentasse capacidades e na criação das condições de avanço técnico da indústria.

A planificação pressupunha a modificação pronunciada do direito comercial. Nessa direção, o protecionismo era uma estratégia considerada central por Simonsen para o êxito do processo de industrialização. Simonsen seguia de perto as ideias de Friedrich List e Mihail Manoilesco a respeito da defesa das economias nacionais. Basta indicar que, para o autor brasileiro, “não seria concebível que, enquanto o país desenvolvesse um formidável esforço no sentido de montar o seu equipamento econômico, fosse ele, em pleno período construtivo, perturbado pela concorrência da produção em massa, de origem alienígena” (SIMONSEN, 2010a [1945], p. 46SIMONSEN, R. C. A planificação da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E. A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010a). Portanto, a execução da planificação econômica tem por pressuposto, no ideário de nosso autor, a adoção de “normas de política comercial que assegurem o êxito dos cometimentos previstos” (p. 47). Isto é, trata-se dos meios de defesa da indústria nacional. A fórmula insinuada é a cessão, até certo limite, de maior sala à intervenção estatal com a condição de proteger a própria indústria e garantir o processo acelerado de acumulação.

Isso dá ensejo para a admissão de Simonsen segundo a qual sua propositura, em termos gerais, expressava contornos de uma espécie de corporativismo sob as influências correntes à época, principalmente aquelas advindas de Manoilesco (1938)MANOILESCO, M. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Azevedo Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.. Como se sabe, essa doutrina política teve considerável profusão no Brasil, tanto em movimentos políticos, como o Integralismo, quanto na configuração do Estado Novo. No entanto, Simonsen, assim como a respeito do grau de intervenção estatal, preconizava um corporativismo moderado e adaptado às condições nacionais. Conforme veremos adiante, tratava-se de propositura em diferença ao corporativismo integral italiano. Ao procurar influenciar, em 1939, na direção de um “sadio corporativismo” que não fosse “capaz de perturbar ou prejudicar a produção, pois o seu principal objetivo, ao invés, deve ser o de contribuir, para que envolvam os processos de produção com o mínimo de atritos” (SIMONSEN, 1943, p. 108SIMONSEN, R. C. Ensaios econômicos, sociais e políticos. São Paulo: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 1943.), Simonsen remeteu aos ensinamentos dos “doutrinadores do Direito Corporativo” contra a ideia de que nele haveria guarida para “doutrinas rígidas”. Nesse tom, sublinhou que os “mestres da verdadeira doutrina corporativa ensinam que ela deve ter elasticidade suficiente, para se aplicar, com o mínimo de atritos, às verdadeiras necessidades de cada um dos países, em que tiver de ser implantada” (p. 108). Simonsen, nesse aspecto, seguia de perto Manoilesco (1938, p. XII)MANOILESCO, M. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Azevedo Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938., para quem o corporativismo é o conceito de uma “constituição orgânica da sociedade”, uma doutrina flexível e relativa a circunstâncias históricas (e não eternas). Na consideração sobre o corporativismo no fascismo italiano – em que não se admitia a exportação desse fascismo para outros países por se tratar de um “fenômeno puramente italiano” cujo corporativismo estava adaptado “às condições políticas do fascismo e às exigências da vida italiana” (p. XIII) –, Manoilesco (1938)MANOILESCO, M. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Azevedo Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938. pretendia “elaborar uma doutrina autônoma”, destacando “do fascismo italiano o que ele encerra de universal. E para adaptar os princípios gerais assim deduzidos às condições particulares de outros países, cuja estrutura é diferente da que se apresenta na Itália, torna-se imprescindível fazer um trabalho de adaptação e mais que isso de criação, a fim de aplicar a teoria às realidades nacionais” (p. XIII). Simonsen seguia o argumento da adaptação às condições nacionais, mas não a doutrina como se discípulo do autor romeno fosse.

Em suma, Simonsen alimentava um entendimento que se considerava, no “trato de assuntos econômicos”, estritamente “pragmático” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 156SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b) no interesse nacional pela superação de suas heranças coloniais diagnosticadas. Encontrou na planificação e no Estado as alavancas desse processo, evocando o caráter estritamente técnico da planificação de uma economia capitalista restrita. E, inspirado na experiência do New Deal, sugeriu ser a planificação algo “não permanente”, isto é, “medidas corretivas, de caráter transitório” (p. 159-160). Por isso vale o reforço do sentido da planificação descrito por nosso autor, não sem isenção de alguma contradição:

O planejamento é um esforço constante para dirigir a energia humana, objetivando uma finalidade racionalmente predeterminada. É uma técnica, um processo, uma metodologia, e não um sistema de governo. Como tal, pode ser adotado em toda e qualquer forma de governo. Num regime democrático, tem que ser elaborado e executado pelo consentimento consciente das suas forças vivas, sob o controle direto dos órgãos representativos desse regime, da imprensa e da opinião pública. (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 154SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b)

Esses elementos são suficientes à observação segundo a qual a administração política, que se desenhava para a economia integral, encontrou na planificação seu meio privilegiado. Diante da identificada necessidade de industrialização, surgia como imperativo histórico a intervenção estatal como condição superadora dos resquícios coloniais. Essa intervenção, se constante ou temporária, mas certamente moderada pelas forças então existentes, encontrava na própria classe produtora a sua ancoragem. Em outros termos, seriam os próprios capitais privados que determinariam os limites sincrônicos e diacrônicos dessa planificação. Ao mesmo tempo, está em tela a obtenção de uma doutrina política de talhe corporativista para organização dos fatores produtivos (capital e trabalho). Assim, no desenho de uma administração política do conjunto, o planejamento como meio está acomodado à postura industrialista de anseios promotores do capitalismo nacional e, simultaneamente, à doutrina política corporativista, ainda que adaptada.

Conclusivamente aos aspectos da economia integral e sua planificação, Simonsen procurou meios para o estabelecimento “científico” dos salários, vinculando-os à produtividade dos operários conforme a linha taylor-fordismo, não sem a assimilação das aquisições da psicotécnica de então. No fundamento se encontrava a eficiência industrial como condição essencial, estabelecendo certa causalidade entre produtividade, renda, padrão de vida e evitação da conturbação social. Entretanto, demandava, como no exemplo alemão, outras iniciativas (crédito, protecionismo etc.) que colocariam a atuação do Estado como “inelutável”. A planificação econômica coroa esse conjunto e seria decisiva para o processo de industrialização brasileira, superadora de sua então condição semicolonial. Com tais elementos, configura-se uma administração política na propositura geral do autor em tela.

2 ADAPTAÇÃO DA TERCEIRA VIA À ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA DA INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA

Uma vez identificados os traços essenciais da administração política extraída de Simonsen, passaremos no presente tópico a considerar as características fundamentais da ideologia da terceira via, suas afinidades com a propositura de Simonsen e a análise explicativa desse ideário a partir das condições brasileiras.

2.1 IDEOLOGIA DA TERCEIRA VIA: GÊNESE E FUNÇÃO

Conforme antecipado na introdução deste trabalho, a pretensão é analisar a medida do alinhamento entre a propositura da administração política de Simonsen e a ideologia da terceira via – tomada mais amplamente –, ainda que esse alinhamento não assuma uma forma plenamente consciente. Para tanto, temos que considerar nesse momento os traços gerais dessa ideologia, apreendida como “reflexo ideal do desenvolvimento real” (LUKÁCS, 2020, p. 10LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.), e também seu terreno de “gênese” que nos habilita a compreender as “funções” originais que tal ideologia veio a cumprir.

Nossa fonte principal para essa questão é a análise de Lukács (2020)LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020. a respeito do “irracionalismo” como um fenômeno internacional em contexto de crises proeminentes entre os séculos XIX e XX. Tal análise considera principalmente o desenvolvimento da filosofia alemã e a preparação realizada por ela para a desembocadura na visão de mundo do nacionalsocialismo. Na consideração dessa filosofia, Lukács teve por fio condutor a teoria do conhecimento e os problemas envoltos na tentativa de solução, por meio de um improvável “terceiro caminho” entre as posições idealistas e materialistas. Nosso interesse não é remontar essa linha de desenvolvimento nesse campo, mas sublinhar que a realização prática dessa filosofia, à procura de saídas alternativas para as circunstâncias sociais de então, galgava terreno nas experiências fáticas anteriores ao Reich e assumiram distintas formas durante e depois.

Lukács analisou a questão à luz das inflexões societais do início do século XX e sublinhou o traço essencial da ideologia da terceira via:

À medida que a crise se prolonga, a concepção de um “terceiro caminho” progride cada vez mais no plano social: é uma ideologia segundo a qual nem o capitalismo nem o socialismo correspondem às verdadeiras aspirações da humanidade. Essa concepção parece aceitar tacitamente o fato de que o sistema capitalista é teoricamente indefensável tal como existe, [mas indiretamente] não deixa de ser uma apologia do capitalismo. (LUKÁCS, 1979, p. 44-45LUKÁCS, G. Existencialismo ou marxismo? Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1979.)

A ideologia em tela, portanto, faz apologia direta ou indireta, aberta ou velada, do modo de produção capitalista, ainda que possa assumir formas mais sutis, incluindo aquelas que reconhecem alguns dos seus aspectos problemáticos. O autor ainda sugeriu que a “finalidade verdadeira dessa tendência é impedir o descontentamento engendrado pela crise, de se voltar contra as bases da sociedade capitalista” (LUKÁCS, 1979, p. 44LUKÁCS, G. Existencialismo ou marxismo? Trad. José Carlos Bruni. São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1979.). Nascida da crise, tal ideologia teve a função última de evitar a contestação a respeito dos fundamentos do modo de produção e, portanto, está orientada para sua preservação.

Lukács desenvolveu a análise dessa ideologia, como dito, também na forma do “irracionalismo moderno” no terreno filosófico e como, por meio dele, foi preparado um contexto favorável à sua instrumentalidade no nacional-socialismo. Devemos seguir algumas de suas caracterizações para efeito de extração da ideologia que está sob análise.

Nessa direção, Lukács (2020, p. 9)LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020. sustentou que “não existe visão de mundo 'inocente'”. No território da filosofia em particular, “a tomada de posição a favor ou contra a razão é decisiva quanto à essência de uma filosofia enquanto filosofia, no seu papel junto ao desenvolvimento social” (p. 10), podendo atuar como força promotora ou redutora desse desenvolvimento. Apesar de encontrar seu “caso clássico” na Alemanha, onde esboçou traços específicos e grandes repercussões mundiais, o irracionalismo é um “fenômeno internacional”, tanto “na sua luta contra o conceito burguês de progresso, quanto também na luta contra o socialismo” (p. 20). Trata-se de uma tendência constatável, sustenta o autor, mesmo antes da primeira grande guerra, alcançando “formas altamente desenvolvidas em quase todos os países que ocupam as principais posições no período imperialista” (p. 21). Entretanto, em cada país ocorrem modos distintos de sua expressão, a depender sempre das condições históricas concretas. Existem, portanto, traços particulares de cada contexto, dado o “processo de desenvolvimento desigual do imperialismo” (p. 21); e também traços gerais em decorrência do fato de que em todos esses países centrais constituiu-se elementos comuns dessa mesma economia imperialista. Por isso, o registro de que “necessidades ideológicas semelhantes, determinadas como tais pela economia imperialista, produzem, em condições sociais concretas distintas, variantes bem diferentes e até mesmo, se observadas superficialmente, contraditórias entre si” (p. 21).

O registro de que a Alemanha foi o contexto do desenvolvimento clássico do irracionalismo e que, por isso mesmo, alcançou o seu máximo desenvolvimento na forma do fascismo nacional-socialista, dá-nos ensejo para tratar do processo de instauração do capitalismo industrial naquele país. Uma vez que “nenhuma análise científica é possível sem descobrir os fundamentos reais da situação histórico-social” (LUKÁCS, 2020, p. 21LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.), devemos apelar para síntese da chamada “via prussiana”:

Sinteticamente, a via prussiana do desenvolvimento capitalista aponta para uma modalidade particular desse processo, que se põe de forma retardada e retardatária, tendo por eixo a conciliação entre o novo emergente e o modo de existência social em fase de perecimento. Inexistindo, portanto, a ruptura superadora que de forma difundida abrange, interessa e modifica todas as demais categorias sociais subalternas. Implica um desenvolvimento mais lento das forças produtivas, expressamente tolhe e refreia a industrialização, que só paulatinamente vai extraindo do seio da conciliação as condições de sua existência e progressão. Nesta transformação “pelo alto” o universo político e social contrasta com os casos clássicos [como Inglaterra e França], negando-se de igual modo ao progresso, gestando, assim, formas híbridas de dominação, onde se “reúnem os pecados de todas as formas de estado”. (CHASIN, 1999, p. 571-572CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999., grifos no original)

Um processo tardio de desenvolvimento do capitalismo industrial reuniu as condições que, submetidas às adições agudas da crise do século XX, possibilitou o deslanche de uma economia imperialista em que germinou o fascismo como “atrocidade, a desumanidade de uma forma de capitalismo altamente desenvolvido”. Reconhece-se o fascismo, portanto, como um “produto da época imperialista” (CHASIN, 1999, p. 582CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999., grifos no original). Lukács sugeriu que o fascismo prático na Alemanha atendeu às demandas dos “círculos mais reacionários dos junkers e dos grandes capitalistas alemães”, uma vez que “retirou dos salões e levou para as ruas a ideologia reacionária mais extremista, modernizada sob medida para os novos tempos” (LUKÁCS, 2020, p. 627LUKÁCS, G. A destruição da razão. Trad. Bernard Herman Hess, Rainer Patriota e Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Instituto Lukács, 2020.). Por fim, vale o registro de que o fascismo necessita de doses de agitação, confusão, desespero e sedução, colocando a seu serviço “as correntes anti capitalistas [românticas] que surgem nesse ambiente, procurando evitar que as tensões e explosões decorrentes disso se voltem contra o capitalismo, ao qual antes fornece os instrumentos terroristas de dominação” (p. 562).

O processo de instauração do capitalismo no Brasil guarda certos aspectos semelhantes ao da “via prussiana”, que abarca também, com consideráveis pontos de identidade, o processo italiano. Considerando as semelhanças, vemos que:

[…] irrecusavelmente, tanto no Brasil, quanto na Alemanha, a grande propriedade rural é presença decisiva; de igual modo, o reformismo pelo “alto” caracterizou os processos de modernização de ambos, impondo-se, desde logo, uma solução conciliadora no plano político imediato, que exclui as rupturas superadoras, nas quais as classes subordinadas influiriam, fazendo valer seu peso específico, o que abriria a possibilidade de alterações mais harmônicas entre as distintas partes do social. Também nos dois casos o desenvolvimento das forças produtivas é mais lento, e a implantação e a progressão da indústria, isto é, do “verdadeiro capitalismo”, do modo de produção especificamente capitalista, é retardatária, tardia, sofrendo obstaculizações e refreiamentos decorrentes da resistência de forças contrárias e adversas. Em síntese, num e noutro casos, verifica-se, para usar novamente uma fórmula muito feliz, nesta sumaríssima indicação do problema, que o novo paga alto tributo ao velho. (CHASIN, 1999, p. 573CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999., grifos no original)

Não olvidemos que a “via prussiana” se acomoda como uma maneira particular de formação e desenvolvimento do capitalismo, cabendo destacar as diferenças que restam no que diz respeito ao caso brasileiro, sobretudo, seu caráter colonial. Com efeito, destaquemos que em contraste com a “grande propriedade rural proveniente da característica propriedade feudal posta no quadro europeu”, no Brasil prevaleceu um “latifúndio procedente de outra gênese histórica” posto “no universo da economia mercantil pela empresa colonial” (CHASIN, 1999, p. 574CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.). Por um lado, a industrialização alemã é “tardia”, ocorrendo nas últimas décadas do século XIX, expandido posteriormente com grande velocidade e habilitando o país de forma imperialista. Por outro lado, no Brasil, a industrialização “hipertardia” “principia a se realizar efetivamente muito mais tarde, já num momento avançado da época das guerras imperialistas, e sem nunca, com isto, romper sua condição de país subordinado aos polos hegemônicos da economia internacional” (p. 574). Por essas e outras diferenças, admite-se a “via colonial” como o processo pelo qual o capitalismo industrial teve arranque no Brasil.

As condições brasileiras, sendo diferentes do caso clássico alemão para o problema do irracionalismo e, consequentemente, como expressão particular da ideologia da terceira via, devem ser consideradas para a análise concreta de tal ideologia. A questão ganha complicadores uma vez que pretendemos avaliar a orientação dessa ideologia sobre a elaboração de uma administração política de Simonsen no contexto da via colonial. Para tanto, devemos primeiro considerar os elementos que aproximam Simonsen dessa ideologia para, em seguida, considerar mais apropriadamente as conexões objetivas com o contexto nacional para efeito de análise.

2.2 APROXIMAÇÕES ENTRE ADMINISTRAÇÃO POLÍTICA DE SIMONSEN E A TERCEIRA VIA

Existem diferentes elementos no pensamento de Simonsen que poderiam ser matéria de análise tendo em vista as finalidades do presente trabalho, como a teoria das elites, a religião, o nacionalismo e a teoria racial (SIMONSEN, 1973SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Entretanto, em razão da economicidade, pretendemos tratar de tema central que habilita a apreensão da ideologia da terceira via na administração política proposta por Simonsen. Considerando os elementos antes apresentados, temos em mente a simultânea recusa do liberalismo e do socialismo a partir da qual nosso autor também avaliou a experiência alemã de Weimar e o fascismo italiano.

Nessa direção, é possível observar que a adesão de Simonsen ao projeto de planificação da economia como impulso para a industrialização ajuda a revelar a sua posição geral. O aceite de uma atuação, até certo limite, mais incisiva do Estado sobre os problemas econômicos deriva de uma postura crítica tanto ao liberalismo econômico clássico quanto à alternativa revolucionária socialista. O autor estabeleceu um diálogo crítico com as experiências liberais e as suas “disfunções” e também se mostrou um adversário do comunismo, evidenciando seus perigos, como ficou demonstrado. Essa dupla recusa posiciona Simonsen no interior do gradiente da terceira via e exalta a administração política daí derivada.

Simonsen demarcou o seu antagonismo em relação ao liberalismo clássico ancorado em estudos históricos não somente a respeito do Brasil, mas também sobre os países nos quais o capitalismo mais se desenvolveu. O autor chamou a atenção para o fato de que o liberalismo clássico, depois da Primeira Guerra e das crises, seria então uma doutrina “hoje combatida até na própria pátria de seus criadores” (SIMONSEN, 1973, p. 321SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Por conseguinte, “as nações se viram compelidas a violar um dos cânones fundamentais do liberalismo econômico, pela intervenção do Estado no mercado de trabalho, de modo a estabelecer o equilíbrio das diferentes forças econômicas” (p. 347). Para o autor, o liberalismo clássico já não encontrava mais condições objetivas de ser colocado em prática e foi, assim, abandonado pelos países desenvolvidos, permanecendo meramente como uma doutrina.

Uma vez sem utilidade nos países desenvolvidos, poderia ser ainda mais deletério para países em estágio semicolonial, como o Brasil. Para ele, medidas como o livre-câmbio, resultariam na “predominância dos mais fortes e dos melhores organizados em matéria econômica, o que vale dizer, falando sem peias, que pode arrastar os indivíduos e os países até quase a servidão econômica” (SIMONSEN, 1935, p. 8SIMONSEN, R. C. Aspectos de política econômica nacional. São Paulo: Empresa Gráphica da Revista dos Tribunais, 1935.). Quer dizer, seguir o liberalismo clássico faria com que o Brasil acentuasse sua condição atrófica, afastando-se cada vez mais da combinação entre industrialização e alto padrão de vida. Também alertava o autor brasileiro que “estamos assistindo às marchas e contramarchas com que os países mais adiantados procuram concertar erros tremendos que praticaram por um excesso de dinamismo civilizador” (SIMONSEN, 1934, p. 134SIMONSEN, R. C. Discurso na Assembleia Constituinte de 1934. In: Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. 7 de 30 de Janeiro de 1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934). E este temor tinha uma razão clara, qual seja, “os aspectos da crise em que se debatem as nações mais adiantadas, vieram, porém, provar que um excessivo individualismo concorre para a criação da luta de classes” (p. 91). De tal modo, o processo histórico dos países mais desenvolvidos poderia servir de lição para que o Brasil não incorresse nos mesmos erros e padecesse dos mesmos problemas, especialmente o recrudescimento do conflito classista.

Se, por um lado, o liberalismo econômico não era a alternativa adequada para o Brasil, tampouco poderia ser a alternativa revolucionária de qualquer tipo, sobretudo a produzida na Rússia. Existe no autor uma posição totalmente antagônica à possibilidade de revolução socialista, ao ideário marxista e aos movimentos sociais. Como parlamentar, Simonsen felicitou o Congresso Nacional pela cassação do registro do Partido Comunista e suas consideradas “nocivas atividades” (SIMONSEN 1973, p. 455SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Conectava o surgimento do comunismo ao próprio exaurimento do liberalismo que, sob a ortodoxia, teria semeado as lutas de classes. Nessa direção, o autor manifestou a preocupação com as medidas de justiça social como um meio de arrefecimento das contradições.

Não é por acaso que o autor sustentava, no plano da organização da produção, que a “racionalização tem profundos efeitos sociais e age claramente contra ideias fundamentais do marxismo” (SIMONSEN, 1931, p. 35SIMONSEN, R. C. As finanças e a indústria. São Paulo: Editora São Paulo, 1931.). Nesse tema, Simonsen seguia de perto Roy (1929)ROY, C La formule allemande de production rationnelle dans l'industrie: rationalisation contre marxisme. Paris: Librairie Félix Alcan, 1929. e seu elogio à “racionalização” obtida na Alemanha na década de 1920 e destinada ao combate de ideologias adversárias, sobretudo o marxismo, como declarava o subtítulo de seu livro Rationalisation Contre Marxisme. Nessa toada, a potência para o combate ao marxismo decorria sobretudo do predomínio da aplicação da técnica na organização social. Com a “racionalização” passaria a ser possível a reversão dos efeitos problemáticos do capitalismo produzidos pelo liberalismo, de modo que os indivíduos seriam “forçados a conquistar pelo trabalho e pelo esforço, sem situações privilegiadas, a posição de relativa normalidade que todos reclamam para viver, dentro de um equilíbrio harmônico entre as grandes forças produtivas” (SIMONSEN, 1931, p. 36SIMONSEN, R. C. As finanças e a indústria. São Paulo: Editora São Paulo, 1931.). A “racionalização alemã” surge então como elemento mediador que eliminaria parcialmente os extremos, especialmente a possibilidade de uma via revolucionária, e garantiria o equilíbrio social.

A recusa de Simonsen tanto ao liberalismo quanto ao comunismo é um aspecto central na sua posição como ideólogo industrialista e propositor de uma administração política particular, pois essa recusa se ancora nos exaltados resultados socioeconômicos corporificados parcialmente no exemplo alemão dos anos de 1920, inspirando a proposta do autor para o caso brasileiro. Essa proposta, não conscientemente forjada como variante da terceira via, é apresentada como capaz de resolver os problemas inerentes às duas outras alternativas: os fracassos históricos do liberalismo e sua inaptidão para o contexto semicolonial, ou o autoritarismo exacerbado socialista que lhe aparentava ser reacionário.

A inspiração alemã não foi, como já antecipado, acolhida acriticamente pelo autor em tela. A necessidade de considerar a particularidade nacional está no seu discurso na Assembleia Constituinte de 1934. Nela, Simonsen insistiu na necessidade de não se mimetizar inteiramente o exemplo de Weimar, considerado, assim como os conservadores protofascistas alemães dos anos de 1920 (HERF, 1984HERF, J. Reactionary modernism: technology, culture, and politics in Weimar and the Third Reich. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.), muito socialista e que, a despeito de suas aquisições, “a prática veio demonstrar que a superestrutura imaginada e criada não se ajustou à realidade social alemã” (SIMONSEN, 1934, p. 89SIMONSEN, R. C. Discurso na Assembleia Constituinte de 1934. In: Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. 7 de 30 de Janeiro de 1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934). No discurso, o mote principal é a influência exagerada da Constituição de Weimar no anteprojeto de Constituição para o Brasil, contrariando as circunstâncias nacionais, uma vez que “nosso ciclo [do Brasil] é o da promoção da criação de riquezas; o dessas outras nações é o da correção e o do equilíbrio da distribuição” (p. 91). Para o autor, no que diz respeito à ordem econômica e social, havia no Brasil de então uma tentativa de colocar a iniciativa individual como subalterna à centralidade do Estado. Como alternativa, o autor propôs – com dose de voluntarismo, podemos dizer – que ambas estivessem igualmente posicionadas, transpostas na equiparação dos direitos sociais e individuais. É nesse contexto que Simonsen esclareceu que, embora fosse defensor da participação do Estado na economia, esta participação devia ser mais comedida se comparada ao caso alemão e ao caso de outros países de economia imperialista consolidada.

O autor também reclamou as diferenciações com a experiência do corporativismo integral italiano, precisamente na questão das leis trabalhistas (SIMONSEN, 1943SIMONSEN, R. C. Ensaios econômicos, sociais e políticos. São Paulo: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 1943.). Segundo ele, diferentemente do Estado Integral Italiano, o Estado Novo brasileiro permitia a atuação, na administração política, de elementos externos ao Estado, especialmente das classes produtoras, evitando que houvesse no Brasil uma repetição do caso italiano.

Esses elementos fornecem os parâmetros necessários para o entendimento da função da responsabilização social da indústria e dos direitos sociais aludidos anteriormente, ao passo que aprofundam as evidências a respeito do posicionamento da administração política de Simonsen como variante da terceira via. Isso é possível na medida em que a atuação social das empresas e a adequação dos direitos sociais são peças que expressam a crítica ao liberalismo somada à recusa ao socialismo.

Por um lado, Simonsen entendia que a questão social não se tratava de um problema de fácil solução, demandando mais que “boa vontade e diligência por parte dos que respondem pela preservação do nosso patrimônio social e histórico” (SIMONSEN, 1973, p. 443SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Considerando esse papel de vanguarda a ser encarnado pelo empresariado, o autor foi um dos propositores e fundadores do Serviço Social da Indústria (SESI), instituição voltada para a assistência social aos trabalhadores. Além disso, havia outras questões igualmente importantes, como a admissão dos direitos sociais por mediação estatal. Nesse aspecto, Simonsen julgava simultaneamente a necessidade da existência de políticas sociais, sobretudo no ramo trabalhista, como expressão da inserção do Brasil no mesmo estágio dos países civilizados, tratando-se de modo útil à contenção dos conflitos sociais; e o potencial exagero dos legisladores em incorporar novidades jurídicas que não correspondiam às condições nacionais. Em 1939, por exemplo, considerou a existência de uma “desarmonia entre esses excessos de normas do novo direito social e a deficiência de medidas estimuladoras da produção” (SIMONSEN, 1973, p. 46SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Essa avaliação, importante à sistematização do direito social pela pena de Cesarino Junior nos primeiros anos de 1940, não contradiz o juízo de Simonsen, pronunciado em discurso naqueles anos, segundo o qual a “elaboração da nossa legislação social” foi acompanhada de perto pelas “classes patronais de São Paulo”, procurando “incessantemente, fazer crítica construtiva, visando sempre conciliá-la com nossa realidade, acentuando que a distribuição não pode anteceder a criação” da riqueza. Tal “crítica construtiva” visava igualmente esclarecer as “falsas apreciações sobre homens e coisas, orientando patrões mais atrasados sobre a necessidade de harmonizar os seus ideais de lucro com as aspirações sociais mais elevadas, realçando a unidade dos fatores [capital e trabalho] que integram a produção, e concorrendo, enfim, para que se fortaleça a consciência do necessário entendimento entre os vários elementos, que contribuem para o equilíbrio da vida nacional” (SIMONSEN, 1973, p. 434SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.).

No conjunto desses sumários apontamentos essenciais, resta evidente a operação intelectual de Simonsen no esboço de uma administração política como variante da terceira via. Mesmo os casos exemplares evocados pelo autor são submetidos a um escrutínio orientado por uma espécie de senso prático na busca por um modelo de administração da acumulação e de suas contradições correspondentes às circunstâncias nacionais de atraso. Esse aspecto da acomodação à particularidade brasileira é uma chave importante para a análise explicativa, a seguir, da administração política de Simonsen a partir das condições de uma via colonial de instauração do capitalismo industrial.

2.3 SIMONSEN E TERCEIRA VIA NA PARTICULARIDADE NACIONAL

Uma vez compreendida a posição geral da administração política de Simonsen e os elementos que se assemelham à ideologia da terceira via, podemos analisar os aspectos de particularidade envolvidos e inicialmente aludidas pelo escrutínio orientado por senso prático. E isso porque a consideração da diferença promove a justa explicação em lugar da direta identidade entre o pensamento de Simonsen e as clássicas expressões da terceira via consideradas, como o corporativismo e sua acomodação ao fascismo.

Como vimos, a ideologia da terceira via teve território de origem nos países centrais como resposta às circunstâncias postas: a eclosão da primeira grande guerra, a demonstração dos limites do liberalismo e a criação do Estado socialista. A crise de 1929 aprofundou consideravelmente o diagnóstico. Diante dos problemas econômicos e sociais associados em grande medida à expansão do próprio capitalismo entre os séculos XIX e XX, a ideologia da terceira via atuou na direção de promover alternativas ao liberalismo e ao socialismo, evitando a crítica aguda aos fundamentos do capitalismo. Assim, a terceira via é uma resposta, de tonalidade variada, fundamentalmente aos problemas de acumulação capitalista e ao temor do comunismo tomado como consequência.

Tanto Alemanha quanto Itália, países nos quais a terceira via assumiu os contornos, como vimos, inspiradores para a administração política de Simonsen, testemunharam seu processo de industrialização nas últimas décadas do século XIX. Mais tardiamente do que Inglaterra, França e Estados Unidos, vimos também que aqueles dois países experimentaram os efeitos aprofundados de seus processos de estabelecimento do capitalismo industrial no século XX. Por duas vezes estiveram envolvidos na discussão belicosa para redistribuição de recursos globais. Sem colônias, com limitações de acesso à matéria-prima e aos mercados consumidores, além de colherem os frutos conflitivos que o processo de acumulação produziu, a terceira via ali germinada correspondia a uma ideologia de guerra expansiva em termos econômicos e regressiva em termos políticos e ideológicos (CHASIN, 1999CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.).

Apesar das semelhanças, o processo desdobrado no caso brasileiro correspondeu ao passado colonial, cujas heranças de atraso se arrastaram até os anos de 1930 e 1940: época de atuação prática e intelectual de Simonsen. Quando o Brasil estava iniciando seu processo efetivo de industrialização, o argumento por meio das armas já se encontrava em sua segunda edição. Simonsen era muito consciente do caráter semicolonial brasileiro de então, de ruralismo acentuado, e avaliava as questões nacionais da posição da classe dos industrialistas e do projeto de instauração definitiva do capitalismo industrial.

As circunstâncias brasileiras, portanto, eram outras quando a ideologia da terceira via foi importada de além-mar – o que é algo distinto de simples cópia. Podemos, assim, adicionar camadas particulares aos condicionantes gerais. Aos efeitos da primeira grande guerra, da falência do liberalismo, da criação do Estado socialista, da crise econômica de 1929, acrescentam-se o contexto semicolonial de um capitalismo industrial incipiente, cujas consequências políticas, entretanto, já eram amplamente conhecidas a partir das experiências dos países de economia imperialista.

Apenas para efeito de especificação, é possível proceder um rápido comparativo. Nessas condições brasileiras indicadas, o integralismo da pena de Plínio Salgado – como uma espécie de terceira via reacionária nas condições brasileiras – alimentou um temor ao comunismo e expressou uma “crítica regressiva do liberalismo” (CHASIN, 1999, p. 503CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.). Diante das mazelas do capitalismo e dos agudos perigos do comunismo, promoveu uma resposta duplamente regressiva naquelas condições semicoloniais, adotando uma “postura ruralista, tecida sobre as mal traçadas linhas de uma crítica romântica ao capitalismo” (p. 565). Essa resposta procurava frear o processo de acumulação, estancando a instauração do capitalismo industrial. A seta apontava para um retorno às condições da pequena propriedade rural e com uma modelagem política corporativista de um Estado forte de autoridade não absoluta, de “um estado pequenoburguês a dirigir soberanamente um capitalismo pequeno-burguês de base rural” (p. 561, grifos no original). Mantinha uma ideologia mística de ondulações proféticas, em que os apetrechos espiritualistas davam a cobertura geral do caminho em busca do “homem integral”. Em suma, o integralismo, no caso, significava uma regressividade em termos econômicos e políticoideológicos nas condições de um capitalismo incipiente e de formação hipertardia. Vale a comparação mais longa com o fascismo para destacar a diferença, a começar pelo reconhecimento de que enquanto o fascismo é, essencialmente, “uma combinação de expansão econômica com regressão social, política e ideológica, o integralismo pliniano articula visceralmente duas regressividades: a deste último plano, e a regressividade econômica” (p. 589). Nessa toada:

[…] o fascismo é uma ideologia de mobilização nacional para a guerra imperialista, que se põe nas formações de capitalismo tardio [como Alemanha e Itália], quando estas emergem na condição de elos débeis da cadeia imperialista, e o integralismo uma manifestação de regressividade nas formações de capitalismo hiper-tardio, uma proposta de freiagem do desenvolvimento das forças produtivas, com um apelo ruralista, no preciso momento em que estas principiam a objetivar o “capitalismo verdadeiro” [industrial];. […] o fascismo é um fenômeno de expansão da fase superior do capitalismo, […] o integralismo se põe como fenômeno do capitalismo imaturo ou nascente, a traduzir uma proposta de regressão, em país de extração colonial que emerge como formação hiper-tardia do “capitalismo verdadeiro”. (CHASIN, 1999, p. 591CHASIN, J. O integralismo de Plínio Salgado. 2ª ed. Belo Horizonte: UNA Editoria. São Paulo: Estudos e Edições Ad Hominem, 1999.)

As condições que deram gênese ao fascismo e ao integralismo são diferentes. Enquanto o primeiro é parcialmente regressivo, o segundo o é duplamente, tanto na questão econômica quanto ideopolítica. Ambos, envolviam doses extras de irracionalismo nessa regressividade. Mais importante é destacar que as condições brasileiras possibilitaram uma resposta moldada no ruralismo em diferença ao industrialismo imperialista expansivo do fascismo europeu.

Diante das mesmas circunstâncias brasileiras daquelas do integralismo, a administração política de Simonsen assumiu conotações diferentes. O objetivo não poderia ser o de realizar extensa comparação, bastando curtas indicações aos propósitos gerais do artigo. Nesse sentido, mesmo que contenha semelhanças, como no exemplo da propositura de um corporativismo, são as diferenças caracterizadoras as mais significativas. Nessa diferenciação, Simonsen se aproxima mais dos contornos gerais do fascismo do que do integralismo, embora também seja diferente daquele, sobretudo no grau de irracionalismo contido na dimensão política e ideológica.

Assim, tendo a camada internacional posta na figura da primeira guerra; do fracasso do liberalismo; da ascensão do Estado socialista e da crise econômica; e a adição da camada particular brasileira, dado o caráter semicolonial tão bem identificado pelo próprio Simonsen, a resposta apresentada por nosso autor contém diferenças marcantes. Considerada a administração política integralmente, temos uma matriz industrial que demanda a aceleração da acumulação capitalista sem, contudo, admitir um expansionismo territorial em busca de matéria-prima e mercados consumidores, diferenciando-se da economia imperialista de talhe fascista. A planificação espelhava as preocupações com a resolução dos dilemas internos, tendo o protecionismo como condição. É a proposição de um capitalismo industrial nas condições incipientes identificadas. Sob esse aspecto, sua resposta não foi regressiva pois sua seta apontava para frente, em diferença ao integralismo. A industrialização para Plinio era índice do problema; para Simonsen, era parte da solução. É possível considerar que aquela seta para frente, impulsionada por uma posição de enaltecimento da razão científica, pelo menos aquela que se espelha nas ciências naturais e faz exigências de verificação (MAZA, 2004MAZA, F. O idealismo prático de Roberto Simonsen: ciência, tecnologia e indústria na construção da nação. São Paulo: Instituto Roberto Simonsen, 2004.), representa um conservadorismo na medida em que alimenta a visão de uma sociedade idealizada em termos essencialmente capitalistas, em que o progresso técnico é considerado dentro dos parâmetros do modo de produção capitalista e do horizonte de um ideólogo industrialista. Em termos ideopolíticos, existem maiores sutilezas.

Concentrando-se aqui apenas nos elementos que reverberam as alternativas entre liberalismo e socialismo, seu corporativismo, como vimos, é comedido e orientado por se encontrar o termo adequado às condições nacionais, seguindo o argumento geral de Manoilesco (1938)MANOILESCO, M. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Azevedo Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938., cuja retenção do “essencial” do corporativismo dava avenida precisamente para a defesa do sistema do capital. Com diferenças, portanto, ao corporativismo integral italiano, a administração política de Simonsen procurava uma fórmula política moderada. Embora mantivesse a ideia geral de uma organização a partir dos ofícios, Simonsen procurava garantir maior autonomia para as federações patronais e participação dessas organizações empresariais nas definições econômicas, políticas e jurídicas.

Os elementos de regressividade estão contidos nesses aspectos corporativistas. A organização a partir dos ofícios e sob direção de uma elite, não obstante o conteúdo técnico, assemelha-se à fórmula do passado, ainda que adaptada às novas condições. O corporativismo de Simonsen, entretanto, é parcialmente decantado do espiritualismo irracionalista comum às expressões europeias e ao integralismo. Mesmo seu nacionalismo não atinge um estágio “espiritualizado”, pelo menos não inteiramente. Coexistem, por exemplo, um diagnóstico de uma “civilização sem alma” (SIMONSEN, 1933, p. 9SIMONSEN, R. C. Rumo à verdade. São Paulo: Editora São Paulo, 1933.), o apelo à “alma brasileira” (SIMONSEN, 1945, p. 20SIMONSEN, R C A indústria e seus problemas econômicos e sociais Discursos pronunciados por ocasião da solenidade de instalação da 5ª Feira Nacional da Indústria. São Paulo: FIESP, 1945.) e a busca de identificação entre os interesses industrialistas e os nacionais (SIMONSEN, 1973SIMONSEN, R C Evolução industrial do Brasil e outros estudos Seleção de notas e bibliografia de Edgard Carone. São Paulo: Editora Nacional e Editora da USP, 1973.). Nessa última direção, nosso autor assumia a necessária conciliação entre capital e trabalho, mas também entre os setores evocados do capital nas figuras da agricultura, da indústria e do comércio (SIMONSEN, 1944SIMONSEN, R. C. Elos da indústria. São Paulo: Fiesp, 1944.). Além disso, sua crítica de talhe corporativista ao liberalismo alimentava garantias ao próprio regime liberal, não se confirmando como uma crítica dos aspectos essenciais do capitalismo, enquanto negociava a cessão de maior sala à intervenção estatal, desde que esta garantisse o protecionismo.

Esse corporativismo decantado se subordinava ao projeto de industrialização e era medido pela régua do senso prático do ideólogo, representante maior da classe dos industrialistas. Assim como o grau de intervenção estatal, tratava-se, dessa sua posição social, de encontrar a medida adequada ao propósito da industrialização, com a finalidade de soltar os freios da acumulação, antevendo, porém, as decorrências em termos de conflito, “desequilíbrio” e “desarmonia”, no revelador léxico geralmente empregado pelo autor. Como um homem prático forjado inicialmente nos limites da gestão de empresas, exercitava o senso prático adquirido para todos os assuntos, senso este dosado por “relativismo” e certa visão naturalista da sociedade. Exercitou tal senso prático na delimitação dos próprios termos dos contornos de uma administração política em busca da industrialização e harmonização social. Para o senso prático desse tipo, tudo é uma questão de medida, avaliando-se as circunstâncias à luz dos resultados pretendidos a partir do horizonte burguês.

É preciso ainda colocar em evidência a adaptação não totalmente consciente da ideologia da terceira via. Tendo surgido em condições nas quais já se experimentava em larga medida os efeitos do capitalismo industrial, aquela ideologia não poderia corresponder às condições semicoloniais, em que as questões econômicas e sociais não tinham atingido o patamar das economias centrais. Simonsen reiteradamente grifava que enquanto em países desenvolvidos o núcleo das preocupações tinha a distribuição da riqueza por conteúdo, nos países semicoloniais, como o Brasil, seu conteúdo era o da criação da riqueza.

A ideologia “nem liberalismo, nem socialismo” serviu ao projeto de classe em encetar rapidez na acumulação e de antecipar as contradições decorrentes, sejam expressas nas crises ou no conflito classista. A planificação encarna precisamente esse aspecto, como meio de administração política da dinâmica econômica e das contradições que dela decorrem. Além disso, “não se trata de escolher entre a presença ou a ausência do intervencionismo, mas, sim, entre o bom e o mau intervencionismo” (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 134SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b), em que a medida da planificação sugerida visava “obter a estabilidade econômica, ou seja, a evolução econômica, com um mínimo de sobressaltos e perturbações” (p. 135), tratando de fomentar um “processo que aspire evitar, tanto quanto possível, a eclosão de atritos e de crises de toda ordem” (p. 155). Com o exercício de um senso prático, tratava-se então de encontrar um modo de administração política que estivesse além das limitações do liberalismo econômico e, simultaneamente, aquém de qualquer chance de coletivização dos meios de produção. Em suma, o desenho procurava expressar uma modalidade de acomodação das contradições sociais e políticas na preservação dos próprios princípios fundamentais do capitalismo. Essa posição não era incomum aos assim chamados intelectuais autoritários, como Oliveira Vianna e Francisco Campos, cujas críticas às “instituições liberais” eram direcionadas “não para negar a ordem capitalista, mas, ao contrário, em nome da necessidade de propiciar sua expansão” (DINIZ, 1978, p. 91-92DINIZ, E Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930/1945 Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.). Retomando Simonsen, podemos ler, em termos bastante expressivos, que:

O planejamento econômico é uma técnica e não uma forma de governo. Não exclui os empreendimentos particulares. Pelo contrário. Cria um ambiente de segurança de tal ordem que facilita o melhor e mais eficiente aproveitamento da iniciativa privada, que está intimamente ligada ao conceito da propriedade. Nos países em que existe o sufrágio universal e onde a maioria dos votantes não é proprietária, a propriedade privada só se manterá em sua plenitude enquanto essa maioria estiver convencida de que o exercício desse direito representa o verdadeiro interesse da sociedade em conjunto. O planejamento econômico, sendo uma grande arma contra a instabilidade econômica, concorre para assegurar a sobrevivência das instituições políticas, das médias e pequenas empresas, propicia maiores facilidades para o controle e combate aos trustes e proporciona a melhor utilização da propriedade privada em benefício da coletividade. (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 134SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b)

O planejamento seria método, tomadas as condições da via colonial, de se obter equilíbrio, harmonização e paz social pari passu uma expansão da acumulação capitalista em bases industrialistas. Trata-se de administrar os problemas decorrentes do modo de produção capitalista sem abandoná-lo, algo comum às tendências de renovação do liberalismo no quadro da terceira via (PAÇO CUNHA, 2022PAÇO CUNHA, E. Keynes, Hayek e Friedman: pensamento econômico como ideologia na combinação histórica dos métodos de administração política do capital a partir da renovação do (neo)liberalismo. XLVI Encontro da ANPAD — EnANPAD, 2022.).

Encaminhando para termos mais conclusivos, a administração política de Simonsen foi orientada pela ideologia da terceira via apenas na medida em que, uma vez adaptada às condições nacionais, serviria ao projeto industrialista, tomada da posição de um ideólogo do capital industrial. Mas no caso brasileiro, em condições semicoloniais, “nem liberalismo, nem socialismo” tem sentido, apenas como antecipação de circunstâncias ainda não inteiramente existentes. Trata-se, portanto, mais de uma projeção para as condições nacionais do que de extração a partir de sua realidade efetivamente posta, tornando Simonsen um contemporâneo intelectual de além-mar, porém, em condições atróficas de um capitalismo industrial ainda em vias de vir a ser (PAÇO CUNHA; GUEDES, 2017PAÇO CUNHA, E; GUEDES, L. T. “Teoria das relações humanas” como ideologia na particularidade brasileira (1929-1963). Farol - Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, [S.l.], v. 3, n. 8, p. 957-1018, mar. 2017.).

Se a ideologia em tela serviu, em seu território próprio, como resposta às consequências do capitalismo e no evitamento da alternativa revolucionária, pela pena de Simonsen assumiu a finalidade de articular maior margem de atuação estatal e protecionismo no interesse do capital industrial. Ao fundo prevalece uma questão pragmática decorrente da posição social de Simonsen: tendo por finalidade a industrialização e o evitamento dos conflitos que ameaçam a preservação do capitalismo, qual seria a medida das alavancas estatais na dimensão econômica, política e jurídica? Parafraseando Simonsen (1934)SIMONSEN, R. C. Discurso na Assembleia Constituinte de 1934. In: Anais da Assembleia Nacional Constituinte, v. 7 de 30 de Janeiro de 1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934 a respeito do exagero em Weimar, a questão era estabelecer a “superestrutura” adequada ao programa industrialista brasileiro. Essas questões ficam subentendidas, abaixo da superfície da ideologia da terceira via, pois, como escreveu Simonsen em resposta a Gudin na polêmica sobre o planejamento:

A intervenção do Estado se impõe sempre onde se mostrar falha ou incapaz a iniciativa privada. Não é verdade que essa intervenção seja incompatível com um sistema econômico baseado essencialmente nessa iniciativa privada. Não obstante a opinião de Stalin, citada e abraçada pelo relator [Gudin, no caso], não se torna necessário, como ficou exaustivamente demonstrado, escolher entre o capitalismo e o socialismo. (SIMONSEN, 2010b [1945], p. 170SIMONSEN, R. C. O planejamento da economia brasileira. In: SIMONSEN, R. C; GUDIN, E A controvérsia do planejamento na economia brasileira Brasília: IPEA, 2010b)

Em síntese, estamos diante de um fenômeno que decorre fundamentalmente do atraso brasileiro e da aspiração industrialista disposta a fazer concessões políticas a um Estado mais centralizado, até certo limite, desde que pudesse garantir sua intervenção para defesa da industrialização nacional.

É possível denominar como terceira via uma vez que, para o caso brasileiro, estava em questão a instauração do capitalismo industrial e não as suas consequências? Parece-nos que tal ideologia, assim como os termos políticos do corporativismo e outras influências mais que viemos colecionando, são assimilados, decantados e modificados pelo senso prático de Simonsen à luz de sua posição de classe de postura industrialista naquelas condições semicoloniais, resultando em um desenho “progressivo” em termos econômicos e com elementos de “regressividade” em termos políticos e ideológicos em doses singulares, ainda que abrandados pelo pragmatismo do ideólogo-prático. A administração política de Simonsen, portanto, pode ser apreendida como variante da terceira via nas condições de uma via colonial ao capitalismo industrial e explicada precisamente como fenômeno dessa particularidade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a questão chave do presente trabalho, podemos dizer que Simonsen foi um ideólogo da terceira via em condições semi coloniais, especialmente pela recusa sumária das alternativas então existentes (o liberalismo ou a revolução).

Em seu território próprio de origem nas economias imperialistas, tal ideologia serviu ao esforço de deslocar as críticas aos aspectos fundamentais da produção capitalista em seu estágio já bastante avançado. Assim, não poderia ter germinado nas condições semicoloniais brasileiras e nem ter correspondido integralmente às condições hipertardias daqueles anos. Por isso, tal ideologia foi, por intermédio de um senso prático de Simonsen, modificada, moderada e adaptada às condições nacionais, e teria como finalidade servir ao projeto industrialista, tomada da posição de um ideólogo da classe dos capitalistas industriais. Ao invés de ser uma resposta às consequências do capitalismo industrial, decorreu precisamente do retardo brasileiro, tendo em vista a defesa da industrialização moldada nos parâmetros burgueses e antecipação das decorrências já conhecidas. O Estado era a variável inelutável para a execução desse projeto e para a acomodação dos conflitos inerentes, sendo chamado a assumir maior intervencionismo, dentro de certos limites estabelecidos pelo capital, incluindo o protecionismo como condição de uma pactuação pelo “alto”.

Se é possível sublinhar o aspecto “progressivo” da economia, ainda que o horizonte seja conservador, identificamos elementos de “regressividade” no plano ideopolítico. Destacamos essencialmente os traços do corporativismo elitista como vestígio do irracionalismo, uma vez que remonta a antiga forma de organização social baseada nos ofícios. Assim, uma ideologia da terceira via manifestada na administração política, de progresso (conservador) nos parâmetros da economia capitalista e de regressividade ideopolítica, em um território no qual precisamente o capitalismo industrial não estava instaurado, é, ao lado do ruralismo pliniano, um fenômeno também característico da “via colonial”. Não sendo correspondente ao solo de extração ruralista-colonial, a ideologia em si é inadequada na exata medida de sua finalidade de estabelecer o direcionamento desse avanço capitalista por mediação do Estado. Trata-se, portanto, de uma variante daquela ideologia em condições atróficas.

Essa caracterização mais complexa mostra as dificuldades classificatórias envolvidas e como a consideração da ideologia da terceira via ilumina certas questões. As semelhanças existentes entre, de um lado, a administração política de Simonsen e, de outro, a “modernização conservadora”, o “pensamento conservador”, o corporativismo e mesmo o “desenvolvimentismo”, decorrem do fato de se tratar de variantes daquela ideologia. Mas não devem ser igualizadas, como se as próprias condições histórico-objetivas fossem homogêneas ou não houvesse distinções importantes no plano ideológico mesmo. O ideário de Simonsen guarda, portanto, aspectos particulares explicáveis pelas condições semi coloniais, mas também pelo senso prático ancorado em sua posição de classe, das suas aspirações como grande ideólogo-prático de sua classe. E isso salta aos olhos se considerarmos, lado a lado, o integralismo pliniano e a propositura de Simonsen. Ambos, diante das mesmas circunstâncias, distinguiram-se em suas específicas posições de classe e, consequentemente, divergiram com respeito à modalidade de resposta para os dilemas historicamente postos. Apesar das diferenças, guardavam semelhanças quanto à presença de elementos de regressividade, diferenciando-se quanto ao tipo, extensão e grau.

Tais achados fundamentais colaboram, assim, para o avanço nos estudos em história do pensamento administrativo no Brasil, sobretudo no que tange à propositura de uma modalidade de administração política decorrente do atraso brasileiro, como expressão desse atraso. Diante do fato de que Simonsen procurou estabelecer os contornos de uma administração política emanada de sua posição de classe e das experiências de países economicamente mais avançados com vistas à finalidade industrialista, não encontram lugar seguro aquelas teses que tratam de um ideário “racionalizador” sobre o Estado, a partir da empresa ou do abandono das questões correlatas à organização da produção, para se concentrar nos problemas econômicos mais amplos. Sua propositura de administração política do capital e das contradições correlatas, ainda que geral e incompleta, tinha necessariamente caráter integral de inspiração alemã, levando em conta as reciprocidades entre Estado e capital. De modo que o exercício de história do pensamento administrativo contribuiu para revelar não apenas tal caráter integral, mas também a profunda influência do pensamento alemão sobre um dos principais intelectuais e praticantes da administração no Brasil.

Por último, muitos elementos foram deixados de lado para a presente exposição e merecem ser retomados, principalmente aqueles tangentes ao aspecto ideológico à propositura de Simonsen, como a crítica à civilização sem alma, o nacionalismo, a teoria racial e a teoria das elites, em maiores detalhes. Tais elementos reforçariam os aspectos regressivos identificados, cabendo pesquisas adicionais nessa direção.

  • ERRATA:

    Na página 697, onde se lia:
    3 Universidade Federal de Juiz de Fora - Departamento de Ciências Administrativas e Programa de Pós-Graduação em Administração; Juiz de Fora – MG (Brasil); https://orcid.org/0000-0002-1978-0110; paco.cunha@facc.ufjf.br.
    4 Universidade Federal de Juiz de Fora - Programa de Pós-Graduação em Administração; Juiz de Fora – MG (Brasil); https://orcid.org/0000-0001-6529-2188; ltheodoroguedes@yahoo.com.
    Leia-se:
    3 Universidade Federal de Juiz de Fora - Departamento de Ciências Administrativas e Programa de Pós-Graduação em Administração; Juiz de Fora – MG (Brasil); Universidade Federal de Minas Gerais - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional - CEDEPLAR; Belo Horizonte - MG (Brasil); https://orcid.org/0000-0002-1978-0110; paco.cunha@ufjf.br.
    4 Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro; Três Rios – RJ (Brasil); Universidade Federal de Viçosa - Programa de Pós-Graduação em Administração - Viçosa – MG (Brasil); https://orcid.org/0000-0001-6529-2188; ltheodoroguedes@yahoo.com.
  • 2
    Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de doutorado concedida a um dos autores deste artigo. Agradecemos a Rômulo Cristaldo pela leitura e pelos comentários feitos à primeira versão do texto. Agradecemos também ao Serviço de Atendimento ao Usuário e Apoio às Bibliotecas, da Divisão de Biblioteca da Escola Politécnica (EPUSP); e ao Serviço de Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros da USP pela digitalização de materiais de Simonsen que ajudaram a viabilizar o presente artigo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2021
  • Aceito
    23 Jun 2022
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