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INOVAÇÃO ABERTA EM COMPANHIAS DE SANEAMENTO BÁSICO BRASILEIRAS1

OPEN INNOVATION IN BRAZILIAN BASIC SANITATION COMPANIES

INNOVACIÓN ABIERTA EN EMPRESAS BRASILEÑAS DE SANEAMIENTO BÁSICO

RESUMO

O presente artigo investiga como as companhias de saneamento básico brasileiras realizam os processos de inovação aberta. A pesquisa foi realizada em duas fases: envio de questionários e entrevistas em profundidade com 30 gestores. Os resultados evidenciam que todas as companhias pesquisadas demonstraram que muitas ideias “escapam” para o mercado, principalmente, por meio da atuação dos fornecedores. Além disso, seis companhias investigadas adotam a inovação aberta do tipo de fora para dentro. O estudo ensejou ainda a classificação em um novo tipo de inovação aberta: inovação aberta semiacoplada. Os esforços de cocriação são realizados principalmente com fornecedores e universidades. O gerenciamento da propriedade intelectual é realizado somente em algumas companhias por meio de patentes. A área de pesquisa e desenvolvimento possui os seguintes papeis: facilitadora, intermediadora e motor difusor da inovação. Pelos resultados expostos, é possível perceber que a inovação aberta pode ser adaptável a diversos cenários dentro dos quais as organizações estão inseridas. Além disso, esse tipo de inovação pode ter diferentes tipos de abertura, o que determina uma mudança de mentalidade dentro das empresas.

Palavras-chave:
Inovação Aberta; Inovação; Atividades Inovativas; Saneamento Básico

This article investigates how Brazilian basic sanitation companies carry out open innovation processes. The research was carried out in two phases: sending questionnaires and in-depth interviews with 30 (thirty) managers. The results show that all the companies surveyed demonstrated that many ideas “escape” to the market, mainly through the actions of suppliers. In addition, six investigated companies adopt outside-in open innovation. The study also led to the classification of a new type of open innovation: semi-coupled open innovation. Co-creation efforts are mainly carried out with suppliers and universities. Intellectual property management is carried out only in some companies through patents. The research and development area has the following roles: facilitator, intermediary and innovation diffusion engine. From the exposed results, it is possible to realize that open innovation can be adaptable to different scenarios, within which organizations are inserted. In addition, this type of innovation can have different types of openness, which determines a change of mindset within companies.

Keywords:
Open Innovation; Innovation; Innovative Activities; Basic Sanitation


Este artículo investiga cómo las empresas brasileñas de saneamiento básico llevan a cabo procesos de innovación abierta. La investigación se realizó en dos fases: envío de cuestionarios y entrevistas en profundidad con 30 (treinta) directivos. Los resultados muestran que todas las empresas encuestadas demostraron que muchas ideas “escapan” al mercado, principalmente a través de las acciones de los proveedores. Además, seis empresas investigadas adoptan la innovación abierta de afuera hacia adentro. El estudio también condujo a la clasificación de un nuevo tipo de innovación abierta: la innovación abierta semi-acoplada. Los esfuerzos de co-creación se realizan principalmente con proveedores y universidades. La gestión de la propiedad intelectual se realiza únicamente en algunas empresas a través de patentes. El área de investigación y desarrollo tiene los siguientes roles: facilitador, intermediario y motor de difusión de la innovación. A partir de los resultados expuestos, es posible percibir que la innovación abierta puede ser adaptable a diferentes escenarios, dentro de los cuales se insertan las organizaciones. Además, este tipo de innovación puede tener diferentes tipos de apertura, lo que determina un cambio de mentalidad dentro de las empresas.

Palabras clave:
Innovación Abierta; Innovación; Actividades Innovadoras; Saneamiento


INTRODUÇÃO

A inovação aberta é definida como o fluxo das ideias entre as organizações e o mercado, criando diversas formas de relacionamento entre seus agentes - universidades, consumidores, fornecedores e até mesmo concorrentes. O fluxo está relacionado à atuação em redes por meio da cocriação de valor (DAHLANDER; GANN, 2010DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010.; GASSMANN; ENKEL, 2004GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004.).

Uma das quebras de paradigma trazidas pela inovação aberta diz respeito ao modelo de gestão da propriedade intelectual, a qual passa a ser protegida e comercializada. Para Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., a propriedade intelectual é um subconjunto formado por ideias que são inovadoras e úteis, sendo transformadas em práticas de forma tangível e gerenciadas de acordo com a lei. Segundo o autor, a gestão da propriedade intelectual na inovação aberta envolve a comercialização da propriedade intelectual. Além disso, de acordo com a lógica da inovação aberta, as empresas podem optar por patentear um conhecimento central e, ao mesmo tempo, analisar a possibilidade de disponibilização do conhecimento.

A área de pesquisa e desenvolvimento também assume um novo papel dentro da inovação aberta, gerando lucros adicionais a partir da venda dos produtos de pesquisa a outras empresas (CHESBROUGH, 2012CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012.). Assim, o desempenho das empresas privadas, ao adotarem a inovação aberta, levanta a questão de sua aplicabilidade no serviço público. Estudos nessa área apontam que, embora os compromissos governamentais incentivem as organizações a adotarem inovação aberta (FREITAS; DACORSO, 2014FREITAS, R. K. V.; DACORSO, A. L. R. Inovação aberta na gestão pública: análise do plano de ação brasileiro para a Open Government Partnership. Revista de Administração Pública, v.48, n.4, 2014.), há obstáculos para sua implementação relacionados a fatores estruturais e burocráticos, além da interação quanto aos fatores externos (DESIDÉRIO; ZIBER, 2014DESIDÉRIO, P. H. M.; ZIBER, M. A. Barreiras no processo de transferência tecnológica entre agências de inovação e empresas: observações em universidades públicas e privadas. Revista gestão e tecnologia, v. 14, n.2, p. 101-126, 2014.).

O saneamento é um serviço de caráter público que enfrenta desafios complexos, precisando desenvolver novas ideias e soluções efetivas. Sob essa perspectiva, os problemas públicos ganham novos contornos em função do novo papel dos agentes públicos, que se tornam agentes inovadores (CUNHA, 2017CUNHA, B. Q. Uma análise da construção da agenda de inovação no setor público a partir de experiências internacionais precursoras. In: CAVALCANTE, P.; CAMÕES, M.; CUNHA, B.; SEVERO, W. (Org.). Inovação no setor público: teoria, tendências e casos no Brasil. Brasília: Ipea, 2017.).

Considerando a importância do setor de saneamento e sua relevância para o desenvolvimento social e econômico, o presente artigo objetiva responder à seguinte questão de pesquisa: como as companhias de saneamento básico brasileiras realizam os processos de inovação aberta?

O objetivo foi investigar como as companhias de saneamento básico brasileiras realizam os processos de inovação aberta, à luz das teorias desenvolvidas por Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. e Gassman e Enkel (2004). Assim, este trabalho pretende i) identificar a existência da área de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e/ou de inovação nas companhias; ii) analisar o tipo de processo de inovação aberta adotado; iii) verificar como se realizam os esforços de cocriação; iv) analisar o gerenciamento da propriedade intelectual; e v) identificar a atuação de P&D interna.

Quanto à expectativa de contribuição teórica sobre inovação aberta, apresentam-se aspectos relacionados à sua abrangência, ou seja, demonstra-se de que forma ela é aplicada nas empresas, quais as práticas implementadas que possibilitam o processo de cocriação, como se dá a gestão da propriedade intelectual e como o setor de pesquisa e desenvolvimento consegue desvincular-se de uma visão focada no interior das empresas para ligar-se a uma visão voltada ao conhecimento disponível no mercado. O estudo permite a evolução teórica do tema, possibilitando ainda a compreensão temática no contexto de um serviço público (SILVA et al., 2022SILVA, M. R. D. S.; OLIVEIRA, J.; FRANCA, V. V.; LUFT, M. C. M. S.; OLAVE, M. E. L. Inovação no setor público: mapeando o campo e as temáticas da produção científica brasileira na área de administração. Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p. 1-19, 2022.). Silva et al. (2022)SILVA, M. R. D. S.; OLIVEIRA, J.; FRANCA, V. V.; LUFT, M. C. M. S.; OLAVE, M. E. L. Inovação no setor público: mapeando o campo e as temáticas da produção científica brasileira na área de administração. Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p. 1-19, 2022. evidenciam a relevância de desenvolver e consolidar um arcabouço que contemple as particularidades da inovação no setor público, tendo como um dos caminhos a compreensão dos padrões de funcionamento existentes no setor.

O presente estudo apresenta contribuições para um melhor entendimento da adoção de práticas de inovação aberta, estimulando a sua utilização por outros órgãos públicos, bem como nas demais companhias de saneamento que ainda não a tenham adotado. Adicionalmente, as principais lacunas preenchidas por este trabalho em relação aos estudos anteriores foram: ampliação do escopo, envolvendo um maior número de companhias e de entrevistados; realização de entrevistas com gestores e colaboradores das áreas operacionais; e compreensão dos padrões de funcionamento, dos fluxos de inovação existentes no setor e dos modelos de colaboração com fornecedores, clientes e demais atores externos. Houve também a identificação de um novo tipo de inovação aberta, a semiacoplada.

1 INOVAÇÃO ABERTA

O desenvolvimento econômico é, segundo Schumpeter (1997)SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. São Paulo: Nova Cultural, 1997., fruto de modificações descontínuas no processo produtivo a partir de novas combinações de meios produtivos. O autor cita cinco formas de inovação: introdução de um novo bem ou uma nova qualidade do bem; implantação de um novo método de trabalho; abertura de um novo mercado; conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas; e estabelecimento de uma nova organização. O requisito para ser inovador é que o produto, o processo ou o método sejam novos para a empresa. Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004. perceberam que a inovação não necessariamente deve ficar dentro da empresa, enquadrando-se no conceito de inovação fechada. Essa lógica está sofrendo erosão para dar lugar a um novo tipo de inovação (CHESBROUGH, 2012CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012.). Fontes externas de conhecimento são consideradas indispensáveis ao processo de inovação. Consequentemente, as barreiras impostas à inovação pelas fronteiras organizacionais foram removidas e o processo de criação deve agora abranger as partes interessadas externas (LAPPALAINEN; ALEEM; SANDBERG, 2023LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023.), numa ampla rede de colaboração. Para Bessant e Tidd (2009)BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e empreendedorismo. Porto Alegre: Bookman, 2009., as redes não só possibilitam os avanços tecnológicos, mas propiciam espaço para a aprendizagem compartilhada e a minimização de riscos.

Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011. classifica a inovação aberta como inovação aberta de entrada e inovação aberta de saída. A primeira refere-se ao uso externo de conhecimento, enquanto a segunda abrange a exploração do conhecimento interno. Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004. propuseram três tipologias dentro das quais ocorre a inovação aberta: outside-in, ou de fora para dentro, envolve a conexão de conhecimentos, clientes e fornecedores, trazendo para a empresa contribuições externas; inside-out, ou de dentro para fora, refere-se à saída de ideias não aproveitadas ou subaproveitadas de dentro para fora da empresa, permitindo que outras empresas aproveitem as ideias que estão na “prateleira”; e o último processo, chamado acoplado, liga os dois primeiros, formando alianças.

Piller e West (2017)PILLER, F.; WEST, J. Empresas, usuários e inovação: um modelo interativo de inovação aberta acoplada. In: CHESBROUGH, H.; VANHAVERBEKE, W.; WEST, J. (Org.). Novas fronteiras em inovação aberta. trad. Gisele Valentim Rocha; rev. téc. Carlos Henrique Pereira Mello. São Paulo: Blucher, 2017. ampliam a concepção da inovação aberta acoplada, propondo quatro dimensões para atuação das empresas: atores externos, topologia acoplada, ímpeto para colaboração e locus da inovação Clientes e fornecedores devem ser integrados à organização de forma a gerar valor para o mercado. Isso se reflete no que Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004. definem como transbordamento do conhecimento que vem de fora para dentro.

Outra forma de capturar valor para a organização, conforme a inovação aberta, é gerenciando a propriedade intelectual. Para Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011., o gerenciamento é desafiador, pois a decisão de investir em propriedade intelectual deve ocorrer no início do desenvolvimento do novo produto, processo ou serviço. Nesse ponto, é importante considerar um tipo particular de inovação aberta, que é aquela que surge a partir da colaboração entre empresas e startups (BANNERJEE; BIELLI; HALEY, 2016BANNERJEE, S.; BIELLI, S.; HALEY, C. Scaling together: overcoming barries in corporate-startups collaboration. London: Nesta, 2016.), com rápida geração de conhecimento e, portanto, exigindo processos robustos de gestão da propriedade intelectual.

A arquitetura proposta, com a implementação de uma P&D interna, permite a geração da inovação em apenas um componente de um determinado produto, por exemplo, sem a preocupação com o possível impacto em outras partes do sistema. Isso é possível por meio da abertura horizontal da empresa quando participa de mercados intermediários, ao contrário do que acontece na verticalização. Há, então, o envolvimento de compras externas de apenas algumas peças, reduzindo custos e tempo de desenvolvimento (CHESBROUGH, 2012CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012.).

Os aspectos relacionados ao tema inovação até aqui descritos não indicam o modelo ideal para cada tipo de negócio ou setor de atuação de cada organização, seja ela pública ou privada. Dessa forma, a organização deve analisar o modelo de inovação que melhor atender às suas necessidades (LAPPALAINEN; ALEEM; SANDBERG, 2023LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023.).

Lins et al. (2022)LINS, E. R.; FERREIRA, A. A. L.; ALVES, B. N.; XAVIER FILHO, J. L. J.; FERNANDES, N. C. M. Inovação aberta no Brasil: estudo bibliográfico e discussão conceitual. Perspectivas em Gestão & Conhecimento, v. 12, n. 1, p. 186-206, 2022. destacam ainda que os estudos na área de maior relevância foram aqueles que buscaram compreender os processos da inovação aberta por meio das práticas, já que as práticas da inovação aberta carecem de mais estudos. No setor público, ao investigar as produções mais relevantes sobre inovação, Silva et al. (2022)SILVA, M. R. D. S.; OLIVEIRA, J.; FRANCA, V. V.; LUFT, M. C. M. S.; OLAVE, M. E. L. Inovação no setor público: mapeando o campo e as temáticas da produção científica brasileira na área de administração. Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p. 1-19, 2022. perceberam um amadurecimento do campo, realçando temáticas como inovação aberta, inovação em gestão e inovação baseadas em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). A discussão fomentada acerca da inovação aberta no setor público demonstra a relevância da participação de diversos atores no processo inovativo, como cidadãos, agentes governamentais, organizações privadas e não governamentais (SILVA et al., 2022SILVA, M. R. D. S.; OLIVEIRA, J.; FRANCA, V. V.; LUFT, M. C. M. S.; OLAVE, M. E. L. Inovação no setor público: mapeando o campo e as temáticas da produção científica brasileira na área de administração. Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p. 1-19, 2022.).

Bessant e Tidd (2009)BESSANT, J.; TIDD, J. Inovação e empreendedorismo. Porto Alegre: Bookman, 2009. aduzem que a inovação no setor pode não resultar em ganhos financeiros, mas afeta de forma positiva a qualidade de vida de milhões de pessoas e aumenta a eficiência no atendimento ao cidadão. Para Ferreira et al. (2015)FERREIRA; V. da R. S.; TETE, M. F.; DA SILVA, A. I. F.; SOUZA, M. de M. Inovação no setor público federal no Brasil na perspectiva da inovação em serviços. Revista de Administração e Inovação, v. 2, n. 4, p. 99-118, 2015., a inovação no setor público ainda carece de consenso, ao contrário do que ocorre nas firmas privadas. No setor privado, a principal motivação para inovar reside na necessidade de uma maior rentabilidade e competitividade. No setor público, a implantação de inovações é mais complexa.

Silva et al. (2022)SILVA, M. R. D. S.; OLIVEIRA, J.; FRANCA, V. V.; LUFT, M. C. M. S.; OLAVE, M. E. L. Inovação no setor público: mapeando o campo e as temáticas da produção científica brasileira na área de administração. Desenvolvimento em Questão, v. 20, n. 58, p. 1-19, 2022. evidenciam a relevância de desenvolver e consolidar um arcabouço para contemplar as particularidades da inovação no setor público, tendo como um dos caminhos a compreensão dos padrões de funcionamento existentes no setor. O presente estudo apresenta contribuições significativas, aprofundando o conceito de inovação aberta e o entendimento da adoção da inovação no setor de saneamento.

1.1 Estudos prévios correlatos

O conceito de inovação aberta ainda é fragmentado na literatura, em que há a necessidade de uma teoria mais consistente (GASSMANN; ENKEL; CHESBROUGH, 2010GASSMANN, O.; ENKEL, E.; CHESBROUGH, H. The future of open innovation. R&D management, v. 40, n.3, p. 213-221, 2010.). Ressalte-se que quase todos os trabalhos anteriores, aplicados no setor de saneamento, analisaram a inovação aberta seguindo o método qualitativo de pesquisa, já que há uma necessidade de uma teoria mais consistente (GASSMANN; ENKEL; CHESBROUGH, 2010GASSMANN, O.; ENKEL, E.; CHESBROUGH, H. The future of open innovation. R&D management, v. 40, n.3, p. 213-221, 2010.). Assim, os estudos qualitativos podem contribuir para o aprofundamento sobre o tema.

O estudo de Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/te...
trouxe como principais contribuições as oito Unidades de Significado (USs), enquadradas na tipologia de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004., quais sejam: US1, colaboração tecnológica com universidades/acordo de cooperação técnica; US2, parceria com fornecedores e desenvolvimento em conjunto com os mesmos; US3, aquisição de novas tecnologias; US4, prospecção de tecnologias externas, ou no mercado; US5, licenciamentos; US6, comercialização de tecnologias; US7, alianças; e US8, cooperação com parceiros complementares. Essas USs encontram pontos de conexão com o presente estudo, já que foram observadas nas companhias enquadradas no tipo de inovação semiacoplada. Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/te...
afirma que sua pesquisa teve como limitação a ausência dos gestores que atuam diretamente nas áreas operacionais, o que é uma lacuna preenchida pela presente pesquisa. Conforme descrito na metodologia deste estudo, foram realizadas entrevistas com gestores e colaboradores de P&D e também das áreas operacionais.

Ribeiro (2018)RIBEIRO, B. C. Tecnologia e Inovação no Saneamento Básico: uma análise das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) do Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Campinas, Limeira, 2018. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/334272. Acesso em 09.09.2019.
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
descreve como as companhias de saneamento básico no Brasil fazem a gestão da inovação, bem como detecta a existência de cooperação e de colaboração no setor. Diante disso, esta pesquisa contribui para o aprofundamento do conceito de inovação aberta no setor, bem como para o entendimento da adoção da inovação aberta em cada companhia. Já Venditti (2021)VENDITTI, M. Atividades Inovativas de Saneamento Básico Brasileiras. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, v. 6, n. 1, p. 82-103, 2021. buscou identificar as principais atividades inovativas para o saneamento básico brasileiro.

Diante do contexto apresentado, esta pesquisa tem os seguintes diferenciais em relação aos três trabalhos anteriores (GAVA, 2015GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/te...
; VENDITTI, 2021VENDITTI, M. Atividades Inovativas de Saneamento Básico Brasileiras. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, v. 6, n. 1, p. 82-103, 2021.; RIBEIRO, 2018RIBEIRO, B. C. Tecnologia e Inovação no Saneamento Básico: uma análise das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs) do Brasil. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Campinas, Limeira, 2018. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/334272. Acesso em 09.09.2019.
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
): a ampliação na quantidade de sujeitos da pesquisa e número de entrevistados, incluindo os gestores das áreas operacionais; o estudo das práticas de inovação aberta, que são cocriação, atuação de P&D e gerenciamento da propriedade intelectual, destacando os padrões e fluxos utilizados; e o aprofundamento do conceito de inovação aberta, de modo a trazer luz ao tema, tanto na teoria como na prática.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para alcançar os objetivos desta pesquisa, utilizou-se de métodos qualitativos, diante da necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre o tema. Os dados secundários foram coletados por meio de relatórios de gestão, informações contidas nos sites das companhias e informações disponíveis na imprensa escrita. A coleta dos dados primários passou por duas fases: a primeira ocorreu pelo envio de questionários que permitiram a identificação das áreas de P&D e/ou de inovação; e a segunda fase foi constituída por entrevistas e pela aplicação de questionários pós-entrevistas, para aprofundamento e triangulação.

Ressalte-se que os questionários prévios, enviados às companhias, e os aplicados pós-entrevistas, foram os mesmos do instrumento da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), adaptado por Venditi (2018). Realizaram-se pequenas alterações, visando identificar a existência das áreas de P&D e/ou de inovação. Esse instrumento reuniu 22 questões que foram divididas em nove blocos, sendo eles: I - Dados gerais da companhia; II - Introduções ocorridas na empresa; III - Parceiros de práticas de co criação; IV - Intensidade com que a empresa envolveu-se em arranjos cooperativos; V - Importância dos impactos das inovações de serviço, processo e ambiental; VI - Métodos para proteção das inovações; VII - Volume de gastos com P&D; VIII - Importância de cada categoria de parceiro em atividades de cocriação e IX - Grau de importância de cada fonte de informação empregada para a inovoção. Já o roteiro de entrevistas apresentou 12 questões divididas em quatro blocos: i) tipo de processo de inovação aberta adotado; ii) esforços de cocriação; iii) gerenciamento da propriedade intelectual; e iv) atuação da área de P&D interna das companhias.

As unidades de análise foram as companhias estaduais brasileiras de saneamento básico com atuação relevante, atendendo simultaneamente aos seguintes requisitos de modo cumulativo: R1, estar entre as companhias que integram o ranking 1000 da Revista Valor Econômico (VALOR ECONÔMICO, 2018VALOR ECONÔMICO - Ranking 1000 da Revista Valor 2018. São Paulo: Globo, 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/valor1000/2018/ranking1000maiores/%C3%81gua_e_Saneamento. Acesso em: 24/11/2019.
https://www.valor.com.br/valor1000/2018/...
) - este ranking apresenta as empresas do setor de saneamento com maior receita líquida; R2, ser sociedade de economia mista; R3, ter respondido ao questionário enviado preliminarmente; R4, possuir área de P&D ou de inovação; e R5, acessibilidade. Foram enviados questionários para 17 companhias listadas no ranking 1000 da Revista Valor Econômico (VALOR ECONÔMICO, 2018VALOR ECONÔMICO - Ranking 1000 da Revista Valor 2018. São Paulo: Globo, 2018. Disponível em: https://www.valor.com.br/valor1000/2018/ranking1000maiores/%C3%81gua_e_Saneamento. Acesso em: 24/11/2019.
https://www.valor.com.br/valor1000/2018/...
), em que 11 retornaram e possuem áreas de P&D e/ou de inovação, sendo selecionadas seis companhias para a fase das entrevistas, pois cinco delas não atenderam ao requisito R5. As seis companhias investigadas são identificadas pelas letras: A, B, C, D, E e F.

Os sujeitos da pesquisa foram gestores e colaboradores alocados nas unidades de P&D e/ou de inovação e nas áreas operacionais de água e/ou esgoto das companhias selecionadas para a segunda fase, totalizando 30 entrevistas. Pela repetição das respostas, observou-se que a pesquisa atingiu seu ponto de saturação, já que a temática fornecia cada vez menos dados novos (BARDIN, 2016BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições, 2016.).

A categorização foi efetuada da seguinte maneira: o tipo de processo de inovação aberta, conforme Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004., forma a primeira categoria, C1; em seguida, tomam-se os paradigmas da inovação aberta apresentados por Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012.. Essas categorias desdobram-se em fatores-chave, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1
Relação de categorias e fatores-chave

Foi realizada uma análise em profundidade a partir da substância dos textos coletados por meio das entrevistas, das anotações em diário de campo e da pesquisa documental. Após a coleta, seguiu-se uma lógica subjetiva do fluxo do processo de adoção da inovação aberta. Destaque-se que o fator-chave inovação aberta semiacoplada (FC5C1), revelou-se como “elemento surpresa”, pois não foi extraído da literatura, mas surgiu em decorrência dos resultados das entrevistas, considerando os padrões existentes na frequência das palavras e nas expressões. Esses padrões iniciais estabeleceram as primeiras impressões acerca da classificação das empresas dentro da tipologia de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004.. As companhias que apresentavam características das duas primeiras tipologias, inovação de entrada e inovação de saída, mas não conseguiram alcançar a inovação acoplada, foram classificadas em um novo tipo, inovação aberta semiacoplada, pois realizam investimentos em cooperação com fornecedores para integrar o conhecimento adquirido, inovação de fora para dentro, além de demonstrarem ações e padrões que extrapolam os limites de atuação de suas áreas de P&D.

Desse modo, há um rompimento com o modo tradicional de concentração de ideias para um modelo mais aberto de inovação, tornando as empresas mais propensas a formarem alianças. Esse aspecto não foi identificado como ponto central de aprendizagem de inovação nas companhias que realizam o tipo de inovação semiacoplada (FC5C1), conforme se vê nos resultados a seguir apresentados.

3 RESULTADOS

A seguir, são apresentados os achados da pesquisa em relação à adoção da inovação aberta em companhias de saneamento.

3.1 Identificação da existência de P&D e/ou da área de inovação

Com base nas respostas dos 11 questionários, pôde-se vislumbrar as primeiras percepções acerca da atuação e da importância da área de pesquisa e desenvolvimento dentro das companhias, além de identificar a adoção da inovação aberta. Em primeiro lugar, os gastos com P&D em 2018 superaram R$ 500.000,00 em mais da metade das companhias que responderam ao questionário, confirmando a importância da P&D para a maioria delas. Conforme Dahlander e Gann (2010)DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010., as empresas investem fortemente nessa área e a mantém em sua estrutura interna para agilizar o processo de inovação dentro da organização. Dessa forma, surge um primeiro fator-chave previamente identificado: a reconfiguração da área de P&D. Isto posto, a atuação da área de P&D torna-se híbrida, pois, ao mesmo tempo que funciona como catalisador interno de conhecimentos, assume o papel de rastreador de novas ideias no ambiente externo, além de buscar a comercialização das inovações desenvolvidas dentro da empresa. Na análise dos resultados das entrevistas e dos documentos, foi formado o seguinte fator-chave: sistemas de inovação aberta, sinalizando o tipo de processo adotado, outside-in, inside-out ou coupled.

3.2 Tipo de processo de inovação aberta adotado pelas companhias

Nesta subseção, busca-se apontar qual é o tipo de processo de inovação aberta predominante nas companhias pesquisadas, baseado na tipologia de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004.. Preliminarmente, identificou-se que as companhias pesquisadas adotam, de modo principal, a inovação aberta de fora para dentro. Assim, a expressão “não inventado aqui”, mencionada por Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., ganha corpo nas companhias, pois as mesmas possuem em seu entorno fontes valiosas de informações e consideram que existem invenções além dos muros organizacionais, contribuindo para o sucesso da organização.

Desse modo, nas seis companhias pesquisadas, há o reconhecimento da utilização do conhecimento externo disponível, contribuindo para melhorar os resultados e desenvolver práticas direcionadas a alavancar a tecnologia e o conhecimento externo, num processo de aceleração da inovação aberta.

3.2.1 Sistemas de inovação aberta

A dinâmica da transição do modelo fechado para o modelo aberto de inovação pode ser percebida no fator-chave FC1C1, sistemas de inovação aberta, que traz a percepção e interpretação dos entrevistados sobre o tema. Esse fator revela também a evolução conceitual do tema, contribuindo com a literatura existente.

Conforme Chesbrough (2017), o impasse nas definições de inovação aberta reflete mais uma questão de ênfase do que de perspectivas incompatíveis. Quanto ao conceito de inovação aberta, a utilização do conhecimento disponível e a formação de parcerias são os principais elementos citados pela maioria dos entrevistados, ou seja, não há diferenças significativas entre as organizações pesquisadas quanto à percepção de inovação aberta. Atrelado ao conceito, os entrevistados percebem tanto os benefícios da adoção da inovação aberta como também a necessidade de transformação organizacional para se adaptar ao cenário de desafios que o setor enfrenta. Isso pode estar relacionado às motivações da adoção da inovação aberta, podendo ser tema para pesquisas futuras. Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011. apresenta algumas motivações para a adoção da inovação aberta, como a diminuição de custos e aumento da eficiência. Essa compreensão pode ser verificada no relato do entrevistado D1: “Eu entendo que a inovação aberta é aquela que atende o segmento todo a baixos custos, que é um problema seriíssimo que nós temos, e que atenda todas as empresas, é isso que eu chamo de inovação aberta”.

Com relação aos princípios da inovação aberta, eles podem ser definidos como sendo os compromissos que servem de base para toda a organização e garantem a consistência do processo de inovação aberta. Para Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., os princípios traduzem as principais diferenças entre a inovação fechada e a inovação aberta. Os achados desta pesquisa revelam oito princípios básicos, em ordem decrescente de citações: conhecimento aplicável e distribuído; contribuição expandida; captação sistemática de conhecimentos; arranjo organizacional propício; geração de valor; visão de longo prazo; custos reduzidos; e foco no cliente. É importante frisar que não foram encontradas divergências quanto às percepções das bases que sustentam a adoção da inovação aberta entre as companhias. Dessa forma, esses princípios podem representar um conjunto de compromissos que pode ser aplicável ao conjunto dos sujeitos da pesquisa.

Ainda dentro do fator-chave FC1C1, sistemas de inovação aberta, há o que se convencionou chamar de estruturas da inovação aberta, sendo classificadas em dois tipos: trajetória linear e trajetória em Y. Essas trajetórias procuram mostrar como as companhias pretendem capturar valor da inovação, por meio de dois modelos desenvolvidos, a partir da interpretação dos dados. Constatou-se em alguns relatos que mesmo que a tecnologia seja desenvolvida internamente, é feita em parceria com o fornecedor e este passa a comercializá-la fora da companhia.

De acordo com os relatos, o fluxo inicia-se com a análise das ideias rudimentares que depois são tratadas, depuradas, prototipadas e desenvolvidas, concluindo com a aplicação em testes-piloto ou diretamente nas áreas demandantes. Esses resultados corroboram com os achados de Dahlander e Gann (2010)DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010., particularmente com a estrutura que representa uma matriz com diferentes formas de abertura. Segundo os autores, as ideias e as tecnologias disponíveis são utilizadas pelas empresas de forma pecuniária ou não pecuniária e a área de P&D é o veículo para absorver as ideias e os mecanismos externos, avaliando-os e encaixando-os nos processos internos. Dessa forma, a P&D tem um papel preponderante para todas as empresas investigadas.

3.2.2 Inovação aberta de entrada ou de fora para dentro

Chegou-se à conclusão de que o tipo de processo de inovação aberta adotado mais fortemente pelas companhias é a inovação aberta de entrada ou inovação aberta de fora para dentro outside-in, de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004.. Entretanto, metade das companhias apresentou características também de inovação acoplada, o que pode ser considerado como um estágio de transição entre inovação aberta de entrada e inovação aberta acoplada, sendo, por isso, denominada de inovação aberta semiacoplada para este estudo. Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. afirma que muitas empresas estão em estágio de transição entre inovação fechada e aberta. Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011. defende que a inovação aberta não pode ser classificada somente em dois tipos pois, como é um conceito amplo, há diferentes estágios de adoção da inovação aberta.

A lógica da busca por novas ideias em diferentes fontes de informação parece estar presente nas companhias investigadas, sendo realizada de duas maneiras: captação de novas tecnologias externas; e mobilização interna para captar novas ideias originadas internamente. Nota-se a preponderância de prospecção interna na companhia E. Já a companhia D sofreu uma descontinuidade nas atividades de P&D, reduzindo a capacidade de absorção e desacelerando a prospecção de um modo geral.

Quanto às formas de investigação, são as mesmas em praticamente todas as companhias. Dahlander e Gann (2010)DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010. sustentam que, na inovação de entrada ou de fora para dentro, as empresas se beneficiam das ideias externas para gerar lucro, utilizando-se de uma quantidade cada vez maior de fontes de conhecimento externas, corroborando com os achados deste estudo. Para Chesbrough (2017), a inovação de fora para dentro tem recebido maior atenção, tanto na investigação acadêmica como na prática industrial.

A prospecção de ideias externas é realizada majoritariamente por visitas de benchmarking visando assegurar o acesso a novos conhecimentos e a criação de valor, conforme relata o entrevistado A1: “É, são as duas empresas que são bastante acessadas, assim, por nós, eles vêm aqui de vez em quando, a gente vai lá”. Além da busca por novas ideias no mesmo setor, há também a prospecção em setores diferentes, conforme relato do entrevistado F5: “Eu fui na Nutrilite, nós estamos com uma visita à Grendene, porque a ideia é que a gente não vá buscar só em companhia de saneamento, porque a gestão da companhia de saneamento é a mesma, é a gestão pública, tudo igual, eu estou indo para o privado pegar como é […]”.

Como complemento dos mecanismos de prospecção, as empresas participam de feiras, exposições e congressos. Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004. afirmam que essas técnicas são utilizadas por grandes laboratórios de pesquisa. Notadamente, na companhia C, outro mecanismo utilizado para prospecção é o estímulo interno à criatividade. Percebe-se a valorização pelos gestores operacionais das ações internas de P&D da companhia C.

Na perspectiva de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004., a transferência de conhecimento interno e a difusão de novas ideias têm sido reconhecidas como grandes desafios de gestão para empresas, assim, a P&D deve também estar orientada para o ambiente externo. Nessa perspectiva, os pesquisadores internos assumem um novo desafio: gerenciar o máximo de conhecimento disponível, tanto internamente como no mercado (CHESBROUGH, 2012CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012.). Para Chesbrough (2017), a inovação aberta de fora para dentro traz novas ideias de inovação, mas se a empresa não investir na capacidade de processar essas ideias, o influxo pode criar estrangulamentos que atrasam o processo global. O presente estudo indica que essa forma de inovação aberta (de fora para dentro) pode ser percebida em algumas das empresas investigadas, a exemplo das companhias D, E e F.

3.2.3 Inovação aberta de saída

A inovação aberta de saída ou de dentro para fora, outside-out, refere-se à forma como a inovação produzida internamente é conduzida ao mercado sem recompensas financeiras imediatas, buscando, a princípio, ganhos indiretos (DAHLANDER; GANN, 2010DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010.). Este parece ser ainda um ponto cego para o setor, uma vez que o único objetivo para a maioria das empresas pesquisadas é a utilização do conhecimento gerado para auferir ganhos internos. Um dos desafios do setor é encontrar a forma jurídica e os canais corretos para escoamento de novos produtos e serviços, sejam eles onerosos ou não onerosos para o mercado.

Nas empresas investigadas, a comercialização de ideias é realizada por fornecedores que muitas vezes adquirem know how por meio da parceria, desenvolvem soluções e vendem o produto ou equipamento final desenvolvido, algumas vezes patenteando a ideia. Isso ocorre porque, além de uma visão ainda conservadora dentro do setor, o foco atual da adoção da inovação aberta é totalmente interno, com exceção da companhia A. O objetivo é aumentar a eficiência dos sistemas operacionais e também dos macroprocessos voltados ao desenvolvimento de novos negócios, alinhando-se à visão de comercialização de novas ideias.

A crescente influência da tecnologia, as preocupações com a eficiência e os fortes desafios do setor tornam a dinâmica do processo de inovação cada vez mais fluida, e essa abertura torna consistente a concentração estratégica e operacional nas demandas do mercado e dos clientes. Nesse cenário, as atividades de P&D formam a base mais importante para a criação de valor dentro do setor.

3.2.4 Inovação aberta acoplada

Nesse tipo de inovação, segundo Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004., as empresas se concentram em realizar os dois processos de inovação aberta ao mesmo tempo, cooperando com outras empresas de forma estratégica. Confirmando os achados de Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
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, as instituições pesquisadas não realizam a inovação acoplada. Essa constatação pode ser confirmada levando-se em consideração dois fundamentos: i) as companhias não realizam ainda a comercialização dos conhecimentos gerados internamente, nem fazem parcerias nesse intuito, muito embora a metade delas esteja em transição para esse tipo de inovação aberta, acoplada; e ii) as companhias não se enquadram nas seguintes situações: topologia acoplada e ímpeto para a colaboração; e lócus da inovação.

Embora ainda não exista a intenção de vender as novas tecnologias produzidas sob o efeito da cocriação, algumas companhias movimentam estratégias de ruptura dos seus modelos de negócio, por exemplo: a companhia A realiza a integração vertical com a fabricação de produto químico; as companhias B e C possuem patentes e área de novos negócios; a companhia D, além de patentes, tem uma subsidiária com atuação em serviços de água e esgoto em determinadas regiões do estado; e a companhia E possui uma gerência de novos negócios, em fase de implementação de patentes, e estuda novos modelos de negócio por meio de parcerias público-privada. Esse movimento pode produzir avanços na adoção da inovação aberta nessas e em outras companhias do setor. Observa-se, assim, que algumas companhias estão em transição para a adoção da inovação acoplada. Faz-se mister realizar uma análise da condição dessas empresas sob o prisma do que se denominou neste estudo de inovação aberta semiacoplada.

3.2.5 Inovação aberta semiacoplada

Embora a literatura não use esse termo, os autores que formam a base deste trabalho consideram que existem organizações em transição. Segundo Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011., a inovação aberta tem uma natureza multidimensional, podendo apresentar atividades mais ou menos abertas. Dentro dessa visão, Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011. classifica a inovação aberta segundo o processo de inovação e o resultado da inovação, podendo ambos serem abertos ou fechados. Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. admite a existência de um caminho entre dois extremos, de um lado figura a inovação aberta e de outro a inovação fechada. Piller e West (2017)PILLER, F.; WEST, J. Empresas, usuários e inovação: um modelo interativo de inovação aberta acoplada. In: CHESBROUGH, H.; VANHAVERBEKE, W.; WEST, J. (Org.). Novas fronteiras em inovação aberta. trad. Gisele Valentim Rocha; rev. téc. Carlos Henrique Pereira Mello. São Paulo: Blucher, 2017. refutam esse pensamento de Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., afirmando que a inovação aberta não é binária e, portanto, pode apresentar-se de diferentes formas. Dahlander e Gann (2010)DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010. argumentam que há outros tipos de abertura e propõem diferentes formas de inovar de forma fluida.

Com o amparo dessas linhas de pensamento e da interpretação dos dados, chegou-se a esse tipo de inovação aberta que traduz a transição das companhias pesquisadas no continuum da inovação aberta. Optou-se por considerar, para fins de classificação nesta posição, a forma como as novas tecnologias são manejadas e disponibilizadas. Dessa forma, as companhias A, B e C, ao realizarem o tipo de inovação aberta semiacoplada, participam do desenvolvimento de novas tecnologias e realizam cocriação com os principais parceiros que ajudam a desenvolver novas tecnologias internamente. Além dos ganhos internos, a obtenção de retornos financeiros decorrentes do conhecimento gerado também é vislumbrada. O conhecimento gerado é disseminado internamente e, ao mesmo tempo, disponibilizado para o mercado de forma gratuita ou onerosa. As pessoas são incentivadas a gerar novas ideias, em que o entrevistado A2 confirma esse achado: “A experiência foi muito importante pra nós pra poder também depois utilizar outro, esse outro software, por exemplo, que nós estamos utilizando, a gente também trabalhou muito na customização dele, mas já tinha a experiência do outro, então isso é importante em qualquer área”.

Nas companhias D, E e F, o conhecimento gerado é implantado unicamente para ganhos internos, mas é disseminado para o setor por meio das parcerias realizadas com outras companhias de saneamento por meio de convênios. A busca por conhecimento externo é mais forte que a intenção de saída dele, em que o entrevistado E2 confirma esse achado: “Aqui a gente tem um escritório da parte de TI, que é chamado de fábrica lá, que é justamente pra desenvolver sistemas, a gente tem inovações nessa área, mas já implantadas, não corporativamente […]”.

Pela análise do manejo e da disposição de novas tecnologias, confirma-se a classificação encontrada. Os padrões encontrados nas companhias que se enquadram na inovação aberta semiacoplada são: forte impulso para abertura, disseminação interna do conhecimento e propensão para criar novos modelos de negócio. Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. afirma que as empresas que adotam inovação aberta mudam a lógica dominante nas empresas e transformam seus arquétipos em outputs econômicos, valor, lucro, e outras formas de valor.

3.3 Esforços de cocriação de inovação aberta em companhias de saneamento

Nesta subseção, procura-se compreender como as companhias buscam se relacionar com os diversos parceiros. Os esforços de cocriação estão relacionados às estratégias adotadas pelas companhias para realizar as melhores parcerias do modo mais eficiente possível, seja com o objetivo de prospectar novas ideias, comprar novas tecnologias ou produzir, em conjunto, um novo conhecimento. Para Lappalainen, Aleem, Sandberg (2023)LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023., diferentes tipos de parceiros têm diferentes competências, atributos e pontos fortes. As pesquisas existentes discutem a importância, por exemplo, dos fornecedores, dos clientes, dos usuários finais, dos concorrentes, dos intermediários de inovação, das universidades e dos institutos de pesquisa.

Corroborando com Lappalainen, Aleem e Sandberg (2023)LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023., os principais parceiros encontrados em todas as companhias pesquisadas foram: fornecedores, universidades e outras companhias de saneamento. Segundo Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., os fornecedores constituem um importante agente para desenvolver novas tecnologias, tornando mais ágil o processo de invenção; no entanto, eles podem levar para o mercado as ideias produzidas internamente. De modo geral, os fornecedores são percebidos como grandes impulsionadores dos processos de inovação, sendo detentores da maioria das novas tecnologias introduzidas no mercado, segundo os entrevistados. O entrevistado C3 evidencia essa afirmação: “[…] tudo bem que a ideia foi nossa, a gente já sabia que a coisa podia acontecer, mas teve uma participação importante deles, eu entendo que esse é um exemplo bacana, que acabou envolvendo eles, o conhecimento deles também […]”. Esse achado corrobora com a pesquisa de Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
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, segundo o qual as companhias investigadas apresentam forte dependência de seus fornecedores em seus processos de inovação, levando a afirmar que grande parte das tecnologias inovadoras incorporadas às operações das empresas é originária de seus fornecedores.

Já a utilização sistemática de universidades e de centros de pesquisa é percebida em todas as companhias pesquisadas. Conforme Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., a parceria com universidades garante uma criação de valor, mas também novas descobertas com custo reduzido. Essa concepção, no entanto, não tem garantido o alinhamento de interesses entre as universidades e as companhias, a exemplo do que afirma um o entrevistado B4: “[…] eles têm uma percepção do problema e eu tenho uma outra percepção, então a grande dificuldade é o que a gente consegue alinhar isso aqui pra que, pra que ele entenda que o meu problema não é tão simples e que a solução dele, que ele está analisando, não precisa ser tão complicada”.

Nesse ponto, a universidade propõe-se a contribuir com embasamentos teóricos e científicos, aprofundando os temas que formam as bases da literatura adotada muitas vezes pelo próprio mercado e a aplicação de técnicas para o alcance de melhores resultados. O que se pode perceber é a necessidade de uma maior flexibilização de ambos os lados, empresa e universidade, a fim de alcançarem conjuntamente os resultados almejados.

A relação com outras companhias do mesmo setor ocorre praticamente da mesma forma em todas elas, sendo formalizada por convênios, memorando de entendimentos e protocolo de intenções. Não foram identificados instrumentos de prospecção nas companhias D e E. Na companhia F, a chamada pública ainda não ocorreu, mas já é projeto a ser implantado na empresa. Constata-se que as chamadas públicas são também instrumentos utilizados pela maioria das empresas pesquisadas.

A despeito da importância que têm os fornecedores, a formação de uma ampla e diversificada base de conhecimentos é necessária, conforme já destacado, para angariar cada vez mais oportunidades de alavancar a inovação. Concordando com Lappalainen, Aleem e Sandberg (2023)LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023., a gestão de atores é uma área promissora para pesquisas futuras, sendo necessárias mais pesquisas sobre como as organizações abordam o processo de seleção de parceiros em projetos de inovação aberta. Como forma de ampliar essa base, Huizingh (2011)HUIZINGH, E. Open innovation: State of the art and future perspectives. Technovation, v. 31, n. 1, 2011. aponta para um dos modos de incentivo para participação de novos parceiros: a propriedade intelectual, que deve ser gerenciada de maneira eficiente.

3.4 Gerenciamento da propriedade intelectual

Nesta subseção, busca-se identificar de que forma as inovações mais estratégicas são protegidas, de acordo com os preceitos de Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., abordando dois fatores-chave (proteção de novas ideias e caminhos alternativos para geração de valor).

Dentro do contexto da inovação aberta, são duas as formas utilizadas pelas companhias pesquisadas para a proteção de novas ideias: contrato de patentes e celebração de contratos e convênios. Os contratos de patentes são realizados em conjunto com os principais parceiros: fornecedores e universidades. Já a celebração de contratos e convênios são firmados com universidades e/ou com outras companhias de saneamento. Enkel, Gassmann e Chesbrough (2009)ENKEL, E.; GASSMANN, O.; CHESBROUGH, H. Open R&D and open innovation: exploring the phenomenon. R&D management, v. 39, n.4, p. 311-316, 2009. ressaltam que a proteção de ideias é essencial para que as empresas tenham motivação para assumir os riscos dos investimentos, sendo as patentes um meio extremamente forte de proteção.

As companhias que mais realizam patentes são aquelas localizadas nas regiões Sul e Sudeste, já as duas companhias do Nordeste estão em processo inicial de patenteamento, confirmando mais uma vez a diferença entre o tipo de inovação aberta adotado entre as companhias: inovação aberta de entrada e inovação aberta semiacoplada. Nas companhias que já possuem contratos de patentes, observou-se que o objetivo maior é a obtenção de ganhos financeiros.

As companhias A, B e C possuem tipos de patente e de parceria muito parecidos, o que novamente pode confirmar o tipo de inovação aberta adotado, semiacoplada. Além disso, nem todas as companhias realizam patentes das tecnologias desenvolvidas a partir das parcerias, mas solicitam a proteção das ideias desenvolvidas internamente, sendo o caso das companhias D e F. A companhia D realiza patente há algum tempo e parece ter procedimentos internos para avaliar ideias e escolher aquelas que serão levadas para proteção.

Os pontos inibidores são aqueles que causam entraves no processo de proteção de novas ideias ou que desmotivam o patenteamento, como os entraves burocráticos: “Pra você ter ideia a patente em si demora coisa de cinco anos pra ter a emissão do registro.” (F2).

Uma forma adicional de desenvolvimento e proteção de novas ideias é por meio de startups ou spin offs. Para Bannerjee, Bielli e Haley (2016)BANNERJEE, S.; BIELLI, S.; HALEY, C. Scaling together: overcoming barries in corporate-startups collaboration. London: Nesta, 2016., a maior parte da colaboração entre empresas e startups pode ser vista como um tipo particular de inovação aberta. Os autores acreditam que a capacidade de colaborar com startups é mais importante agora do que nunca, dado o ritmo da mudança tecnológica e o rápido surgimento de novos modelos de negócio, impulsionados especialmente pela tecnologia digital.

Neste estudo, foram identificadas, principalmente, as parcerias com startups dentro das universidades. Entretanto, não foram encontradas startups ou spin offs geradas dentro das companhias investigadas. Segundo Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., startups funcionam como pequenos laboratórios de negócios que podem direcionar o mercado para novos rumos ou novas estratégias. Esse pensamento ainda está embrionário ou não existe nas companhias pesquisadas. Muitos executivos empresariais e gestores de inovação indicam que as maiores barreiras à colaboração eficaz entre empresas e startups acontecem frequentemente por fatores internos e relacionados com questões de estratégia, de estrutura, de cultura organizacional ou de processos internos (BANNERJEE; BIELLI; HALEY, 2016BANNERJEE, S.; BIELLI, S.; HALEY, C. Scaling together: overcoming barries in corporate-startups collaboration. London: Nesta, 2016.).

A companhia A, por exemplo, está iniciando investimentos em startups para atender exclusivamente a projetos específicos da empresa. Nesse viés, a companhia A caminha dentro da trajetória em Y, optando não somente pelo desenvolvimento e aplicação interna do conhecimento gerado, mas comercializando-o no mercado. Além disso, atende ao princípio geração de valor, uma vez que ao mesmo tempo produz novas tecnologias para melhorias internas e promove a expectativa de novas receitas.

Conforme os entrevistados, os principais pontos de entraves no surgimento de startups e/ou spin offs, são: ausência de um formato jurídico para criação desses tipos de empresas; e ausência de interesse e de conhecimento por parte das companhias, o que pode ser observado por meio de alguns relatos. O entrevistado C1 destaca que: “Então, as startups são focadas em soluções digitais e elas não têm uma visão muito clara do saneamento, então eu acho, assim, que pode ser que no futuro a gente tenha mais resultado, agora é um pouco mais difícil”.

O surgimento desses caminhos alternativos na alavancagem do conhecimento reconfigura o papel da P&D interno das companhias. Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. assinala pelo menos três formas de impacto causadas pela criação desses caminhos diversificados: geração de receita adicional; maior agilidade na utilização interna de novas tecnologias; e promoção de um cenário experimental para a observação dos conhecimentos expostos no mercado, com identificação de necessidades dos consumidores, tendências e novas oportunidades de mercado. Assim, a atuação da P&D pode ser modificada ao longo da maturação do processo de inovação aberta nas companhias. O próximo tópico explica como essa área tem exercido seu papel dentro e fora das organizações.

3.5 Atuação da área de P&D

Nesta subseção, busca-se analisar o modo pelo qual a P&D interna atua dentro e fora das empresas para atrair novos conhecimentos, aplicá-los internamente e disponibilizá-los para o mercado as tecnologias produzidas.

Os resultados deste estudo demonstram que as companhias investigadas possuem área de P&D estruturada e/ou passando por modificações internas. Esse achado refuta os resultados de Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
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, pois o autor apontou que a P&D das empresas que foram objetos de seus estudos não possuíam estrutura compatível com a aceleração dos processos de inovação. Essa diferença pode ser justificada pelo fato de terem sido empresas diferentes daquelas que foram objetos deste estudo, além da diferença temporal entre os dois estudos.

Nas companhias A, B e C, a área de P&D tem se consolidado e evoluído no que diz respeito às ações de inovação aberta. Prova disso é a classificação dessas companhias no tipo de inovação aberta semiacoplada. Quanto à interação com as outras áreas da empresa, percebe-se, pelos resultados da pesquisa, que a área com maior grau de proximidade com a P&D é a área operacional. Assim, foi realizada uma análise comparativa, a fim de apurar os pontos de interseção e os dilemas enfrentados entre as duas áreas.

Os pontos de interseção são: P&D é uma facilitadora do processo de inovação na empresa e porta de entrada para a inovação. Esses achados estão em quase todos os relatos dos entrevistados em todas as companhias. Já os dilemas são as desconexões entre os pensamentos dos gestores de P&D e os gestores operacionais, pontos que devem ser enfrentados por ações mais rigorosas de endomarketing, tais como ampliação de canais de relacionamento interno, fóruns e programas de reconhecimento de novas ideias.

Percebe-se, em algumas das empresas investigadas, a inclusão de um novo elemento à nomenclatura P&D, agregando a inovação e rompendo com alguns dos paradigmas da pesquisa e do desenvolvimento sobre o processo de inovação. Assim, observa-se a área sendo denominada de PD&I (Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação), atuando como motor difusor da inovação para gerar valor a partir da captação, desenvolvimento, adequação e implementação de novas ideias.

Quanto à Gestão da PD&I foram identificados, a partir das análises de conteúdo, extraído das entrevistas e das observações in loco, os sete passos realizados para a gestão da área. São eles: 1o: identificar as necessidades dos atores externos; 2º: identificar as necessidades da área operacional; 3º: identificar as necessidades das outras áreas da empresa; 4º: captar ideias dentro e fora da empresa; 5º: escolher a melhor solução; 6º: decidir entre desenvolver ou adquirir novas tecnologias; e 7º: gerar valor, geração essa que pode ser realizada por aplicação interna ou comercialização.

Importante destacar que nem todas as companhias seguem todos os sete passos descritos. A companhia E, por exemplo, realiza somente o passo 3; já a companhia D realiza os passos 2, 5, 6 e 7; e a companhia F realiza os passos 2, 4, 5, 6 e 7. A companhia A, que realiza todos os passos, colhe as diversas expressões que surgem nas áreas por meio de conversas com o pessoal da área operacional.

Outra percepção encontrada a partir das análises desta unidade de significado é a existência de alguns pontos que não estão sendo focados pelas companhias. Isso é o que Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012. denomina de “pontos cegos”. Segundo o autor, esses pontos revelam ideias que não são absorvidas pelas empresas, mas que possuem valor. Para este estudo, adotou-se como “pontos cegos” da gestão de PD&I os elementos que estão dentro da organização, mas que não são considerados pela PD&I interna ou que não foram identificados nesta pesquisa. O primeiro ponto é a cultura organizacional, já que uma cultura introspectiva pode se tornar uma barreira para a adoção da inovação aberta, conforme Tidd e Bessant (2015)TIDD, J.; BESSANT, J. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2015.. O segundo ponto é a tradução das necessidades em características mensuráveis, pois não foram detectados instrumentos de mensuração da geração de valor decorrente da gestão da PD&I. Chesbrough e Crowther (2006)CHESBROUGH, H., CROWTHER, A.K., Beyond high tech: early adopters of open innovation in other industries. R&D Management, v.36, n.3, p. 229-236, 2006. ressaltam que as empresas utilizam geralmente metas claras de crescimento, como o percentual de receitas de novos produtos. Por fim, o último ponto é a interação com outras áreas da empresa, já que as companhias atuam em função das demandas da área operacional. No entanto, outras necessidades precisam ser atendidas, como as de clientes, sociedade, governo, agências reguladoras e outras áreas internas da companhia.

Quanto aos métodos de captação de informações, diferem-se dos métodos de prospecção de novas ideias, embora tenham alguma semelhança. As principais diferenças adotadas neste estudo são: as informações são insumos para a geração de novas ideias e os métodos de captação são mais abrangentes e de fácil acesso; e as novas ideias são informações que já foram processadas e são mais difíceis de acessar, pois já houve algum trabalho de depuração. Geralmente sua prospecção ocorre por algum instrumento formal ou por meio de parcerias.

Conforme Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., o processo de inovação aberta possibilita diversas vantagens, como a aceleração e a movimentação dos projetos. De um modo geral, os entrevistados percebem os benefícios atuais e futuros com a adoção da inovação aberta; no entanto, acreditam que as companhias estão em estágios iniciais do processo de inovação aberta. O Quadro 2 apresenta a relação entre os resultados dos questionários pós-entrevista e os resultados das entrevistas e dos relatórios de gestão.

Quadro 2
Principais benefícios e projetos desenvolvidos

De acordo com os entrevistados que responderam aos questionários pós-entrevista, as principais inovações produzidas no período de 2014 a 2018 foram, além das três apresentadas no quadro: mudanças significativas nas relações com outras empresas ou instituições; novas técnicas de gestão para melhorar rotinas e práticas de trabalho; uso e troca de informações, de conhecimentos e de habilidades dentro da empresa. No entanto, estas inovações não foram evidenciadas nas entrevistas nem nos relatórios de gestão.

Esses resultados corroboram com os outros achados desta pesquisa, notadamente no que diz respeito ao foco da P&D para as demandas da área operacional. Prova disto são as principais inovações produzidas referentes a novos produtos e equipamentos e novas técnicas de gestão ambiental, deixando lacunas nas inovações em gestão, logística e práticas de trabalho. Corroborando com os preceitos de Chesbrough (2012)CHESBROUGH, H. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. trad. Luiz Claudio de Queiroz Faria; rev. téc. Jonas Cardona Venturini. Porto Alegre: Bookman, 2012., os resultados apresentados revelam uma tendência para a consolidação da inovação aberta em todas as companhias que constituem o foco deste estudo. A inovação aberta vai ganhando cada vez mais destaque dentro das companhias, tornando-se um mecanismo forte de ruptura cultural e de remodelagem na gestão dos negócios.

A literatura aponta alguns elementos que são limitadores ou facilitadores da adoção da inovação aberta. Tidd e Bessant (2015)TIDD, J.; BESSANT, J. Gestão da inovação. Porto Alegre: Bookman, 2015., por exemplo, argumentam que as condições e o contexto de cada empresa podem influenciar o grau de adoção da inovação aberta, assim como a complexidade do projeto e as incertezas ambientais. Outra barreira detectada pelos autores é a dificuldade na coordenação dos fluxos de conhecimento.

Nas companhias investigadas, as principais barreiras e desafios estão relacionadas com os desafios próprios do setor, alinhados à dificuldade de estabelecer uma interação interna entre a área de P&D e as outras áreas das empresas. As principais barreiras e desafios identificados nesta pesquisa são similares em todas as companhias e estão apresentados no Quadro 3.

Quadro 3
Barreiras e desafios x fatores-chave de inovação Chesbrough e Crowther (2006)CHESBROUGH, H., CROWTHER, A.K., Beyond high tech: early adopters of open innovation in other industries. R&D Management, v.36, n.3, p. 229-236, 2006.

Nesse quadro, foi feita uma relação entre os achados da pesquisa, barreiras e desafios, e os fatores-chave de sucesso de Chesbrough e Crowther (2006)CHESBROUGH, H., CROWTHER, A.K., Beyond high tech: early adopters of open innovation in other industries. R&D Management, v.36, n.3, p. 229-236, 2006.. As barreiras mais citadas foram: cultura organizacional fechada e natureza jurídica das companhias. Pelo exposto, percebe-se que os fatores-chave fazem um contraponto às barreiras e aos desafios, servindo como direcionadores para um sistema de gestão voltado para a inovação aberta. O estudo reforça também os resultados de Lappalainen, Aleem e Sandberg (2023)LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023., mostrando que a gestão de projetos de inovação aberta requer o equilíbrio de vários efeitos contraditórios e o tratamento tanto das contingências quanto das complementaridades. Assim, esses autores indicam que os objetivos devem ser desenvolvidos antecipadamente e acordados em conjunto, proporcionando valor a todos os parceiros.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como uma das principais contribuições teóricas deste estudo, destaca-se o conceito de inovação aberta, segundo a percepção dos entrevistados, como sendo o processo de utilização do conhecimento disponível e da formação de parcerias, sendo possível sua utilização por todos os atores do mercado.

Os principais resultados desta pesquisa são apresentados no Quadro 4, em que são mencionadas as categorias de análise e os principais resultados encontrados em cada uma das companhias.

Quadro 4
Síntese dos resultados

Com relação às companhias D, E e F, o tipo de inovação aberta adotado exclusivamente é o de entrada. Ao investigar como as companhias realizam os esforços de cocriação, constatou-se que os principais parceiros no desenvolvimento de novas tecnologias são os fornecedores, as universidades e as outras companhias de saneamento. A dependência em relação aos fornecedores foi reforçada pelos relatos de muitos entrevistados. Também foi exposto o desalinhamento de objetivos nas parcerias com as universidades. Observou-se que, pela ausência de procedimento para o aprofundamento das pesquisas e o aumento da capacidade de absorção, essas relações continuam viciadas por problemas recorrentes de desconfiança e desconexão de objetivos. Assim, em alinhamento com o estudo de Lappalainen, Aleem e Sandberg (2023)LAPPALAINEN, L.; ALEEM, M.; SANDBERG, B. How to manage open innovation projects? An integrative framework. Project Leadership and Society, v.4, n.2, 2023., identifica-se a necessidade de pesquisas futuras para examinar como as metas são determinadas, alinhadas e comunicadas nos projetos de inovação aberta, explorando também a investigação sobre os tipos de valor que os parceiros do projeto captam para além dos lucros.

Percebe-se que, nas companhias D e E, a atuação da P&D é totalmente voltada para dentro das companhias, confirmando os resultados já mencionados. A companhia F também enfrenta desafios quanto à atuação da P&D, passando por reestruturação e redefinição da área. Quanto às companhias A, B e C, os achados revelam um grau mais avançado de adoção da inovação aberta (inovação aberta semiacoplada).

Na análise do gerenciamento da propriedade intelectual, constatou-se que os contratos de patentes constituem a forma mais utilizada para proteger as novas ideias desenvolvidas, seguidos por contratos, convênios e termos de cooperação técnica. Adicionalmente, não foram identificados caminhos alternativos para a proteção ou alavancagem de novas tecnologias, por exemplo: investimentos em startups ou spin offs.

Ao identificar a atuação de P&D interna das companhias, observou-se que a área tem tentado reformular seu papel nas organizações, atuando de forma proativa e endossando a importância do desenvolvimento de uma cultura voltada para a criatividade.

Focado na compreensão da adoção da inovação aberta nas companhias de saneamento básico brasileiras, o presente estudo demonstrou, por meio dos desdobramentos dos achados em categorias, fatores-chave e unidades de significado, um conjunto de variáveis que permitiram comparar padrões e apresentar distorções. Sob a luz dos constructos teóricos descritos, esse conjunto de variáveis ofereceu uma base empírica que pode ser usada para desenvolver pesquisas futuras sobre as práticas de inovação aberta, não somente em outras companhias de saneamento não contempladas nesta pesquisa, mas abrangendo toda a sua cadeia de valor, bem como seus principais parceiros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo objetivou investigar como as companhias de saneamento básico brasileiras realizam os processos de inovação aberta. O estudo fornec insights teóricos e empíricos que informam acadêmicos, formuladores de políticas e gerentes de empresas de saneamento sobre como são organizadas as soluções inovadoras no setor em estudo. Nota-se que o lócus da inovação está se deslocando para as fontes externas, mesmo que timidamente. Assim, por todo o exposto, chegou-se à conclusão de que o tipo de processo de inovação aberta adotado mais fortemente pelas companhias é a inovação aberta de entrada ou inovação aberta de fora para dentro (outside-in), de Gassmann e Enkel (2004)GASSMANN, O.; ENKEL, E. Towards a theory of open innovation: three core process archetypes. R&D management conference, v.6, 2004..

Confirmando os achados de Gava (2015)GAVA, E. Inovação aberta em serviços públicos: um estudo no setor de saneamento básico no Brasil, 2015. Dissertação. (Mestrado em administração de empresas) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/2827. Acesso em 15/09/2023.
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, as companhias pesquisadas não realizam a inovação acoplada. Entretanto, metade das companhias apresentou características também de inovação acoplada, o que pode ser considerado que elas estão em estágio de transição entre inovação aberta de entrada e inovação aberta acoplada, sendo por isto denominada de inovação aberta semi acoplada para este estudo. Essa nova terminologia, denominada de inovação aberta semi acoplada, apresenta-se como um avanço do conhecimento produzido por esta pesquisa.

Para o desenvolvimento de produtos e/ou processos novos, as fonte de informação empregadas são eventos, P&D interno, universidades e institutos de pesquisa. No entanto, não se verificou métricas de desempenho da inovação aberta em nenhuma companhia pesquisada, confirmando os achados de Dahlander e Gann (2010)DAHLANDER, L.; GANN, D. M. How open is innovation? Research Policy, v. 39, n.6, p. 699-709, 2010.: ainda não há um sistema de métricas para controlar e medir o valor das atividades relacionadas à inovação aberta.

Foram expostos como avanços teóricos da pesquisa as seguintes contribuições: o conjunto de princípios não apontados pela literatura (contribuição expandida, geração de valor, visão de longo prazo, custos reduzidos e foco no cliente); as trajetórias em Y e linear da inovação aberta; e o tipo de inovação aberta semiacoplada.

O presente estudo possui algumas limitações, dentre as quais: os questionários previamente enviados não retornaram em sua totalidade, o que pode ter deixado de fora algumas companhias que adotam a inovação aberta; a quantidade de companhias estudadas não permitiu afirmar que os resultados do presente estudo aplicam-se ao setor como um todo.

Para estudos futuros, sugere-se ampliar a investigação para outras companhias de saneamento, além de realizar pesquisas complementares em seus parceiros estratégicos, comparando visões, atividades e estratégias na adoção da inovação aberta. Adicionalmente, pode-se realizar uma pesquisa longitudinal nas mesmas companhias investigadas, procurando elaborar, validar e analisar uma régua de maturidade na adoção da inovação aberta, servindo como parâmetro para outras empresas do mesmo setor. Propõe-se também a realização de pesquisas qualitativas para investigar o papel das agências reguladoras, do governo e de outras partes interessadas no desenvolvimento de novas tecnologias dentro do setor de saneamento. Por fim, sugere-se estudos verificando a existência de práticas de gestão da inovação aberta, que consigam acelerar o desenvolvimento e a utilização de novas tecnologias, e a investigação do quanto uma cultura organizacional pode influenciar no sucesso da adoção da inovação aberta.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Fev 2022
  • Aceito
    19 Out 2023
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