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ALOCAÇÃO DAS EMENDAS PARLAMENTARES INDIVIDUAIS: CORREÇÃO DE ASSIMETRIA EM SAÚDE OU GANHO POLÍTICO?

ALLOCATION OF INDIVIDUAL PARLIAMENTARY AMENDMENTS: CORRECTION OF ASYMMETRY IN HEALTH OR POLITICAL GAIN?

ASIGNACIÓN DE ENMIENDAS PARLAMENTARIAS INDIVIDUALES: CORRECCIÓN DE ASIMETRÍA EN SALUD O GANANCIA POLÍTICA?

RESUMO

Dentre as emendas parlamentares têm-se as individuais - EPIs, que se apresentam como oportunidade de o parlamentar beneficiar regiões com maiores necessidades, sobretudo em saúde, assim como privilegiar seu reduto eleitoral, a fim de garantir a sobrevivência política. Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo identificar quais indicadores, necessidade de saúde ou ganho político, favorecem a indicação das EPIs destinadas à saúde. Para tanto, foi realizada a regressão linear múltipla, com dados em painel para os municípios brasileiros que angariaram recursos via EPIs, no período 2012 - 2018. Como principal resultado foi identificado que a alocação das EPIs é impulsionada pela combinação de fatores técnicos, que consideram a necessidade de saúde e fatores políticos. Como propõe a Teoria da Escolha Pública, parlamentares e eleitores buscam maximizar seus interesses, estes, visando políticas locais e; aqueles, o poder, sendo as redes políticas muito importantes nesse processo. Entretanto, a fim de melhorar as condições do sistema público de saúde, torna-se importante, na alocação das EPIs, maior comprometimento com fatores técnicos.

Palavras-chave:
Emendas Parlamentares Individuais; Necessidade de saúde; Ganho político; Pork barrel.

Amongst the parliamentary amendments there are individual amendments (EPI), which present themselves as an opportunity for the Representatives to benefit regions with greater needs, especially in health, as well as to privilege their electoral stronghold, in order to guarantee political survival. Thus, this article aims to identify which indicators, health needs or political gain, favor the indication of EPI for health (EPIs). For this purpose, a multiple linear regression was carried out with panel data for the Brazilian municipalities that raised funds via EPIs, in the period 2012-2018. As a main result, it was identified that the allocation of EPIs is driven by the combination of technical factors, considering health needs of the municipalities, and political factors. As proposed by the Public Choice Theory, Representatives and voters seek to maximize their interests, the latter, throughout local policies and, the former, staying in power, with political networks being very important in this process. However, in order to improve the conditions of the public health system, it becomes important, in the allocation of EPIs, a greater commitment to technical factors.

Keywords:
Individual Parliamentary Amendments; Health need; Political gain; Pork barrel.


Entre las enmiendas parlamentarias se encuentran las enmiendas individuales (EPI), que se presentan como una oportunidad para que el parlamentario beneficie a las regiones con mayores necesidades, especialmente en salud, así como para privilegiar su baluarte electoral, a fin de garantizar la supervivencia política. Así, este artículo tiene como objetivo identificar qué indicadores, necesidades de salud o ganancia política, favorecen la indicación de EPI para la salud (EPIs). Para ello, se realizó una regresión lineal múltiple con datos de panel para los municipios brasileños que recaudaron fondos vía EPIs, en el período 2012-2018. Como principal resultado, se identificó que la asignación de EPIs es impulsada por la combinación de factores técnicos, que consideran la necesidad de salud, y factores políticos. Tal y como propone la Teoría de la Elección Pública, los parlamentarios y votantes buscan maximizar sus intereses, los segundos, las políticas locales y, los primeros, la permanencia en el poder, siendo las redes políticas muy importantes en este proceso. Sin embargo, para mejorar las condiciones del sistema público de salud, se vuelve importante, en la asignación de EPIs, un mayor compromiso con los factores técnicos.

Palabras clave:
Enmiendas Parlamentarias Individuales; Necesidad de salud; Ganancia política; Pork barrel.


INTRODUÇÃO

Desde o processo de redemocratização (1985), devido às desigualdades socioeconômicas existentes, há, no Brasil, uma crescente conscientização entre grupos políticos e sociais sobre a necessidade de políticas públicas capazes de promover mudanças em direção à inclusão social (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.; ALSTON et al., 2016ALSTON, L. J. et al. Brazil in transition: Beliefs, leadership, and institutional change. Princeton University Press, 2016.).

Nesse contexto, as Emendas Parlamentares Individuais - EPIs apresentam-se como oportunidade à entrada de demandas regionais no orçamento federal, a fim de atender a agenda política e direcionar recursos para as regiões mais carentes, priorizando áreas necessitadas como saúde, educação e saneamento (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.; BAPTISTA et al., 2012BAPTISTA, T. W. de F. et al. As emendas parlamentares no orçamento federal da saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 28, p. 2267-2279, 2012.).

As emendas propostas pelos legisladores no orçamento anual, na forma de políticas distributivas locais e que atendem a interesses públicos específicos, podem ter efeitos positivos sobre o bem-estar dos cidadãos, melhorando as condições de vida, reduzindo as desigualdades regionais e a pobreza. Além de promover o desenvolvimento local e a inclusão social e econômica. Porém, seus efeitos podem não ser sustentáveis ao longo do tempo (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.; PEREIRA; BERTHOLINI, 2017PEREIRA, C.; BERTHOLINI, F. Beliefs or ideology: the imperative of social inclusion in Brazilian politics. Commonwealth & Comparative Politics, v. 55, n. 3, p. 377-401, 2017.; CARVALHO, 2007CARVALHO, M. Efeitos das Emendas Parlamentares ao Orçamento na Redução das Desigualdades Regionais. Monografia apresentada para aprovação no Curso de Especialização em Orçamento Público realizado pelo Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União em parceria com o Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, 2007.; LEMOS, 2001LEMOS, L. B. de S. O Congresso brasileiro e a distribuição de benefícios sociais no período 1988-1994: uma análise distributivista. Dados, v. 44, n. 3, p. 561-605, 2001.).

Ames, Pereira e Rennó (2011)AMES, B.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Famintos por pork: uma análise da demanda e oferta por políticas localistas e suas implicações para a representação política. In: POWER, Timothy; ZUCCO JR., Cesar (orgs.). O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 239-272. apontam que os municípios que mais precisam de emendas, devido às precárias condições socioeconômicas, geralmente, as recebem. Servindo como evidência de que as iniciativas de políticas locais feitas pelos parlamentares geram benefícios e, são capazes de reduzir as desigualdades sociais e econômicas dos municípios, além de garantir a sobrevivência política (PEREIRA; RENNÓ, 2003PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Successful re-election strategies in Brazil: the electoral impact of distinct institutional incentives. Electoral Studies, v. 22, n. 3, p. 425-448, 2003.).

Por outro lado, as EPIs são vistas, por parte da literatura, como sujeitas à inefetividade, dada a sua natureza particularista e oportunista. Visto que, o clientelismo se manteve forte, tanto no período do autoritarismo como no democrático (DE OLIVEIRA NUNES, 1997DE OLIVEIRA NUNES, E. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.). Pois, mesmo que os legisladores garantam infraestrutura para os municípios em diferentes áreas como saúde, educação e obras públicas, estas são, geralmente, conceituadas como de natureza clientelista, com tendência distributiva, em que prevalecem interesses particulares. Os parlamentares são tendenciosos a destinarem recursos públicos em troca de apoio eleitoral, sem observância a critérios sociais ou econômicos (BAIÃO COUTO; JUCÁ, 2018BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; JUCÁ, I. C. A execução das emendas orçamentárias individuais: papel de ministros, cargos de liderança e normas fiscais. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 25, p. 47-86, 2018.; BAIÃO; COUTO; OLIVEIRA, 2020BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; OLIVEIRA V. E. de . Quem ganha o quê, quando e como? Emendas orçamentárias em Saúde no Brasil. Rev. Sociol. Polit. vol. 27 nº 71 Curitiba 2020.; BAIÃO; CUNHA; SOUZA, 2017BAIÃO, A. L.; CUNHA, A. S. M. da; SOUZA, F. S. R. N. de. Papel das transferências intergovernamentais na equalização fiscal dos municípios brasileiros. Revista do Serviço Público - RSP, v. 68, n. 3, p. 583-610. 2017.; TOUCHTON; BORGES SUGIYAMA; WAMPLER, 2017TOUCHTON, M.; BORGES SUGIYAMA, N.; WAMPLER, B. Democracy at work: Moving beyond elections to improve well-being. American Political Science Review, 2017.; RAMOS, 2012RAMOS, M. F. Emendas Individuais ao Orçamento da União dos Deputados Federais do Estado da Paraíba da 53ª Legislatura: Uso Eleitoral das Emendas Individuais ao Orçamento. 2012. http://bd.camara.leg.brBiblioteca digital da Câmara.
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; LEMOS; RICCI, 2011LEMOS, L.; RICCI, P. Individualismo e partidarismo na lógica parlamentar: o antes e o depois das eleições. In: O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2011. p. 207-238.; AMES, BAKER; RENNÓ, 2008AMES, B.; BAKER, A.; RENNÓ, L. "The 'Quality' of Elections in Brazil: Policy, Performance, Pageantry, or Pork?". In Timothy J. Power and Peter R. Kingstone (eds.), Democratic Brazil Revisited. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, pp. 107-133, 2008.).

Essa estratégia de sobrevivência política, conjugada à falta de coordenação na indicação dos recursos, resulta, muitas vezes, em “excesso” de repasses para um determinado município (MIGNOZZETTI; CEPALUNI, 2017MIGNOZZETTI, U.; CEPALUNI, G. When Does Clientelism Pay Off? Legislature size and welfare in Brazil. Unpublished manuscript, Social Comunication, Cidade Universitária São Paulo, SP/Brazil, 2017.). Entretanto, esse benefício reflete em resultados com níveis mais baixos que o esperado, nos indicadores sociais e econômicos (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.).

Os municípios com menor capacidade de coordenação institucional tendem a receber menor montante de EPIs (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.). Fato justificado pela Teoria da Escolha Pública, que indica que as políticas públicas beneficiam mais os grupos organizados da sociedade (HOLCOMBE, 2018HOLCOMBE, R. G. The Coase theorem, applied to markets and government. The Independent Review, v. 23, n. 2, p. 249-266, 2018.; SALM, 2009SALM, José Francisco. Políticas públicas e desenvolvimento: bases espistemológicas e modelos de análise. Ed. Univ. de Brasília, 2009.); em que, independentemente das necessidades de desenvolvimento do município, os parlamentares preferem alocar recursos em lugares onde possuem conexões políticas, e têm maior capacidade de organização e coordenação, em detrimento dos municípios mais necessitados (MIGNOZZETTI; CEPALUNI, 2017MIGNOZZETTI, U.; CEPALUNI, G. When Does Clientelism Pay Off? Legislature size and welfare in Brazil. Unpublished manuscript, Social Comunication, Cidade Universitária São Paulo, SP/Brazil, 2017.; PEREIRA; RENNÓ, 2003PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Successful re-election strategies in Brazil: the electoral impact of distinct institutional incentives. Electoral Studies, v. 22, n. 3, p. 425-448, 2003.).

Do ponto de vista da Teoria da Escolha Pública, em um cenário que o parlamentar visa à reeleição; e o eleitor, políticas locais, as EPIs apresentam-se como uma estratégia eficiente tanto para eleitores quanto para legisladores. Em que podem proporcionar melhorias na qualidade da representação democrática, uma vez que o resultado do sistema político é reflexo da satisfação dos interesses dos eleitores. Dessa forma, se o “clientelismo” em torno da alocação das EPIs reflete uma ação mútua do parlamentar em oferecer uma política local de necessidade dos eleitores, significa que a representação está funcionando de maneira responsiva às pretensões dos votantes. E pode reduzir as desigualdades sociais e contribuir para regimes democráticos mais justos e igualitários, sobretudo em países, como o Brasil, imersos em desigualdade e pobreza, com governos municipais extremamente dependentes de transferências intergovernamentais (TROMBORG; SCHWINDT-BAYER; 2019TROMBORG, M. W.; SCHWINDT-BAYER, L. A. Constituent demand and district-focused legislative representation. Legislative Studies Quarterly, Iowa City, v. 44, n. 1, p. 35-64, Feb. 2019; BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.).

Tendo em vista a promulgação da Emenda Constitucional - EC nº 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015., que traz a obrigatoriedade de execução orçamentária e financeira das EPIs e estabelece que metade do valor deve ser destinado às ações de saúde. E diante da dualidade de pensamentos, em que parte da literatura considera as indicações das EPIs como clientelistas, e a outra parte, como responsiva e capaz de melhorar as condições de vida dos munícipes, bem como promover o desenvolvimento local e mitigar as diferenças regionais; tornou-se pertinente investigar: quais indicadores sociais, de saúde ou políticos, explicam a alocação de EPIs nos municípios brasileiros? Sendo o objetivo do estudo, analisar a relação destes indicadores no processo alocativo das EPIs.

Tal questionamento se justifica uma vez que, anterior à EC 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015., o Executivo detinha completa discricionariedade para eleger as EPIs a serem executadas, estando atrelada ao apoio do deputado à agenda presidencial. No entanto, a impositividade das EPIs garantiu sua execução durante o exercício financeiro, tendo os deputados maior discricionariedade na escolha das políticas públicas locais, apresentando-se como uma oportunidade de minimizar as assimetrias em saúde. No entanto, há indícios de clientelismo entre os parlamentares e os municípios, e que estes disponibilizam os recursos financeiros de sua autoria, visando manter seu reduto eleitoral e maximizar seu ganho político.

Em âmbito acadêmico, diversos estudos têm sido realizados analisando os efeitos empíricos das emendas parlamentares, como os realizados por: Samuels (2002)SAMUELS, D. J. Pork barreling is not credit claiming or advertising: Campaign finance and the sources of the personal vote in Brazil. Journal of Politics, v. 64, n. 3, p. 845-863, 2002.; Limongi e Figueiredo (2005)LIMONGI, F.; FIGUEIREDO, A. Processo orçamentário e comportamento legislativo: emendas individuais, apoio ao Executivo e programas de governo. Dados, v. 48, n. 4, p. 737-776, 2005.; Baião, Cunha e Souza (2017)BAIÃO, A. L.; CUNHA, A. S. M. da; SOUZA, F. S. R. N. de. Papel das transferências intergovernamentais na equalização fiscal dos municípios brasileiros. Revista do Serviço Público - RSP, v. 68, n. 3, p. 583-610. 2017.; Bertholini, Pereira e Rennó (2018)BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.; Klingensmith (2019)KLINGENSMITH, J. Z. Political Entrepreneurs and Pork-Barrel Spending. Economies, v. 7, n. 1, p. 16, 2019.; Maskin e Tirole (2019)MASKIN, E.; TIROLE, J. Pandering and pork-barrel politics. Journal of Public Economics, v. 176, p. 79-93, 2019.; Baião, Couto e Oliveira (2020)BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; OLIVEIRA V. E. de . Quem ganha o quê, quando e como? Emendas orçamentárias em Saúde no Brasil. Rev. Sociol. Polit. vol. 27 nº 71 Curitiba 2020. e Almeida (2021)ALMEIDA, D. P. B. de. O mito da ineficiência alocativa das emendas parlamentares. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, 2021..

Diante dos resultados encontrados, espera-se compreender se os critérios considerados pelos parlamentares na alocação das EPIs visam alocar os recursos de forma efetiva para os municípios mais necessitados, observando indicadores sociais e de saúde, que permitam corrigir as iniquidades em saúde. Esses resultados poderão subsidiar o processo de alocação das políticas públicas locais, buscando o aperfeiçoamento do sistema público de saúde.

1 TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA

Teorias econômicas focadas no nível microanalítico, estudam a maneira pela qual consumidores, produtores e os mercados competitivos buscam maximizar sua utilidade (TOMA, 2014TOMA, E. F. Public choice and public policy. Southern Economic Journal, v. 80, n. 4, p. 892-897, 2014.). Nesses mercados, a alocação de recursos é, em teoria, eficiente, e leva a uma troca voluntária e benéfica que gera o bem-estar das partes envolvidas (HOLCOMBE, 2018HOLCOMBE, R. G. The Coase theorem, applied to markets and government. The Independent Review, v. 23, n. 2, p. 249-266, 2018.; VISCUSI; GAYER, 2015VISCUSI, W. Kip; GAYER, Ted. Behavioral public choice: the behavioral paradox of government policy. Harvard Journal of Law and Public Policy, v. 38, n. 3, p. 973-1007, 2015).

No entanto, a ocorrência de falhas de mercado causadas, dentre outros fatores, por externalidades, impede que os recursos sejam alocados para seu uso de maior valor, o que legitima a intervenção do Estado na economia, a fim de prover bens públicos (HOLCOMBE, 2018HOLCOMBE, R. G. The Coase theorem, applied to markets and government. The Independent Review, v. 23, n. 2, p. 249-266, 2018.; OLIVEIRA; FONTES FILHO, 2017OLIVEIRA, C. B. de; FONTES FILHO, J. R. Problemas de agência no setor público: o papel dos intermediadores da relação entre poder central e unidades executoras. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 4, p. 596-615, 2017.; IOVITU; BRAN, 2015IOVITU, M.; BRAN, F. Public choice and the social beneficiary. Theoretical and Applied Economics, v. 22, n. 2, p. 91-102, 2015.; VISCUSI; GAYER, 2015VISCUSI, W. Kip; GAYER, Ted. Behavioral public choice: the behavioral paradox of government policy. Harvard Journal of Law and Public Policy, v. 38, n. 3, p. 973-1007, 2015).

Assim, a Teoria da Escolha Pública começa a ser entendida como uma extensão dos métodos da teoria econômica convencional, para o ambiente conhecido como mercado político. Seu principal argumento é que os indivíduos se associam politicamente pelo mesmo motivo que se reúnem no mercado e, mesmo que estes motivos sejam interesseiros, eles conseguem se beneficiar reciprocamente, por intermédio da tomada de decisão coletiva. Portanto, tanto na economia quanto na política, o indivíduo é um maximizador de utilidades egoístas e racionais (SALM, 2009SALM, José Francisco. Políticas públicas e desenvolvimento: bases espistemológicas e modelos de análise. Ed. Univ. de Brasília, 2009.; DIAS, 2009DIAS, M. A. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 6, 2009.).

Para Buchanan (1975)BUCHANAN, J. M. The limits of liberty: Between anarchy and Leviathan. University of Chicago Press, 1975., a tentativa, por parte do Estado de intervir nos mercados privados, buscando corrigir as falhas de mercado, não soluciona o problema e termina por provocar as chamadas falhas de governo. Pois os agentes executores das políticas públicas, que intervêm na economia, são indivíduos motivados em atingir os objetivos que satisfazem seus interesses particulares, em detrimento ao interesse público (OLIVEIRA; FONTES FILHO, 2017OLIVEIRA, C. B. de; FONTES FILHO, J. R. Problemas de agência no setor público: o papel dos intermediadores da relação entre poder central e unidades executoras. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 4, p. 596-615, 2017.).

A Teoria da Escolha Pública ajuda a compreender os grupos de interesse e sua influência nas políticas públicas. A maioria dos programas governamentais oferecem “bens quase públicos”, pois beneficiam alguns grupos mais do que outros, visto que os indivíduos interessados se organizam para cobrar ações do governo. Porém os seus custos são compartilhados pela sociedade. A concentração de benefícios para a minoria e a dispersão dos custos para a maioria gera um sistema de pressão favorável a interesses bem-organizados (HOLCOMBE, 2018HOLCOMBE, R. G. The Coase theorem, applied to markets and government. The Independent Review, v. 23, n. 2, p. 249-266, 2018.; SALM, 2009SALM, José Francisco. Políticas públicas e desenvolvimento: bases espistemológicas e modelos de análise. Ed. Univ. de Brasília, 2009.).

Fato que Baron (1991)BARON, D. P. Majoritarian incentives, pork barrel programs, and procedural control. American Journal of Political Science, p. 57-90, 1991. aponta como perceptível na indicação das EPIs, pois as mesmas visam beneficiar interesses particulares com custos coletivos, podendo levar a programas distributivos economicamente ineficientes, mas política e eleitoralmente populares. Ortega e Penfold-Becerra (2008)ORTEGA, D.; PENFOLD-BECERRA, M. Does patronage work? Electoral returns of excludable and nonexcludable goods in Chavez’s Misiones programs in Venezuela. In: Meeting of the American Political Science Association, Boston, Massachusetts. 2008. e Robinson e Verdier (2003)ROBINSON, J., VERDIER, T. The political economy of patronage (Working Paper). University of California Berkeley. 2003. confirmam esse argumento ao afirmarem que o clientelismo e o pork barrel6 6 Expressão utilizada na literatura internacional para designar o particularismo legislativo, em que deputados utilizaram políticas distributivas visando o voto dos beneficiários (LOWI, 1964). são estratégias políticas relativamente atraentes quando há altos níveis de desigualdade social.

A Teoria da Escolha Pública descreve que o processo político pode ser analisado como um mercado competitivo, no qual os agentes que nele atuam, políticos, cidadãos e funcionários públicos, interferem na possibilidade e capacidade de implementação das políticas, e têm motivações egoístas, em que, se assume que os políticos pretendem maximizar os votos e garantir a reeleição (PEREIRA, 1997PEREIRA, P. T. A teoria da escolha pública (public choice): uma abordagem neoliberal?. Análise Social, p. 419-442, 1997.).

A esfera política é organizada como um mercado, em que os políticos agem intermediando a negociação, trocando votos por políticas públicas locais, revelando que o que está em jogo no mercado econômico e político são os interesses particulares. E que as ações dos políticos têm por objetivo maximizar o apoio político, e são orientadas para manter e conquistar votos (DIAS, 2009DIAS, M. A. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 6, 2009.; BORBA, 2005BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião pública, v. 11, n. 1, p. 147-168, 2005.).

Consolidando-se o entendimento de que o presidencialismo de coalizão transforma a execução das emendas parlamentares em instrumento de barganha do Executivo, do Legislativo e dos eleitores. Dessa forma, as emendas propostas por membros dos partidos que apoiam o governo, sobretudo dos líderes de governo e articuladores políticos, comumente, têm execução prioritária. Por meio das emendas, os parlamentares aprimoram a proposta orçamentária do Poder Executivo, estabelecendo ou mantendo uma relação clientelista e direta com seu eleitorado (RAMOS, 2012RAMOS, M. F. Emendas Individuais ao Orçamento da União dos Deputados Federais do Estado da Paraíba da 53ª Legislatura: Uso Eleitoral das Emendas Individuais ao Orçamento. 2012. http://bd.camara.leg.brBiblioteca digital da Câmara.
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; BAIÃO; COUTO; JUCÁ, 2018BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; JUCÁ, I. C. A execução das emendas orçamentárias individuais: papel de ministros, cargos de liderança e normas fiscais. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 25, p. 47-86, 2018.).

A Teoria da Escolha Pública se dirige na direção de explicar a democracia diante do comportamento dos parlamentares, ao comporem sua agenda de governo e dos eleitores, ao decidirem o seu voto, como um consumidor no mercado (BORBA, 2005BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião pública, v. 11, n. 1, p. 147-168, 2005.). Pois, Tromborg e Schwindt-Bayer apontam que “a democracia representativa está enraizada na relação entre eleitores e seus representantes”. De acordo com esta visão os “eleitos devem ser responsivos aos anseios e preferências dos votantes” (TROMBORG; SCHWINDT-BAYER, 2019TROMBORG, M. W.; SCHWINDT-BAYER, L. A. Constituent demand and district-focused legislative representation. Legislative Studies Quarterly, Iowa City, v. 44, n. 1, p. 35-64, Feb. 2019, p. 35).

Portanto, se as EPIs refletem uma ação mútua, do parlamentar em oferecer uma política local de necessidade dos eleitores, indica que há uma ação responsiva às pretensões dos cidadãos (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.). Além de ser, muitas vezes, um dos únicos meios pelo qual os recursos públicos chegam aos municípios carentes, para atender às demandas de investimento de alto custo (AMES; PEREIRA; RENNÓ, 2011AMES, B.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Famintos por pork: uma análise da demanda e oferta por políticas localistas e suas implicações para a representação política. In: POWER, Timothy; ZUCCO JR., Cesar (orgs.). O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 239-272.).

Do ponto de vista racional e maximizador de utilidade, as EPIs são estratégias eficientes tanto para eleitores quanto para legisladores e podem proporcionar melhorias na qualidade da representação democrática, uma vez que o resultado do sistema político é reflexo da satisfação dos interesses dos eleitores. Nessa direção, para muitos eleitores, o bom parlamentar é aquele que viabiliza investimentos para o município (TAVARES, 2016TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016.).

O Estado é, portanto, o produto de trocas políticas que existe para servir à sociedade (BUCHANAN, 1975BUCHANAN, J. M. The limits of liberty: Between anarchy and Leviathan. University of Chicago Press, 1975.; LEMIEUX, 2015LEMIEUX, P. The State and Public Choice. The Independent Review, v. 20, n. 1, p. 23-31, 2015.). No que tange às escolhas públicas, Silva (1996)SILVA, M. F. G. Políticas de governo e planejamento estratégico como problemas de escolha pública II. Revista de Administração de Empresas, v. 36, n. 4, p. 38-50, 1996. explica que estas são imperfeitas por duas razões: a primeira é que os políticos atuam no sentido de defender seus interesses particulares e, não raro, advogam em favor de determinados grupos organizados dentro da sociedade. A segunda razão é que, ainda que fosse do interesse dos agentes públicos atender aos interesses de todos os cidadãos, é inviável a identificação de todas as demandas em todos os momentos.

Por isso, Tavares (2016)TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016. aponta que o uso de emendas parlamentares tem sido moeda de troca de favores entre os Poderes e seu eleitorado, muitas vezes em detrimento ao interesse público, ocorrendo desvio de finalidade, afrontando o princípio da moralidade administrativa (TAVARES, 2016TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016.). Fato perceptível em alguns deputados, que direcionam as emendas para os municípios que os representam, sem se importar com as prioridades ou com um sistema equânime, com regras objetivas de seleção vinculada a um diagnóstico da realidade.

Nessa tônica, através de uma escolha de cunho pessoal, muitas vezes, o recurso é destinado para instituições e projetos que não atendem a real demanda do município. Neste sentido, o direcionamento de verbas públicas afronta os princípios da administração pública, pois a aplicação dos recursos proveniente de EP, assim como toda política pública, deverá obedecer aos princípios formais da administração pública e nortear-se pela finalidade precípua de atendimento ao interesse público (LIKES, 2015LIKES, S. M. O direcionamento das verbas públicas através de recursos provenientes de emendas parlamentas. Âmbito Jurídico. 2015.).

Visando tornar mais compatíveis as decisões públicas e os interesses da sociedade, a Teoria da Escolha Pública sugere o estabelecimento de um contrato social entre os cidadãos e os agentes públicos (SILVA, 1996SILVA, M. F. G. Políticas de governo e planejamento estratégico como problemas de escolha pública II. Revista de Administração de Empresas, v. 36, n. 4, p. 38-50, 1996.; LEMIEUX, 2015LEMIEUX, P. The State and Public Choice. The Independent Review, v. 20, n. 1, p. 23-31, 2015.). Este raciocínio muito se assemelha ao conceito de relação de agência de Jensen e Meckling (1976)JENSEN, M. C.; MECKLING, W. H. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, p. 305-360, 1976., considerando-se que a sociedade civil pode ser encarada como o principal e o Estado, o agente. Lemieux (2015)LEMIEUX, P. The State and Public Choice. The Independent Review, v. 20, n. 1, p. 23-31, 2015., Przeworski (2003)PRZEWORSKI, A. Sobre o desenho do Estado: uma perspectiva agente x principal. In: BRESSER-PEREIRA, L. C. (org). Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 5ª ed., FGV, 2003. e Silva (1996)SILVA, M. F. G. Políticas de governo e planejamento estratégico como problemas de escolha pública II. Revista de Administração de Empresas, v. 36, n. 4, p. 38-50, 1996. compartilham a visão de que o Estado pode ser considerado como o agente; e os eleitores, como o principal em uma relação de agência.

No entanto, diferentemente do mercado, os governos, não conseguem identificar as preferências dos cidadãos em relação aos bens públicos, nem avaliar corretamente os custos sociais das externalidades, por isso tentam posicionar-se em relação às políticas públicas, para atrair o maior número possível de eleitores, pois, têm, dentre seus interesses, a reeleição (SALM; 2009SALM, José Francisco. Políticas públicas e desenvolvimento: bases espistemológicas e modelos de análise. Ed. Univ. de Brasília, 2009.).

No “mercado político”, o agente público é motivado por seus interesses privados e está sujeito às pressões de grupos de interesses; somando-se esse fato à assimetria de informação existente entre o agente e o principal, tem a existência de um contrato incompleto e de um agente imperfeito. Portanto, as falhas do governo são semelhantes aos fracassos do mercado (MARTINS; JUNIOR; ENCISO, 2018MARTINS, V. A.; JUNIOR, J. J.; ENCISO, L. F. Conflitos de agência, Governança Corporativa e o serviço público brasileiro: um ensaio teórico. RGC-Revista de Governança Corporativa, v. 5, n. 1, 2018.).

As EPIs, portanto, são oportunidades de o parlamentar atender sua agenda política, direcionando recursos para a realização de políticas públicas específicas, para atendimento às regiões mais carentes, priorizando áreas necessitadas como a saúde, mas, também, para atender seu reduto eleitoral, com o objetivo de assegurar a sobrevivência política, como será descrito a seguir.

2 EMENDAS PARLAMENTARES INDIVIDUAIS E A NECESSIDADE EM SAÚDE

A CF/88, ao estabelecer os princípios de universalidade, integralidade e descentralização do SUS, estabelece que tais princípios visem à progressiva redução das disparidades regionais através da repartição de recursos. Com isso, a coordenação federativa se materializa nos incentivos financeiros, que estimulam os municípios a incorporarem as diretrizes e programas estabelecidos pelo governo federal e ressaltam a responsabilidade da União e dos estados em apoiar, técnica e financeiramente, os municípios na gestão da atenção primária. Essa, tendo como princípio a redução das iniquidades em saúde, se vale de indicadores que permitem fazer o levantamento das heterogeneidades regionais em suas dimensões epidemiológicas, de estrutura física e humana, dentre outras, como forma de dimensionar as necessidades em saúde (JÚNIOR; FAHEL; MOREIRA, 2014JÚNIOR, S. F.; FAHEL, M. C. X.; MOREIRA, T. C. F. Indicadores Municipais de Necessidades de Saúde na orientação de Políticas para a Atenção Primária: uma Proposta Aplicada para o Estado de Minas Gerais. XXXVIII Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro. 2014).

A necessidade de saúde refere-se às desigualdades que podem ser alteradas por políticas públicas setoriais. A mensuração dessas necessidades envolve medidas relativas que condicionam a saúde a outros determinantes, como o ambiente físico e social em que as pessoas convivem (FERREIRA JUNIOR et al., 2017FERREIRA JUNIOR, S. et al. Desigualdades nas Necessidades em Saúde entre os Municípios de Minas Gerais: uma Abordagem Empírica no Auxílio às Políticas Públicas. Administração Pública e Gestão Social, v. 9, n. 2, p. 105-119, 2017.).

Por isso, a busca pela equidade em saúde perpassa as capacidades administrativas, econômicas e institucionais dos municípios, e caminham em direção de equalizar os efeitos entre os grupos sociais, mais ou menos favorecidos. Muitos desses indicadores, por vezes, estão fora do controle imediato da saúde, e envolvem as multidimensões das vulnerabilidades em saúde, que consideram elementos epidemiológicos, de recursos e utilização dos serviços de saúde, sociais e econômicos (MACEDO; FEREIRA, 2020MACEDO, A. dos S.; FERREIRA, M. A. M. O Programa Mais Médicos e alocação equitativa de médicos na Atenção Primária À Saúde (2013-2017). REAd. Revista Eletrônica de Administração (Porto Alegre), v. 26, n. 2, p. 381-408, 2020.).

Nesta busca pela equidade e fortalecimento da atenção à saúde, a EC 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015. estabelece que um percentual da Receita Corrente Líquida - RCL deve ser destinado à execução orçamentária e financeira das emendas individuais; e impõe que metade desse valor seja destinado a ações de saúde, devendo ser executado no exercício financeiro.

Tavares (2016)TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016. aponta que a impositividade proposta pela EC 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015. foi concebida para equalizar os poderes e reduzir o poder de alocação discricionária de recursos públicos pelo governo federal, além de garantir parcela exclusiva do recurso para a saúde. Pois, desde 2014, as EPIs tornaram-se de execução orçamentária e financeira obrigatória; e o valor destinado a cada parlamentar é definido com base no limite de 1,2% da RCL, ao ser dividido pelo número de congressistas, conforme estabelece a Resolução nº 3/2015 do Congresso Nacional.

Esta igualdade entre os parlamentares permite que as EPIs possam ser consideradas um mecanismo redistributivo e redutor de desigualdades, que têm propensão de compensar as transferências previstas no sistema de partilha fiscal brasileiro (BAPTISTA et al., 2012BAPTISTA, T. W. de F. et al. As emendas parlamentares no orçamento federal da saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 28, p. 2267-2279, 2012.). Pois, por meio das emendas, os parlamentares podem privilegiar políticas amplas e destinar recursos para as regiões mais carentes, priorizando áreas como saúde, educação e saneamento, em que há escassez de recursos e iniquidade nas condições de financiamento. Podendo as EPIs melhorar as condições de vida no nível local, atenuando a desigualdade e a pobreza, além de promover o desenvolvimento, sobretudo em países imersos em desigualdade social, com governos municipais carentes de recursos e dependentes de transferências intergovernamentais (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, C. N. de. Emendas Parlamentares: entre a ficção e a realidade na assistência financeira às Universidades Estaduais. Universidade e Sociedade 61 Ano XXVIII - Nº 61 - janeiro de 2018. Revista publicada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN. Semestral. Brasília.; AMES; PEREIRA; RENNÓ, 2011AMES, B.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Famintos por pork: uma análise da demanda e oferta por políticas localistas e suas implicações para a representação política. In: POWER, Timothy; ZUCCO JR., Cesar (orgs.). O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 239-272.; AMES; 2003AMES, B. Os Entraves da Democracia no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003.).

No entanto, enquanto repasse discricionário, Baião, Cunha e Souza (2017)BAIÃO, A. L.; CUNHA, A. S. M. da; SOUZA, F. S. R. N. de. Papel das transferências intergovernamentais na equalização fiscal dos municípios brasileiros. Revista do Serviço Público - RSP, v. 68, n. 3, p. 583-610. 2017. apontam que as emendas são influenciadas por fatores políticos que, muitas vezes, não têm relação direta com as necessidades fiscais do município, demonstrando que os parlamentares não adotam critérios redistributivos, tampouco devolutivos.

No Brasil, que se caracteriza por grandes distritos e multipartidarismo, é possível identificar a existência de articulação partidária entre membros dos partidos que apoiam o governo, os líderes de governo e os articuladores políticos; mas, sobretudo, entre prefeitos e deputados. Indicando que as EPIs executadas por atores locais, sobretudo por prefeitos correligionários, têm eficácia eleitoral mais relevante. O prefeito, nesse caso, atua intermediando a relação entre deputados e eleitores locais, demonstrando a presença de um reverse coattail effect, no qual os prefeitos contribuem para o sucesso eleitoral de seus correligionários nas eleições nacionais, e estes privilegiam os municípios com indicação de transferências financeiras (BAIÃO; COUTO; JUCÁ, 2018BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; JUCÁ, I. C. A execução das emendas orçamentárias individuais: papel de ministros, cargos de liderança e normas fiscais. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 25, p. 47-86, 2018.; BARONE, 2014BARONE, L. S. Eleições, partidos e política orçamentária no Brasil: explorando os efeitos das eleições locais na política nacional. 2014. Tese de Doutorado.).

Por isso, os parlamentares utilizam políticas distributivas (Lowi, 1964LOWI, T. J. American business, public policy, case-studies, and political theory. World politics, v. 16, n. 4, p. 677-715, 1964.), visando conquistar votos de um grupo específico da população; uma vez que pesquisas apontam que garantir repasses financeiros aos redutos eleitorais é um imperativo da sobrevivência política no Brasil (AMES; BAKER; RENNÓ, 2008AMES, B.; BAKER, A.; RENNÓ, L. "The 'Quality' of Elections in Brazil: Policy, Performance, Pageantry, or Pork?". In Timothy J. Power and Peter R. Kingstone (eds.), Democratic Brazil Revisited. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, pp. 107-133, 2008.; LEMOS; RICCI, 2011LEMOS, L.; RICCI, P. Individualismo e partidarismo na lógica parlamentar: o antes e o depois das eleições. In: O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2011. p. 207-238.). E, mesmo o montante de recursos direcionados às EPIs, sendo pequeno em relação às despesas orçamentárias totais, têm demonstrado efeito direto e substantivo sobre a probabilidade de reeleição de legisladores (PEREIRA; RENNÓ, 2003PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Successful re-election strategies in Brazil: the electoral impact of distinct institutional incentives. Electoral Studies, v. 22, n. 3, p. 425-448, 2003.).

Portanto, ao transferir ao Legislativo parcela do poder decisório na escolha de prioridades para fins de implementação de políticas públicas, não necessariamente garante que a aplicação dos recursos públicos seja para o efetivo atendimento das necessidades e combate às desigualdades internas do país (OLIVEIRA; FERREIRA, 2017OLIVEIRA, C. L.; FERREIRA, F. G. B. C. O orçamento público no Estado constitucional democrático e a deficiência crônica na gestão das finanças públicas no Brasil. Sequência, 76, 183-212. 2017.). Mas, mesmo o repasse de recursos por meio de emendas parlamentares não sendo um meio eficiente de distribuição de renda e inclusão social, muitas vezes, é o único meio pelo qual os recursos “chegam” às populações carentes em alguns municípios brasileiros (AMES; PERREIRA; RENNÓ, 2011).

Por isso, espera-se que os deputados considerem a necessidade do município ao indicarem as emendas de sua autoria e, conforme o pressuposto distributivista visando a reeleição, busquem promover a reputação praticando o pork barrel, sem se importar com as reais condições dos municípios. Segundo o senso comum, os políticos são indivíduos racionais e informados, dessa forma, e considerando que o principal objetivo dos congressistas é permanecer no poder, eles buscam satisfazer seus interesses particulares e dos seus eleitores, e maximizar suas utilidades (BIJOS, 2013BIJOS, D. Federalismo, instituições políticas e relações intergovernamentais: um estudo sobre os elementos determinantes das transferências voluntárias da União para os municípios do estado de Minas Gerais. 2013.).

3 PROCEDIMENTOS MEDOTOLÓGICOS

Para realização da análise, foram utilizados dados secundários, cuja variável dependente foi o valor per capita de EPIs alocadas em cada município; e as variáveis independentes foram: indicadores sociais e de saúde, políticos e eleitorais. Os dados referentes às EPIs foram obtidos através da Lei de Acesso à Informação - LAI. Os dados das variáveis sociais e de saúde foram coletados no banco de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Brasil - DATASUS, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE, no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES, no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira -INEP, no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS, na Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS e através da Lei de Acesso à Informação; e as variáveis políticas e eleitorais, a partir do banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral - TSE.

As unidades empíricas de análise foram os municípios brasileiros, que receberam recursos via EPIs, no período de 2012 a 2018, contemplando os anos anteriores e posteriores à impositividade das EPIs. A escolha do período foi dada pela disponibilidade dos dados para os municípios, e por permitir uma análise ano a ano, pré e pós a impositividade. Considera-se ainda, neste período, a contemplação de dois ciclos políticos federais completos, bem como, três ciclos políticos municipais.

A fim de atingir o objetivo proposto, os dados foram tratados pelo modelo estatístico de regressão linear múltipla de dados em painel, devido à variável dependente apresentar valores quantitativos. Essa metodologia de dados em painel consiste na análise de dados para diferentes indivíduos ao longo do tempo, tendo a possibilidade de compreender a variação de fenômenos nos indivíduos e no tempo (FÁVERO, 2015FÁVERO, L. P. Modelos de Regressão com EXCEL®, STATA® e SPSS®. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. 504 p.). Considera-se, ainda, pelo aumento do número de observações, a redução de problemas com endogeneidade e multicolinearidade, além de aumentar os graus de liberdade e de eficiência na análise, bem como a redução do surgimento de diferentes vieses, caso utilizasse modelos cross-section (CAMERON; TRIVEDI, 2009CAMERON, A. C.; TRIVEDI, P. K. Microeconometrics using Stata. Ann Arbor: Stata Press, 2009. 692 p.; GUJARATI; PORTER, 2011GUJARATI, D. N.; PORTER, D. C. Econometria Básica. 5ª. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. 924 p.). Todavia, nem sempre apenas o aumento do número de observações é suficiente para resolver a endogeneidade. Dessa forma, para a aferição de possível endogeneidade entre as variáveis do modelo final foi utilizado o teste de Durbin-Wu-Hausman, conforme apontado por Ullah, Akhtar E Zaefarian (2018)ULLAH, Subhan; AKHTAR, Pervaiz; ZAEFARIAN, Ghasem. Dealing with endogeneity bias: The generalized method of moments (GMM) for panel data. Industrial Marketing Management, v. 71, p. 69-78, 2018..

O modelo linear de dados em painel pode ser descrito, em sua forma básica pela Expressão 1:

(1) Y ^ i t = α i + β 1 . X 1 i t + β 2 . X 2 i t + + β k X k i t + e i t

Em que Y representa a variável dependente, ou seja, o valor per capita das EPIs (EPIs_PC) que varia entre os i (municípios) e ao longo do t (ano); αi é o intercepto para cada indivíduo; β 1, 2, ..., n são os coeficientes de cada variável; X1, 2, ..., n consistem nas variáveis independentes, descritas no quadro 1, que representam as dimensões: necessidade de saúde e ganho político; e que também variam entre indivíduos e ao longo do tempo; eit o erro aleatório do modelo.

A escolha do modelo final foi verificada, através dos testes de adequação, considerando a existência de três possibilidade de modelos a serem estimados: Pooled, efeitos aleatórios e efeitos fixos.

Quadro 1
Variáveis independentes utilizadas

Foi utilizado logarítmico natural para a variável EPIs_PC, tendo em vista a magnitude dos valores financeiros para cada indivíduo. Tal estratégia tem por finalidade reduzir essa magnitude com vista a estimar a regressão.

4 DESCRIÇÃO DOS DADOS

A análise descritiva dos dados pode ser observada na tabela 1. Devido às disparidades econômicas, sociais e demográficas entre os municípios, os indicadores: Nasf, Tx_água, P_ES, Txmed_AB, TxC_pré-natal e Pib_pc obtiveram resultados mínimos zero ou próximos ao zero, diante da variação geral, que representa a variação dos dados dentro da amostra. Demonstrando que indicadores sociais e de saúde, em alguns municípios brasileiros, são muito baixos e necessitam de atenção especial do poder público na busca pela correção destas assimetrias, visto que para outros municípios estes mesmos indicadores apresentam valores significativamente altos.

Tabela 1
Análise descritiva dos dados

Uma possibilidade de correção das assimetrias nos indicadores de saúde são as EPIs. Sendo possível perceber, pela média, o comportamento dos parlamentares que destinaram tais emendas, embora sejam dummies, é perceptível nos municípios que angariaram recursos via EPIs, no período analisado, que as variáveis Da_eleito e Ds_eleito, que indicam se os deputados federais mais votados no município destinaram recursos via EPIs no mandato; e se o deputado federal que mais destinou recursos para o município esteve entre os mais votados na eleição seguinte. Mais da metade dos resultados foi sim ou seja, destinar recursos para os municípios via EPIs pode ser um imperativo para o parlamentar estar na lista dos mais votados naquele município.

As variáveis Dep_rank, D-reeleito, Dep_pref e Dep_gov, no entanto, apesar da literatura apontá-las como condicionantes da destinação das EPIs, apresentaram médias relativamente mais baixas, ou seja, menos da metade dos deputados que destinam EPIs são reeleitos, ou melhoram sua posição no ranking do número de votos no município, ou são do mesmo partido do prefeito ou do governador. Indo ao encontro do proposto por Lago e Rotta (2014)LAGO, I. C.; ROTTA, E. Conexão eleitoral e reeleição entre deputados federais do sul do Brasil/1998-2010. Revista de Sociologia e Política, v. 22, n. 49, p. 139-156, 2014. e Ricci (2003)RICCI, P. O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas paroquiais?. Dados, v. 46, n. 4, p. 699-734, 2003., que apontam que é preciso reconsiderar o argumento da predominância de atividade paroquial entre os congressistas.

Estes resultados nos retomam a Teoria da Escolha Pública que aponta que, na política, assim como na economia, o indivíduo é maximizador de utilidades egoístas e racionais (DIAS, 2009DIAS, M. A. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 6, 2009.), derivado do auto interesse de eleitores e de políticos. Portanto, destinar EPIs demonstra capital político na eleição. Todavia, se as EPs não satisfizerem aos anseios particulares dos eleitores, ou seja, benefícios perceptíveis, reduz a possibilidade de o parlamentar maximizar seu número de votos, assim como garantir a reeleição no município. Portanto, apenas destinar recursos via EPIs demonstra não ser suficiente. É necessário, portanto, ser responsivo e racional em sua destinação e entender o momento em que as EPIs não são mais tão necessárias a determinados municípios e modificar o destino das transferências, conforme propõe Bertholini, Pereira e Rennó (2018)BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018..

Outra variável relevante é o estrato populacional, em que os parlamentares, em suas decisões de destinação de EPIs, valorizam com grande prevalência os pequenos municípios, como pode ser visto pela média, onde a dependência financeira é marcante. Este resultado indica que os parlamentares podem estar preocupados com a capacidade do governo federal em “enxergar” e atender às demandas locais. O que corrobora o proposto por Bertholini, Pereira e Rennó (2018)BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018. ao destacarem que, para os pequenos municípios brasileiros, sujeitos a intensas e constantes restrições orçamentárias, a única maneira de obter recursos federais, para atender suas demandas de alto custo, é via emendas parlamentares.

A variação between é maior do que a variação within, para a variável dependente EPIs_PC; e este fato é decorrente, principalmente, da existência, no banco de dados, de municípios com disparidades econômicas, sociais e demográficas ao longo do tempo. É possível verificar também que as variáveis sociais e de saúde apresentam uma maior variação betweem, demonstrando que não existem diferenças acentuadas entre os municípios, em cada ano, porém, alterações ocorrem com o decorrer do tempo. Em sentido oposto, as variáveis políticas e eleitorais apresentam uma maior variação within, ou seja, existe discrepância acentuada entre os municípios no que diz respeito à dimensão eleitoral em cada ano, porém, cada município tende a ter certo patamar ao longo do tempo.

Devido ao fato de o banco de dados apresentar variáveis com maior variância within e between, será estimado o modelo de regressão para os dados em painel através do modelo estimado de Pooled (MQO), por efeitos fixos e por efeitos aleatórios.

5 A RELAÇÃO DOS INDICADORES SOCIAIS, DE SAÚDE E POLÍTICO NA ALOCAÇÃO DAS EPIs

Inicialmente, foram realizados os testes para identificar qual modelo seria mais indicado para a estimação. Conforme destacado na base da tabela 2, o teste de Chow, para a escolha entre o Pooled e efeitos fixos, apontou para os efeitos fixos; o teste de Breusch-Pagan apontou preferência do modelo de efeitos aleatórios frente ao modelo Pooled. Por fim, o teste de Hausman apontou o modelo de efeitos fixos preferível frente ao modelo aleatório. Todos com nível de significância de 1%. O emprego do teste de Durbin-Wu-Hausman concorreu para a inobservância de endogeneidade no modelo.

Dessa forma, foi estimado o modelo de efeitos fixos para o painel, cujos resultados estão apresentados na tabela 2. As descobertas ajudam a desvendar o porquê de um município receber emendas parlamentares, diante dos aspectos que foram considerados como variáveis explicativas ou de controle, em alinhamento com a teoria.

Tabela 2
Estatística do modelo de efeitos fixos

De acordo com o resultado do modelo, é possível inferir que a combinação de fatores políticos e técnicos impulsionam a indicação das emendas, pois as variáveis explicativas: O_impositivo, PBF, Pib_pc, TAIS, TxC_pré_natal, Nasf, P_ES, Est_pop, Da_eleito, Ds_eleito, D_reeleito, Dep_pref, Dep_gov, Dep_rank, foram estatisticamente significativas ao nível de 5%, e obtiveram relação positiva, exceto a variável D_reeleito, que apresentou relação negativa com o valor per capita recebido via EPIs, que pode ser devido à mudança do arranjo político local nas eleições municipais.

A EC 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015., ao tornar o orçamento impositivo, afeta diretamente a alocação das EPIs, elevando os valores alocados, corroborando Baião, Couto e Jucá (2018)BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; JUCÁ, I. C. A execução das emendas orçamentárias individuais: papel de ministros, cargos de liderança e normas fiscais. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 25, p. 47-86, 2018. e Tavares (2016)TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016., os quais apontam que o orçamento impositivo proposto pela EC 86/2015BRASIL. Emenda Constitucional nº 86, de 17 de março de 2015. Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica. Diário Oficial da União, 2015. afeta diretamente a alocação de recursos públicos, pois torna obrigatória a execução das EPIs durante o exercício financeiro, independente de apoio à agenda presidencial, tendo os deputados maior discricionariedade na escolha de suas propostas. O orçamento impositivo visa equalizar os poderes e reduzir o poder de alocação discricionária de recursos públicos pelo governo federal e de seu poder de barganha em torno da liberação e execução das emendas, além de garantir que metade do valor proposto às EPIs seja destinado à saúde. A descentralização fiscal surge como artifício capaz de promover ganhos de bem-estar social (ALMEIDA, 2021ALMEIDA, D. P. B. de. O mito da ineficiência alocativa das emendas parlamentares. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, 2021.).

Os resultados apresentados na tabela 2 demonstram que as variáveis relacionadas a indicadores sociais, de saúde e eleitorais/políticos foram significativas para explicar os valores per capita de EPIs, destinados aos municípios brasileiros. Denotando que os parlamentares, ao mesmo tempo em que se preocupam com seu reduto eleitoral, também têm propensão de contribuir para a redução das assimetrias sociais, principalmente na saúde, uma vez que os indicadores diretamente relacionados à dimensão de saúde explicam o recebimento de recursos via EPIs. Fato que se torna ainda mais relevante em um período marcado pelo “congelamento” do teto de Ações e Serviços Públicos de Saúde - ASPS, em que as EPIs podem ser um possível meio de minimizar as assimetrias do sistema público de saúde, garantindo, sobretudo, recursos para o custeio das ações.

É possível perceber que as variáveis TxC_pré-natal, NASF, P_ES, PBF, PIB_PC, TAIS, relacionadas às dimensões de saúde e sociais, ou seja, indicadores que permitem fazer o levantamento das heterogeneidades regionais em suas dimensões de necessidades em saúde, como forma de subsidiar as políticas públicas, relaciona-se de forma diretamente proporcional à alocação de recursos públicos advindos das EPIs. Isto denota a responsabilidade dos parlamentares em apoiar financeiramente os municípios na gestão da atenção básica, podendo ter entre seus princípios a redução das iniquidades em saúde, caminhando na direção de equalizar os efeitos entre os grupos sociais, mais ou menos favorecidos.

Estes resultados vão ao encontro do proposto por Bertholini, Pereira e Rennó (2018)BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018. que afirmam que as emendas parlamentares são bem-sucedidas em destinar recursos aos municípios mais necessitados e apontam que os municípios mais pobres, de acordo com o PIB per capita, têm maior probabilidade de receber recursos via EPIs. Portanto, as características socioeconômicas dos municípios, que indicam a necessidade de transferências, afetam a alocação dos recursos via EPIs; podendo evidenciar que, além de aderir às demandas locais, a alocação de recursos advindos das EPIs promove desenvolvimento e inclusão social.

Nesta mesma perspectiva, Almeida (2021)ALMEIDA, D. P. B. de. O mito da ineficiência alocativa das emendas parlamentares. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, 2021., Oliveira (2018)OLIVEIRA, C. N. de. Emendas Parlamentares: entre a ficção e a realidade na assistência financeira às Universidades Estaduais. Universidade e Sociedade 61 Ano XXVIII - Nº 61 - janeiro de 2018. Revista publicada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN. Semestral. Brasília., Carvalho (2007)CARVALHO, M. Efeitos das Emendas Parlamentares ao Orçamento na Redução das Desigualdades Regionais. Monografia apresentada para aprovação no Curso de Especialização em Orçamento Público realizado pelo Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União em parceria com o Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, 2007. e Ames (2003)AMES, B. Os Entraves da Democracia no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. indicam que as emendas parlamentares têm propensão de reduzir as desigualdades regionais, refletindo na melhoria dos indicadores sociais e de saúde. Assim, os parlamentares, ao mesmo tempo em que beneficiam seus redutos eleitorais, também se preocupam em proporcionar melhorias para o Estado como um todo.

Pelos resultados apresentados na tabela 2, é possível identificar que as variáveis Ds_eleito, Da_eleito, Dep_pref, Dep_gov, Dep_rank e D_reeleito, relacionadas à dimensão de ganho político, são significativas para explicar os recursos financeiros advindos das EPIs. A destinação das EPIs é condicionada ao deputado federal ser do partido do prefeito ou do governador; ter melhorado na ordem de classificação dos mais votados; estar entre os deputados mais votados do município; bem como estar tentando estabelecer conexões políticas através da destinação de EPIs, ou por identificar que aquele município necessita de tais recursos. Portanto, os resultados vão ao encontro do proposto pela literatura que aponta que as destinações das EPIs são motivadas pelo “clientelismo político”, ou seja, como meio de os parlamentares "recompensarem" seus eleitores, podendo garantir políticas locais que minimizem as iniquidades do sistema de saúde (BERTHOLINI; PEREIRA; RENNÓ, 2018BERTHOLINI, F.; PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Pork is policy: Dissipative inclusion at the local level. Governance, v. 31, n. 4, p. 701-720, 2018.), assim como garantir sua sobrevivência política (BAIÃO; COUTO; JUCÁ, 2018BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G.; JUCÁ, I. C. A execução das emendas orçamentárias individuais: papel de ministros, cargos de liderança e normas fiscais. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 25, p. 47-86, 2018.).

Melhorar a posição na ordem dos deputados mais votados nos municípios afeta positivamente a alocação das EPIs. No entanto, Lago e Rotta (2014)LAGO, I. C.; ROTTA, E. Conexão eleitoral e reeleição entre deputados federais do sul do Brasil/1998-2010. Revista de Sociologia e Política, v. 22, n. 49, p. 139-156, 2014. descrevem que o impacto das emendas nas chances de conquistar votos aumenta se os recursos forem transferidos nos últimos dois anos do mandato, e se forem destinados para municípios que não estejam entre os que mais contribuíram para eleger o deputado no pleito anterior. Demonstrando que o parlamentar que age de forma racional em suas escolhas, atinge um de seus principais interesses, a sobrevivência política.

O fato de o deputado destinar recursos para um município que não foi eleito, quer para estabelecer redes políticas ou para atender às necessidades de saúde daquele município, e na eleição seguinte, estar entre os mais votados, denota que o eleitor “recompensa” o deputado que destina recursos ao seu município, independente da pretensão do parlamentar, corroborando Oliveira, Fontes Filho (2017)OLIVEIRA, C. B. de; FONTES FILHO, J. R. Problemas de agência no setor público: o papel dos intermediadores da relação entre poder central e unidades executoras. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 4, p. 596-615, 2017. e Borba (2005)BORBA, J. Cultura política, ideologia e comportamento eleitoral: alguns apontamentos teóricos sobre o caso brasileiro. Opinião pública, v. 11, n. 1, p. 147-168, 2005., que descrevem que a relação parlamentar/eleitor é envolvida por incertezas. Indo também vai ao encontro da Teoria da Escolha Pública e ao proposto por Viscusi e Gayer (2015)VISCUSI, W. Kip; GAYER, Ted. Behavioral public choice: the behavioral paradox of government policy. Harvard Journal of Law and Public Policy, v. 38, n. 3, p. 973-1007, 2015, que preveem que a alocação de recursos leva a uma troca voluntária e benéfica, que gera o bem-estar das partes envolvidas, e que o indivíduo é maximizador de utilidades egoístas e racionais. O parlamentar e o eleitor, assim como quaisquer indivíduos, são motivados em atingir os objetivos que satisfazem seus próprios interesses: o parlamentar permanecer no poder; e o eleitor, garantir políticas locais. Corroborando Tavares (2016)TAVARES, R. P. Orçamento impositivo de emendas parlamentares individuais: análise comparativa da execução orçamentária de 2012 a 2015 no âmbito do MCTIC. 2016., o qual aponta que, para muitos eleitores, o bom parlamentar é aquele que viabiliza investimentos para seu município. Demonstrando que o parlamentar que almeja permanecer no poder deve ser racional ao definir a alocação das EPIs de sua autoria.

Ressalta-se o fato de que o deputado pertencer à mesma base partidária do prefeito e/ou do governador afeta positivamente a alocação das EPIs, demonstrando a importância das redes políticas. Sendo o parlamentar e o prefeito do mesmo partido, o condicionante de maior relevância para o aumento do recebimento de recursos financeiros via EPIs. Confirmando Baião e Couto (2017)BAIÃO, A. L.; COUTO, C. G. A eficácia do pork barrel: a importância de emendas orçamentárias e prefeitos aliados na eleição de deputados. Opinião Pública, v. 23, n. 3, p. 714-753, 2017., que mostram que as transferências às prefeituras são mais eficazes quando prefeito e deputado são correligionários partidários. Mas, o prefeito só apoia o deputado quando ele envia recursos financeiros para os cofres do governo municipal, confirmando, mais uma vez, a Teoria da Escolha Pública, isto é, que o indivíduo é maximizador de utilidades egoístas e racionais, conforme proposto por Dias (2009)DIAS, M. A. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 6, 2009.. No entanto, segundo Holcombre (2018) e Salm (2009)SALM, José Francisco. Políticas públicas e desenvolvimento: bases espistemológicas e modelos de análise. Ed. Univ. de Brasília, 2009., essa concentração de benefícios em favor de grupos de interesses pode fazer com que os recursos não sejam alocados para seu uso de maior valor.

É possível identificar também que, estar entre os deputados federais mais votados no município, está positivamente associado à alocação das EPIs, tanto para manter seu reduto eleitoral, como demonstrando que existe uma relação de responsividade entre parlamentar e eleitor, corroborando o apontamento de Tromborg e Schwindt-Bayer (2019)TROMBORG, M. W.; SCHWINDT-BAYER, L. A. Constituent demand and district-focused legislative representation. Legislative Studies Quarterly, Iowa City, v. 44, n. 1, p. 35-64, Feb. 2019, de que “a democracia representativa está enraizada na relação entre eleitores e seus representantes” e que os “eleitos devem ser responsivos aos anseios e preferências dos votantes” (TROMBORG; SCHWINDT-BAYER, 2019TROMBORG, M. W.; SCHWINDT-BAYER, L. A. Constituent demand and district-focused legislative representation. Legislative Studies Quarterly, Iowa City, v. 44, n. 1, p. 35-64, Feb. 2019, p. 35).

No período analisado, a alocação das EPIs é explicada pela reeleição do deputado, porém, de forma inversamente proporcional. Portanto, a reeleição não pode ser tomada como a estratégia mais eficientes para alocar recursos via EPIs, embora sejam utilizadas pelos deputados para "recompensar" seus eleitores.

Este resultado corrobora Lago e Rotta (2014)LAGO, I. C.; ROTTA, E. Conexão eleitoral e reeleição entre deputados federais do sul do Brasil/1998-2010. Revista de Sociologia e Política, v. 22, n. 49, p. 139-156, 2014., ao confirmarem que as emendas orçamentárias só estão positivamente associadas ao aumento das chances de obtenção de votos se o deputado não estiver entre os mais votados daquele município, e quanto mais o deputado preocupa-se em "retribuir" com recursos de suas emendas aos municípios que mais lhe deram votos, menos impacto positivo as emendas têm sobre suas chances de conquistar novos eleitores nesses mesmos municípios na eleição seguinte, em comparação às suas chances de conquistar votos, em novos municípios que estão indicando as emendas.

Pereira e Rennó (2003)PEREIRA, C.; RENNÓ, L. Successful re-election strategies in Brazil: the electoral impact of distinct institutional incentives. Electoral Studies, v. 22, n. 3, p. 425-448, 2003. apontam também que a distribuição das EPIs afeta fortemente a quantidade de competidores dentro do distrito eleitoral, diminuindo a quantidade de rivais dentro dos redutos eleitorais. Esta redução na competição, no entanto, pode fazer o parlamentar se sentir confortável para reduzir o quantitativo de recursos alocados àquela localidade, visto que não conseguirá ampliar, de forma significativa, o número de votos naquele município.

Portanto, os parlamentares são motivados a agir racionalmente, dispersando entre os municípios os recursos de sua autoria, quer para estabelecer novas redes políticas, quer para atender às demandas locais de municípios necessitados, com o objetivo de conquistar mais e novos votos, e permanecer do poder. No entanto, Almeida (2021)ALMEIDA, D. P. B. de. O mito da ineficiência alocativa das emendas parlamentares. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 34, 2021. aponta que a opinião pública avalia esta pulverização de recursos como aplicações ineficientes do ponto de vista das políticas nacionais.

O valor das EPIs_PC, ao aumentar de forma inversamente proporcional à reeleição do deputado no município, confronta o proposto por Klingensmith (2019)KLINGENSMITH, J. Z. Political Entrepreneurs and Pork-Barrel Spending. Economies, v. 7, n. 1, p. 16, 2019., Maskin e Tirole (2019)MASKIN, E.; TIROLE, J. Pandering and pork-barrel politics. Journal of Public Economics, v. 176, p. 79-93, 2019. e Lemos e Ricci (2011)LEMOS, L.; RICCI, P. Individualismo e partidarismo na lógica parlamentar: o antes e o depois das eleições. In: O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2011. p. 207-238., os quais apontam que garantir repasses financeiros aos redutos eleitorais é um imperativo da sobrevivência política.

Os resultados demonstram como os parlamentares são racionais e buscam benefícios próprios e que as EPIs são permeadas pela relação clientelista. No entanto, este clientelismo das EPIs pode ser visto como democrático e responsivo, uma vez que o parlamentar, ao destinar recursos para os municípios, atende à demanda local, garantindo melhorias no sistema de saúde, além de, como mostra a tabela 2, indicadores de saúde serem levados em consideração na alocação das EPIs.

Portanto, a alocação das EPIs pode ser analisada como um mercado competitivo, em que os agentes têm motivações egoístas, e se assume que os parlamentares pretendem maximizar seu número de votos e garantir a reeleição (PEREIRA, 1997PEREIRA, P. T. A teoria da escolha pública (public choice): uma abordagem neoliberal?. Análise Social, p. 419-442, 1997.); e o principal, eleitores, com políticas públicas que beneficiem seus municípios. Indo ao encontro de Buchanan (1975)BUCHANAN, J. M. The limits of liberty: Between anarchy and Leviathan. University of Chicago Press, 1975. e Lemieux (2015)LEMIEUX, P. The State and Public Choice. The Independent Review, v. 20, n. 1, p. 23-31, 2015., quando os mesmos apontam que, do ponto de vista da escolha pública, o Estado é o produto de trocas políticas, que existe com o intuito de servir à sociedade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A destinação de recursos feita pelos parlamentares para políticas locais deve ser vista como responsiva, pois a democracia propõe que os eleitos sejam responsivos às pretensões dos votantes, portanto, o atendimento às demandas por políticas locais não significa ruptura na representação, mas uma possível forma de contribuir para que as transferências sejam mais justas e democráticas. Assim, os parlamentares, ao alocarem as EPIs, podem estar agindo de forma clientelista, mas também responsiva, às demandas dos eleitores.

Esta relação “clientelista” em que se negociam votos por políticas públicas locais, pode não garantir o interesse do parlamentar, sua reeleição, uma vez que os resultados da pesquisa mostram que a combinação de fatores políticos e técnicos impulsionam a alocação das EPIs, ou seja, indicadores sociais e de saúde, assim como os de ganho político. Isso nos leva a refletir que os parlamentares, ao mesmo tempo que dedicam esforços em corrigir as iniquidades do sistema público de saúde, podem agir de forma responsiva, mas também, oportunista, e beneficiar seus redutos eleitorais, resultando em uma troca voluntária e benéfica que gera o bem-estar das partes envolvidas.

É possível inferir que, para garantir o voto do eleitor, o parlamentar deve alocar EPIs para políticas que satisfaçam aos anseios particulares dos eleitores e induzam a percepção de benefícios adquiridos. Destarte, apenas destinar recursos via EPIs demonstra não ser suficiente. É necessário ser responsivo e racional em sua destinação, entender o momento em que as EPIs não são tão necessárias a determinados municípios e abdicar dele, para investir em outros meios, pois, só assim poderá conseguir maximizar seu interesse próprio, que é a sobrevivência política.

Retomando a Teoria da Escolha Pública, a qual afirma que tanto na política como na economia o indivíduo é maximizador de utilidades egoístas e racionais, derivadas do auto interesse de eleitores e políticos (DIAS, 2009DIAS, M. A. James Buchanan e a “política” na escolha pública. Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 6, 2009.); no “mercado da alocação das EPIs”, parlamentares e eleitores são maximizadores de utilidades egoístas e racionais, em que, o que está em jogo é o interesse próprio das partes envolvidas, de uns, a reeleição; e, de outros, políticas locais. Nesse jogo, as redes políticas estabelecidas, sobretudo com os prefeitos, são de primordial relevância para fortalecer a percepção do benefício adquirido. Se o interesse privado não se sobrepor ao interesse público, e contribuir para minimizar as assimetrias em saúde, sobretudo dos pequenos municípios, que só têm algumas de suas demandas de investimento de alto custos atendidos por meio das EPIs, o parlamentar está sendo responsivo aos eleitores e contribuindo para que as transferências intergovernamentais sejam mais equânimes. Portanto, esse produto de trocas políticas, que existe com o intuito de servir à sociedade, caracteriza o Estado e suas relações de poder.

Assim como o mercado econômico, o “mercado das EPIs” não é de concorrência perfeita, pois o parlamentar é motivado por seus interesses privados, ou seja, garantir sua sobrevivência política, e, para isso, sujeita-se às pressões de grupos de interesses e eleitores. Somando-se esse fato à assimetria de informação existente entre o parlamentar e o eleitor, não sendo possível a identificação de todas as demandas locais em todos os momentos. Por isso, os parlamentares se dedicam em priorizar seus investimentos para determinadas localidades; no entanto, tem que ser racional nas escolhas, pois investimentos em municípios ou políticas locais já consideradas não “tão necessárias” não geram os mesmos benefícios à população e isso pode influenciar nas chances de reeleição, partindo do pressuposto que os indivíduos são maximizadores de bem-estar próprio. Por isso, temos a existência de um contrato de alocação das EPIs incompleto e agentes imperfeitos, o parlamentar e o eleitor.

Como limitação do trabalho pode-se citar a análise, apenas das EPIs. Portanto para trabalhos futuros, recomenda-se a avaliação dos demais tipos de emendas parlamentares, individuais, de bancada, de comissão e da relatoria. Assim como os efeitos das emendas parlamentares nos indicadores de resultados da saúde, no contexto dos municípios brasileiros, a fim de aprofundar o entendimento de que a indicação de políticas locais é capaz, ou não, de corrigir as assimetrias do sistema público de saúde.

  • 6
    Expressão utilizada na literatura internacional para designar o particularismo legislativo, em que deputados utilizaram políticas distributivas visando o voto dos beneficiários (LOWI, 1964LOWI, T. J. American business, public policy, case-studies, and political theory. World politics, v. 16, n. 4, p. 677-715, 1964.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2022
  • Aceito
    06 Mar 2023
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