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E agora, cara pálida? Educação e povos indígenas, 500 anos depois

And now, "cara pálida"? Education and indian nations, after 500 years

Resumos

Há cerca de 500 anos, diversos povos indígenas estão experimentando processos de escolarização formal. Se no passado a escola foi imposta, hoje ela é pauta política importante dos movimentos étnicos ao longo do continente, do que tem derivado um novo marco jurídico e institucional para a educação dos povos indígenas. No Brasil, projetos alternativos de formação de professores indígenas são fonte de inspiração para as políticas oficiais e tornam-se referenciais para a atual reforma educativa, forçando novas parcerias, mecanismos de participação e flexibilização curricular. Mas, ao tornarem-se oficiais, tornam-se matrizes para políticas uniformizadoras, que tendem a apagar a diversidade das culturas e a heterogeneidade das práticas pedagógicas. Apontar avanços e problemáticas relacionados com estes processos é a intenção deste artigo.


For almost 500 years, many indian nations have experimented processes of formal education. If in the past, school was imposed upon them, today their education is an important political issue among ethnic movements through out the continent, from wich a new juridical and institutional point of view has derived. In Brazil, alternative projects to prepare indian teachers have been inspiring government policies and have become a referential for the educational changes which are now taking place. These projects have brought about new partnerships, mechanism of participation and curriculum flexibility. But once the projects are embraced by the Government, they become matrices for unifier policies which tend to wipe out the diversity of indian nations and the different pedagogical approaches. The purpose of this article is to bring forth the improvements and the problems related to these educational processes.


E agora, cara pálida? Educação e povos indígenas, 500 anos depois

And now, "cara pálida"? Education and indian nations, after 500 years

Nietta Lindenberg Monte* * Nietta Lindenberg Monte é mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense, coordenadora pedagógica da Comissão Pró-Índio do Acre, onde há cerca de vinte anos dedica-se a programas de formação de professores indígenas e currículo, especialmente no Acre, mas também em outras regiões e países. Coordenou diversos livros didáticos de autoria indígena relacionados com o currículo das escolas, sendo autora de vários artigos e livros sobre a temática da educação escolar indígena, publicados no Brasil, México, Peru, Chile, Espanha e Alemanha. É atualmente representante das Ongs no Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena do MEC e realizou a Coordenação Geral do Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas (RCNE/I, 1998). E-mail: nietta@ism.com.br ou nietta@mdnet.com.br

Universidade Federal Fluminense, Comissão Pró-Índio do Acre

RESUMO

Há cerca de 500 anos, diversos povos indígenas estão experimentando processos de escolarização formal. Se no passado a escola foi imposta, hoje ela é pauta política importante dos movimentos étnicos ao longo do continente, do que tem derivado um novo marco jurídico e institucional para a educação dos povos indígenas. No Brasil, projetos alternativos de formação de professores indígenas são fonte de inspiração para as políticas oficiais e tornam-se referenciais para a atual reforma educativa, forçando novas parcerias, mecanismos de participação e flexibilização curricular. Mas, ao tornarem-se oficiais, tornam-se matrizes para políticas uniformizadoras, que tendem a apagar a diversidade das culturas e a heterogeneidade das práticas pedagógicas. Apontar avanços e problemáticas relacionados com estes processos é a intenção deste artigo.

ABSTRACT

For almost 500 years, many indian nations have experimented processes of formal education. If in the past, school was imposed upon them, today their education is an important political issue among ethnic movements through out the continent, from wich a new juridical and institutional point of view has derived.

In Brazil, alternative projects to prepare indian teachers have been inspiring government policies and have become a referential for the educational changes which are now taking place. These projects have brought about new partnerships, mechanism of participation and curriculum flexibility. But once the projects are embraced by the Government, they become matrices for unifier policies which tend to wipe out the diversity of indian nations and the different pedagogical approaches. The purpose of this article is to bring forth the improvements and the problems related to these educational processes.

1. O contexto latino-americano

O presente latino-americano tem rica provisão de marcos legais e discursos reivindicativos favoráveis à Educação Intercultural Bilíngüe [...]. Estes representam, por assim dizer, as bases gerais dos atuais e futuros projetos educativos dos povos indígenas. (Muñoz, 1998, tradução da autora)

Em toda a América Latina, a Educação Intercultural Bilíngüe, EIB, vem se consolidando como um processo de longa duração, em estreita concatenação com a reforma política dos Estados e as reformas educativas nacionais. Nas últimas décadas, conquistou uma dimensão política e institucional significativa para os povos indo e afro-americanos, traduzida em novas bases jurídicas e em esforços para reorientação dos currículos das escolas indígenas e da formação de seus professores.

Meta das políticas públicas educacionais em 16 países latino-americanos, parte dos direitos sociais das suas Constituições Federais, tema das Declarações e Convênios dos organismos internacionais, a educação para os povos indígenas não pode mais ser ignorada. E vem sendo defendida por alguns estudiosos da questão (Aikman, 1996; Freeland, 1996) como tendo o porte de um fenômeno global. O processo de globalização da EIB estaria marcado por um crescimento da uniformidade e coerência aparente do seu conceito não só entre os países latino-americanos, mas entre os diferentes atores e grupos sociais que hoje falam em seu nome. Organizações não governamentais de cunho laico ou religioso, movimentos indígenas e órgãos de estado, de diversas posições e perspectivas políticas, pronunciam discursos similares sobre a educação requerida. Convivem, nas interações entre órgãos de Estados e organizações indígenas, modelos educativos de corte neoliberal com modelos críticos de resistência e emancipação que não são compatíveis.

Denominada como EIB mais freqüentemente por governos e por grande parte da literatura especializada, é renomeada como educação endógena e etnoeducação por alguns dos movimentos indígenas da América. Estes conceitos expressam variações nos fundamentos dessas propostas e um projeto de nação distinto, que requer estratégias educativas diferentes, ainda que não explicitadas nos discursos sobre a questão.

Com suas nuanças e diferenciações, a EIB tem uma base importante em países onde a população indígena tem peso demográfico significativo em relação à população nacional, como é o caso da Bolívia, Peru, Equador, Guatemala, México. Também a EIB passou a estar presente em países em que a população indígena é minoritária, como o Brasil, Costa Rica, Panamá, Venezuela e Chile. Todos estes países e mais alguns outros, de forma variada e resguardados alguns aspectos gerais, reconhecem em seus discursos institucionais e legais, gradualmente, o direito a uma modalidade especial de educação para as sociedades indígenas que sobrevivem dentro de suas fronteiras.

Segundo Muñoz (1998), sobre a base de convergências globais, os governos nacionais realizam as adequações de conceitos como interculturalidade, diversidade e pluralidade democrática em suas políticas públicas. Cada país tem buscado identificar e construir seus termos específicos de oferta de educação, produzindo-se um enriquecimento e diversificação das reformas educativas relativas às sociedades indígenas. A Nicarágua está buscando resolver sua implementação relacionando-a com a autonomia e com o desenvolvimento da Costa do Caribe; a Guatemala, no contexto dos acordos de paz e do desenvolvimento sustentável; a Colômbia enfoca a etnoeducação em conexão com o reconhecimento constitucional da territorialidade; a Bolívia se encontra no difícil processo de validar a educação intercultural como uma política para todo o sistema nacional. No México, a flexibilidade curricular e os programas compensatórios são estabelecidos como principais estratégias do mais recente projeto educativo. O Chile, após um longo período de silêncio, propôs-se a desenhar uma proposta curricular e pedagógica para as suas crianças indígenas. No Brasil, para o que se convencionou chamar de "educação escolar indígena", de forma ainda nascente nos estados e mais amadurecida pela sociedade civil, defendem-se novas organizações curriculares, dentro do pluralismo de idéias e concepções pedagógicas e novos referenciais curriculares.

A ressonância política e legal da EIB começa a se fazer sentir, a partir dos anos 80, quando muitos países do continente americano introduzem modificações em suas cartas constitucionais, reconhecendo o caráter multicultural ou pluriétnico de seus Estados-nações. Nas formulações gerais de suas legislações, incluem-se artigos a favor de uma modalidade especial de educação para as populações indígenas, postulando sobre o papel que devem cumprir no seio do Estado e na construção de uma identidade nacional: os recursos lingüísticos e culturais próprios a estas sociedades, em sua diversidade, são reconhecidos — algumas vezes apenas tolerados, outras fomentados — como fonte de enriquecimento de uma identidade una e múltipla a ser cultivada a partir do pluralismo democrático.

Assim, conceitos relacionados com o pluralismo democrático, como o de multiculturalidade, de significado político, recebem interpretações distintas, dependendo da perspectiva de desenvolvimento econômico e social elaborada seja pelos poderes públicos ou pelas organizações civis e das sociedades indígenas. Tal pluralismo pode ser diversamente interpretado com distintas implicações na educação intercultural. Para Diaz-Couder (1998), uma forma de entender a multiculturalidade, de marco mais liberal, reconhece aos grupos indígenas sua dimensão lingüística e cultural diferenciada como parte dos direitos privados. O conceito implica relações interculturais de respeito mútuo e "tolerância", impedindo e punindo a discriminação de indivíduos que não se enquadram na chamada cultura nacional ou dominante. O Estado assume como de interesse público a preservação das línguas e culturas indígenas, do mesmo modo que faz com os parques nacionais e o patrimônio histórico. Resulta daí a garantia dos direitos culturais, mas não políticos, com apoio a programas e atividades culturais, como às festas e danças tradicionais, classificados como folclore, concursos de lendas e contos indígenas, até às competições de esportes e jogos tradicionais. Do ponto de vista educacional, estabelecem-se programas transicionais, nos quais uma diversidade transitória é tolerada, no limite dos usos e estudos pelos estudantes de línguas indígenas na fase da alfabetização, até se adequarem à educação em língua nacional. São os chamados programas bilíngües " ponte", nos quais a permissão para uso e domínio das línguas é etapa segura para uma melhor aquisição indígena da língua e cultura nacionais.

Outra forma de conceber a multiculturalidade, de marco mais pluralista, confere estatuto político próprio aos direitos dos grupos e povos culturalmente diferenciados dentro da nação. A questão do uso e estudo das línguas e dos variados aspectos das culturas passa a ser uma obrigação das políticas dos estados. Estes devem promover ações de desenvolvimento de interesse público, e não como conseqüência de uma eleição individual e privada de membros de grupos e povos indígenas. No caso da escola indígena, não se trata apenas da tolerância com as línguas indígenas e com aspectos anedóticos da cultura em etapas iniciais da aquisição dos conhecimentos curriculares, limitadas à alfabetização bilíngüe; trata-se da promoção de programas de educação permanente para a manutenção e desenvolvimento das línguas e culturas, juntamente com o acesso crítico aos conhecimentos universais ao longo da escolaridade básica e superior.

2. A tessitura de uma rede

Apesar das adversidades que condenam ainda à marginalização e ameaçam de extermínio aos povos indígenas, estes continuam resistindo, de formas diferentes, através da multiplicação de suas organizações, da luta pelo reconhecimento e respeito de seus direitos, tanto no plano nacional quanto internacional. (Enilton Wapixana, in MEC, 1998, p. 28)

O desenvolvimento e a difusão da EIB como uma forma recomendada de educação podem ser traçados através de imbricadas redes de comunicação em vários níveis inter-relacionados. As políticas de organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos, OEA, e a Organização das Nações Unidas, ONU, desempenharam importante papel na criação e manutenção da nova perspectiva, promovendo seminários e cursos sobre políticas e estratégias para a educação indígena na América. Ajudaram na defesa da manutenção e revitalização lingüística e cultural das sociedades indígenas, a ser propiciada também pela escola, dentro dos estados multiculturais, conceituados em nossos dias em seus diversos matizes, dos marcos mais liberais aos mais pluralistas. Contribuíram, assim, para a fragilização do paradigma da educação indígena como meio legítimo para a integração e a assimilação do índio à sociedade nacional, materializada pela doutrina do bilingüismo e biculturalismo, executada até hoje em alguns países em suspeitosa cooperação com agências missionárias americanas.1 1 O Instituto Lingüístico de Verão, ILV, é uma das importantes agências missionárias fundamentalistas norte-americanas que atuamna América Indígena há meio século, sobretudo por meio de processos educacionais em língua indígena. Tem como principal missão levar a palavra de Deus aos povos sem escrita, através de instrumentos como a escola, a alfabetização e a leitura em língua indígena. Seu trabalho, de alto poder corrosivo, mas muito aceito pelos estados nacionais, foi precursor de outras presenças missionárias de igrejas evangélicas em toda a América.

A UNESCO, já em 1953, declara a importância do uso das línguas maternas de qualquer povo na educação escolar como melhor meio para a alfabetização. E inicia uma série de reorientações nos fundamentos técnicos e políticos que passam a influenciar os discursos oficiais a respeito da educação escolar para sociedades indígenas. Também marca importante papel precursor, em 1957, a Convenção da Organização Internacional do Trabalho, OIT, de número 107, e sua revisão a partir dos anos 70, que resultou, em 1989, na Convenção 169, relativa à proteção e à integração das populações indígenas em países independentes.

Segundo Cunnigan (1996), governos, representantes indígenas e seus assessores aprofundaram, durante os anos 80, os debates sobre os direitos indígenas. Um Foro Internacional Indígena foi formado na ONU, e um Projeto de Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, atualmente com 45 artigos, encontra-se na Comissão de Direitos Humanos, ainda a ser aprovado na sua Assembléia Geral. Ainda que aborde de forma mais efetiva o tema da educação e apresente um salto qualitativo no tratamento que dá aos direitos indígenas à autodeterminação, fruto de significativa consulta entre os povos indígenas, o texto corre o risco de ser alterado pelos governos durante seu moroso processo de estudo.

Faz parte do novo panorama jurídico a destacada Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos, a ser ainda aprovada pela OEA. Remete a direitos fundamentais, como ao de uso amplo das línguas indígenas em circuitos extra-escolares e públicos, além de incentivar a implementação de programas de educação definidos e desenvolvidos pelos próprios povos indígenas, garantidos pelo poder público através de assistência técnica e financeira.

Todavia, o maior movimento de redes para a EIB tem sido tecido entre as mais de 400 sociedades indígenas da América, como uma urgente alternativa às formas de educação percebidas como ameaça a sua maneira de ser, pensar e fazer. Essas sociedades indígenas formaram uma grande corrente ao redor do continente americano, ao lado de outros movimentos sociais, com apoio de setores acadêmicos e dos meios de comunicação, de fontes privadas, agências humanitárias, organismos governamentais e de direitos humanos para o reconhecimento de direitos à diversidade e para o exercício desses direitos. Através dela, fizeram visível sua rejeição à integração e uniformização como política pública, e inscreveram a diversidade e a participação como direitos sociais a serem conquistados.2 2 Entre alguns complementares marcos jurídicos conquistados pelo movimento indígena e suas próprias organizações em encontros internacionais, destacam-se a Declaração de Princípios, adotada na "IV Assembléia Geral do Conselho Mundial de Povos Indígenas", Panamá, 1986, e o "Encontro sobre o Direito Comparativo Indígena na América", celebrado en Quito, 1990.

O movimento indígena na América ampliou-se para uma discussão intercultural, tendo como fundamento a defesa de suas identidades lingüísticas e étnicas, mas sem perder de vista sua conexão com outros grupos sociais. Reuniu-se com outras minorias, formando uma rede de feitio heterogêneo, denominada em alguns fóruns latino-americanos "movimento indígena, negro e popular". Importante papel cumpre a educação na pauta comum destes movimentos, buscando elaborar e propor alternativas ao sistema atual de dominação e desaparecimento das culturas e das línguas dos povos subalternizados. Defendem ainda que a educação intercultural seja de "via dupla" e dirigida não só aos jovens membros dos povos indígenas, mas à sociedade como um todo.

Ainda na ampliação de seus direitos à educação, vêm conseguindo exercer, progressivamente, o direito à escolaridade completa, com forte ênfase hoje na educação superior. Defendem a flexibilização dos desenhos curriculares em relação aos currículos os três graus de ensino oferecidos aos demais cidadãos "nacionais". Escolas de educação básica ensaiam o modelo da educação bilíngüe, nem sempre com grande aceitação de seus "usuários". Estes não se afinam com os programas de educação bilíngüe desenvolvidos pelos governos em suas reformas educativas, de alto tecnicismo e baixa legitimidade política. Diversos materiais didáticos em língua materna são elaborados e distribuídos por ministérios de países com forte ou fraca população indígena e estende-se a oferta de educação bilíngüe. Visíveis investimentos são feitos desde os anos 80, em muitos casos, com gordos empréstimos internacionais, para a escrita das línguas indígenas e de novos conteúdos e materiais para o currículo escolar, nem sempre em correspondência direta com a melhoria na qualidade das escolas indígenas. Por outro lado, algumas universidades abriram seus espaços acadêmicos e institucionais para a graduação e pós-graduação de membros dos povos indígenas em programas específicos, sobretudo na especialidade da lingüística e da educação intercultural3 3 O Programa de Educación Intercultural e Bilingue de los Andes, Proeib Andes, sediado na Universidad de San Simon em Cochabamba, Bolívia, oferece curso de mestrado para cerca de 50 membros dos povos indígenas de 5 países da América do Sul, com apoio financeiro da agência de cooperação alemã, GTZ, tendo como docentes uma equipe de especialistas em EIB de toda a América. No México, a Universidade Pedagógica Nacional atende a uma grande extensão de regiões e grupos étnicos com curso de graduação e mestrado na especialidade da educação intercultural. No Peru, em Iquitos, o Instituto Loretto junto a uma Federação Indigena, AIDESEP, oferece graduação para professores e gestores em EIB. Há também no México e na Colômbia programas que atendem a estudantes indígenas, como a Maestria Indoamericana do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropologia Social, o CIESAS e o Centro Colombiano de Estudios de Lenguas Aborigenes de la Universidad de los Andes, de Bogotá. . Estes cursos têm ajudado a formar, entre os membros das sociedades indígenas, novos planejadores e gestores de políticas públicas, assim como pesquisadores e especialistas de bom nível teórico e político para a melhoria da oferta e implementação da EIB.

3. O Caso do Brasil

Todo projeto escolar só será escola indígena se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da comunidade. O papel do Estado e outras instituições de apoio deve ser de reconhecimento, incentivo e reforço para este projeto comunitário. (Gersem Baniwa, in MEC, 1998, p.25)

A legislação brasileira, como discurso que se articula com a conjuntura internacional acima mencionada e os diversos âmbitos dos movimentos sociais, entra em nova etapa a partir de 1988, pródiga em representações e recomendações inovadoras com relação às da história colonial, imperial e republicana. A tradição era de pensar o indígena como uma categoria transitória e frágil, a ser protegida e tutelada, com o resguardo do Estado, condenado " à aculturação espontânea, de forma que sua evolução sócio-econômica se processe a salvo de mudanças bruscas" (Estatuto do Índio, Lei nº 5.371/1967). No atual quadro legal e constitucional, tal tradição é substituída por um novo mote recorrente, que passa a influir e expressar parte da opinião pública: é incumbência do Estado proteger as manifestações culturais e incentivar as especificidades de cada uma destas sociedades no seio do nacional: "São reconhecidas aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradição e os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens" (Constituição Federal Brasileira, 1988, Capítulo VIII, Art. 231).

Os direitos educativos e lingüísticos também passam a estar garantidos pelo poder público, no capítulo sobre o Ensino Fundamental, pelo qual "é facultado às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem" (idem, Art. 210).

Este tratamento plural do educativo e do lingüístico é inserido na lei máxima que regulamenta as políticas para a educação em geral, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Aí, mais detalhadamente, dimensiona-se uma formulação nova do papel do Estado, não apenas na tolerância à diversidade, mas no seu fomento, através de uma ação coordenada de política pública de educação escolar. Para levar a cabo esta grande empreitada, afirma-se a necessidade de uma conjugação de atores institucionais diversos, pelos mecanismos das parcerias e da necessária conjugação entre a pesquisa e o ensino: "a União, com a colaboração das agências de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa para oferta da educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas" (ibidem, Art. 78). Ainda mais, recomenda-se que tais ações tenham uma dimensão participativa, que sejam "ouvidas as comunidades indígenas" na definição dos programas a elas dirigidos pelo poder público. O próprio Ministério da Educação enuncia idéias e ideais os mais avançados no campo pedagógico, por meio de ação técnica do Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena. Este é uma instância assessora de caráter interinstitucional, composta por diversos setores da sociedade nacional relacionados com a educação indígena, de representação paritária de índios e não-índios, que vem cumprindo papel importante na formulação das diretrizes da política educacional. Os discursos oficiais enunciados pelo MEC, elaborados invariavelmente por sua equipe de assessores membros do Comitê, têm sido difundidos em todo o país na forma de "Diretrizes Para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena" (1993) e do mais recente "Referencial Nacional para as Escolas Indígenas" (1998)4 4 O Ministério da Educação, MEC, vem produzindo vários documentos de caráter formativo para os novos agentes da Educação Escolar Indígena, apresentados mais como subsídio do que norma. Entre eles, estão as Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Indígena, 1993, preparado pelos membros do Comitê Nacional de Educação Indígena. Um documento de maior fôlego técnico e político, o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas, 1998, foi preparado, com a participação de amplos setores e atores institucionais — universidades, organizações civis, especialistas indígenas, sob minha coordenação geral. Estabeleciam-se, por meio dele, os fundamentos comuns das ações específicas a serem desenvolvidas em cada contexto em que vivem as sociedades indígenas. .

Outro aspecto da renovação legal e política que se instaura é a recomendação de que sejam privilegiados "os índios como os pesquisadores de suas próprias línguas, história, alfabetizadores em suas línguas maternas, e como escritores e redatores de material didático-pedagógico em suas línguas maternas [...], professores de português como segunda língua e redatores de materiais didáticos-pedagógicos" (MEC, 1993, p. 21), na decisiva formação de recursos humanos para a educação indígena. Enfim, um processo não só bilíngüe de ensino das línguas, mas autogestionado, em que os profissionais responsáveis pela educação indígena sejam preferencialmente os próprios índios. Assim como deve ser garantida, na elaboração das políticas lingüísticas e educativas, a audiência das comunidades de falantes e escritores índios.

Mais recentemente, num esforço para o aprofundamento da legislação específica, a escola indígena ganha um marco legal que lhe garante o funcionamento curricular e administrativo diferenciado e próprio. Nos termos da Resolução nº 03/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE), são fixadas para as escolas "as normas e ordenamentos jurídicos, como unidades próprias e autônomas e específicas no sistema estadual", provendo-as com " os recursos humanos, materiais e financeiros para seu pleno funcionamento" (CNE, 1999).

As mais de duzentas sociedades indígenas contemporâneas no país passam a ter suas relações com o Estado brasileiro reguladas por um novo quadro jurídico, estabelecido com a promulgação da atual Constituição Federal e dos demais textos mencionados. E, ressalte-se aqui, já sem nenhuma originalidade, que tal marco legal é fruto da pressão que exercem no poder legislativo as referidas redes que foram sendo formadas.

É como se as vozes das sociedades indígenas, há séculos silenciadas pelas políticas educacionais, finalmente pudessem formular e explicitar seu projeto de escola, acompanhadas pelo eco de outras vozes, ressoando e reproduzindo, ainda que sob intenso debate e conflito, em novas propostas de políticas públicas a serem desenvolvidas pelo Estado brasileiro.

Todos estes trabalhos que estamos buscando para nossas comunidades devem e é de obrigação ser apoiados pelos municípios, pelas secretarias estaduais. Temos que cobrar do MEC para que respeitem e assegurem essas mudanças. (Edilson Pataxó, in MEC, 1998, p. 33)

Os Municípios, os Estados e a União devem garantir a educação escolar específica às comunidades indígenas, reconhecendo oficialmente as escolas indígenas, de acordo com a Constituição Federal brasileira (Rosineide Tuxá, in MEC, 1998, p. 30)

4. Os novos marcos referenciais

Como parte das amplas reformas políticas no país e da intrincada reforma ministerial, no advento do primeiro governo eleito pelas urnas, o Ministério de Educação e Desporto do Brasil (MEC) passou a responder pela complexa coordenação das novas ações educacionais para indígenas, dentro da tarefa maior da educação para todos os brasileiros. Tal tarefa estivera, nos trinta anos anteriores, circunscrita à frágil e desastrada ação de um organismo específico de porte federal, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Desde então, com seu dever de assegurar direitos constitucionais e influenciar as políticas descentralizadas nos estados e municípios, o MEC passa a apresentar às 23 Secretarias de Educação, nos estados brasileiros com população indígena, algumas destas experiências exemplares e referenciais movidas pela sociedade civil. Convoca, assim, suas secretarias a atuarem de acordo com as determinadas linhas de ação educacional, aproveitando-se de alguns conceitos e metodologias já explicitados em documentos não oficiais, fazendo-os conhecidos e legitimados. Incentiva, enfim, os novos executores de políticas estaduais e municipais dirigidas às sociedades indígenas do país a reconhecerem em si mesmos o vazio financeiro, técnico e humano, para dar rumo às novas fórmulas de políticas educacionais e a inspirarem-se nos reflexos positivos extraídos dos referidos exemplos:

Até muito recentemente, as principais e mais bem sucedidas experiências de formação de professores indígenas em desenvolvimento no Brasil foram iniciativas de entidades de apoio aos índios. Consideradas alternativas, vêm obtendo gradativamente reconhecimento legal. Diante do vazio propositivo das agências governamentais, iniciativas de caráter local tornaram-se referência para a conceituação e implementação de uma política pública de educação escolar indígena, voltada a atender a demanda de escolarização das comunidades indígenas, a partir de um paradigma da especificidade, da diferença, da interculturalidade e da valorização da diversidade lingüística. (MEC, 1999)

Projetos de educação com longa trajetória e marcado estilo são destacados para ilustrar as idéias e ideais formulados e difundidos aos estados como diretrizes e parâmetros pelo MEC. Com sua origem histórica em ações alternativas ao governo brasileiro, hoje disseminam-se de norte a sul, com imensa heterogeneidade de práticas políticas5 5 Exemplificam-se esses processos educacionais pela atuação mais recente das organizações de professores indígenas, como a Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, COPIAR, a Organização Geral dos Professores Tikuna, OGPTB, no Estado do Amazonas, a Associação de Professores Kaingang e Guarani do Brasil, APKGB. Existem também as entidades de apoio de perfil laico, como a Comissão Pró-Índio do Acre, o Centro de Trabalho Indigenista, CTI, o Instituto Socioambiental, ISA, o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, IAMA, ou aquelas ligadas às Igrejas católicas e luteranas, como a Operação Anchieta, OPAN, o Conselho Indigenista Missionário, CIMI, o Conselho de Missões entre Índios, COMIN, além de alguns outros. . Tais iniciativas não governamentais são citadas pelos órgãos de governo como fontes de inspiração ao poder público e ao campo jurídico, já com um significativo repertório de textos: Lei de Diretrizes e Bases Educação Nacional (LDBEN, 1996), Plano Nacional de Educação (PNE, 1998), Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas (RCNEI, 1998), Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE, 1999).

Que caracterização geral pode ser atribuída a essas experiências e projetos não-governamentais? Será que as ações pedagógicas e institucionais desenvolvidas nestes casos, no que tiveram e têm de acertadas naqueles contextos históricos particulares, podem ser transferidas às políticas dos estados, com seu alto grau de hierarquia, tradição burocrática e baixa legitimidade social? Por outro lado, como identificar, nesses projetos referenciais, alguns dos elementos que podem ser comuns entre eles, reaplicáveis a outras realidades que estejam experimentando processos similares, de forma a pensar parâmetros de ação e critérios de qualidade, sem cair no pântano de políticas uniformizantes e autoritárias?

O esforço é trazer elementos para a discussão de algumas questões que atordoam os que querem contribuir para uma teoria da educação escolar indígena no país, saindo dos fragmentos de realidades contextuais, e atordoaram também os planificadores das políticas, incidindo com estas idéias sobre a melhoria das condições de realidades quase sempre carentes e conflituosas.

É possível a identificação de traços gerais, do ponto de vista educacional e institucional, que sirvam como subsídio aos educadores e técnicos envolvidos com a difícil tarefa pública atual de implementação da educação para os povos indígenas? Ou seja, trata-se de pensar o que é possível resgatar destas experiências pioneiras, a fim de que se aproveitem delas as instituições que hoje atuam no desencadeamento das políticas estaduais e, em especial, nos programas públicos de formação de professores indígenas, em novos contextos da história brasileira.

Apresento, para isso, nesta parte do trabalho, alguns dados extraídos de minha própria história como educadora dedicada à formação de professores indígenas, entendendo esses dados pessoais como parte da história das políticas educacionais contemporâneas para indígenas no Brasil. Vou proceder a um retrato 3x4 de determinadas experiências educacionais, entre elas, o projeto "Uma Experiência de Autoria" desenvolvido pela organização não-governamental brasileira, Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), do qual sou também protagonista como coordenadora pedagógica da equipe assessora desde 1983 até os dias de hoje.

Ao mesmo tempo, espero poder identificar alguns dos elementos que foram se constituindo, ao longo dos anos, o eixo comum aos cursos de formação de professores indígenas no Brasil, aproximando os fios da história de alguns outros projetos de responsabilidade de organizações civis. Tento extrair desta relação idéias que registrem e ilustrem uma parte das nossas práticas políticas e educacionais e tragam os fios que ligam uma experiência particular a outras, em diversificados cenários e paisagens regionais. O sentido é contribuir para ampliarmos o entendimento do que fazemos, cada um de nós em seu campo particular e único, a partir de possibilidades comparativas e de estudos de casos, auxiliando professores e planejadores de políticas educacionais a avaliarem e reanimarem suas próprias práticas, sempre inter-relacionadas por alguns princípios compatíveis e histórias similares.

De que maneira os acontecimentos históricos até agora apresentados estiveram inseridos nos contextos nacional e latino-americano, configurando parte das chamadas lutas sociais do final do século XX? Pensando aproximar-me desta questão, apresento alguns dados adicionais da formação do campo atual das idéias e das leis sobre a educação escolar indígena no Brasil, tendo o foco na questão curricular.

5. Um foco da história

Em período ainda nebuloso da história nacional, a partir dos finais dos anos 70, pequena rede de organizações não-governamentais6 6 Alguns antropólogos dedicados a pesquisas e ao apoio à nascente "questão indígena" foram os principais fundadores e coordenadores das mais significativas ONGs de caráter civil que se formaram nesse período, como é o caso da Comissão Pro-Índio de São Paulo, Comissão Pro-Índio do Rio de Janeiro e Comissão Pro-Índio do Acre, do Centro de Trabalho Indigenista de São Paulo, a Associação Nacional Apoio ao Índio da Bahia, e do Centro Magüta em Benjamim Constant, para citar algumas delas. passam não só a existir, mas a desenvolver ações locais de apoio a algumas das sociedades indígenas, sobretudo no Norte e no Centro-Oeste do país. Contribuem para a tomada de consciência dos direitos indígenas e para a instalação de uma política pública dirigida a estas sociedades, até então desconsideradas em sua particularidades antropológicas e jurídicas.

Determinadas experiências educativas são desenvolvidas com algumas etnias, concentradas, sobretudo, nas regiões da chamada Amazônia Legal brasileira. Estão inter-relacionadas aos novos campos de serviços sociais prestados pelos jovens profissionais das ONGs nascentes, especialmente no campo das lutas territoriais. São também iniciadas na Amazônia, nesse período, a organização de cooperativas indígenas de produção e consumo para a comercialização da borracha e outros produtos da floresta, enfrentando-se a complexidade política e econômica das questões do mercado extrativista e a luta com os patrões dos seringais estabelecidos em toda a região. As experiências de apoio a estas frentes de trabalho, com nuanças em várias partes do país, são acompanhadas por atividades de cunho educativo que passam a ser desenvolvidas por essas entidades. Em seus primórdios, consistiam na alfabetização de jovens das comunidades indígenas locais, para finalidades de valor político e cultural, relacionadas ao reordenamento positivo de relações com a sociedade nacional e regional e à valorização da língua e cultura por meio da nova escola indígena.

Eram promovidas nessa época por antropólogos, indigenistas e pelos novos missionários leigos, nascidos da teologia da libertação, engajados nas lutas pelos direitos sociais, na esteira já lançada em escala mais ampla pela "pedagogia do oprimido" de Paulo Freire e pela também nascente educação popular, em especial no Movimento de Educação de Base.

A pedagogia do oprimido vai sendo aplicada com bons resultados na situação específica do índio. Usam-se recursos expressivos e didáticos mais apropriados ao sistema indígena. Aparecem novas técnicas de aprendizagem. Professores e monitores entram com uma mentalidade mais aberta e libertadora. (Melia, 1981, p. 10)

Tais experimentos vão ganhando força como ações institucionais, ampliando sua equipe de profissionais, deslocando-se o foco da antropologia ao ensino e à formação de professores. Começam a desenvolver-se no país, com grande dose de militância, voluntarismo e intuição, alguns projetos de educação escolar indígena, a partir de novos pressupostos e procedimentos.

Pode-se notar que a maioria dos agentes não- índios não tiveram um especial preparo acadêmico; não parece que tenha havido um estudo sistemático de documentos e publicações etnográficas e históricas relativas às sociedades indígenas com que se começava a trabalhar- se essa literatura existia, ela não era acessível no lugar e condições de trabalho; mas todas as experiências partem de uma convivência com o povo indígena, que se quer livre de preconceitos e se faz discípula da nova realidade. Escuta-se com atenção, com devoção, a palavra do índio (Melia, 1989, p. 13)

Localizadas inicialmente em algumas terras indígenas, estas experiências vão ganhando o apoio técnico de especialistas de algumas universidades, além do sustento de organizações humanitárias internacionais, com visível repercussão junto às sociedades indígenas mais organizadas pelo contato. Novos especialistas, indigenistas e educadores dedicam-se aos experimentos de uma renovadora educação. Reúnem-se pela primeira vez no 1º Encontro Nacional de Trabalho sobre Educação Indígena, em 1979, promovido pela Comissão Pró-Índio de São Paulo7 7 Essas experiências mencionadas, embora não sejam as únicas a ocorrer no país, foram reunidas no livro A Questão da Educação Indígena, organizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, em 1981, no qual são narrados vários pequenos experimentos com a alfabetização em línguas indígenas e/ou português por diversos autores, constituindo uma primeira sistematização da gênese do atual paradigma da educação intercultural no país. Também a OPAN organiza, a partir dos anos 80, diversos encontros nacionais de educação com participação de experiências desenvolvidas por seus agentes e outros. Estas reuniões estão relatadas no livro A Conquista da Escrita, 1989. Cita-se, para mencionar apenas alguns destes projetos, a experiência com os Tapirapé, Bororo, Rikbatsa, Myki-Iranxe, Xavante, Pareci, Trumai, Suyá, Kayabi, Aweti, Txukarramãe, em Mato Grosso, com os Tikuna, Kanamari, Apurinã, no Amazonas, com os Kaxinawá, Kulina, Kaxarari, Kampa, no Acre, com os Suruí, em Rondônia, com os Guarani em São Paulo. .

O Encontro reuniu pessoas comprometidas com a definição de condições e requisitos, bem como com a identificação de práticas pedagógicas que possibilitem uma educação "para os índios" não imposta, mas criada conjuntamente, através de vivência comum e da reflexão e trabalho conjuntos de índios e brancos e que tem por objetivo a defesa da sobrevivência e da identidade dos povos indígenas. (Silva, 1981, p.12)

Começa também a ser demanda da própria população indígena que essas experiências ou projetos estendam seu fôlego para uma formatação mais ampla: transformem assim seus pontuais horizontes em programas a médio prazo, aprimorando a qualidade e a quantidade de sua oferta, até serem adotados e ampliados como políticas de estado. Seu centro de atenção é a Formação de Professores Indígenas, naquela ocasião ainda denominados Monitores Bilíngües, herança da ação evangélica e alfabetizadora do Instituto Lingüístico de Verão e seus cursos para a (trans)formação dos índios-monitores em pastores.

A nova meta da educação escolar — como reação às agências missionárias, estatais ou patronais — é realizada por um conjunto de ações específicas de complexidade técnica: cursos anuais são oferecidos, de diferente fôlego curricular e carga horária, alguns com até 3 meses de duração e vários especialistas envolvidos. Neles, um dos procedimentos pedagógicos inovadores está na elaboração de materiais didáticos de autoria dos próprios indígenas, em diversas línguas e em português, atendendo a necessidade de renovação curricular que vivenciavam todos— índios e assessores — nas relações de ensino-aprendizagem relativas às áreas de conhecimento selecionadas.

Pouco a pouco rareavam os desenhos relativos ao poder do branco, e as representações das casas iam-se transformando: perdiam as janelas, o telhado se arredondava, até trazerem elementos das duas culturas [...] reuni este material nos seus temas mais comuns e pedi às crianças, independente de serem os autores, que relatassem o que estava acontecendo naqueles desenhos. Essas narrativas foram registradas em gravador e serviram de texto de leitura quando iniciamos a alfabetização. (Guimarães, 1981, p. 54)

Por outro lado, são imprescindíveis as viagens de campo, consideradas mais assessoria política às escolas em implantação do que ação de pesquisa acadêmica ou supervisão tecnocrata. Visavam o acompanhamento e apoio pedagógico aos professores que então se formavam. Equipes realizavam esforços para o exercício do espírito etnográfico, através de técnicas de observação participante, buscando superar qualquer atitude de intervenção direta e o desconhecimento mais profundo das culturas e línguas em questão. Também as articulações inter-institucionais dessas equipes com as Secretarias de Educação e órgãos afins consistiam em cruzada, quase sacra, com esforços de mediação e interlocução dos interesses indígenas junto aos setores responsáveis pelas escolas em estados e municípios. Estes eram convocados, pela pressão de assessores e representantes das comunidades indígenas, a superar preconceitos e tradições institucionais hierárquicas e oligárquicas, para garantir infra-estrutura humana e material para as escolas e a qualidade pedagógica do trabalho educacional, sob novos parâmetros.

Em algumas regiões do Brasil, são oferecidos, a partir desse período, de forma contínua desde então, os primeiros Cursos de Formação de Professores Indígenas. Os novos projetos educacionais são ações de resposta às demandas de lideranças indígenas por uma educação diferenciada das propostas anteriores, demarcando a história das "lutas pelos direitos". Solicitavam às instituições de apoio que atendessem aos "novos tempos" com novas formas de serviços educativos para os jovens indígenas, geralmente do sexo masculino, escolhidos para esses papéis. Passam a ser capacitados para atuarem em âmbitos como a gerência das nascentes cooperativas, a permanente questão da saúde e a educação escolar, no bojo da sua luta maior pela conquista e gestão das Terras Indígenas.

Nós queremos aprender a fazer conta, tirar nossos saldos, não queremos mais ser explorados pelos patrões dos seringais. (Gazeta do Acre, 21/11/1982)

Os projetos de educação indígena desenvolvidos nessa ocasião foram experiências de caráter bastante autônomo e comunitário, baseados na mobilização política dos atores, assessores e membros dos povos indígenas. Só gradualmente passaram a inteirar-se e relacionar-se com os sistemas públicos de ensino, atendendo a demanda dos professores e suas comunidades. Em alguns estados iniciaram, e, em certos casos, finalizaram com sucesso, processos de regulamentação das propostas curriculares encaminhadas. De natureza diversa das anteriores, colocam-se nelas conceitos e metodologias para a interculturalidade e o bilingüismo na Formação de Professores Indígenas e para suas práticas de ensino nas escolas, injetando novo ânimo e diferentes motivações entre os próprios indígenas.

A escola que a gente quer é a escola do prazer, aquela que a gente pode vir todos os dias e nunca sinta vontade de ir embora. Não queremos uma escola que só tenha mais cadeiras, quadro-negro e giz, mas uma escola da experiência, da convivência e da clareza. (Creuza Kraho, in MEC, 1998, p.53)

Aí eu penso numa escola-maloca, voltada para a realidade da vida e da situação da comunidade. No livro didático, ao invés de uma escola de colarinho, teria um índio pescando. (Higino Tuyuca, in MEC, 1998, p. 26)

6. O tiro ao alvo de algumas lutas

Parte integrante desta rede de programas educacionais civis para populações indígenas no Brasil dos últimos 20 anos, a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC) foi responsável por formular, sistematizar e regularizar uma das primeiras propostas curriculares alternativas às vigentes nas escolas indígenas até aquele momento, respeitadas as demandas políticas e as orientações culturais e lingüísticas das sociedades indígenas participantes.

Alternativo ao Estado, o projeto educacional da entidade, durante seu trajeto contínuo de duas décadas, buscou a conquista, desde seus primórdios, do reconhecimento de órgãos públicos de estado e federais. Lutou pela incorporação dos então "monitores indígenas" e de suas escolas na rede estadual de ensino público, mas esforçando-se por assegurar-lhes a autonomia curricular e administrativa.

Em 1985, um convênio é firmado pela CPI/AC com o Estado do Acre, a fim de garantir, a médio prazo, o projeto de Formação de Professores Indígenas, assim como a continuidade das publicações de materiais didáticos destinados às escolas da floresta, de autoria dos professores indígenas em formação. Também estavam incluídas as viagens de acompanhamento pedagógico às escolas das aldeias, entendidas como importante momento de formação dos professores indígenas e da própria equipe de docentes e assessores educacionais do projeto. Estavam sendo envolvidas, para isto, instituições até então desconectadas, conjugando-se esforços da esfera federal e estadual numa parceria ainda nascente. Além do estado do Acre, através de sua Secretaria de Educação, contou-se com o apoio federal, através da Fundação Nacional do Índio (ainda responsável, na ocasião, pelas políticas nacionais de educação indígena) e da Fundação Nacional Pró-Memória, do Ministério da Cultura (que apoiava, na época, algumas ações de educação escolar culturalmente relevantes). Enquanto isso, o Estado do Acre preparava-se para a contratação definitiva dos professores indígenas formados pela CPI/AC e a inclusão das escolas no sistema estadual do Acre, como categorias diferenciadas e específicas. Abriu assim interessante jurisprudência para a flexibilização e regulamentação dos currículos indígenas e a contratação de professores indígenas pelos estados brasileiros, tornando-se referencial político e educacional no Acre e em outros estados8 8 Por exemplo, é estabelecido um sistema diferenciado de seleção e avaliação para o Magistério Indígena em algumas das Secretarias de Educação. O Estado do Acre foi um dos pioneiros a propiciar, em 1992, concurso público para professores índios, com conteúdos relacionados ao currículo bilíngüe. Também conseguiu a aprovação pelo Conselho Estadual de Educação, da Proposta Curricular Bilíngüe e Intercultural para as escolas indígenas da região, apresentada pela equipe da Comissão Pró-Índio do Acre, sob minha coordenação foi aprovada em junho de 1993, assim como, em 1998, a Proposta Curricular de Magistério Indígena Bilíngue, de nível médio. .

Algumas implicações desse convênio no campo institucional podem ser apresentadas: a aceitação do princípio da autonomia curricular e da descentralização do Estado com relação a uma parte das políticas públicas educacionais, garantida a responsabilidade e apoio de uma organização não-governamental e do movimento indígena. Por outro lado, os nascentes "professores indígenas" passam a existir como funcionários públicos, sem perderem seu vínculo e compromisso com as comunidades, o que lhes dá também o qualificativo de "funcionários da floresta", expressão original inventada entre eles. Podem ser afastados do cargo e do emprego, e muitas vezes o são, pela força de diversos instrumentos comunitários, normalmente pressão de lideranças e outros membros junto às instituições públicas. Os cursos de sua formação são diferenciados daqueles oferecidos para o magistério regular, rural e urbano, sob a responsabilidade técnica de uma entidade da sociedade civil de cunho laico. Ainda que com o apoio financeiro federal e estadual, os professores passam a ser incentivados a tomar consciência e a reagir aos modelos educativos condenados, assim como a propor e desenvolver uma prática pedagógica sem precedentes na história indígena regional e nacional. Esse trabalho, por sua natureza, foi entitulado, desde o seu primeiro formato institucional, em 1983, " Uma Experiência de Autoria". O conceito de "experiência" expressava uma linha de ação de caráter alternativo, processual e local, visando atender a algumas das demandas indígenas por políticas educacionais na região. O conceito de "autoria" ocupava o lugar de uma metáfora e expressava uma linha de trabalho filosófico e político: aos professores indígenas, em articulação e consulta junto à sua comunidade, cabia a responsabilidade das decisões relativas à escola, nos aspectos administrativos, políticos e pedagógicos. Buscava-se a vivência responsável no âmbito do educacional do tão proclamado conceito e valor da autonomia e da autodeterminação.

O futuro que queremos para nossa escola é a demarcação da terra, porque a nossa terra estando demarcada, nós temos todo futuro para nossa escola. Porque dentro desta terra, nós ensinamos e aprendemos o que a gente souber. (Joaquim Mana, in Monte & Olinda, 1985, p. 12)

Sobretudo, passavam a explicitar e divulgar novos e velhos conhecimentos, selecionados como conteúdos de aprendizagem para si e seus alunos, através de suas próprias vozes faladas e escritas, base do novo currículo em construção.

Sem a terra demarcada nenhuma escola terá garantia de funcionar pelos próprios índios mesmos, desenvolvendo nosso contexto cultural, através do nosso mito. E o índio não tem vergonha de falar a sua própria língua dele. Eu sou índio Kaxinawá do Rio Jordão. (Osair Sia, in Monte, 1984, p. 8)

Desencadeava-se o início de um ainda circunscrito e frágil modelo de política pública: com base na parceria entre órgãos governamentais, movimentos indígenas e ONGs, juntavam-se as responsabilidades de esferas de poder distintas, de âmbito federal, estadual e municipal. Dentro dos princípios de uma educação diferenciada dos modelos de integração e cristianização anteriores, a proposta deste e de outros projetos definiam as novas possibilidades de flexibilização curricular. Fundamentavam-se nas especificidades étnico-lingüísticas das sociedades indígenas envolvidas, nos diversos contextos e histórias de contato, e no potencial de participação política dos atores.

Esse curso que realizamos agora em 86 nós trabalhamos bastante. Veio uma professora de lingüística para nos ajudar nos alfabetos das línguas indígenas que estavam participando do curso. Cada monitor fez seu alfabeto em sua língua. Fizemos cartilhas com palavrinhas indígenas para as crianças aprenderem com mais facilidade suas próprias línguas. (Sofia Poyanawa, in Cabral et al., 1986, p. 51)

7. Algumas derivações e problemas

Importava, já aí nesses anos iniciais, conciliar a cidadania e a diversidade, fundamentos políticos dos regimes democráticos que começavam a ser formuladas em nossos países latino-americanos. Ou seja, buscava-se enfrentar, no marco do pluralismo cultural e da diversidade, o direito ao exercício da cidadania, com a participação dos emergentes movimentos indígenas na definição dos rumos de suas sociedades como parte do nacional.

O exercício deste marco contemporâneo se expressou, por um lado, na prática de articulação dos projetos de educação com as políticas públicas do estado e do país; por outro, na fidelidade às formulações dos professores indígenas como porta-vozes de suas comunidades e das próprias comunidades, através de alguns de seus membros. Buscou-se, para isso, encontrar estratégias para a inserção das escolas indígenas na rede de ensino público, preservada a autonomia e a diversidade das propostas curriculares de interesse dos professores. A aceitação e construção local deste novo paradigma implicava também um conjunto de problemas de difícil resolução.

Uma série de questões complexas, portanto, tiveram que ser enfrentadas nesse processo. Buscava-se a legitimação e a legalização dos trabalhos experimentais desenvolvidos pelos professores indígenas em suas escolas. Trabalhos que, heterogêneos em sua proposta política pedagógica, precários em recursos materiais e financeiros, estavam inseridos, por sua condição interativa e intercultural, nos sistemas de ensino. Lutava-se por assegurar, ainda, a participação dos alunos e professores indígenas em serviços sociais diversos, entre eles o da educação escolar, com acesso garantido aos diversos graus de estudo, benefícios e garantias relacionados com a cidadania, conciliando com as pautas sociais e políticas da luta pela terra e pelo desenvolvimento sustentado. Neste sentido, fortalecia-se gradualmente, por um lado, a demanda dos professores indígenas por um plano de carreira profissional, em modalidade especial da profissão de magistério, acompanhada por sua formação inicial, sua titulação e adequada remuneração pelo poder público. Por outro, cresciam as demandas de lideranças e comunidades pelo controle social dessa nova profissão e de sua eminente função social. Orientava-se comunitariamente a seleção dos novos professores entre seus jovens mais "valiosos" para as atividades escolares, assim como a "demissão" do cargo e da função, quando esses não atendiam a necessidades e expectativas de seus parentes com relação à escola. Finalmente, lutava-se quotidianamente por conciliar esses novos processos históricos, educacionais, administrativos com os princípios, mecanismos e rotinas dos processos de socialização mais culturalmente fundados, não-escolares, fundamentais para o desenvolvimento humano, ecológico, cultural e político das sociedades indígenas.

Por seu caráter novo e inovador, esses projetos não podiam contar com respostas às novas questões de caráter eminentemente político que se colocavam, nem com referenciais teórico-metodológicos para o desenvolvimento curricular dos cursos de formação de professores e de suas escolas. Seu alcance político e alicerce teórico estavam nos princípios e fundamentos ideológicos e pedagógicos fornecidos pela rede internacional e nacional que então se formava.

No sentido de suprir a carência de práticas curriculares referencias para o contexto da educação escolar indígena, enfrentando o problema teórico, pedagógico e político-institucional na conformação do campo da educação bilíngüe e intercultural no país, esforços diversos foram feitos.

No aspecto teórico, linhas de pesquisa e investigação aplicadas ao educacional são criadas e desenvolvidas por um grupo cada vez mais amplo de pessoas no Brasil relacionadas com esses projetos. Um significativo conjunto de trabalhos de pesquisa e pós-graduação foram elaborados em várias universidades. Daí já vem resultando um corpo de matéria teórica e histórica dedicado a pensar a educação escolar indígena no país. Quase sempre analisa-se uma experiência particular de formação de professores ou de escolas inseridas nas variadas situações em que se encontram as sociedades indígenas. Só através da CPI/AC, foi gerado, entre a fundação da entidade em 1979 e os dias atuais, um número significativo de trabalhos em campos variados, dedicados a pensar o contexto sociolingüístico, antropológico, ambiental, econômico etc., em que se desenvolve o projeto educativo. As equipes de docentes deste e de outros projetos elaboraram e difundiram várias formas de registro, planejamento e avaliação das ações educacionais realizadas — planos e relatórios de cursos de formação, diários de campo e relatórios de viagens de assessoria etc. —, para sua própria formação crítica e intercâmbio com outros projetos.

No aspecto pedagógico, o currículo da formação dos professores indígenas e de suas escolas é tema de investigação, parte indispensável da formação profissional e de fortalecimento político dos professores indígenas. Estes se dedicam a pensá-lo, ano a ano, por meio de instrumentos como os "diários de classe", lidos e discutidos nos cursos de formação e nas atividades desenvolvidas nas aldeias, assim como através de outros instrumentos reflexivos impulsionados nos cursos na área de pedagogia e pesquisa.9 9 Os diários de classe são documentos curriculares escritos durante o ano letivo pelos professores de alguns dos projetos, estimulados didaticamente nos cursos de formação, especialmente na área de pedagogia. Neles, registram e refletem sobre o currículo em desenvolvimento sob sua responsabilidade nas escolas indígenas. Um estudo mais detalhado desses diários, entre os professores Kaxinawá do Acre, realizei em minha dissertação de mestrado em educação, transformada no livro Escolas da Floresta: entre o passado oral e o presente letrado, 1996.

Construir esta nova escola requer não apenas uma intensa experiência, mas também métodos de pesquisa para compreender melhor a nossa cultura. (Jocineide Xucuru, in MEC, 1998, p. 69)

Um intenso processo de investigação é realizado na escolarização de professores e alunos, apoiado na escrita e em novos suportes e antigas linguagens, como a música, intensificando a valorização de conteúdos culturais para o currículo, entre eles a própria língua como meio e objeto de estudo.

Este livro de música Kaxinawa, Nuku Mimawa, foi trabalho realizado por alguns professores Kaxinawa interessados em registrar sua cultura no momento em que a língua Kaxinawa passou a ser dominada pela escrita. Eu, Joaquim Mana e Isaías Ibã fizemos algumas gravações com os velhos [...]. Nosso objetivo é que essas músicas façam parte da disciplina de línguas das escolas Kaxinawa [...] (Mana, in Mana & Iba, 1994, p. 1)

A língua hoje para mim é um documento. Eu não falava. Tinha vergonha. Hoje eu falo. Sei muitas coisas e sei ensinar para quem quiser destas meninadas. E já temos até esta língua escrita no papel, mesmo que tenha alguns erros para consertar. (Mario Poyanawa, in MEC, 1998, p. 120)

Quanto ao aspecto político e institucional, uma ação permanente é desencadeada junto aos órgãos públicos estaduais que regulam a questão, os Conselhos Estaduais de Educação. Em diversos estados, os CEE estão sendo solicitados para a análise e apreciação de novas propostas curriculares em formulação por entidades de apoio, especialistas e professores indígenas nas atividades de pesquisa teórica e de ação pedagógica anteriormente citadas. Os esforços de consenso e os amplos espaços de negociações experimentados para o reconhecimento final dos desenhos curriculares vêm resultando na titulação de um já significativo número de professores indígenas, em programas "diferenciados" e de qualidade, e com bom nível de legitimidade política junto às comunidades.10 10 Estima-se que existam cerca de 3.000 professores em exercício nas escolas indígenas, 70% deles indígenas. Os cursos que formam professores indigenas em magistério diferenciado atendem atualmente cerca de 30% deste universo de professores. Os demais estão sendo formados por magistério regular, ou encontram-se sem nenhum tipo de assistência.

É importante frisar que algumas secretarias de educação adotaram como estratégia de trabalho as parcerias nas ações de formação dos professores indígenas: observaram que o trabalho avançou ao juntarem-se as organizações indígenas e as entidades de apoio na construção deste trabalho que é a formação de professores. (Taukane Bakairi, in MEC, 1998, p.40)

Como resultado destes três tipos de esforços articulados — o teórico, o pedagógico e o institucional —, algumas propostas alternativas de currículo para as escolas são elaboradas pelos professores indígenas. Ganham atualmente a forma de projetos políticos pedagógicos. Estes são mecanismos institucionais e legais instaurados na esteira rolante das reformas educativas, mas de grande potencial pedagógico e político em contexto indígena. E vêm se tornando requisitos para o credenciamento final da escola indígena e de seu currículo junto ao Conselho Estadual de Educação. Daí a relevância institucional e política desta atividade entre os professores. Reúne a possibilidade de exercício consciente e responsável da autonomia curricular, favorecendo momentos de reflexão coletiva do projeto educacional e institucional requerido pelas comunidades, resguardando-lhes o direito de promoverem o ensino das línguas maternas e os processos próprios de aprendizagem. Algumas ações, nesse sentido, estão sendo desenvolvidas nos cursos de formação de professores para a ampliação de sua competência como profissionais capazes de desenhar e desenvolver seus currículos e enfrentarem a gestão de suas escolas como parte do sistema de ensino público:

Este ano de 2000, escolheu-se, como grande tema do curso de pedagogia, o projeto político pedagógico da escola indígena. A proposta foi sistematizar elementos já vividos, conhecidos, discutidos pelos professores sobre sua prática docente e sua experiência de ensino em uma proposta pedagógica a ser encaminhada e sistematizada até o final do próximo ano como produto final à SEE e ao CEE [...] O projeto foi por à eles entendido como novo importante elemento de negociação e fortalecimento da escola indígena diferenciada, que ao ser oficializado na etapa seguinte, garantirá que, com maior autonomia curricular e administrativa, possam gerir sua escola junto ao sistema estadual e municipal, com menos riscos de interferências nocivas. O despreparo muito comum dos técnicos da SEE e dos municípios vem afetando de forma incisiva a especificidade da pedagogia indígena e do projeto desta educação diferenciada. O documento que nos propusemos a ajudar a formular, com o aval do CEE, cremos que irá ajudar na superação parcial desta situação conflitiva. (Monte, 2000)

Complementarmente, as equipes dos assessores, consultores e professores indígenas vêm montando uma série de documentos curriculares para a Formação do Magistério Indígena de nível médio, sistematizando a ação educativa experimentada no processo de formação de professores. Esses documentos, mais que planejamentos prospectivos, são entendidos como registro do processo, avaliação e planejamento permanente, além de constituírem memória histórica dos anos de trabalho, refletindo uma prática constituída (e constituinte). Aprovados pelos Conselhos Estaduais de Educação, traduzem o reconhecimento do trabalho curricular com a formação do grupo de professores indígenas que, em serviço em suas escolas, muitos há quase duas décadas, podem ser titulados como professores bilíngües de nível médio, dentro de uma nova categoria do magistério nacional. Passam a ter o direito a se qualificarem pelo percurso da formação recebida e a um plano de carreira para sua profissão, saindo da sua anterior identificação com o professor leigo do meio rural. Algumas Escolas de Formação de Professores Indígenas são criadas pelos projetos de organizações indígenas e entidades de apoio e constituem um novo espaço pedagógico e institucional para a realização do Magistério Indígena diferenciado, assim como transformam-se em centros de produção e divulgação intercultural.11 11 No Amazonas e no Acre, espaços pedagógicos e institucionais foram criados, denominados Centros de Formação de Professores Indígenas, ou Escolas de Magistério Indígena. Foram construídos e são mantidos, respectivamente, pela Organização Geral dos Professores Tikuna e pela Comissão Pró-Índio do Acre, atendendo anualmente a um extenso número de professores em serviço, visando sua titulação no nível médio. No caso do Acre, realizam-se também no Centro, durante o ano, cursos de capacitação profissionalizantes para agentes de saúde indígenas e agentes agroflorestais.

O vôo curricular mais ousado das experiências civis em terreno de políticas públicas vem ocorrendo no âmbito federal a partir do final dos anos 90. O documento Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) foi formulado sob iniciativa e responsabilidade do MEC, com a assessoria de um amplo grupo de docentes de projetos e programas de formação de professores indígenas e dos próprios professores indígenas. Entre esses, grande parte da equipe da CPI/AC e de outras instituições de entidades de sociedades civis. Destinou-se o material a orientar mais um passo da reforma educativa, sob o carimbo do Ministério de Educação. A qualidade na condução de políticas de educação escolar indígena deve, no entanto, fundar-se na participação política e na busca de consenso entre os atores e setores diversos atuantes no campo. Também no trilhar de caminho da reforma, outro documento vem sendo preparado pelo MEC, Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores Indígenas, com consulta entre organizações não-governamentais, professores indígenas e especialistas, para a orientação dos programas estaduais de formação de professores indígenas, incumbência atual dos sistemas estaduais de educação.

O movimento indígena já tem dado sua grande parcela de contribuição na elaboração do Referencial Curricular Nacional Indígena, através da sua articulação, estudos, reflexão e montagem de propostas comuns sobre a educação que queremos. (Enilton Wapixana, in MEC, 1998, p. 28)

8. Considerações Finais

O que quero dizer é que os 500 anos para nós começaram ontem. Só agora, nos últimos anos, é que estamos com os direitos de ter uma comunicação através da escrita na nossa língua própria. Sendo um processo novo para os índios e para os educadores, encontramos várias interrogações no ar. Como se fôssemos as andorinhas voando para pegar as moscas de sua alimentação numa tarde de temporal de chuva (Mana, in Mana & Monte, 2000, p. 1)

Em resumo, os projetos e programas de educação para os povos indígenas, desenvolvidos como parte das reformas políticas e educacionais nas duas últimas décadas, tiveram em comum as condições históricas complexas de parcerias interinstitucionais e o difícil diálogo dos cenários interculturais. Em missão muitas vezes impossível, as diversas entidades de apoio, organizações indígenas, movimentos de professores e órgãos públicos buscam o consenso e a convivência entre os variados interesses e perspectivas políticas. Deparam-se, enfim, com a tarefa do exercício dos direitos democráticos contemporâneos nas tensionadas realidades, práticas e pautas sociais latino-americanas.

Esta complexidade coloca para nós — índios e não- índios algumas questões de difícil resolução, que até hoje caracterizam o campo da educação escolar indígena como parte de lutas sociais e políticas mais amplas no Brasil e em outros países.

Os avanços normativos e jurídicos no campo da educação para os povos indígenas, 500 anos depois, na maioria dos casos, são resultado das formas de convivência democrática e, em especial, das demandas e iniciativas dos movimentos sociais e étnicos e da mobilização da sociedade em geral. Também, segundo Moya (1998), em alguns aspectos, a sociedade política, através de governos, partidos e organismos internacionais, parece ter assumido importantes orientações e fundamentações na direção do pluralismo e da eqüidade. Mas, parece que estes novos princípios se desenvolvem melhor como conceitos e direitos, constituindo um rico campo de idéias e de leis, sem correspondência contínua com a realidade. Funcionam como referente ou paradigma dos quais é preciso partir para atingir as metas da qualidade, eficiência, eqüidade, além do reconhecimento da diversidade, como fundamentos básicos da democracia e das reformas educativas na América. Em outras palavras, existe uma impossibilidade básica de traçar paralelos entre as normas, de caráter universal, as pautas locais e as ações experimentais, aprisionadas nos contextos de onde nascem.

Um dos pontos de conflito é o jogo recíproco entre o reconhecimento da igualdade de todos ante a lei, afirmada na maioria das constituições latino-americanas, e a necessidade de reconhecer e discriminar positivamente os direitos coletivos de todos que aspiram ao reconhecimento de suas diferenças, entre eles os povos indígenas. Se a primeira assertiva aponta para o direito individual, correspondendo à velha e ainda atual tendência liberal, a segunda, para os direitos coletivos e consuetudinários, tão conflituosamente exercidos, ilustrados contemporaneamente pelo estado de guerra experimentado em Chiapas pelo Exército dos Zapatistas e pela já histórica luta pela demarcação dos territórios indígenas no Brasil em outras partes do continente.

Mas, finalmente, são os movimentos étnicos e sociais na América que demonstram condições de pôr na berlinda a ordem institucional e legal. Através de suas proposições e demandas, inclusive as educacionais, tornam ultrapassadas a legislação e as políticas sociais de seus países. Desenvolvem movimentos de negociação e conflito com outros setores da sociedade, forçando novas pautas políticas, marcos legais, e práticas sociais.

E a legalização dos direitos étnicos-lingüísticos, entre eles o direito à educação intercultural bilíngüe, é um dos importantes territórios das lutas políticas, sendo fonte e produto das novas demandas e pontos de tensão. Torna-se, por isto mesmo, sempre obsoleta a atual legislação, ao mesmo tempo que se amplia o horizonte jurídico, estendendo-se os espaços e âmbitos de exercício dos direitos pelos movimentos indígenas e outros grupos culturalmente diferenciados, no precário (des)equilíbrio das relações interculturais.

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  • MONTE, N., (org.) (1984). Estórias de hoje e antigamente dos índios do Acre Rio Branco: Comissão Pró-Índio do Acre.
  • MOYA, Ruth, (1998). Reformas educativas e interculturalidad en America Latina, Educación, lenguas, cultura, Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 17.
  • MUÑOZ, H., (1998). Los objetivos políticos y socioeconomicos de la educación intercultural bilingüe y los cambios que se necesitan en el currículo, en la ensenanza y en las escuelas indígenas, in Educación, Lenguas, Cultura. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 17.
  • SILVA, A., (1981). Por que discutir hoje educação indígena? In: SILVA LOPES, Aracy, (org.). A questão da educação indígena São Paulo: Brasiliense.
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    Nietta Lindenberg Monte é mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense, coordenadora pedagógica da Comissão Pró-Índio do Acre, onde há cerca de vinte anos dedica-se a programas de formação de professores indígenas e currículo, especialmente no Acre, mas também em outras regiões e países. Coordenou diversos livros didáticos de autoria indígena relacionados com o currículo das escolas, sendo autora de vários artigos e livros sobre a temática da educação escolar indígena, publicados no Brasil, México, Peru, Chile, Espanha e Alemanha. É atualmente representante das Ongs no Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena do MEC e realizou a Coordenação Geral do Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas (RCNE/I, 1998). E-mail:
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    O Instituto Lingüístico de Verão, ILV, é uma das importantes agências missionárias fundamentalistas norte-americanas que atuamna América Indígena há meio século, sobretudo por meio de processos educacionais em língua indígena. Tem como principal missão levar a palavra de Deus aos povos sem escrita, através de instrumentos como a escola, a alfabetização e a leitura em língua indígena. Seu trabalho, de alto poder corrosivo, mas muito aceito pelos estados nacionais, foi precursor de outras presenças missionárias de igrejas evangélicas em toda a América.
  • 2
    Entre alguns complementares marcos jurídicos conquistados pelo movimento indígena e suas próprias organizações em encontros internacionais, destacam-se a Declaração de Princípios, adotada na "IV Assembléia Geral do Conselho Mundial de Povos Indígenas", Panamá, 1986, e o "Encontro sobre o Direito Comparativo Indígena na América", celebrado en Quito, 1990.
  • 3
    O Programa de Educación Intercultural e Bilingue de los Andes, Proeib Andes, sediado na Universidad de San Simon em Cochabamba, Bolívia, oferece curso de mestrado para cerca de 50 membros dos povos indígenas de 5 países da América do Sul, com apoio financeiro da agência de cooperação alemã, GTZ, tendo como docentes uma equipe de especialistas em EIB de toda a América. No México, a Universidade Pedagógica Nacional atende a uma grande extensão de regiões e grupos étnicos com curso de graduação e mestrado na especialidade da educação intercultural. No Peru, em Iquitos, o Instituto Loretto junto a uma Federação Indigena, AIDESEP, oferece graduação para professores e gestores em EIB. Há também no México e na Colômbia programas que atendem a estudantes indígenas, como a Maestria Indoamericana do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropologia Social, o CIESAS e o Centro Colombiano de Estudios de Lenguas Aborigenes de la Universidad de los Andes, de Bogotá.
  • 4
    O Ministério da Educação, MEC, vem produzindo vários documentos de caráter formativo para os novos agentes da Educação Escolar Indígena, apresentados mais como subsídio do que norma. Entre eles, estão as Diretrizes Nacionais para a Educação Escolar Indígena, 1993, preparado pelos membros do Comitê Nacional de Educação Indígena. Um documento de maior fôlego técnico e político, o Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas, 1998, foi preparado, com a participação de amplos setores e atores institucionais — universidades, organizações civis, especialistas indígenas, sob minha coordenação geral. Estabeleciam-se, por meio dele, os fundamentos comuns das ações específicas a serem desenvolvidas em cada contexto em que vivem as sociedades indígenas.
  • 5
    Exemplificam-se esses processos educacionais pela atuação mais recente das organizações de professores indígenas, como a Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, COPIAR, a Organização Geral dos Professores Tikuna, OGPTB, no Estado do Amazonas, a Associação de Professores Kaingang e Guarani do Brasil, APKGB. Existem também as entidades de apoio de perfil laico, como a Comissão Pró-Índio do Acre, o Centro de Trabalho Indigenista, CTI, o Instituto Socioambiental, ISA, o Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, IAMA, ou aquelas ligadas às Igrejas católicas e luteranas, como a Operação Anchieta, OPAN, o Conselho Indigenista Missionário, CIMI, o Conselho de Missões entre Índios, COMIN, além de alguns outros.
  • 6
    Alguns antropólogos dedicados a pesquisas e ao apoio à nascente "questão indígena" foram os principais fundadores e coordenadores das mais significativas ONGs de caráter civil que se formaram nesse período, como é o caso da Comissão Pro-Índio de São Paulo, Comissão Pro-Índio do Rio de Janeiro e Comissão Pro-Índio do Acre, do Centro de Trabalho Indigenista de São Paulo, a Associação Nacional Apoio ao Índio da Bahia, e do Centro Magüta em Benjamim Constant, para citar algumas delas.
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    Essas experiências mencionadas, embora não sejam as únicas a ocorrer no país, foram reunidas no livro
    A Questão da Educação Indígena, organizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, em 1981, no qual são narrados vários pequenos experimentos com a alfabetização em línguas indígenas e/ou português por diversos autores, constituindo uma primeira sistematização da gênese do atual paradigma da educação intercultural no país. Também a OPAN organiza, a partir dos anos 80, diversos encontros nacionais de educação com participação de experiências desenvolvidas por seus agentes e outros. Estas reuniões estão relatadas no livro
    A Conquista da Escrita, 1989. Cita-se, para mencionar apenas alguns destes projetos, a experiência com os Tapirapé, Bororo, Rikbatsa, Myki-Iranxe, Xavante, Pareci, Trumai, Suyá, Kayabi, Aweti, Txukarramãe, em Mato Grosso, com os Tikuna, Kanamari, Apurinã, no Amazonas, com os Kaxinawá, Kulina, Kaxarari, Kampa, no Acre, com os Suruí, em Rondônia, com os Guarani em São Paulo.
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    Por exemplo, é estabelecido um sistema diferenciado de seleção e avaliação para o Magistério Indígena em algumas das Secretarias de Educação. O Estado do Acre foi um dos pioneiros a propiciar, em 1992, concurso público para professores índios, com conteúdos relacionados ao currículo bilíngüe. Também conseguiu a aprovação pelo Conselho Estadual de Educação, da Proposta Curricular Bilíngüe e Intercultural para as escolas indígenas da região, apresentada pela equipe da Comissão Pró-Índio do Acre, sob minha coordenação foi aprovada em junho de 1993, assim como, em 1998, a Proposta Curricular de Magistério Indígena Bilíngue, de nível médio.
  • 9
    Os diários de classe são documentos curriculares escritos durante o ano letivo pelos professores de alguns dos projetos, estimulados didaticamente nos cursos de formação, especialmente na área de pedagogia. Neles, registram e refletem sobre o currículo em desenvolvimento sob sua responsabilidade nas escolas indígenas. Um estudo mais detalhado desses diários, entre os professores Kaxinawá do Acre, realizei em minha dissertação de mestrado em educação, transformada no livro
    Escolas da Floresta: entre o passado oral e o presente letrado, 1996.
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    Estima-se que existam cerca de 3.000 professores em exercício nas escolas indígenas, 70% deles indígenas. Os cursos que formam professores indigenas em magistério diferenciado atendem atualmente cerca de 30% deste universo de professores. Os demais estão sendo formados por magistério regular, ou encontram-se sem nenhum tipo de assistência.
  • 11
    No Amazonas e no Acre, espaços pedagógicos e institucionais foram criados, denominados Centros de Formação de Professores Indígenas, ou Escolas de Magistério Indígena. Foram construídos e são mantidos, respectivamente, pela Organização Geral dos Professores Tikuna e pela Comissão Pró-Índio do Acre, atendendo anualmente a um extenso número de professores em serviço, visando sua titulação no nível médio. No caso do Acre, realizam-se também no Centro, durante o ano, cursos de capacitação profissionalizantes para agentes de saúde indígenas e agentes agroflorestais.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
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