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A creche comunitária na visão das professoras e famílias usuárias

How nursery assistants and customer families see community nurseries?

Resumos

O presente trabalho integra uma pesquisa mais ampla sobre as creches comunitárias na cidade de Fortaleza. Apresentamos aqui a análise das entrevistas realizadas com 25 professoras e 48 famílias usuárias dessas creches, que procuraram captar as suas percepções sobre o trabalho desenvolvido por esse tipo de equipamento. As educadoras trazem opiniões marcadas por preconceitos e falta de informações tanto acerca da creche como das crianças e de suas famílias. Na visão das famílias, de um modo geral, a creche está realizando bem a sua função. Os dois grupos parecem carecer de modelos de atendimentos de qualidade como parâmetros para as suas avaliações. Ressaltamos a persistência da precariedade desses equipamentos e a necessidade urgente de se prover as famílias usuárias e os grupos que defendem os interesses populares de informações acerca da especificidade da qualidade da educação infantil a fim de que possam identificar tais precariedades e buscar estratégias para superá-las.


This article is part of a comprehensive research on community nurseries in the city of Fortaleza. It represents the analysis of recorded questionnaires applied to 25 nursery assistants and 48 customer families. The assistants demonstrate some prejudice, besides lack of information about the children and families under their care, due to a generally short (or absence of) period of training and professional formation. The families also have neither education and political conditions nor information to property analyze the service available in the nurseries. Furthermore, both groups seem to be in need for better parameters of social care and assistance, assuming this service as a gift or a privilege beyond criticism. The work unveils the absence of adequate structure to offer good services in these institutions. Finally, it reinforces the urging need for democratization of information about the real and specific needs of early childhood. This information should be directed to NGO's, families and other groups interested in these problems, in order to help them in the search and discussion of strategies and solutions for nursery services.


ARTIGOS

A creche comunitária na visão das professoras e famílias usuárias

How nursery assistants and customer families see community nurseries?

Silvia Helena Vieira Cruz

Faculdade de Educação, Universidade Federal do Ceará

RESUMO

O presente trabalho integra uma pesquisa mais ampla sobre as creches comunitárias na cidade de Fortaleza. Apresentamos aqui a análise das entrevistas realizadas com 25 professoras e 48 famílias usuárias dessas creches, que procuraram captar as suas percepções sobre o trabalho desenvolvido por esse tipo de equipamento. As educadoras trazem opiniões marcadas por preconceitos e falta de informações tanto acerca da creche como das crianças e de suas famílias. Na visão das famílias, de um modo geral, a creche está realizando bem a sua função. Os dois grupos parecem carecer de modelos de atendimentos de qualidade como parâmetros para as suas avaliações. Ressaltamos a persistência da precariedade desses equipamentos e a necessidade urgente de se prover as famílias usuárias e os grupos que defendem os interesses populares de informações acerca da especificidade da qualidade da educação infantil a fim de que possam identificar tais precariedades e buscar estratégias para superá-las.

ABSTRACT

This article is part of a comprehensive research on community nurseries in the city of Fortaleza. It represents the analysis of recorded questionnaires applied to 25 nursery assistants and 48 customer families. The assistants demonstrate some prejudice, besides lack of information about the children and families under their care, due to a generally short (or absence of) period of training and professional formation. The families also have neither education and political conditions nor information to property analyze the service available in the nurseries. Furthermore, both groups seem to be in need for better parameters of social care and assistance, assuming this service as a gift or a privilege beyond criticism. The work unveils the absence of adequate structure to offer good services in these institutions. Finally, it reinforces the urging need for democratization of information about the real and specific needs of early childhood. This information should be directed to NGO's, families and other groups interested in these problems, in order to help them in the search and discussion of strategies and solutions for nursery services.

Introdução

Não se pode deixar de constatar que bons ventos têm soprado na área de educação infantil nessas últimas décadas. Resultados de pesquisas realizadas em vários países acerca do desenvolvimento infantil e do impacto das experiências vividas nos primeiros anos de vida evidenciam a urgência de se pensar a educação infantil como uma necessidade e não como um luxo. Paralelamente, uma nova concepção de criança enquanto cidadã e construtora de conhecimentos, que se desenvolve influenciada e influenciando o ambiente em que vive, vem exigindo importantes redefinições, especialmente quanto à sua educação e formação dos seus educadores.

Há também um esforço no sentido de divulgar critérios para um atendimento de qualidade que respeite a dignidade e os direitos básicos da criança.1 1 Tomamos como creche comunitária o equipamento gerido por uma associação comunitária, a qual mantém convênio(s) com órgãos governamentais ou não governamentais, sendo que as professoras e demais funcionários têm vínculo empregatício com a associação comunitária. Esclarecemos que o nome creche comunitária ainda não se adequou ao que está expresso na legislação em vigor, no que se refere à clientela atendida. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB delimitar essa denominação para o atendimento de crianças de zero a três anos, a creche comunitária recebe crianças de zero a seis anos (e, em muitos casos, também crianças maiores). Nesse sentido, têm especial importância os Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças (MEC, 1995), que dizem respeito à organização e funcionamento interno das creches e explicitam critérios relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches. Documentos, como a Política Nacional de Educação Infantil (MEC, 1994), os Subsídios para a elaboração de diretrizes e normas para a Educação Infantil (MEC, 1999), as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Parecer CEB 22/1998) e as Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (Parecer CNE/CEB 04/2000), têm apresentado definições e orientações para a instalação, organização e funcionamento adequados de creches e pré-escolas no nosso país.

No entanto, ainda há ausência de informações que forneçam suporte às atividades de planejamento, acompanhamento e avaliação na área, como há tempos vários autores vêm apontando (Poppovic et al., 1983, Rosemberg, 1989, Carvalho, 1994, entre outros). Apesar de, nos últimos anos, os órgãos oficiais responsáveis pela coleta de dados começarem a dar maior atenção ao atendimento à criança de zero a seis anos, isso não tem sido suficiente para termos um quadro detalhado, preciso e atualizado em relação à clientela atendida e aos educadores que estão realizando esse trabalho, especialmente no que se refere às creches ou "escolinhas" não vinculadas ao sistema regular de ensino. Carecemos de maiores informações sobre como esse atendimento vem, de fato, ocorrendo nos diversos municípios e estados brasileiros. Essa ausência é grave, pois a elaboração de qualquer plano que objetive melhorar a qualidade desses serviços não pode prescindir desses subsídios para identificar as necessidades e prioridades a serem enfrentadas.

A realização de diagnósticos em áreas específicas tem contribuído sobremaneira para o conhecimento da situação atual do atendimento à criança pequena. Recentemente, por exemplo, dois desses diagnósticos foram realizados em Belo Horizonte (MG) e no Rio Grande do Sul. Entre as relevantes informações trazidas pelo diagnóstico realizado em Belo Horizonte, que abrangeu as creches conveniadas com aquela Prefeitura, está o grande número de crianças acima de 7 anos atendidas nessas creches (24,1%); o baixíssimo salário dos profissionais de educação infantil (67,7% recebem, no máximo, um salário mínimo); a longa jornada semanal de trabalho (39,3% dos profissionais têm jornada superior a 40 horas semanais) e o reduzido tempo de serviço desses profissionais (57,7% deles têm, no máximo, dois anos de serviço). Já o diagnóstico realizado no Rio Grande do Sul possibilitou constatar, por exemplo, que boa parte dos coordenadores pedagógicos (33%) e professores (41%) concebem a função da creche ou pré-escola como "preparação para a 1ª série"; que apenas 10% dos entrevistados afirmam seguir uma proposta pedagógica em seus estabelecimentos (e nem esse percentual foi comprovado pelas observações dos pesquisadores) e que um número significativo de professores das instituições pesquisadas sequer sabia o que isso significa.

A pesquisa que deu origem ao presente trabalho ateve-se ao município de Fortaleza, Ceará. Nesse âmbito, centramos a atenção no trabalho desenvolvido pelas creches comunitárias,1 1 Tomamos como creche comunitária o equipamento gerido por uma associação comunitária, a qual mantém convênio(s) com órgãos governamentais ou não governamentais, sendo que as professoras e demais funcionários têm vínculo empregatício com a associação comunitária. Esclarecemos que o nome creche comunitária ainda não se adequou ao que está expresso na legislação em vigor, no que se refere à clientela atendida. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB delimitar essa denominação para o atendimento de crianças de zero a três anos, a creche comunitária recebe crianças de zero a seis anos (e, em muitos casos, também crianças maiores). o que se justifica tanto pela abrangência desse atendimento como pela sua sempre crescente expansão.

Apesar de haver surgido como estratégia de sobrevivência das camadas mais empobrecidas da população, a creche comunitária passou a integrar as políticas públicas do Estado do Ceará desde 1987, com a criação do Programa de Apoio à População Carente – PAPI. De acordo com o documento Creche comunitária um caminho (Ceará/STAS, 1992), esse programa nasceu com a finalidade de apoiar as demandas populares quanto à construção, reforma, equipamento e manutenção de creches comunitárias para crianças de 0 a 6 anos. Assim, o Governo do Estado passou a repassar recursos financeiros, fornecer apoio técnico e influenciar nas decisões sobre o gerenciamento das creches e sobre as propostas pedagógicas. A relação entre o governo e a comunidade é de co-gestão e paritária enquanto execução do programa, segundo o guia de orientação para o gerenciamento das creches comunitárias (Ceará/FEBEMCE/UNICEF, 1994).

O número de creches comunitárias conveniadas com o governo estadual através da Fundação do Bem-Estar do Menor do Ceará – FEBEMCE –, tem aumentado ao longo dos últimos anos: em 1989 somavam 147, passaram a 351 em 1993, em 1996 chegavam a 446 e em 1998 aumentaram para 455. Praticamente todos os municípios participam desse Programa, designado "Criança Feliz", mas a capital do Estado sempre concentrou grande parcela das crianças atendidas: hoje são 13.505, atendidas em 144 equipamentos.

Em relação à esfera municipal, as creches comunitárias também têm apresentado expansão, sendo que o maior número delas encontra-se sob a responsabilidade da Operação Fortaleza – OPEFOR –, fundação ligada diretamente à primeira-dama do município. Atualmente são 19 creches, que atendem 950 crianças.

Por sua vez, a Secretaria da Educação Básica do Estado deixou, nos últimos anos, de oferecer a educação infantil à população: em 1996, 16.636 crianças freqüentavam classes denominadas "jardim" (destinadas a crianças de cinco anos) e "alfabetização" (para crianças a partir de seis anos), mas no ano seguinte não houve matrícula para as classes de jardim e em 1998 o mesmo se repetiu para as classes de alfabetização. Nessa circunstância, é importante assinalar que o número de alunos das classes de pré-escola vinculadas à Coordenadoria de Educação da cidade de Fortaleza, que sempre foi pequeno, tem diminuído; indo na direção oposta às suas responsabilidades, o município fechou muitas classes de educação infantil.2 2 Um dos mais fortes motivos para isso é a implantação do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, que tem provocado a migração de professoras da Educação Infantil para o Ensino Fundamental e a abertura de mais vagas para essa etapa da educação básica, uma vez que nele cada aluno representa mais recursos financeiros para os cofres públicos. Assim, como afirma o Plano Nacional de Educação – proposta da sociedade brasileira, elaborado no II Congresso Nacional de Educação (nov. de 1997), o referido Fundo e a Emenda Constitucional nº. 14 "desestimulam a oferta e a ampliação de vagas na educação infantil por parte dos municípios".

Considerando que as creches comunitárias constituem a quase única oportunidade de atendimento em creche ou pré-escola em período integral ao qual a população mais pobre tem acesso, tornava-se imperativo investigar como isto vem ocorrendo, que aspectos necessitam de maior investimento em termos de pesquisa, assessoria, recursos financeiros, materiais etc.

No presente trabalho, são enfocadas prioritariamente as falas das professoras e das famílias usuárias das creches comunitárias, captadas na terceira etapa da pesquisa "O atendimento em creches comunitárias na cidade de Fortaleza: diagnóstico da situação atual". Essas falas, que expressam as percepções e opiniões acerca do atendimento às crianças realizado nessas entidades,3 3 É importante registrar que, uma vez que essa pesquisa pretendia abranger inclusive os usuários que freqüentavam os berçários e as turmas de maternais, apelou-se para uma informação indireta (por meio dos responsáveis) o não significa que não estejamos atentas à necessidade de apreender as percepções e opiniões das próprias crianças que freqüentam estes equipamentos. têm como pano de fundo as informações e reflexões que foram acumuladas neste e em outros momentos da investigação.

Além de constituir uma contribuição no sentido se ampliar o conhecimento acerca de uma expressiva modalidade de atendimento à infância, a importância de se conhecer e refletir sobre essas falas relaciona-se a características da própria criança, destinatária principal desse serviço. Como lembram Emiliani e Molinari (1998), o fato da criança possuir uma capacidade limitada de controle ativo sobre as condições de sua existência e ser frágil e marginalizada em relação ao adulto aumenta o significado do que os adultos pensam sobre ela.4 4 A diversidade de termos utilizados (percepções, opiniões, imagens, representações etc.) indica a variedade de dimensões possíveis para se investigar o que se pensa sobre determinado tema. Entre estes, têm especial interesse os estudos sobre as representações sociais, uma vez que fornecem elementos preciosos para se conhecer como as pessoas se apropriam da realidade e se orientam em relação a ela. Recentemente, Emiliani e Molinari (1998) apresentaram interessante levantamento de estudos sobre as representações de pais e professoras sobre a criança e a creche. Este trabalho não trata as falas de pais e professoras como expressão das suas representações, por considerar que não dispõe de elementos necessários para isso uma vez que não buscou ter acesso a aspectos menos conscientes que compõem tais representações.

Metodologia utilizada na pesquisa 5 5 Nesta pesquisa, durante períodos diferentes, pude contar com a colaboração imprescindível de Ana Célia Rodrigues da Costa, Elisângela Gualberto Vasconcelos, Rosimeire Costa Andrade e Viviane de Oliveira Pereira, então alunas do curso de Pedagogia da UFC e bolsistas de iniciação científica dos programas desta universidade ou do CNPq.

Um levantamento geral da situação atual do atendimento à criança na cidade de Fortaleza, recorrendo-se a todas as fontes de informações disponíveis (documentos e, principalmente, entrevistas com os responsáveis pelas principais entidades governamentais e não-governamentais que atuam nessa área) precedeu à pesquisa de campo propriamente dita a fim de situar os pesquisadores e fornecer elementos para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados a serem utilizados.

A seguir, objetivou-se caracterizar as creches conveniadas com o Estado, através da FEBEMCE,6 6 Desde o final de 1997, também estão conveniadas à FEBEMCE as creches comunitárias conveniadas anteriormente à extinta LBA, as quais integram o programa Ação Continuada. ou com a Prefeitura de Fortaleza, via OPEFOR. A composição da amostra cobriu cerca do 20 % do total de creches conveniadas, sendo sorteadas, proporcionalmente, creches das diversas regiões da cidade. A coleta de dados foi guiada por um roteiro relativo a informações quantitativas e qualitativas acerca das características das instalações (número, utilização, iluminação, conforto térmico etc. das dependências, e adequação, variedade, conservação etc. do mobiliário, brinquedos e materiais empregados); do funcionamento (número de crianças atendidas, critérios para admissão, períodos, critérios de agrupamento das crianças, rotina, alimentação oferecida, relação com a comunidade etc.), da política de recursos humanos (forma de admissão, formação, funções, remuneração etc.), e de aspectos da proposta pedagógica (diretrizes, visão da criança e de seu desenvolvimento, do papel da creche e do professor, estratégias planejadas e executadas para atingir os objetivos propostos etc.). Foram realizadas, no mínimo, duas visitas a cada creche, visando entrevistar a coordenadora do equipamento, conhecer as instalações da creche e observar a rotina da creche, as ações desenvolvidas pelas professoras e crianças e as suas relações.

A terceira etapa da pesquisa procurou avaliar a qualidade do atendimento oferecido às crianças. Para tanto, uma parte dos equipamentos (quatro creches conveniadas com a FEBEMCE e uma conveniada com a OPEFOR) compôs uma subamostra que procurou expressar a variedade existente quanto o nível de renda do bairro em que estão situadas, tempo de funcionamento e existência ou não de berçário.

Nesse momento, que aconteceu durante o ano de 1998, foram realizados cerca de doze períodos de observações em diferentes turnos do dia, acrescidas de, pelo menos, uma observação de dia inteiro. Foram entrevistadas as coordenadoras e todas as professoras das creches sorteadas, bem como 10% das famílias usuárias. As entrevistas com o pessoal da creche centraram-se no trabalho desenvolvido na creche e na sua visão sobre as crianças e suas famílias; as com as famílias7 7 Essas entrevistas ocorreram em suas próprias moradias, dadas as vantagens desse procedimento para deixar os entrevistados mais à vontade e por permitir informações adicionais sobre as suas condições de vida. procuraram aferir, especialmente, as expectativas em relação a esse tipo de atendimento, o grau de satisfação com o serviço oferecido e as críticas e sugestões sobre os mesmos. Além de anotações, o registro também foi feito por gravações, fotografias e filmagens em vídeo, que se mostraram valiosas para os objetivos dessa investigação. Assim, pode-se conhecer e avaliar melhor a utilização do tempo, dos espaços e dos materiais existentes e as relações que se estabelecem entre o pessoal da creche, as crianças e famílias em diversas situações.

O atendimento nas creches comunitárias

As creches são equipadas muito precariamente. Não oferecem brinquedos adequados às várias idades, conservados ou em número suficiente. Dificilmente há tanques de areia ou brinquedos ao ar livre e, quando isso acontece, apresentam problemas de limpeza, conservação e segurança. Não foi encontrado um único espelho para as crianças. O material pedagógico disponível resume-se a papéis, alguns lápis de cor ou giz de cera, cola. Em apenas uma creche havia livros de literatura infantil (e não foi observada nenhuma utilização deles). Mesmo o mobiliário básico como mesas e cadeiras é insuficiente na maioria das creches.

Há muitos problemas de segurança e de salubridade nos arredores da maioria das creches, onde são comuns avenidas movimentadas, depósitos de lixo e esgotos a céu aberto.

Quanto às instalações, o aspecto que mais tem recebido atenção é a limpeza. Nos espaços internos, em geral pequenos, o calor e a pouca luminosidade (decorrentes do uso de cobogós8 8 Conforme o dicionário Michaelis (Melhoramentos), cobogós ou combogós são elementos de cimento utilizados na construção de paredes perfuradas, para permitir a entrada de claridade. No entanto, não substituem as janelas, especialmente quando dispostos em pequena quantidade, como é o caso. substituindo janelas) são uma constante e contribuem para que a permanência nestes ambientes não seja agradável. Apesar disso, a utilização dos espaços externos é rara e irregular.

A quase totalidade desses equipamentos funciona em período integral. A rotina é marcada por atividades que privilegiam a alimentação, a higiene e o repouso das crianças. As esperas são longas e também longos os períodos em que as crianças permanecem ociosas. As atividades pedagógicas limitam-se às chamadas "tarefinhas", atividades mimeografadas ou feitas à mão pela professora (o que aumenta o tempo de espera das crianças). Observa-se uma forte tendência a associar o trabalho pedagógico à antecipação de escolaridade.

Desde o final de 1996, as professoras recebem um salário mínimo e têm registro na carteira de trabalho. Tal fato foi comemorado como importante vitória da categoria, mas atualmente tem sido motivo de preocupações para as associações comunitárias pois são elas que assumem todas as responsabilidades legais decorrentes. A formação inicial dessas profissionais ainda é muito precária: a maioria cursou apenas o ensino fundamental. Mas, atualmente, nas creches conveniadas com a FEBEMCE é freqüente a exigência do ensino médio para a contratação e um dos critérios para admissão nas creches conveniadas com a OPEFOR é estar cursando o terceiro ou quarto ano do curso pedagógico.

O relacionamento entre as creches e as famílias usuárias se dá, basicamente, através de rápidos contatos na hora de chegada ou saída das crianças e de reuniões mensais ou semestrais, onde o comparecimento dos responsáveis não é muito grande. O pessoal da creche considera que a principal motivação das famílias ao procurarem o serviço é a necessidade da mãe trabalhar fora de casa e a possibilidade da criança ali receber alimentação.

Nas visitas realizadas às creches, várias das crianças apresentavam pequenos problemas de saúde (gripe, furúnculos, pediculose etc.) e muitas não pareciam alegres nem envolvidas nas atividades propostas. Quanto às professoras, a maior parte não se mostrou satisfeita ou comprometida com o desempenho de suas funções, além de pouco sintonizadas com as necessidades das crianças.

Tais dados compõem um quadro desolador e preocupante. Fica claro que, apesar de alguns avanços, o atendimento em creches comunitárias ainda enfrenta graves dificuldades em todos os aspectos e que a melhoria da qualidade do trabalho oferecido por essas entidades precisa ser alvo de muito maiores investimentos. Por outro lado, essas constatações devem ser consideradas frente às opiniões das professoras e famílias (às vezes surpreendentes) sobre esse serviço, como faremos a seguir.

As falas das professoras das creches

As 25 professoras da amostra são bastante jovens: a maioria tem idade entre 20 e 28 anos e apenas duas têm mais que trinta anos. Cinco delas são casadas, sendo que metade das solteiras tem filhos. Ainda há professoras que cursaram somente algumas séries do ensino fundamental, mas doze já o concluíram e nove são alunas do ensino médio. A maioria é negra, incluindo pretas e pardas (classificação feita pelas pesquisadoras). Quatro delas não tiveram nenhuma experiência profissional anterior, sendo que nove já trabalharam em creches ou pré-escolas ou deram aulas particulares; as demais tiveram experiências diversificadas (foram domésticas, balconistas, costureiras etc.), recebendo baixa remuneração. Há relativa estabilidade: apenas duas professoras estão na creche há menos de um ano, a maioria lá trabalha há dois ou três anos e sete delas já há mais de quatro anos.

Por que estas mulheres estão trabalhando nessa função? O fato de gostar de crianças é a resposta que prevalece. Há professoras que apresentam o desejo de trabalhar com crianças como um definidor a priori: "Meu sonho era trabalhar com crianças, aí surgiu essa oportunidade e eu aceitei". Outras, como uma decorrência da própria experiência: "Quando acabei o segundo grau, comecei a procurar emprego e a primeira vaga, a primeira oportunidade, foi numa pré-escola perto da minha casa. Aí, pronto. Gostei de trabalhar com crianças e continuei. Também, vi que não conseguia emprego em administração".9 9 Ela havia concluído um curso profissionalizante nessa área, no nível do segundo grau; posteriormente, fez o curso pedagógico. É interessante notar, porém, que essa justificativa aparece agregada ao surgimento de uma oportunidade de trabalho. Inclusive, treze delas confessam que não foi uma questão de escolha profissional, mas uma conjunção de dois fatores: 1) estarem precisando de emprego; "Não foi bem uma escolha. Estou nessa profissão porque preciso. Foi o primeiro trabalho que eu consegui. [ ]. Aí, eu já vinha batalhando por emprego, então tive essa oportunidade e aqui estou"; 2)surgir a oportunidade. Pode-se supor, portanto, que o trabalho em creches comunitárias tem se constituído numa alternativa de profissionalização para mulheres que enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

As professoras têm uma visão muito positiva do trabalho realizado pelas creches comunitárias. A grande maioria reporta-se aos benefícios que elas trazem para as crianças, em geral referindo-se às carências da clientela: "Eu acho muito bom porque as crianças são muito carente, aí ela ajuda a suprir pelo menos uma parte dessa carência que elas têm". Apesar de demonstrarem certa consciência de que não têm tido possibilidades para realizar um bom trabalho nesse aspecto, atribuem às crianças o motivo do seu pouco envolvimento nas atividades pedagógicas: "Eles não se interessam muito, é mais essa parte de brincar e se alimentar; isso é que é importante". Nota-se, então, que a ênfase maior é no aspecto relativo aos cuidados que a creche oferece. Justamente as responsáveis pelo trabalho direto com a criança (que inclui a programação das atividades cotidianas realizadas com ela) vêem a creche, predominantemente, como um local onde a criança pobre é guardada e alimentada– o que não difere significativamente da concepção que defendia a criação das primeiras creches no Brasil, há mais de um século, para os filhos de escravas, como nos informam Rosemberg (1997) e Kuhlmann Jr (1998).10 10 A relação entre esse tipo de concepção e a qualidade dos serviços que dela decorre tem se mostrado bastante persistente. Nesse sentido, vale lembrar que os maiores destinatários das creches comunitárias são crianças não apenas pobres, mas pobres e negras (pretas e pardas). E como Fúlvia Rosemberg (1997) chama a atenção, a inclusão dos negros no sistema educacional brasileiro tem representado, paradoxalmente, a sua exclusão. Na educação infantil isso tem se expressado através da oferta de serviços de baixo custo em que as professoras são menos qualificadas.

Considerando-se as condições de trabalho e o baixo salário, surpreende que a maioria das professoras declare sentir-se bem exercendo essa função. Os motivos para tanto se dividem entre o fato de gostar de trabalhar com crianças e aspectos relativos ao ambiente de trabalho na creche, especialmente a amizade das colegas: "Me sinto bem, porque eu gosto de criança e eu gosto de minhas colegas É bom". Apenas três professoras referem-se ao cansaço provocado pelo excesso de trabalho, que se intensifica quando alguma colega se ausenta; uma delas, por exemplo, conclui: "Hoje eu tô tendo essa dificuldade, eu tô sentindo cansaço, stress, essas coisas. Inclusive afetou até a minha coluna. Eu não tinha esses problemas "

Outra causa de reclamações é a falta de material pedagógico, citada principalmente pelas professoras que já tiveram outras experiências profissionais e têm uma melhor formação: "É meio difícil porque há muita falta de recursos. A gente trabalha com eles, mas só tem assim massinha, para trabalhar com eles. Tá certo que a realidade da creche é outra, mas falta muitos recursos. [ ] Falta demais material didático e jogos didáticos que são muito importantes para eles". Isso leva à suposição de que provavelmente um número significativo de professoras não experimenta sentimentos de insatisfação ou frustração pelas precárias condições que enfrenta pelo fato de não possuir um parâmetro de qualidade para contrapor à situação vivida.

Ao refletirem acerca de aspectos que facilitam o trabalho, as professoras emitem opiniões bastante diversificadas, que vão de nada a tudo, mas três tipos de resposta prevalecem. Nove delas relacionam tais facilidades a características das próprias crianças: "Eles mesmos. Eles são muito agitados, mas eles até que se concentram, gostam. De 18 que eu tenho, 10 ou 12 adoram, se concentram. Depois eu formo a rodinha pra vê o que eles lembram e eles falam; são espertos". Cinco das professoras avaliam que suas próprias características pessoais (como boa vontade e dedicação) tornam o trabalho mais fácil e o mesmo número indica o companheirismo entre as colegas. Os planejamentos mensais, oferecidos pela FEBEMCE, foram referidos apenas duas vezes.

Quanto aos fatores que dificultam o desempenho de suas funções, treze das professoras apontam a escassez do material, mas também características das próprias crianças, como carência, rebeldia, doenças etc.: "É a carência delas, porque quando elas saem daqui, saem pra rua, são ignorantes, muito rebeldes." Cinco professoras referem-se também às instalações físicas da creche, principalmente pelo fato de duas turmas de crianças geralmente ocuparem a mesma sala. Mesmo sendo problemas comuns a quase todas as creches, o calor, a pouca luminosidade e a exigüidade ou inexistência de espaços externos, são pouco citados.

Apesar de, em diversas passagens, as falas das professoras já expressarem as suas percepções acerca dos usuários das creches, foi-lhes indagado diretamente como elas vêem essas crianças e suas famílias. Fica mais evidente, então, a visão predominantemente negativa que a quase totalidade das professoras têm acerca das crianças que atendem. Mais da metade do grupo as consideram carentes e sete das professoras também as vêem como agressivas ou rebeldes. As falas mais comuns são do tipo: "Muitos não têm condição, são carentes, cheios de problemas. Eles mesmo contam pra gente, tudo eles contam [ ] Então eles têm problema e eles trazem pra cá através da agressividade; eles são agressivos uns com os outros". No entanto, seis das professoras revelam um carinho especial por essas crianças, talvez por alguma característica sua (maior sensibilidade, empatia com as dificuldades que as crianças enfrentam etc.) ou por percebê-las como mais necessitadas. Afirmam: "Eu adoro eles. Umas crianças sofredoras, né?" ou "Eu gosto muito, a gente se dá muito bem. Tem umas que até me chamam de mãe ". De qualquer maneira, parece claro que é o aspecto afetivo que as aproxima dessas crianças.

Em relação às famílias, o sentimento não é muito diferente. Nove professoras revelam posições francamente negativas, classificando-as como problemáticas, alcoólatras e violentas e quase o mesmo número demonstra ambigüidade em relação às características que nelas percebem. Alguns exemplos: "As famílias são a maioria são ignorantes [ ] A gente faz uma reunião, elas não querem concordar com as coisas, acham que a gente tá querendo enrolar elas". "São 'mães solteiras' carentes, mas tem umas que são compreensivas." Uma opinião unânime é que, devido à sua pobreza, procuram a creche principalmente pela garantia de alimentação das crianças.

Infelizmente, não há indícios de que essas profissionais tenham consciência de que tal condição de vida, que também inclui a falta de acesso a bens culturais, caracteriza toda uma classe social e é decorrente do modelo econômico que também as vitima. Tampouco há consciência do papel da educação (e, conseqüentemente, de seu papel) na superação desse quadro.

As falas das famílias usuárias das creches

Com relação às famílias, quarenta e oito foram entrevistadas. A maioria das falas é de mães, mas também alguns pais, irmãos e avós das crianças deram depoimentos. Cerca de 90 % das famílias é composta de negros (pretos ou pardos). Muitos estão desempregados e vivem de ganhos esporádicos. Os que têm emprego fixo ganham baixos salários: são mecânicos, jardineiros, auxiliares de enfermagem e, principalmente, empregadas domésticas.

A função da creche é percebida diretamente vinculada à necessidade de trabalho dos pais, cumprindo uma função de guarda e atendimento das necessidades básicas das crianças. Isso fica bem claro em depoimentos como: "Serve muito pra pessoa que trabalha. Porque lá elas tem muito cuidado com a criança. A criança chega de 'bucho' bem cheinho, que é o que a gente interessa. Chega bem penteadinha, banhada Porque às vezes a gente não pode comprar sabonete nem xampu. Elas banham por conta delas". No entanto, várias famílias já percebem na creche uma oportunidade de seus filhos ampliarem seus conhecimentos. Afirmam: "Na minha opinião, ela é muito boa pras crianças. Já que os pais tem que trabalhar, é uma ocupação pras crianças, pelo menos ela aprende alguma coisa desde pequena".

Solicitadas a especificarem o que consideram melhor na creche, também ressaltam a educação que as crianças ali recebem, embora às vezes pareçam referir-se à aquisição de bons hábitos, como se pode perceber no depoimento a seguir: "É a educação que eles dão. Ele era um menino rebelde [ ]. Pra mim é a educação e a alimentação. O asseio é muito bom também."

Quase todas as opiniões sobre o serviço oferecido são bem positivas. Elogiam as professoras e a creche: "Um bom trabalho! Um pessoal educado, compreensivo [ ] ficam com a criança até 5:30, 6:00 horas e não reclamam. Entregam as crianças, não exige da gente. A creche é muito sadia!"

Chama a atenção muitas famílias não conseguirem apontar na creche algo que seja classificado como "pior".11 11 Após algumas considerações gerais, era perguntado o que consideravam melhor e, depois, o que achavam pior na creche. São comuns afirmações como: "Acho que não tem nada de pior lá não. [ ] a gente não reclama porque eles num dá motivo pra gente reclamar. É por isso que eu digo que não tem nada pra reclamar deles."

As pessoas que se referem a algo de ruim, na verdade estão alertando para a falta que sentem quando a creche não está funcionando: "É quando fecha, porque de primeiro fechava demais. Passava de semanas sem ter porque ela dizia que não tinha verba. Só isso." Mas quando perguntamos o que elas, se pudessem, mudariam nas creches, apontam principalmente as parcas instalações físicas: "Mudaria o espaço. Eu acho ali muito pequeno. As crianças têm pouco espaço pra brincar, pular. Porque criança precisa de muito espaço. [ ] Eu mudaria aquele canto ali mesmo: limpava, botava uma areiazinha de praia lá pros meninos brincar." Percebe-se, então, que as famílias mostram-se, nesse aspecto, bem mais sensíveis às necessidades das crianças do que as professoras.

Diante da solicitação de imaginarem como seria uma creche ideal, a maioria das famílias reafirma a opinião de que a creche "já tá muito boa", cumprindo a função que imaginam que ela pode ter: "Eu não tenho o que botar defeito naquela creche ali não [ ]. Meu menino é bem cuidado, chega bem limpinho, come. [ ] Quando eu botei, ele não falava e já fala. Ali eu não boto defeito, não. As tias tudo cuida dele bem". Outras, revelam o desejo de que a creche venha a suprir a carência que sentem (e sofrem) de vários equipamentos sociais, ajudando-as a superar as dificuldades que enfrentam: "Pra mim uma creche muito boa seria que tivesse médico, porque geralmente quando elas adoecem lá a gente tem que sair do serviço pra levar pro hospital. Quando saísse da creche, na creche mesmo tivesse um colégio pra continuar estudando e não ter que sair do local".

Em síntese, as famílias praticamente não "botam defeito" nas creches que atendem seus filhos porque, na sua ótica, elas já fazem bem aquilo que deveriam fazer. E sentem-se agradecidas por isso.

Considerações finais

Tanto as falas das professoras como as das famílias nos trazem as percepções e opiniões que lhes são possíveis expressar nesse momento das suas condições de trabalho e de vida, diante das interlocutoras que tiveram.

Moradoras da periferia de uma cidade grande, vivendo uma situação de dificuldade de inserção num mercado de trabalho já bastante exigente, essas mulheres parecem ter visto na creche comunitária uma oportunidade de emprego que não exigia experiência anterior ou qualificação especializada.

Nenhuma das professoras entrevistadas teve uma formação profissional adequada, voltada para o atendimento de crianças pequenas em período integral.12 12 Sabemos que, além do processo de laicização do corpo docente denunciada por Rosemberg (1997), mesmo os currículos dos cursos pedagógicos de nível médio ou superior geralmente não contemplam o atendimento em tempo integral de crianças pequenas. Infelizmente, essa precariedade é compartilhada pela maioria das profissionais que atuam em creches, como mostram vários trabalhos (Campos, Grosbaum, Pahim e Rosemberg, 1991; Campos, Rosemberg e Ferreira, 1993; MEC, 1994a, 1994b e 1998, por exemplo).

Elas não tiveram oportunidade de receber informações sobre como uma creche pode ter uma função realmente enriquecedora, contribuindo para a aprendizagem, o desenvolvimento e bem-estar das crianças. Assim, trazem para esse trabalho apenas suas experiências pessoais, às quais agregam fragmentos de discursos que assimilam em rápidos cursos ou orientações pedagógicas que recebem e algumas das idéias difundidas pela ideologia dominante sobre as pessoas pobres.

Integram essas idéias diversos preconceitos em relação às pessoas pobres. É perceptível que as professoras, que via de regra vivem em condições semelhantes às crianças usuárias das creches e suas famílias, não se solidarizam com elas, mas sim assumem o mesmo discurso preconceituoso em relação aos seus hábitos, idéias, necessidades etc. Por isso, mesmo cientes das dificuldades de conseguir trabalho, muitas professoras referem-se ao desemprego dos pais das crianças como fruto da preguiça e do alcoolismo. Não relacionam as tensões, os conflitos ou mesmo as eventuais cenas agressivas nas famílias com a situação geral de insegurança e/ou dificuldades na garantia da própria sobrevivência. Estigmatizam as mães solteiras ou que foram abandonadas por seus companheiros, assumindo a ótica burguesa que ainda vê na família legalmente formada e chefiada pelo homem o modelo correto e aceitável. Nesse sentido, é interessante lembrar as observações de Haddad (1993) acerca da origem da creche coincidir com a organização da família em torno da criança: como a creche tinha como tarefa atender a crianças pequenas, justamente a missão que estava sendo definida como de responsabilidade exclusiva da família, já nasceu com pouca legitimidade para atuar no cuidado e educação das crianças, sendo as famílias que a procuravam (e ainda procuram) vistas como, de alguma forma, anormais ou incompetentes.

Os preconceitos que impregnam a visão negativa que as professoras têm das crianças contribuem sobremaneira para a pobreza do seu trabalho.13 13 Tal fato reafirma a necessidade de que valores, opiniões e posturas sejam alvo de especial atenção nos cursos de formação, como alguns autores vêm apontando (por exemplo: Cruz, 1996; Haddad, 1997; Machado, 1998). Parece, inclusive, que tal visão é mais determinante do que mesmo o nível de escolaridade dessas profissionais: algumas professoras com baixa escolaridade, mas com grande simpatia pelas crianças, mantinham interações mais prazerosas e realizavam atividades bem mais interessantes do que outras com suposta melhor formação.14 14 Numa das observações, a professora com melhor formação do grupo (além de estar cursando o quarto pedagógico, fez diversos cursos de atualização nas áreas de desenvolvimento infantil e artes) levou as crianças para o refeitório meia hora antes do horário e determinou que elas, com idade entre quatro e cinco anos, deveriam ficar sentadas esperando o almoço; aquelas que levantavam ou brincavam entre si recebiam reprimendas. Por outro lado, pudemos acompanhar animadas sessões de brincadeiras, no período em que as crianças esperavam para ir embora, promovidas por uma cozinheira da creche.

A referência mais usada pelas professoras para avaliar o trabalho que a creche oferece é o que acham que essas crianças receberiam se estivessem em casa. Levando em conta a falta de espaço das pequenas habitações e a pouca disponibilidade de tempo das mães para cuidarem dos seus filhos, uma professora exclama: "Isso aqui é um paraíso para eles! Eles nunca iam ter isso em casa!".15 15 Nesse momento, a professora estava banhando as crianças com uma mangueira, e elas se divertiam muito com isso; mas é preciso esclarecer que isso acontecia esporadicamente (cerca de uma vez a cada 15 dias), embora pudesse acontecer com freqüência bem maior. E é importante ressaltar que mesmo nas mesmas instalações e com os mesmos materiais existentes seria possível, pelo menos, que o estar na creche fosse mais agradável para as crianças.16 16 Às vezes trata-se apenas da forma de usar os materiais ou os espaços. Numa das creches, por exemplo, está determinado o dia em que todas as crianças devem usar o tanque de areia e não se cogita numa escala de uso por parte das crianças ao longo de toda a semana Mas por considerarem que já fazem muito por elas, não há maior esforço nesse sentido.

Muitas das professoras dizem gostar de trabalhar com crianças, mas no cotidiano da creche não demonstram isso atendendo as suas solicitações ou as suas necessidades. Mesmo durante o período de adaptação, as professoras não dão a devida atenção aos pedidos que a tristeza e os choros das crianças transmitem. Na rotina da creche, longas esperas e períodos de ociosidade expressam desrespeito e contribuem para que, como diz Rosemberg (1997), a socialização para a subalternidade das crianças pobres e negras se inicie na educação infantil. Por outro lado, mesmo algumas atitudes de aparente indiferença em relação às crianças parecem corresponder a defesas utilizadas por essas profissionais para eliminar ou diminuir a ansiedade que o trabalho provoca. Assim, por exemplo, uma "berçarista", com um grande número de bebês sob a sua responsabilidade e sem dispor de uma sala adequadamente preparada para isso, torna-se praticamente "imune" às inúmeras solicitações de que é alvo e que não consegue atender. As próprias faltas ao trabalho parecem se constituir no que Patto (1992) chama de estratégias de sobrevivência desenvolvidas por educadoras em situações de trabalho desfavoráveis.

Nesse cenário, assume grande importância o papel das relações pessoais entre as professoras. Elas transmitem entre si os conhecimentos acumulados na vida e na creche sobre como lidar com as crianças e suas famílias, apoiando-se mutuamente, numa tentativa de suprir as deficiências da orientação pedagógica que recebem.

Por seu turno, a maioria das famílias vê como "sorte grande" a obtenção de uma vaga para os seus filhos e fica muito agradecida pelo que o pessoal da creche faz por eles.

De fato, a creche tem se constituído em poderosa aliada para as famílias das classes subalternas: além de proporcionar proteção e cuidados mínimos em jornada de tempo integral, estão localizadas tanto nos bairros periféricos como nos núcleos favelados enquistados em bairros valorizados da cidade.

No entanto, o trabalho de educação, socialização e, inclusive, de cuidados básicos das crianças é muito precário. Merece destaque a dicotomia entre cuidado e educação e, ao mesmo tempo, a estreiteza da compreensão desses conceitos, isto é, quais são os cuidados e a educação que qualquer criança pequena precisa. O atendimento nessas creches parece não considerar que as crianças requerem muitos outros cuidados que extrapolam a alimentação, o banho e o sono. Precisam igualmente de espaços, materiais e oportunidades freqüentes para correr, pular, brincar, desenhar, tocar etc. se expressando, conhecendo melhor a si próprias e as outras pessoas e coisas. E precisam também ampliar as suas informações, ter experiências significativas acerca da ciência, da arte, do folclore; precisam ouvir histórias e músicas, assistir a peças e filmes que, de fato, enriqueçam o seu imaginário e também ampliem o conhecimento do seu meio e da sua cultura. Além disso, muitas vezes as educadoras esquecem que há momentos em que a criança necessita de colo e de consolo, e precisa não só expressar carinho e afeto, mas também insatisfação, raiva etc. Suas falas refletem a falta de competência profissional, competência esta que não tiveram oportunidade de construir. Suas opiniões confirmam o que as observações da rotina das creches indicavam: além de carecerem de informações básicas, elas não aprimoraram habilidades e, especialmente, valores e atitudes necessários para o adequado cuidado e educação dessas crianças.

Apesar de expressarem o desejo de que suas crianças sejam bem tratadas, de um modo geral as famílias têm poucas condições de avaliar o que acontece na creche pois, além de não terem tido acesso a informações sobre trabalhos de qualidade nessa área, não viveram experiências pessoais que lhes sirvam de parâmetros para isso.17 17 Não se pode esquecer que, no Brasil, ao contrário do que ocorreu em outros países (onde as modificações nas relações de gênero, a introdução de novas concepções sobre as crianças pequenas e a procura desses equipamentos por extratos da classe média levaram a uma progressiva melhora dos serviços oferecidos), as creches são voltadas para as camadas mais empobrecidas da população e ao pobre é oferecido um pobre atendimento, como alguns estudos já mostraram (Franco, 1984; Silva, 1991, por exemplo). Contudo, algumas delas já estão atentas à função pedagógica que a creche pode ter. Várias pesquisas (como Silva, 1991 e Cruz, 1997, por exemplo) indicam que as famílias das classes subalternas atribuem grande importância à educação para viabilizar uma vida melhor. Por outro lado, foram vítimas da seletividade e exclusão do nosso sistema educacional. Pode-se supor, então, que a consciência de que suas crianças são fortes candidatas a protagonizar novas histórias de fracasso escolar, leve-as a perceber na creche uma possibilidade das crianças se apossarem de conhecimentos e habilidades que lhes serão exigidas ao longo de sua escolaridade.18 18 Na pesquisa de Silva (1991), que enfocou classes de pré-escolas, esse dado fica mais evidente: há falas que explicitam claramente a importância da criança "chegar no 1.º ano mais adiantada" (p. 88).

Chama a atenção também que, apesar da dificuldade de expressarem críticas à creche,19 19 Supomos que talvez as famílias não tenham se sentido à vontade para expressarem suas críticas às creches, por suporem as pesquisadoras tendo alguma ligação com a creche, uma vez que sabiam que foi através dela que foram obtidos os seus endereços. Além disso, não se pode desconsiderar que, numa relação clientelista, a crítica não é admitida (os que demonstram insatisfação podem ser punidos com a exclusão do "benefício"). as famílias sejam mais sensíveis ao problema da falta de brinquedos e de oportunidades para brincar. Poucas professoras dão-se conta disso, mostrando-se desconhecedoras da importância e do papel da brincadeira no desenvolvimento da criança. Uma delas chega a afirmar, referindo-se a crianças de apenas quatro anos: "Esses meninos são fogo! Se deixar, eles só querem brincar!"

Para finalizar, é oportuno lembrar que a pesquisa histórica já demonstrou ser falso o conflito entre as funções educativa e assistencialista das instituições destinadas à criança pequena, uma vez que o que determina a natureza do serviço oferecido é a clientela a que se destina. Kuhlmann Jr. (1998) esclarece que a história da educação infantil "tem sido a história do predomínio da função educacional assistencialista, preconceituosa, preconceituosa com relação à pobreza, descomprometida quanto à qualidade do atendimento" (p. 202). Como completa o mesmo autor, nessa perspectiva o atendimento educacional à criança é visto como um favor aos pobres efetivado através de parcas verbas às instituições assistenciais. Nesse sentido, o fato dessas entidades permanecerem vinculadas às secretarias de assistência social (tanto na esfera municipal como na estadual) é indicativo desse tipo de concepção.20 20 Não que as crianças não requeiram assistência, cuidados; como já foi referido, elas precisam de mais cuidados do que geralmente se acredita. As funções de guarda e educação devem ser complementares.

A análise das falas das professoras das creches indica que essas pessoas adotaram tal concepção. No âmbito da vida cotidiana dessas instituições, as idéias relativas à criança pobre e sua educação têm papel fundamental não só nas decisões sobre o serviço a ser oferecido mas também nas relações que se estabelecem com as suas famílias. Não passa despercebido, por exemplo, a forma como os pais são chamados a participar do trabalho desenvolvido pela creche.

A participação das famílias tem sido apontada como um dos aspectos-chave de uma educação infantil de qualidade (Zabalza, 1998) e várias experiências (especialmente a italiana, de Reggio Emilia) têm demonstrado o valor da interação e comunicação entre educadores crianças, pais e comunidade.21 21 Sergio Spaggiari, diretor do Departamento de Educação Infantil de Reggio Emilia, chega a afirmar que " A participação das famílias é tão essencial quanto a participação das crianças e dos educadores" (1999). Potencialmente, há uma gama de alternativas para o envolvimento parental com a educação da criança. Peterson (1987, apud Spodeck e Saracho, 1998), por exemplo, categoriza os serviços e atividades possíveis em quatro tipos: o que os profissionais fazem pelos pais ou oferecem a eles (serviços, informações, apoio emocional ou orientação); o que os pais fazem pelo programa ou pela equipe profissional (levantamento de fundos, disseminação, defesa de direitos ou coleta de informações); o que os pais fazem com seus filhos como complementação ao programa (ensino ou orientação em casa e na escola) e o que os pais e a equipe fazem juntos numa atividade ligada ao programa (planejamento, avaliação, projetos conjuntos, discussão de tópicos de interesse comum). No entanto, as famílias usuárias das creches comunitárias, via de regra, são chamadas apenas a contribuir com trabalho voluntário, executando serviços braçais ou semiqualificados que se restringem a cuidados básicos relativos à criança ou à preparação de alimentos e à limpeza da creche. São reduzidos a executores de ordens; não chegam a ser vistos como parceiros. Como isso poderia acontecer, se não são considerados capazes sequer de cuidar bem de seus filhos?

Também é preocupante que inclusive as famílias usuárias desses serviços tenham incorporado essa concepção assistencialista, empobrecida e injusta de educação infantil. O fato de ter acesso à creche sem dúvida é um ganho. Nas últimas décadas, os movimentos populares tiveram papel decisivo na luta pela ampliação das oportunidades educacionais para os segmentos geralmente excluídos pelas políticas sociais E a reivindicação por creche, predominantemente feminina, também tem estado na origem de muitos desses equipamentos. No entanto, é necessário um olhar mais crítico ao atendimento que aí é oferecido a fim de atentar para tudo o que ainda falta para que esse serviço tenha a qualidade que as suas crianças precisam e merecem. O contato cotidiano com a rotina, as atividades propostas etc. não têm sido suficientes. Nesse sentido, como já defendia Maria Malta Campos, em artigo de 1991, os grupos que defendem os interesses populares precisam ser municiados com dados a respeito da qualidade do ensino. Em relação à educação infantil, é necessário difundir mais eficazmente entre as famílias usuárias e, de um modo geral, toda a comunidade em que consiste essa qualidade. Assim, elas poderão "botar defeito" no atendimento a que suas crianças têm acesso.

De um modo muito especial, as professoras, por serem profissionais da área e as mais diretamente responsáveis pelo cuidado e educação das crianças, necessitam de oportunidades de melhorar a sua formação profissional. Precisam ter acesso a informações que ampliem os seus conhecimentos; precisam desenvolver suas habilidades e rever, de fato, várias idéias e valores acerca das crianças e famílias com quem trabalham e dos objetivos e estratégias a serem utilizados na educação infantil. Certamente, se isso acontecer, terão outras opiniões sobre o que têm podido oferecer até o momento.

De parte do poder público, as perspectivas não são muito animadoras nesse sentido. Além de todo processo de mudança ser bastante complexo, a conscientização acerca da qualidade da educação infantil, que inclui aspectos legais relativos ao direito das crianças e dos profissionais, não interessa aos gestores das políticas para a infância. Para eles, é bem mais cômodo manter o baixo nível de descontentamento das professoras e o agradecimento das famílias pobres.

SILVIA HELENA VIEIRA CRUZ, doutora em Psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da USP, é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Coordena o núcleo temático Desenvolvimento, Linguagem e Educação da Criança, no Programa de Pós-Graduação em Educação. Coordena também o projeto integrado de pesquisa "Educação infantil: formação de professores e atendimento às crianças na cidade de Fortaleza", que conta com o apoio financeiro do CNPq. Publicou recentemente: Infância e educação infantil: resgatando um pouco da história. Fortaleza: Secretaria de Educação Básica do Ceará, 2000 (série Ensinando e Aprendendo, v. 1); Desenvolvimento e aprendizado da criança. Fortaleza: Secretaria de Educação Básica do Ceará, 2000 (série Ensinando e Aprendendo, v. 2); Que qualidade é essa? (In: VIEIRA, Sofia Lerche e MATOS, Kelma (orgs.) Educação: olhares e saberes. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000). E-mail: silviavc@ufc.br

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  • ZABALZA, Miguel A., (1998). Qualidade em educação infantil Porto Alegre: Artes Médicas.
  • 1
    Tomamos como creche comunitária o equipamento gerido por uma associação comunitária, a qual mantém convênio(s) com órgãos governamentais ou não governamentais, sendo que as professoras e demais funcionários têm vínculo empregatício com a associação comunitária. Esclarecemos que o nome creche comunitária ainda não se adequou ao que está expresso na legislação em vigor, no que se refere à clientela atendida. Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB delimitar essa denominação para o atendimento de crianças de zero a três anos, a creche comunitária recebe crianças de zero a seis anos (e, em muitos casos, também crianças maiores).
  • 2
    Um dos mais fortes motivos para isso é a implantação do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, que tem provocado a migração de professoras da Educação Infantil para o Ensino Fundamental e a abertura de mais vagas para essa etapa da educação básica, uma vez que nele cada aluno representa mais recursos financeiros para os cofres públicos. Assim, como afirma o
    Plano Nacional de Educação – proposta da sociedade brasileira, elaborado no II Congresso Nacional de Educação (nov. de 1997), o referido Fundo e a Emenda Constitucional nº. 14 "desestimulam a oferta e a ampliação de vagas na educação infantil por parte dos municípios".
  • 3
    É importante registrar que, uma vez que essa pesquisa pretendia abranger inclusive os usuários que freqüentavam os berçários e as turmas de maternais, apelou-se para uma informação indireta (por meio dos responsáveis) o não significa que não estejamos atentas à necessidade de apreender as percepções e opiniões das próprias crianças que freqüentam estes equipamentos.
  • 4
    A diversidade de termos utilizados (percepções, opiniões, imagens, representações etc.) indica a variedade de dimensões possíveis para se investigar o que se pensa sobre determinado tema. Entre estes, têm especial interesse os estudos sobre as representações sociais, uma vez que fornecem elementos preciosos para se conhecer como as pessoas se apropriam da realidade e se orientam em relação a ela. Recentemente, Emiliani e Molinari (1998) apresentaram interessante levantamento de estudos sobre as representações de pais e professoras sobre a criança e a creche. Este trabalho não trata as falas de pais e professoras como expressão das suas representações, por considerar que não dispõe de elementos necessários para isso uma vez que não buscou ter acesso a aspectos menos conscientes que compõem tais representações.
  • 5
    Nesta pesquisa, durante períodos diferentes, pude contar com a colaboração imprescindível de Ana Célia Rodrigues da Costa, Elisângela Gualberto Vasconcelos, Rosimeire Costa Andrade e Viviane de Oliveira Pereira, então alunas do curso de Pedagogia da UFC e bolsistas de iniciação científica dos programas desta universidade ou do CNPq.
  • 6
    Desde o final de 1997, também estão conveniadas à FEBEMCE as creches comunitárias conveniadas anteriormente à extinta LBA, as quais integram o programa Ação Continuada.
  • 7
    Essas entrevistas ocorreram em suas próprias moradias, dadas as vantagens desse procedimento para deixar os entrevistados mais à vontade e por permitir informações adicionais sobre as suas condições de vida.
  • 8
    Conforme o dicionário Michaelis (Melhoramentos), cobogós ou combogós são elementos de cimento utilizados na construção de paredes perfuradas, para permitir a entrada de claridade. No entanto, não substituem as janelas, especialmente quando dispostos em pequena quantidade, como é o caso.
  • 9
    Ela havia concluído um curso profissionalizante nessa área, no nível do segundo grau; posteriormente, fez o curso pedagógico.
  • 10
    A relação entre esse tipo de concepção e a qualidade dos serviços que dela decorre tem se mostrado bastante persistente. Nesse sentido, vale lembrar que os maiores destinatários das creches comunitárias são crianças não apenas pobres, mas pobres e negras (pretas e pardas). E como Fúlvia Rosemberg (1997) chama a atenção, a inclusão dos negros no sistema educacional brasileiro tem representado, paradoxalmente, a sua exclusão. Na educação infantil isso tem se expressado através da oferta de serviços de baixo custo em que as professoras são menos qualificadas.
  • 11
    Após algumas considerações gerais, era perguntado o que consideravam melhor e, depois, o que achavam pior na creche.
  • 12
    Sabemos que, além do processo de laicização do corpo docente denunciada por Rosemberg (1997), mesmo os currículos dos cursos pedagógicos de nível médio ou superior geralmente não contemplam o atendimento em tempo integral de crianças pequenas.
  • 13
    Tal fato reafirma a necessidade de que valores, opiniões e posturas sejam alvo de especial atenção nos cursos de formação, como alguns autores vêm apontando (por exemplo: Cruz, 1996; Haddad, 1997; Machado, 1998).
  • 14
    Numa das observações, a professora com melhor formação do grupo (além de estar cursando o quarto pedagógico, fez diversos cursos de atualização nas áreas de desenvolvimento infantil e artes) levou as crianças para o refeitório meia hora antes do horário e determinou que elas, com idade entre quatro e cinco anos, deveriam ficar sentadas esperando o almoço; aquelas que levantavam ou brincavam entre si recebiam reprimendas. Por outro lado, pudemos acompanhar animadas sessões de brincadeiras, no período em que as crianças esperavam para ir embora, promovidas por uma cozinheira da creche.
  • 15
    Nesse momento, a professora estava banhando as crianças com uma mangueira, e elas se divertiam muito com isso; mas é preciso esclarecer que isso acontecia esporadicamente (cerca de uma vez a cada 15 dias), embora pudesse acontecer com freqüência bem maior.
  • 16
    Às vezes trata-se apenas da forma de usar os materiais ou os espaços. Numa das creches, por exemplo, está determinado o dia em que todas as crianças devem usar o tanque de areia e não se cogita numa escala de uso por parte das crianças ao longo de toda a semana
  • 17
    Não se pode esquecer que, no Brasil, ao contrário do que ocorreu em outros países (onde as modificações nas relações de gênero, a introdução de novas concepções sobre as crianças pequenas e a procura desses equipamentos por extratos da classe média levaram a uma progressiva melhora dos serviços oferecidos), as creches são voltadas para as camadas mais empobrecidas da população e ao pobre é oferecido um pobre atendimento, como alguns estudos já mostraram (Franco, 1984; Silva, 1991, por exemplo).
  • 18
    Na pesquisa de Silva (1991), que enfocou classes de pré-escolas, esse dado fica mais evidente: há falas que explicitam claramente a importância da criança "chegar no 1.º ano mais adiantada" (p. 88).
  • 19
    Supomos que talvez as famílias não tenham se sentido à vontade para expressarem suas críticas às creches, por suporem as pesquisadoras tendo alguma ligação com a creche, uma vez que sabiam que foi através dela que foram obtidos os seus endereços. Além disso, não se pode desconsiderar que, numa relação clientelista, a crítica não é admitida (os que demonstram insatisfação podem ser punidos com a exclusão do "benefício").
  • 20
    Não que as crianças não requeiram assistência, cuidados; como já foi referido, elas precisam de mais cuidados do que geralmente se acredita. As funções de guarda e educação devem ser complementares.
  • 21
    Sergio Spaggiari, diretor do Departamento de Educação Infantil de Reggio Emilia, chega a afirmar que " A participação das famílias é tão essencial quanto a participação das crianças e dos educadores" (1999).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2001
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