Acessibilidade / Reportar erro

Livros escolares de leitura: uma morfologia (1866-1956)

School reading books: a morphology (1866-1956)

Resumos

O artigo busca, a partir dos resultados parciais de uma pesquisa mais ampla, descrever a morfologia do livro escolar de leitura, no período de 1866 a 1956. Os livros escolares constituem a principal fonte da pesquisa, particularmente aqueles que compõem o acervo do CEALE/UFMG, tomados, na investigação, como um caso provável de biblioteca escolar e, desse modo, como indicadores indiretos da produção editorial brasileira do período. Da análise realizada, apreenderam-se dois grandes tipos de livros (séries graduadas e livros isolados), quatro grandes gêneros (compêndios, antologias, narrativas e caderno de atividades) e cinco grandes modelos de livro (paleógrafo, instrutivo, formativo, retórico-literário e autônomo). A análise permitiu, ainda, identificar quatro ordens de fenômenos cuja participação na conformação dessas características é preciso melhor conhecer: a progressiva distinção entre dois tipos de leitura escolar - a leitura para aprender a ler e a leitura recreativa; as relações entre as formas do livro e a progressiva consolidação da escola e de seus agentes; as relações entre os livros de leitura brasileiros e franceses; os usos e as apropriações dos livros nas práticas educativas cotidianas.

livro didático; história da educação; leitura escolar


The present study makes use of the partial results of a research of broader scope. It aims to describe the morphology of the school reading book during the period 1866 - 1956. Schoolbooks constitute the major source of the investigation, particularly those that make up the collection of CEALE/UFMG. These are taken to constitute an example of a school library, and therefore, an indirect representative of the production of books in Brazil during the period in question. The study reveals the existence of two major types of books (i.e. graded series and individual books), four major book genres (compendiums, anthologies, narratives and exercise books) and five major models of books (palaeographic, instructive, formative, rhetorical-literary and autonomous). The study also allowed the identification of four phenomena, whose role in the make up of these classifications requires further investigation, namely, the progressive distinction between two types of reading in schools (reading in order to learn how to read and reading for pleasure); the relationship between the forms of the book and the progressive consolidation of the school and its agents; the relationship between reading books in Brazil and in France; the uses of books and their appropriateness for every-day educational activities.

textbooks; history of education; school reading


ARTIGOS

Livros escolares de leitura: uma morfologia (1866-1956)* * Os autores agradecem as valiosas - e generosas - sugestões e indicações de Márcia Razzini. Agradecem ainda a colaboração de Silvânia de Oliveira e Silva, Maria Emília Lins e Silva e Sara Monteiro Mourão.

School reading books: a morphology (1866-1956)

Antônio Augusto Gomes BatistaI; Ana Maria de Oliveira GalvãoII; Karina KlinkeIII

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação

IIUniversidade Federal de Pernambuco, Centro de Educação

IIIUniversidade Federal de Minas Gerais, Doutoranda em Educação

RESUMO

O artigo busca, a partir dos resultados parciais de uma pesquisa mais ampla, descrever a morfologia do livro escolar de leitura, no período de 1866 a 1956. Os livros escolares constituem a principal fonte da pesquisa, particularmente aqueles que compõem o acervo do CEALE/UFMG, tomados, na investigação, como um caso provável de biblioteca escolar e, desse modo, como indicadores indiretos da produção editorial brasileira do período. Da análise realizada, apreenderam-se dois grandes tipos de livros (séries graduadas e livros isolados), quatro grandes gêneros (compêndios, antologias, narrativas e caderno de atividades) e cinco grandes modelos de livro (paleógrafo, instrutivo, formativo, retórico-literário e autônomo). A análise permitiu, ainda, identificar quatro ordens de fenômenos cuja participação na conformação dessas características é preciso melhor conhecer: a progressiva distinção entre dois tipos de leitura escolar - a leitura para aprender a ler e a leitura recreativa; as relações entre as formas do livro e a progressiva consolidação da escola e de seus agentes; as relações entre os livros de leitura brasileiros e franceses; os usos e as apropriações dos livros nas práticas educativas cotidianas.

Palavras-chave: livro didático, história da educação, leitura escolar.

ABSTRACT

The present study makes use of the partial results of a research of broader scope. It aims to describe the morphology of the school reading book during the period 1866 - 1956. Schoolbooks constitute the major source of the investigation, particularly those that make up the collection of CEALE/UFMG. These are taken to constitute an example of a school library, and therefore, an indirect representative of the production of books in Brazil during the period in question. The study reveals the existence of two major types of books (i.e. graded series and individual books), four major book genres (compendiums, anthologies, narratives and exercise books) and five major models of books (palaeographic, instructive, formative, rhetorical-literary and autonomous). The study also allowed the identification of four phenomena, whose role in the make up of these classifications requires further investigation, namely, the progressive distinction between two types of reading in schools (reading in order to learn how to read and reading for pleasure); the relationship between the forms of the book and the progressive consolidation of the school and its agents; the relationship between reading books in Brazil and in France; the uses of books and their appropriateness for every-day educational activities.

Key-words: textbooks, history of education, school reading.

O século XIX e as primeiras décadas do século XX, no Brasil, podem ser caracterizados como um período de progressiva institucionalização da escola como o principal espaço social da educação. Nesse processo, que se deu a partir de transformações que não obedecem a um contínuo e a uma temporalidade linear e homogênea, destacam-se, sobretudo no decorrer do século XIX, a freqüência e a intensidade dos discursos, em várias esferas, sobre a necessidade de escolarização da população, mobilizando, em todo o país, as assembléias provinciais em torno da elaboração de textos legais que ordenassem a instrução formal. Questões como a profissionalização e o salário dos professores, métodos de ensino e a própria organização do espaço escolar passam a ser objeto de debate. Aos poucos, as críticas sobre a inadequação dos espaços onde se davam os processos educativos, em grande parte improvisados, tornam-se mais agudas, levando à progressiva construção de locais particularmente pensados para esse fim - os grupos escolares - a partir do final do século XIX e início do século XX.1 1 Para uma análise pormenorizada do período, ver Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000).

Ao longo desse processo, vão-se instituindo, também progressivamente, o ensino seriado e o emprego do método simultâneo. De acordo com sua faixa etária e seu nível de conhecimento, os alunos passariam a se organizar em turmas classificadas em séries e o professor ou professora passaria a desenvolver atividades coletivas com eles, utilizando um mesmo material didático. Assim, o método simultâneo e a seriação nele implicada se caracterizariam pela classificação dos alunos em grupos do mesmo grau de adiantamento; pela realização conjunta dos mesmos estudos, por meio dos mesmos livros e deveres; pela preleção a todos em lugar de a um só; pela realização de atividades em todas as classes de uma escola.2 2 Para uma caracterização dos métodos de ensino, especialmente do simultâneo, ver Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000). A base principal da caracterização aqui feita do método simultâneo de ensino consiste numa prova, encontrada no Arquivo Público Mineiro, de Fulgêncio Moreira Maia Júnior, redigida quando se candidatava, em 1847, a um posto de professor da escola elementar, em Minas Gerais.

No interior desse quadro mais geral, a organização e o lugar ocupado pelos saberes escolares e pelos materiais didáticos (sobretudo os manuais escolares) destinados a ensinar esses saberes passam por diversas transformações.3 3 As relações entre os saberes escolares, bem como de suas formas de transmissão, com a organização do trabalho escolar, particularmente com seus tempos e espaços, são analisadas em Batista (1990, 1996 e 1997). Se, nas primeiras décadas do século XIX, os programas de ensino para a escola elementar se limitavam ao ensino inicial das habilidades da leitura, da escrita e do cálculo, progressivamente se foram constituindo conteúdos e saberes específicos para serem ensinados pela instituição escolar; também progressivamente os saberes compreendidos como "leitura" e "escrita" ganham novas dimensões, respondem a novas exigências e demandas sociais, assumem formas mais complexas de escolarização. Nesse contexto e com a paulatina implantação do método simultâneo, foi necessária também a produção de materiais pedagógicos especificamente destinados a esse modo de organização do ensino, como quadros-negros, cartazes, materiais de ensino, livros didáticos.

Até meados do século XIX, os livros de leitura praticamente inexistiam nas escolas. Várias fontes, como relatos de viajantes, autobiografias e romances indicam que textos manuscritos, como documentos de cartório e cartas, serviam de base ao ensino e à prática da leitura. Em alguns casos, a Constituição do Império (e a lei de 1827 prescreve-o), o Código Criminal e a Bíblia serviam como manuais de leitura nas escolas.4 4 Ver também Pfromm Neto et al. (1974), Galvão et al. (2000) e Galvão e Batista (1998).

De acordo, por exemplo, com o relatório elaborado por Gonçalves Dias, a pedido do imperador, em 1852, sobre as condições de ensino nas províncias do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande, Paraíba, Pernambuco e Bahia, um dos defeitos das escolas visitadas era

[...] a falta de Compêndios - no interior porque não os há - nas Capitais, porque não há escolha, ou foi mal feita; porque a escola não é suprida, e os pais relutam em dar os livros exigidos, ou repugnam aos mestres os admitidos pelas autoridades. (apud Almeida, 1989, p. 363)

Ainda de acordo com Gonçalves Dias, faltam às escolas, ainda, livros "pelos quais se dêem lições de leitura manuscrita".5 5 A leitura manuscrita consistia numa prática comum nas escolas do século XIX e início do século XX, voltada para o desenvolvimento da capacidade de ler diferentes tipos de caligrafia. Existiam livros escolares, muitas vezes denominados paleógrafos, produzidos especificamente para essa prática. Mais à frente, esses livros serão comentados. Segundo ele, a falta de livros didáticos prejudicaria a utilização do método simultâneo de ensino, tendo em vista que, para supri-la, o professor "exige que os alunos tragam cartas, e como estas não podem ser idênticas, também não pode haver o emprego do método que a lei recomenda mais proveito à instrução" (apud Almeida, 1989, p. 363). É só a partir da segunda metade do século XIX que começaram, com mais freqüência, a surgir, no país, livros nacionais de leitura destinados especificamente às séries iniciais da escolarização.

É nesse quadro mais geral de reorganização da escola brasileira que se insere a pesquisa que estamos desenvolvendo sobre os livros escolares de leitura produzidos no Brasil, entre 1866 e 1956, para o ensino elementar.6 6 A investigação inseriu-se, inicialmente, no quadro mais geral do projeto integrado de pesquisa "Escolarização, culturas e práticas escolares: investigação sobre a instituição do campo pedagógico em Minas Gerais (1820-1950)", coordenado pelos professores Luciano Mendes de Faria Filho, Cynthia Greive Veiga e Maria Cristina Soares Gouveia. A pesquisa desenvolve-se em duas etapas: a primeira delas7 7 Apoiada pela FINEP, FAPEMIG e CNPq. foi desenvolvida entre março de 1999 e março de 2001, e a segunda etapa vem-se realizando a partir deste último ano.8 8 Com apoio das mesmas agências de financiamento.

Uma equipe do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolve, desde seu início, a pesquisa, no Observatório do Livro Escolar desse Centro. Essa equipe conta com a participação de docentes e alunos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG, assim como de docentes da Universidade Federal de Pernambuco. Embora a produção de livros escolares para o ensino elementar, como se verá mais à frente, fosse realizada em escala nacional,9 9 A produção com destinação regional, apesar de pouco conhecida, parece ter sido pouco expressiva. a legislação sobre o livro, sobre sua escolha, aquisição e utilização ficava a cargo das províncias e, mais tarde, dos estados. Por essa razão, aspectos relacionados à circulação e utilização dos livros foram estudados, na pesquisa em desenvolvimento, primeiramente com referência a Minas Gerais. A partir de agosto de 2000, os mesmos aspectos são estudados também com referência a Pernambuco, o que atribui à pesquisa um caráter comparativo. Apresentam-se aqui, de modo central, os resultados parciais da investigação desenvolvida em Minas Gerais. De modo complementar, utilizam-se dados, também parciais, da investigação desenvolvida em Pernambuco, particularmente aqueles relacionados ao século XIX.

O objetivo geral da pesquisa em desenvolvimento é a descrição e análise do espaço de possíveis (Bourdieu, 1994)10 10 Compreende-se por "espaço de possíveis" o "universo de problemas, das referências, das balizas intelectuais [...], em suma, todo um sistema de coordenadas que é necessário ter em mente - o que não quer dizer conscientemente - para estar no jogo" (Bourdieu, 1994, p. 61 - a tradução é de nossa responsabilidade) em torno do qual se organiza a dinâmica dos campos de produção cultural. em torno dos quais se organizam as tomadas de posição discursivas, pedagógicas e editoriais desenvolvidas no campo da produção editorial escolar brasileira - particularmente daquela produção voltada para o ensino da leitura, no nível primário -, no período referido. Em sua primeira etapa, pretendeu-se descrever a morfologia do livro escolar de leitura, sua variação e suas transformações ao longo do período estudado. Na segunda etapa, busca-se: a) determinar os principais agentes (autores, ilustradores, adaptadores, tradutores, editores e impressores e instituições) envolvidos no campo da produção desse gênero de livro escolar, assim como suas posições; b) analisar os usos e apropriações dos livros nos dois Estados em que a pesquisa é desenvolvida - Minas Gerais e Pernambuco -, por meio de estudos de caso a respeito de títulos significativos da produção estudada e de sua circulação e uso.

Os dois marcos temporais da pesquisa - tomados como duas grandes balizas - sinalizam um período, relativamente estável e uniforme, de construção, consolidação e transformação do livro escolar de leitura, marcado por sua nacionalização e pelo surgimento de novos modelos de livros de leitura. Em 1866, Abílio César Borges iniciou a publicação de uma das séries mais editadas no período. Naquele momento, os livros foram considerados inovadores: o Primeiro livro, destinado ao aprendizado inicial da leitura e da escrita, poderia substituir as cartilhas grosseiras ou os materiais manuscritos. Em 1956, o que justifica o último marco temporal da pesquisa, Lourenço Filho inicia a publicação da série Pedrinho e seus amigos, que renova os padrões do livro escolar de leitura.

As fontes e seu tratamento

Livros didáticos constituem as principais fontes da pesquisa. Para diversificá-las, ampliá-las e cotejá-las, vêm-se utilizando, também, programas e relatórios de instrução pública, legislação educacional, revistas que circulavam entre os professores, dados censitários, jornais, almanaques, autobiografias, romances e entrevistas, quando possível.

A pesquisa tem lidado com uma dificuldade inerente a trabalhos que investigam objetos e materiais escolares: considerados efêmeros e pouco dignos de catalogação e guarda, os livros didáticos raramente ocupam as prateleiras dos acervos públicos (Batista, 2000). Quando isso ocorre, nem sempre são localizados ou estão em condições precárias de conservação.

Na pesquisa realizada em Pernambuco (Galvão et al., 2000), alguns acervos estão sendo privilegiados: a Biblioteca Pública Estadual de Pernambuco, o Gabinete Português de Leitura, o Arquivo Público Estadual de Pernambuco e a Fundação Joaquim Nabuco. Pretende-se também recorrer a acervos privados e a sebos.

No desenvolvimento da pesquisa em Minas Gerais, privilegia-se o acervo de livros didáticos do Setor de Documentação do CEALE. Esse acervo - cujos livros de leitura constituirão a principal base dos resultados apresentados neste artigo - possui características que devem ser levadas em conta na análise desses resultados. Trata-se de uma coleção formada por aquisição de obras em sebos e, mais importante, por doações. Entre estas, destacam-se as de antigos grupos escolares de Belo Horizonte e do interior de Minas, assim como aquelas feitas por professores ou seus familiares. Neste último caso, têm especial peso na coleção os livros didáticos que compõem a biblioteca da professora Lúcia Casasanta, autora de livros escolares de grande sucesso em Minas Gerais e atuante entre os anos de 1920 e 1980. Após sua morte, sua biblioteca foi doada ao CEALE.

Desse modo, não se trata de uma coleção construída de forma planejada, mas conforme se faziam doações e aquisições, dependentes da garimpagem de livros em sebos. Não é, portanto, representativa da produção editorial do período. Os dados que se apresentam a seguir descrevem adequadamente apenas os livros de leitura que integram tal coleção e só indiretamente podem ser tomados como indicadores do conjunto da produção editorial brasileira no período. O peso das doações de escolas e professores na coleção, entretanto, mostra que são livros que circulavam nas escolas, fazendo supor que sejam uma amostra, ainda que lacunar, de impressos utilizados na escola. Em vista disso, os livros de leitura do acervo podem ser tomados como partes de um caso provável de uma biblioteca escolar e assim serão aqui estudados.

O tratamento dessas fontes principais da pesquisa foi feito da seguinte maneira: em primeiro lugar, fez-se uma análise geral do acervo para apreensão de categorias de descrição e análise (Batista, 2000); com base nessa análise, separaram-se, em segundo lugar, os livros de leitura dos demais livros do acervo; e procedeu-se, em terceiro lugar, a sua descrição, por meio de formulários construídos com essa finalidade. Em seguida, e após sucessivas alterações nos formulários de descrição, informatizaram-se os dados numa base, que permite a realização de cruzamentos entre as principais categorias descritivas. Todo esse processo de tratamento foi acompanhado do levantamento de informações sobre a produção e uso dos títulos.

Em razão de problemas na base, os dados apresentados a seguir não dizem respeito ao conjunto de livros de leitura do acervo (711 exemplares de obras), mas apenas a 444 exemplares. Partes significativas desse conjunto, sobretudo cartilhas (que integram séries graduadas de livros de leitura) e livros de leitura recreativa (utilizando aqui uma denominação que se consolida apenas nos anos de 1920 e 1930), estão sub-representadas.

Um caso provável de biblioteca escolar

É difícil datar com precisão as obras do acervo, assim como de sua coleção de livros de leitura. Como costuma acontecer com livros didáticos, um número significativo de exemplares não apresenta data ou número de edição. Ainda está em execução um levantamento, na Biblioteca Nacional, dos dados da primeira edição do conjunto de exemplares. Apesar disso, podem-se, em linhas gerais, considerar as seis primeiras décadas do século XX como o período predominantemente representado na coleção de livros de leitura. A produção didática para a escola republicana ou por ela utilizada é que caracterizaria, desse modo, essa provável biblioteca escolar. A investigação desenvolvida em Pernambuco, entretanto, tem-se voltado predominantemente para as obras publicadas no século XIX e dirigidas à escola do Império.

A distribuição do conjunto de exemplares da coleção de livros de leitura do CEALE, por período de publicação (por década), é a seguinte:

Como se pode notar, se se assume a idéia de que a coleção é parte de um acervo que representa uma biblioteca escolar, deve-se concluir que se trata de uma biblioteca relativamente recente, em que parte expressiva dos exemplares foi publicada entre as décadas de 1960 e 1970. É preciso, entretanto, levar em conta que cerca de 26% desses exemplares não possuem datas de edição e muitos deles são edições mais recentes de obras do início do século XX.

Contos pátrios, de Olavo Bilac e Coelho Neto, pode exemplificar essa característica do acervo. A primeira edição da obra é de 1904 e o acervo possui a seguinte lista de edições, todas publicadas pela Francisco Alves:

Dada a longa vida editorial de parte expressiva dos títulos do período - o que por si é um indicador da estabilidade da produção didática da época -, há edições bastante recentes de Contos pátrios. Chamam a atenção, sobretudo, a 46ª edição, de 1962, publicada quase 60 anos depois da primeira, assim como a média de edições por ano, em torno de 1,3.

A Tabela 3, a seguir, reforça a avaliação de que a coleção estudada é mais antiga do que revelam, a princípio, as datas de publicação dos exemplares. Ela evidencia as relações entre o número de edição dos exemplares e sua data de publicação. Permite perceber, ao contrário do que sugeriam as datas de publicação apresentadas na Tabela 1, que se trata de uma coleção que representa predominantemente obras publicadas, pela primeira vez, bem antes dos anos de 1960.

Dos 141 exemplares publicados entre 1960 e 1975, 103 possuem dados tipográficos, permitindo, assim, a comparação entre o número da edição do exemplar e sua data de publicação. Desses 103, 60 são exemplares acima da 9ª edição. Dos 110 livros com dados tipográficos publicados no período entre 1940 e 1959, 63 são exemplares acima da 9ª edição. Se se toma, para efeito de cálculo, uma base de uma edição por ano dos livros (média, entretanto, só alcançada por livros de grande sucesso de venda), pode-se concluir que a maior parte dos exemplares dos anos de 1940 a 1975 foi publicada, pela primeira vez, pelo menos dez anos antes. Trata-se, portanto, de uma coleção de livros de leitura que representa, predominantemente, e sobretudo para os períodos de 1920 a 1939, 1940 a 1959 e 1960 a 1975, a produção didática de décadas anteriores.

No que diz respeito aos títulos, a coleção apresenta grande heterogeneidade e dispersão, sendo pequena a concentração de exemplares de uma mesma obra. Num total de 444 exemplares, estão presentes 330 títulos diferentes. Como se pode observar na Tabela 4, abaixo, apenas nove títulos possuem mais de três exemplares. Dentre esses nove, entretanto, há uma presença expressiva de livros produzidos no início do século XX (os de Bilac, o livro de Leitura manuscrita, as Poesias escolares), assim como dos anos de 1930 (dois títulos da série graduada de João Lúcio e Zilah Frota).

Diversificação semelhante à dos títulos é apresentada pela coleção também em matéria de autores: 512 autores assinam os 444 exemplares. Dentre os primeiros, apenas 24 estão representados, na coleção, com mais de quatro exemplares.

A distribuição dos exemplares por editora mostra um predomínio, na coleção, de títulos da Francisco Alves, principal editora brasileira de obras escolares nas cinco primeiras décadas do século XX. Seguem-se suas principais concorrentes (Hallewell, 1984): a Melhoramentos, ao longo de todo o período, e a Companhia Editora Nacional, a partir dos anos de 1930, particularmente.

Em síntese, a coleção de livros de leitura estudada não pode ser tomada como representativa do conjunto da produção didática nacional no período da pesquisa, situado entre 1866 e 1956. Pode, entretanto, ser tomada como um fragmento de um caso provável de uma biblioteca escolar que, ao ser estudado, permite apreender um retrato, ainda que parcial, da produção editorial que circulava nas escolas, em parte desse período, sobretudo no republicano. Os autores e títulos presentes na coleção são bastante diversificados e apresentam pequena concentração. Predominam, entre as principais editoras, os livros da Francisco Alves. A presença de edições recentes de obras mais antigas permite supor a existência de grande estabilidade na produção editorial, em seus modelos de livro e em sua relação com o público.

Funções

Nos levantamentos realizados em Minas e Pernambuco, foram incluídos aqueles livros que apresentavam indicações explícitas ou inferidas de destinação ou uso escolar. De acordo com essas indicações, esses livros podem ser distribuídos em dois grandes grupos, segundo sua função no trabalho pedagógico: o dos manuais e o dos paraescolares. Por manuais compreendem-se, de acordo com Alain Choppin (1992),

[...] os utilitários da sala de aula: eles são concebidos na intenção, mais ou menos explícita ou manifesta segundo as épocas, de servir de suporte escrito ao ensino de uma disciplina no seio de uma instituição escolar. Se, até os meados do século XIX, esse papel não está sempre claramente formulado, principalmente no ensino primário, ele se torna em seguida mais passível de ser determinado com a criação progressiva de estruturas educativas estáveis, uniformes e cada vez mais diversificadas: o manual e as publicações que gravitam em torno dele (livros ou guias para o professor, antologias de documentos, cadernos ou fichários de exercícios, léxicos, antologias de atividades) se destinam sempre a uma disciplina, a um nível, a uma série ou a um grau e se referem a um programa preciso. O manual apresenta, então, ao aluno, o conteúdo desse programa, segundo uma progressão claramente definida, e sob a forma de lições ou unidades. Essas obras são sempre concebidas para um uso tanto coletivo (em sala de aula, sob a direção do professor) e individual (em casa). (p. 16)11 11 A tradução das citações de Alain Choppin são de nossa responsabilidade.

Por obras paraescolares compreendem-se, também de acordo com Choppin, uma categoria de livros que

[...] reúne obras bastante diferentes que têm por função resumir, intensificar ou aprofundar o conteúdo educativo transmitido pela instituição escolar. Auxiliares facultativos da aprendizagem, essas publicações [...] apresentam quase sempre uma indicação precisa do nível ao qual são destinadas. Elas são concebidas para uma utilização individual, essencialmente em casa [...], cuja aquisição é deixada à iniciativa dos alunos ou de suas famílias. (p. 16-17)

A utilização dessas duas categorias para a descrição dos livros mostrou-se, porém, problemática.12 12 Uma análise detalhada dos problemas apresentados pela utilização dessas categorias é feita em Batista (2000). Apenas as séries graduadas de leitura - tipos de manuais que, como se verá a seguir, evidenciam de modo muito claro sua função pedagógica - puderam ser classificadas com precisão. Um conjunto de livros, sobretudo aqueles publicados nas primeiras décadas do século XX, apresentavam diferentes problemas para a classificação. Eles não explicitavam o nível ou série a que se destinavam e poucas vezes prefácios e exercícios indicavam os usos a que os livros deveriam se prestar. Mesmo quando raramente o faziam, porém, dados sobre a utilização e circulação das obras mostravam uma indefinição da função atribuída a elas.

O "Programa de Leitura" que acompanha a Lei nº 434, de 28 de setembro de 1906, que reforma o ensino primário e normal em Minas Gerais, por exemplo, faz referências muito genéricas ao livro a ser utilizado, o que permite supor o uso de livros tanto produzidos para servir como manuais quanto não especialmente elaborados com essa função. Os conteúdos relativos aos 3º e 4º anos, níveis em que se supõe que o aluno já tenha "vencido todas as dificuldades mecânicas da leitura", referem-se à "leitura de novo livro que contenha histórias mais longas, algumas composições poéticas fáceis" (no 3º ano) ou de "novo livro em prosa e verso" (4º ano).

José Lins do Rego, em Doidinho, romance de cunho memorialístico que se passa no início do século XX, mostra também, por exemplo, que o livro Coração, de Edmundo de Amices,13 13 Trata-se do Cuore, obra didática italiana utilizada em diferentes países. No Brasil, foi traduzido por João Ribeiro, professor do Colégio Pedro II e autor de diferentes livros didáticos. era utilizado como manual, lido cotidianamente em sala de aula, embora os exemplares consultados não tragam indicação alguma de uso:

Na cama começavam a chegar os meus pensamentos. Éramos seis no quarto pequeno de telha-vã. Ninguém podia trocar palavras. Falava-se aos cochichos, e para tudo lá vinha: - é proibido. A liberdade licenciosa do engenho sofria ali amputações dolorosas. Preso como os canários nos meus alçapões. Acordar à hora certa, comer à hora certa, dormir à hora certa. E aquele homem impiedoso [o diretor da escola e professor] para tomar lições, para ensinar à custa do ferrão o que eu não sabia, o que não quisera aprender com os meus professores [antes de entrar para o colégio interno], os que não me davam porque eu era neto do Coronel Zé Paulino. Agora não havia mais disso. Era somente um Carlos de Melo como os outros, menino atrasado, no segundo livro de leitura [da série graduada de Felisberto de Carvalho], quando existiam menores no Coração. (p. 8-9)

O mesmo Coração, porém, aparece, no decreto nº6.758, de 1º de janeiro de 1925, que aprova os programas de ensino de Minas Gerais, como um dos livros, ao lado de Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim - obra que, diferentemente de Coração, assume claramente, em seu prefácio, a função de manual - a serem utilizados na biblioteca escolar das turmas de 4º ano, como obras paraescolares, portanto.

Ao que indica a análise dos discursos sobre a leitura escolar, em Minas Gerais,14 14 Esta análise vem sendo realizada por Karina Klinke, em sua tese de doutorado, em andamento (Klinke, 2001). as duas categorias de funções talvez tenham sido construídas ao longo do período em estudo, na forma da oposição, que progressivamente se apresenta nos discursos e práticas escolares do período, entre "leitura" e "leitura recreativa", entre os objetivos de "ensinar a ler" e "formar o gosto ou o hábito da leitura".

Tendo em mente esse conjunto de ressalvas, os livros da coleção do CEALE, de acordo com sua função pedagógica preponderante, podem ser assim agrupados:

Tipos

Foram encontrados dois grandes tipos de livros escolares: as séries graduadas e os livros isolados.15 15 Preferimos utilizar essa denominação à mais difundida "livros-texto". Embora esta última seja uma denominação com tradição, tende a vincular um tipo de livro a uma função determinada, aquela de um manual. Como, ao longo do período, muitos dos livros passaram de manuais a pára-escolres (como livros de leitura recreativa), julgamos mais adequado evitar essa associação, utilizando a denominação "livro isolado". Os primeiros se caracterizam como coleções de livros destinados às quatro séries do ensino elementar, podendo incluir um quinto, voltado para a alfabetização ou para uma outra série, de acordo com a organização do sistema de ensino. Apresentam, por essa razão, uma progressão tanto no interior dos livros quanto em suas relações com os demais livros da série, em geral baseada na extensão e na complexidade dos textos utilizados. De modo mais claro que os livros isolados, assumem, como já se observou, as funções e características de um manual: tendem a apresentar uma clara destinação à escola, ao trabalho com a leitura; vinculam-se, com maior ou menor grau de explicitação, a uma série ou nível e organizam-se em lições ou unidades. Ao que parece, como se verá a seguir, será esse tipo de livro aquele que se consolidará como o livro escolar por excelência, à medida que se avança no período e se consolidam as próprias instituições escolares e seus agentes.

Os livros isolados são aqueles que menos claramente apresentam suas funções escolares. Embora elementos do título e da organização permitam inferir uma destinação escolar, ela não é claramente explicitada por indicações de nível ou série. Estão agrupados nessa categoria dois grandes conjuntos de livros, de acordo com informações relativas a seu uso e, na maior parte das vezes indiretas, a sua destinação. O primeiro conjunto é composto por títulos usados tanto como manuais quanto como livros paraescolares, voltados para a leitura recreativa. É o caso de títulos como Coração, de Edmundo de Amices, que, como já se indicou, ora aparece em memórias, programas de ensino ou publicações destinadas aos docentes - como um livro utilizado cotidianamente, por professores e alunos, tanto individual quanto coletivamente, em sala de aula -, ora como integrante de acervos de bibliotecas escolares, a ser utilizado apenas pelo aluno, como forma de lazer ou recreação.

O segundo conjunto é composto por títulos para os quais não se encontram indicações de uso como manual, caracterizando-se, por isso, apenas como livros de leitura recreativa, integrantes da biblioteca de sala ou da escola. Embora tendam a ser encontrados mais claramente em obras publicadas mais ao término do período estudado, são também encontrados, mesmo que em menor número, no início do período. É o caso das obras de Figueiredo Pimentel que integram a Bibliotheca da Livraria Quaresma. Contos da Carochinha (que inicia a Biblioteca em 1895), Teatrinho infantil, Os meus brinquedos, dentre outros títulos, dirigem-se tanto a pais quanto a professores e propõem-se antes a entreter e formar o caráter da criança que a ensinar a leitura. Não se explicita, nessas obras, uma destinação para o trabalho cotidiano em sala de aula e as referências à escola e a seus agentes em prefácios e catálogos são genéricas, sugerindo apenas um uso paraescolar.

Verifica-se, ao longo do período de publicação das obras do acervo, uma tendência de diminuição da representação de livros isolados, em detrimento de um aumento da concentração de séries graduadas.

Como se pode observar no Gráfico 1, a cada par de décadas em que foram publicados os exemplares, diminui a representação de livros isolados, que terminam, no período entre 1969 e 1975, por constituir apenas cerca de 20% dos livros, quando, no período inicial, correspondiam a 100%. As séries graduadas experimentam uma trajetória oposta: não estão representadas entre as obras publicadas entre 1872 e 1899, mas terminam, no último período, por constituir cerca de 80% dos livros.


A pesquisa realizada em Pernambuco, que tem, inicialmente, concentrado sua atenção em livros do século XIX, fornece elementos relevantes para a compreensão dessas tendências. Embora importantes séries graduadas (como as de Felisberto de Carvalho e do Barão de Macaúbas) tenham sido produzidas na segunda metade do século XIX, não foram encontradas, até o momento, séries graduadas dentre os principais livros utilizados no Estado. Predominava, ao que tudo indica, o emprego de livros isolados, muitos deles organizados em torno do método de ensino individual. Assim, é provável que a progressiva preferência por séries graduadas seja um fenômeno associado à progressiva organização do sistema de ensino brasileiro, caracterizada pela adoção da seriação e do ensino simultâneo.

Ao que parece, a preferência por obras seriadas faz-se acompanhar também, como já se observou, de uma distinção mais clara entre as funções a serem preenchidas pelos livros, os isolados paulatinamente assumindo a função paraescolar, como livros de leitura recreativa, e as séries graduadas consolidando-se, também paulatinamente, como o tipo de livro mais adequado para assumir a função de manual:

Como se pode verificar na Tabela 8, os livros classificados como manuais deixam progressivamente, ao longo do período, de se caracterizarem como livros isolados, manifestando-se uma crescente preferência pela organização de manuais em séries graduadas. O primeiro tipo de livro parece tornar-se, ao final do período, aquele mais adequado para assumir a função paraescolar, como leitura recreativa.

Gêneros e exercícios

Apreenderam-se quatro grandes gêneros de livros na coleção: narrativas, antologias, compêndios e cadernos de atividades.

Foram consideradas narrativas as obras que, em maior ou menor grau, desenvolvem-se com base em um esquema narrativo (apresentam seqüências de acontecimentos), estruturado em torno de uma situação de natureza ficcional e no interior da qual se realiza, também em maior ou menor grau, a transmissão de conteúdos instrutivos, morais e cívicos ou religiosos (mais à frente se discutirão esses conteúdos mais detalhadamente). História de uma travessia pelo Brasil de dois irmãos em busca do pai doente, Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim, por exemplo, publicado pela Francisco Alves em 1910, ancora nessa situação ficcional a transmissão de conhecimentos sobre o Brasil, sua geografia, sua gente, sua história, assim como de um conjunto de valores. O pacto ficcional é assim instaurado no início da narrativa:

Eram dois irmãos, - Carlos e Alfredo, o primeiro de quinze anos de idade, e o segundo cinco anos mais moço. Não tinham mãe. Havia dois anos que a tinham perdido.

Estavam ambos em um colégio, no Recife. O pai que era engenheiro, fôra obrigado a deixá-los aí, a fim de trabalhar na construção de uma estrada de ferro, no interior do Estado. Era a primeira vez que se separava dos filhos, depois da morte da mulher; sempre fôra muito carinhoso e meigo; principalmente depois de enviuvar, tornara-se de uma bondade excessiva, como querendo compensar com redobramento de ternura a falta dos cuidados maternos de que via os filhos privados. Era simples e afetuoso, preferindo ser atendido e amado a ser obedecido e temido. Não castigava nunca os filhos: era para êles um amigo, um camarada, um companheiro.

.......

Havia já dois mezes que o pai partira. [...]

Em certa manhã de domingo, quando iam sair a passeio, receberam um telegramma. O pae estava doente. Doente "sem gravidade", - dizia o telegramma. Os dois meninos, porém, num sobresalto, imaginaram logo uma desgraça [...].

Carlos, o mais velho, disso logo, com os olhos rasos de agua:

- Sabes, Alfredo? não me resigno a esta incerteza! Vou para junto de papae... E vou já! (p. 13-15)

As antologias ou seletas caracterizam-se como coletâneas de textos, em geral curtos. Embora, na maior parte das vezes, esses textos sejam de diferentes autores, encontram-se exemplos de antologias com textos não assinados, levando à suposição de que tenham sido escritas pelos próprios autores do livro didático. A maioria das antologias encontradas obtinha sua organização apenas da seqüência de textos, raramente submetendo essa seqüência a macro-organizadores de natureza temática. Adelina Lopes Vieira e Júlia Lopes da Almeida, autoras de Contos infantis em verso e prosa, da editora Francisco Alves (8ª ed., 1910), assim descrevem a organização dessa antologia:16 16 Ao que tudo indica, a primeira edição da obra é de 1886. Segundo o prefácio da 2ª edição, reproduzido na 8ª, o livro teria sido aprovado pela Inspetoria Geral de Instrução da Capital Federal, para "uso das escolas públicas", em 1891.

Os Contos infantis são umas narrações singellas, em que procurámos fazer sentir aos pequeninos paixões boas, levando-os com amenidade de historia em historia.

...........

Assim, todas as nossas historias são simples; narrações de factos realizados, muitas. Julgamos que quanto mais approximado fôr da verdade o assumpto, mais interesse desperta em quem o lê. D'esta arte o pequeno leitor seguirá, entretido, a historia de uma menina pobre; de uns pombinhos mansos; de uma velha engelhadinha e tremula; de um burrinho trabalhador; ou de uma mãe carinhosa [...]

O nosso fito é a educação moral e estética; um desejo que, por ser bem intencionado, nos deve ser permitido. (p. 5-6)

Nessa antologia a maior parte dos textos não é assinada. Seu "Índice", entretanto, esclarece que os textos em prosa são de autoria de Júlia Lopes de Almeida, enquanto os textos em verso são de autoria de Adelina Lopes Vieira, escritoras que assinam a organização da antologia. Os textos assinados, no corpo da obra, são todos, de acordo com o prefácio à 2ª edição, de Luiz Rastibonne, autor de Comédie enfantine.

Consideraram-se compêndios aqueles livros que se caracterizam como uma exposição didática de um conjunto de conteúdos, organizados de forma progressiva, tendo em vista áreas de conteúdo diferentes. A pequena História do Brazil por perguntas e respostas, do Dr. J. Maria de Lacerda, é um dos livros desse gênero. Publicado originalmente pela Garnier no Império e completado em 1905, por Olavo Bilac, o livro apresenta um exposição didática de sete grandes períodos da história brasileira, do Descobrimento à República.

Os cadernos de atividades são livros em que a leitura constitui um dentre outros componentes em torno dos quais a obra se organiza, ao lado de conteúdos gramaticais e atividades de exploração de vocabulário, estudos de texto, redação. Não se trata mais, por isso, de um livro de leitura, mas de um livro de língua materna. Um exemplo desse gênero de livro é a obra Exercícios de linguagem (gramática funcional), de Edith Guimarães Lima, Maria Guimarães Ribeiro e Giselda Guimarães Gomes. Publicado pela Livraria Selbach, de Porto Alegre, presumivelmente nos anos de 1950, a série graduada organiza-se em unidades introduzidas por um texto das autoras ou de escritores de obras didáticas; seguem-se exercícios de gramática funcional (de compreensão do texto e de vocabulário, na maior parte das vezes) e, fechando a unidade, atividade de composição de texto.

Embora ainda sejam necessários ajustes na classificação dos exemplares do acervo nessas categorias, observa-se, ao longo do período, uma relativa homogeneidade no comportamento das antologias e narrativas, que realizam em todo o período uma trajetória ascendente, interrompida a partir dos anos de 1960. As antologias, entretanto, tendem a predominar sobre as narrativas até os anos de 1940, quando experimentam um decréscimo e são suplantadas pelas narrativas.

Se esses dois gêneros, antologia e narrativa, estão representados com certa estabilidade ao longo do período, no acervo, o mesmo fato não acontece com os compêndios e os cadernos de atividades. Os primeiros praticamente desaparecem ao longo do período, embora, ao final do século XIX, sejam os mais representados. Apesar do reduzido número de exemplares no acervo de livros do século XIX, a pesquisa sobre essas obras, desenvolvida pela equipe de Pernambuco, mostra que se trata de um dos tipos mais presentes na produção verificada, sejam eles gramáticas ou livros de história. Já os cadernos de atividades parecem se caracterizar como um gênero mais recente. Inexistentes entre os livros do acervo até 1940, experimentam uma trajetória ascendente a partir de então, tornando-se o gênero de livro por excelência utilizado no ensino fundamental, na década de 1990 do século XX. Nos diferentes Guia do livro didático publicados pelo Ministério da Educação (1997, 1998 e 2001), apenas o relativo a 1997 contém duas antologias; os demais livros recomendados se caracterizam como cadernos de atividades.

Predominam, na coleção do CEALE, livros de leitura que não apresentam exercícios, sendo compostos apenas de textos a serem lidos pelo aluno. O modo pelo qual o texto deveria ser lido e as atividades que deveria ensejar não são indicados.

Ao longo de todo o período coberto pelo acervo, porém, foram encontrados livros com exercícios. Eles parecem, entretanto, concentrar-se nos livros publicados nos anos finais do século XIX e nas décadas de 1960 e 1970, apresentando, nos primeiros anos deste último século, um movimento descendente. A partir de 1920, a representação de livros com exercícios volta a crescer.

Modelos de livros de leitura

Com base na análise dos próprios impressos e da legislação educacional mineira, observa-se, no período, uma relativa estabilidade nos modelos de livros de leitura. Entende-se por "modelos" de livros construções abstratas - que, portanto, não se identificam aos livros mesmos - que permitem descrever princípios de didatização da leitura postos em funcionamento na produção dos livros. Desse modo, embora, como se verá à frente, sejam utilizados livros para a exemplificação dos modelos, não se podem reduzir as obras aos modelos.

Foram apreendidos cinco grandes modelos ou princípios de didatização, e o primeiro deles desaparece ao longo do período ao passo que o último deles, relativamente tardio, marca sua ruptura em relação aos demais. Os modelos identificados foram assim designados: a) modelo da leitura manuscrita; b) modelo instrutivo; c) modelo formativo; d) modelo retórico-literário; e, por último, e) modelo autônomo. Os dados levam a crer que o desenvolvimento desses modelos de leitura é correlato à progressiva consolidação da relativa autonomia do campo escolar e da construção de seus agentes. Ou seja, as transformações identificadas nos livros escolares parecem se associar - evidentemente que não de maneira direta e mecânica- ao processo de institucionalização da escola.

O primeiro modelo é o dos livros de leitura manuscrita ou paleógrafos. Foram encontrados dois títulos baseados nesse modelo: o Curso graduado de letra manuscrita, publicado pela Garnier, em 1872, e o Leitura manuscrita; lições coligidas, de BPR, publicado, a partir de sua 9ª edição, em 1909, pela Francisco Alves. Trata-se de antologias de textos manuscritos, redigidos com diferentes caligrafias. Dois princípios organizam as obras, particularmente a segunda: por um lado, são selecionados textos que tendem a enfatizar a transmissão de valores cívicos e morais; por outro lado, esses textos estão dispostos de modo que formem uma progressão que vai de letras mais fáceis para aquelas mais difíceis. Dessa maneira, o modelo tende a identificar o trabalho com a leitura à transmissão de valores e à aquisição de fluência na leitura de textos escritos com diferentes caligrafias. No caso do primeiro livro, mais antigo, a apresentação de modelos de caligrafia para a cópia é uma importante dimensão do aprendizado da escrita. No segundo livro, mais recente, essa dimensão é atenuada e termina por se apresentar de modo marginal.

Na legislação educacional mineira, encontramos algumas referências à necessidade de se ensinar a leitura de manuscritos. No decreto nº 3.405, de 15 de janeiro de 1912, que aprova o Programa de Ensino dos Grupos Escolares e demais escolas públicas do Estado, é prescrita para as aulas de leitura do 3º ano a "leitura variada de manuscritos" e para o 4º ano a "leitura de manuscritos". Para o 4º ano das escolas rurais, prescreve-se a "leitura em livros manuscritos escolhidos". As mesmas prescrições aparecem nos Programas de 1916 (decreto nº 4.508) e de 1918 (decreto nº 4.930). Já no decreto nº 6.655, de 19 de agosto de 1924, que aprova o Regulamento do Ensino Primário, não aparece mais a prescrição da leitura em "livros manuscritos", como indicavam as legislações anteriores: nesse momento, sugere-se apenas que a leitura seja feita no livro adotado, em jornais e em revistas.

Pode-se constatar, desse modo, que, mesmo com a consolidação da imprensa no país, a escrita manuscrita e sua leitura continuaram a fazer parte do ensino da leitura nas escolas brasileiras. Não foram encontradas outras edições do livro publicado pela Garnier. No caso do livro da Francisco Alves, os exemplares encontrados, assim como informações obtidas da Biblioteca Nacional, mostram que o gênero teve ainda um longo ciclo de vida. A primeira edição do Leitura manuscrita não pode datar de antes dos primeiros anos do século XX: dois dos textos que o compõem são textos autógrafos, copiados por seus autores, e apresentam a data de 1900 abaixo de sua assinatura. A edição mais antiga que pudemos localizar é de 1909, primeira publicada pela Francisco Alves. Ao que tudo indica, esse livro ligado ao uso do manuscrito é utilizado até o início da década de 1960. A Biblioteca Nacional, que possui exemplares de quatro diferentes edições, estima que aquelas mais recentes sejam de 1954 e 1955. Não se encontraram informações sobre sua reedição ou uso após essas datas e a utilização mais recente que se pôde documentar deu-se em 1946. Tudo indica, portanto, que os primeiros 50 anos do século XX compõem o ciclo de vida e utilização desse livro. Esse longo ciclo de vida e utilização, entretanto, está marcado, ao que parece, à medida que se avança no século, por sua progressiva utilização em escolas de meio rural e por seu progressivo abandono em escolas de meio urbano.17 17 Foram localizadas apenas oito pessoas que o utilizaram e todas elas no interior de Minas Gerais. Duas delas o fizeram em 1913, quando cursavam a 4ª série (e um deles quando também cursava a 3ª série) do antigo curso primário. Esses dois informantes o utilizaram em escolas de pequenos núcleos urbanos, então distritos de Ouro Preto. Os demais informantes também utilizaram o livro em escolas de pequenas localidades ou de meio rural,e sempre nas 3ª e 4ª séries do curso primário - se se trata de uma pequena cidade - ou apenas na 3ª série - se se trata de escola de meio rural, que tradicionalmente não oferecia a 4ª série. 18 Da primeira circunscrição: município de Santa Luzia do Rio das Velhas, seus distritos Inhaúma e Taboleiro Grande. Da segunda circunscrição: Ouro Preto. Esses são os únicos municípios dessas circunscrições em 1900 cujos relatórios trazem títulos de livros.

O segundo modelo identificado pela análise dos exemplares do acervo é o dos livros de leitura instrutivos ou enciclopédicos. Pode ser ilustrado pela série graduada de leitura (do Primeiro ao Quintolivro de leitura) de Felisberto de Carvalho, professor da escola primária anexa à Escola Normal da capital da Província do Rio de Janeiro. Foram publicados, segundo Hallewell (1984), inicialmente pela Garnier (por volta de 1892), e, posteriormente, pela Francisco Alves (provavelmente dois anos depois, uma vez que o contrato para a edição do 5º livro é, segundo Bragança, 2000, de 1894). Nessas obras, o conteúdo pedagógico do livro de leitura tende a se identificar a um conjunto de conteúdos instrutivos (de ciências, geografia, história, de "coisas"). O Quarto livro de leitura, por exemplo, organiza-se em lições que alternam textos sobre a história do Brasil, sobre a geografia brasileira, o corpo humano, os animais e assim por diante.

Entre os livros solicitados pelas escolas primárias de Minas Gerais no final do século XIX, destacam-se o Primeiro, o Segundo, o Terceiro e o Quarto livro de leitura de Felisberto de Carvalho. Levantamento realizado por Karina Klinke (2001) mostra que, no esforço de uniformização das práticas escolares do período, necessária para a implantação do método de ensino simultâneo, foram feitas diferentes doações de livros didáticos por presidentes de câmaras municipais, por deputados ou por um "distinto senhor"; os livros de Felisberto de Carvalho parecem ter sido uns dos mais doados:

Tabela 9

Os livros marcadamente voltados para a transmissão de valores e atentos a características do público infantil constituem o terceiro modelo de livro de leitura. Trata-se do modelo formativo, organizado em torno da busca de transmissão não de conteúdos instrutivos, mas, fundamentalmente, de valores. O modelo pode ser ilustrado por meio de Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim, e publicado pela Francisco Alves, segundo Marisa Lajolo (2000), em 1910.

Os dados indicam que, ao final do século XIX e ao longo das primeiras décadas do século XX, dois principais modelos de ensino da leitura competem pela formas legítimas de ensinar a "leitura corrente": o primeiro modelo é o dos livros enciclopédicos de leitura, a que já nos referimos, e o segundo - do qual os livros de Olavo Bilac parecem ser um dos exemplos mais bem acabados -, associa o ensino da leitura aos conteúdos morais, cívicos, ideológicos expressos pelos textos utilizados. Um trecho do prefácio de Através do Brasil evidencia as relações de concorrência entre os dois modelos.

É um erro compor o livro de leitura - o livro único - segundo o molde das enciclopédias. Infelizmente, êsse êrro se tem repetido em diversas produções destinadas ao ensino e constituídas por verdadeiros amontoados didáticos, sem unidade e sem nexo, através de cujas páginas insípidas se desorienta e perde a inteligência da criança: regras de gramática misturadas com regras de bem viver e regras de aritmética, noções de geografia e apontamentos de zootecnia, descrições botânicas e quadros históricos, formando um todo disparatado, sem plano, sem pensamento diretor, que sirvam de harmonia e base geral para a universalidade dos conhecimentos que a Escola deve ministrar. Como fonte de conhecimentos, a verdadeira enciclopédia do aluno nas classes elementares é o professor. (p. VI)

Nos programas de ensino analisados, os livros de Olavo Bilac são indicados para as aulas de leitura em 1925 (Através do Brasil de Bilac e Bomfim), no decreto nº 6.758 de 1º de janeiro de 1925; e em 1927 (o mesmo livro), no decreto nº 8.094 de 22 de dezembro de 1927.

Os princípios da leitura ensejada por livros do modelo formativo são claramente ilustrados por Adelina Lopes Vieira e Júlia Lopes de Almeida no prefácio de seus Contos infantis. De acordo com as escritoras, os exemplos contidos em seus livros devem terminar por se aplicar ao aluno leitor por um mecanismo de identificação do que está no livro ao que faz parte de sua vida cotidiana:

[...] o pequeno leitor seguirá, entretido, a historia de uma menina pobre; de uns pombinhos mansos; de uma velha engelhadinha e tremula; de um burrinho trabalhador; ou de uma mãe carinhosa, - parecendo-lhe ver: na menina pobre, a filha de um vizinho; nos pombos mansos, uns que lá vão a miúde ao seu jardim, e aos quaes nunca mais fará mal; na velhinha, a sua avô querida; no burrinho trabalhador e paciente, o pobre burro magro de um carroceiro bruto; e, finalmente, na mãe carinhosa, a sua propria mãe!

Elle verá então com sympathia os que soffrem, affeiçoando-se assim à grande família dos infelizes! (p. 5-6)

Para essa identificação, é preciso, entretanto, segundo Bilac e Bomfim, despertar o sentimento e emoção da criança:

[...] quizemos que este livro seja uma grande lição de energia, em grandes lances de affecto. Suscitar a coragem, harmonizar os esforços, e cultivar a bondade, - eis a formula da educação humana. Os heroes principaes d'estas simples aventuras, não os apresentamos, está claro, para que sejam imitados em tudo, mas para que sejam amados e admirados no que representam de generoso e nobre os estimulos que os impelliram, nos diversos transes por que passaram. Não se pode influir efficazmente sobre o espirito da criança e captar-lhe a atenção, sem lhe falar ao sentimento. Foi por isso que demos ao nosso livro um caracter episodico, um tom dramatico - para despertar o interesse do alumno e conquistar-lhe o coração. A Vida é accção, é movimento, é drama. (p. VII-VIII - ênfase adicionada)

O quarto modelo, aqui denominado retórico-literário, organiza-se em torno de uma seleção textual voltada para a formação do gosto literário e a apresentação de modelos para redação. Embora seja um tipo de livro de leitura mais identificado com o ensino secundário, encontraram-se títulos que utilizam esses princípios de organização, ainda que em número reduzido, dentre os livros para o ensino primário da coleção do CEALE.

Um desses livros é a Selecta em prosa e verso, de Alfredo Clemente Pinto. Identificado, no catálogo da Livraria Selbach, de Porto Alegre, como um "Livro de leitura e analyse para as aulas primarias e secundarias", foi, ao que indica a data do prefácio do autor, publicado pela primeira vez em 1883. A edição que consultamos, a 40ª, é de 1930.

De acordo com o prefácio, a seleção textual organiza-se com base em princípios próximos daqueles defendidos por Olavo Bilac e Manuel Bomfim, apresentados anteriormente. Também de maneira semelhante, esses princípios são evidenciados em contraposição a características de livros do tipo instrutivo ou enciclopédico:

[...] tivemos muito em vista não só a correcção, clareza e elegancia da linguagem, condições essas essenciaes em um livro de leitura, senão também a amenidade, variedade e utilidade dos assumptos. Omittimos, portanto, os que, por demasiadamente scientificos, só poderiam causar tedio aos nossos jovens e escolhemos os mais proprios para lhes despertarem nos animos o respeito da religião, o amor da patria e da familia, excitando-lhes ao mesmo tempo os sentimentos mais elevados [...]

Atenta a não sobrecarregar o aluno de informações, a não causar tédio e a incutir valores, a obra aproxima-se, portanto, do modelo formativo. Termina, entretanto, por se diferenciar desse modelo por organizar a coletânea com base em critérios de natureza literária e retórica.

Ainda de acordo com o prefácio, os trechos escolhidos foram extraídos "das obras dos melhores autores, tanto nacionaes como portuguezes", de modo que não apenas desperte "os sentimentos mais elevados", mas também aja "desenvolvendo pari passu a imaginação e o bom gosto literário". Além disso, a obra visa também "prestar um pequeno auxilio aos que se applicam à arte de escrever, pondo-lhes deante dos olhos trechos que lhes possam servir de modelo nos exercicios de redacção." Por esse motivo, os textos foram classificados de acordo com o gênero da composição.

Finalmente, identificamos um quinto modelo de livro de leitura. Somente no final da primeira metade do século XX, a leitura parece ganhar certa autonomia em relação aos conteúdos dos textos. A série de livros de leitura de Pedrinho, de Lourenço Filho, constitui um exemplo desse modelo. Essa obra, que trouxe como principal inovação, além da apresentação gráfica cuidadosa, o planejamento do conteúdo e a especificação dos objetivos de ensino por série, marca o surgimento de novos padrões que terminaram por influenciar o conjunto da produção posterior. Os livros trazem exercícios de compreensão de textos, incluindo o estudo do vocabulário, explicações gramaticais, explicitando, em suas diferentes seções, a preocupação com a organização e a sistematização do trabalho didático. Apesar de conter textos com conteúdos informativos e também formativos, a ênfase do livro está num conjunto de habilidades discretas de leitura e não nos conteúdos dos textos. Assim, toda a série graduada é apresentada por meio de objetivos de ensino correspondentes a habilidades de leitura. A cartilha que integra a série, por exemplo, está voltada, como descreve um quadro sinóptico da série (Lourenço Filho, 1961) para a "fase inicial da aprendizagem", envolvendo a "percepção de pequenas frases"; o "reconhecimento de elementos comuns, nessa frases", assim como, dentre outras habilidades, "a recombinação de tais elementos em novas unidades" e a "aquisição de conveniente atitude de compreensão". O primeiro modelo de livro de leitura, também, por exemplo, volta-se para a "passagem da leitura hesitante para a leitura corrente" e possui, dentre outros objetivos, a "compreensão total de períodos e pequenas narrativas" e o "domínio geral do mecanismo e sentido da leitura".

Percebe-se, claramente, portanto, que a leitura nesse momento se torna relativamente autônoma em relação aos conteúdos dos textos, o que não ocorria nos demais modelos, no interior dos quais era concebida como um meio para se alcançarem outros objetivos supostamente mais importantes da ação escolar - como conteúdos de áreas diversas ou ensinamentos morais e cívicos.

É interessante observar que esses modelos possuem relações estreitas com os modelos apreendidos no estudo da produção editorial francesa. O modelo da leitura manuscrita, em primeiro lugar. Jean Hébrard vem constatando, em pesquisa não publicada, que os paleógrafos ou livros de leitura manuscrita floresceram na França ao longo do século XIX, praticamente desaparecendo ao final da década de 1960 do mesmo século. As características desses livros são parecidas com as de seus congêneres brasileiros: antologias de textos apresentados com diferentes caligrafias, visando ao desenvolvimento da habilidade de decifrar com alguma facilidade diferentes tipos de letras, assim como à apresentação de diferentes modelos de escrita, para cópia. Os modelos instrutivo, formativo e retórico-literário, em segundo lugar. A análise da produção francesa, realizada por Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard (1995, 2000), para o mesmo período, mostra que entre o final do século XIX e as primeiras três décadas do século XX a produção francesa de livros de leitura se organiza em torno desses mesmos três modelos ou, em outros termos, do "modelo enciclopédico das leituras instrutivas", o "modelo educativo da narrativa moralizante" e o "modelo cultural das leituras literárias". De acordo com os pesquisadores franceses,

[...] passa-se de um modelo único e fortemente consolidado que faz da leitura a via de acesso a todos os saberes a uma situação mais complexa na qual coexistem três tendências: o modelo enciclopédico tradicional, aquele que faz do manual de leitura um conjunto de narrativas morais, aquele, enfim, que tenta introduzir a literatura na leitura primária. (Chartier e Hébrard, 2000, p. 336)19 19 A tradução é de nossa responsabilidade.

Assim, são muito próximas as relações entre os modelos brasileiros e franceses e será preciso, em estudos posteriores, compreender essas relações e suas condições sociais.

Conclusões: hipóteses e direções de pesquisa

Analisaram-se, aqui, de modo central, os livros de leitura pertencentes a um caso provável de biblioteca escolar. O principal objetivo dessa análise foi o de apreender as formas assumidas pelos livros escolares de leitura num período que vai do final do século XIX às cinco primeiras décadas do século XX. Buscou-se, com isso, reunir elementos para determinar os principais traços do espaço de possíveis em torno do qual se organizam as tomadas de posição em relação a esse gênero de livro didático.

O caráter ainda parcial da pesquisa e a inexistência de estudos da mesma abrangência sobre o tema mostram, com certeza, a necessidade de explorar outras fontes e acervos, assim como de aprimorar os instrumentos de análise até o momento construídos. Apesar disso, a análise realizada fornece um conjunto de indicadores da morfologia do livro de leitura, de suas transformações e permanências no período, assim como um primeiro esboço de possibilidades de interpretação dessa morfologia e de suas transformações.

Apreenderam-se, em primeiro lugar, dois grandes tipos de livros: as séries graduadas e os livros isolados. Parece que, embora os livros isolados sejam o tipo mais comum no início do período, são as séries graduadas que progressivamente se tornarão o tipo de livro de leitura por excelência. Apreenderam-se, em segundo lugar, quatro grandes gêneros de livros. Os compêndios, sínteses de conhecimentos gramaticais, históricos ou cívicos, parecem ser aquele gênero de livro mais comum no século XIX, tendendo a desaparecer à medida que se avança no século XX e se passa contar com dois novos gêneros: as antologias, de um lado, e as narrativas, de outro. Parece que esses dois gêneros apresentam um comportamento estável e uniforme ao longo das cinco primeiras décadas do século XX, até que, progressivamente, um novo formato de livro assumirá o centro dos interesses de editores e autores: não apenas livro de leitura, mas de língua materna, o caderno de atividades, coletânea de textos para leitura, exercícios de gramática e de vocabulário e atividades de redação, acabando por fazer desaparecer o próprio livro de leitura, tal como, ao longo do período, terminou por se constituir.

Apreenderam-se, por fim, cinco grandes modelos de livro. Ao que parece, dois deles são os mais antigos: o modelo da leitura manuscrita e o modelo instrutivo. Se o primeiro irá progressivamente desaparecer da produção, o último irá disputar, pelo menos no início do século XX, com o modelo formativo, em maior grau, e com o modelo retórico-literário (num grau ainda por se determinar) as preferências de autores, editores e professores. O período é concluído com o aparecimento de um novo modelo de livro, para o qual a leitura, seccionada por meio de um conjunto de habilidades e conhecimentos, será convertida em objeto autônomo de ensino, independentemente do conteúdo do texto (instrutivo ou formativo) ou de sua forma apenas.

Além desses grandes traços da morfologia do livro de leitura e de suas transformações, a análise permitiu perceber quatro grandes ordens de fenômenos cuja participação na conformação dessas características do livro é preciso melhor conhecer. Em primeiro lugar, é preciso acompanhar mais detidamente a progressiva criação de uma distinção entre dois tipos de leitura escolar: a leitura para aprender a ler e desenvolver a fluência em leitura, feita com o manual, e a leitura recreativa, para a formação do gosto ou do hábito da leitura, feita com obras paraescolares, que devem integrar a biblioteca da sala de aula ou da escola. Parece que essa progressiva distinção nas finalidades do trabalho com a leitura na escola termina por criar uma distinção entre duas grandes funções a serem preenchidas pelos livros, que se concretizará, aos poucos, na criação de dois tipos de livros escolares: o livro didático e o paradidático ou de literatura infantil. É preciso conhecer melhor, portanto, os processos, os discursos e os agentes em torno dos quais essas distinções foram sendo construídas.

Em segundo lugar, é necessário apreender, de modo mais sistemático, as relações entre as formas do livro de leitura e suas transformações, de um lado, e a progressiva consolidação da escola, de seus agentes, de sua relativa autonomia, de outro. É que muitas modificações apreendidas na morfologia do livro, no período, relacionam-se com as principais modificações atribuídas à escola no mesmo período: a progressiva predominância das séries graduadas, em conformidade com a progressiva consolidação do sistema de seriação; a também paulatina distinção das funções dos livros com uma paulatina maior clareza na distinção das funções a serem preenchidas pela escola; a autonomia atribuída à leitura pelo último modelo que surge no período com uma autonomia da escola e de seus agentes.

Em terceiro lugar, é necessário compreender de modo mais abrangente e cuidadoso as relações entre os livros de leitura brasileiros e franceses. Trata-se, com certeza, de uma dimensão da influência mais geral da cultura francesa no Brasil, no século XIX e início do século XX. Estudos sobre a edição brasileira vêm mostrando, no quadro mais amplo dessa influência no Brasil, os estreitos vínculos entre a produção editorial dos dois países ao longo do século XIX e do início do século XX, manifestados, particularmente, pela presença de editoras francesas no país e pela impressão de obras brasileiras na França. São poucas as referências, na historiografia brasileira, entretanto, à produção editorial didática e, especificamente, aos vínculos entre os modelos do livro escolar brasileiro e os modelos franceses. Os principais resultados da investigação por nós desenvolvida, porém, mostram a necessidade de se apreenderem esses vínculos, uma vez que os modelos dos livros brasileiros descritos pela investigação se aproximam significativamente dos modelos descritos por Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard (1995, 2000) no estudo de manuais franceses. Apreender a natureza desses vínculos e os processos e as condições sociais (os agentes, as instituições, as técnicas, a economia) por meio dos quais esses vínculos se efetivaram é uma tarefa a ser desenvolvida.

Por último, é preciso conhecer o modo pelo qual, nas práticas de ensino, em sala de aula, os livros estudados eram acolhidos, abordados, lidos. Nos tratados de metodologia de ensino e nas prescrições dos legisladores, a leitura em voz alta é o modo por excelência da apropriação dos livros analisados. De acordo, por exemplo, com trechos do tratado de metodologia de Felisberto de Carvalho, inseridos em seus livros escolares, o trabalho com a leitura visaria à aquisição de fluência na leitura. Ainda de acordo com esses trechos, a finalidade principal da atividade de leitura em sala de aula seria uma adequada expressão oral do texto, para a qual concorreriam uma apropriada compreensão do texto e uma correta apreensão do "sentimento" que o autor quis exprimir. Recomenda-se, para isso, que a leitura de cada lição ou texto se faça mediante etapas que envolvem a preparação do texto a ser lido; a leitura expressiva pelo professor; "a catequização" dos alunos pelo professor, de modo que os faça perceber idéias principais, relações entre elas, o gênero da composição e o "acento" que nela predomina; nova leitura expressiva pelo professor e, enfim, a leitura oral pelos alunos.

A leitura em voz alta era considerada, assim, até as primeiras décadas do século XX, a mais adequada ao ensino. Através da oralidade, caraterística predominante de diversas dimensões da vida brasileira na época, os professores deveriam incentivar a leitura dos alunos e, ao mesmo tempo, proporcionar-lhes um bom desenvolvimento social e intelectual. Nos programas de 1906 (lei nº 439, de 29 de setembro de 1906), de Minas Gerais, esse valor aparece nos cuidados em se ter uma "boa dicção", fazendo as corretas "pausas e inflexões" na leitura. A prática da recitação continua tendo lugar de destaque nos exercícios escolares. Nesse programa é ressaltada a importância do "entendimento" do que se lê e se recita, em detrimento de uma decoração que se pretende abolir, porque nela se perde o sentido do que é lido. Tal preocupação é evidenciada nos exercícios de "resumo", "comentário" e "reflexões morais", que devem ser feitos especialmente nos 3º e 4º anos. É somente no programa de 1925 (decreto nº 6.758 de 1º de janeiro de 1925) que aparece pela primeira vez na legislação mineira a preocupação com a leitura silenciosa, considerada um complemento da leitura oral e "de relevância capital no decorrer da vida prática" (Revista do Ensino,1926).

No quadro dessa progressiva atenção ao "entendimento" e à leitura silenciosa, em oposição à memorização e em complementação à leitura oral, chama atenção a progressiva inclusão, nos livros, de exercícios. Os dois fenômenos parecem estar relacionados, uma vez que os exercícios, em maior ou menor grau, exploram aspectos da compreensão do texto e sinalizam a existência de uma nova maneira de pensar a pedagogia da leitura.

Estudos e investigações a respeito de livros didáticos vinham apresentando sinais de esgotamento ao longo dos anos de 1990. A partir da segunda metade dessa década, assistiu-se a uma renovação do interesse por esse gênero de impresso, em decorrência das possibilidades abertas pela utilização de esquemas interpretativos, de procedimentos e pressupostos originados por estudos mais gerais a respeito da história do livro, da leitura e da educação, assim como do letramento. As contribuições mais gerais do projeto de pesquisa, cujos resultados parciais descrevemos aqui, buscam situar-se no interior desse quadro e procuram explorar possibilidades diferenciadas de compreensão do livro escolar.

Fontes citadas

Referências bibliográficas

Recebido em abril de 2002

Aprovado em junho de 2002

ANTÔNIO AUGUSTO GOMES BATISTA, doutor em educação pela Faculdade de Educação da UFMG, é professor nessa mesma faculdade e pesquisador do CNPq, no Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE). Atualmente realiza pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Seus principais interesses de pesquisa referem-se ao estudo da cultura da escrita no Brasil e das práticas de sua transmissão, no período contemporâneo (séculos XIX-XX), de uma perspectiva social e histórica, e privilegiam a pesquisa sobre a produção editorial em língua portuguesa para o ensino da leitura, da escrita, e do português como língua materna. Publicou Aula de português: discurso e saberes escolares (Martins Fontes, 1997) e co-organizou, com Ana Maria de Oliveira Galvão, Leitura: práticas, impressos, letramentos (Autêntica, 1999). É também autor de capítulos de livros e artigos em periódicos. Atualmente desenvolve a pesquisa Livros escolares de leitura: o espaço dos possíveis e o espaço das posições (1868-1950). E-mail: aagbatista@aol.com e dute@fae.ufmg.br.

ANA MARIA DE OLIVEIRA GALVÃO, doutora em educação pela Faculdade de Educação da UFMG, pesquisadora do CNPq, é professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisadora do CNPq. Dedica-se a estudos e pesquisas nas áreas de história da educação e da leitura no Brasil. Publicou Amansando meninos: uma leitura do cotidiano da escola a partir da obra de José Lins do Rego, 1890-1920 (Ed. da UFPB, 1998); Cordel: leitores e ouvintes (Autêntica, 2001); História da educação (em co-autoria com Eliane Marta Teixeira Lopes, DP&A, 2001); e co-organizou, com Antônio Augusto Gomes Batista, Leitura: práticas, impressos, letramentos (Autêntica, 1999). É também autora de capítulos de livros e artigos em periódicos. Atualmente desenvolve a pesquisa Livros escolares de leitura: caracterização e usos (Pernambuco, 1868-1950).

E-mail: anagalvao@nlink.com.br.

KARINA KLINKE, doutoranda em educação na Universidade Federal de Minas Gerais, é professora de história da educação na Fundação de Ensino Superior de Goiatuba-GO. Faz pesquisas nas áreas de história da educação e da leitura no Brasil, tendo publicado diversos trabalhos em anais de congressos nacionais e regionais. É também autora de um capítulo do livro Lendo e escrevendo Lobato (organizado por Eliane Marta Teixeira Lopes, Autêntica, 2000). Atualmente desenvolve dois projetos de pesquisa: Livros escolares de leitura: o espaço das posições (1868-1950), coordenado por Antônio Augusto Gomes Batista, e Escolarização da leitura no ensino primário de Minas Gerais na Primeira República, ambos apoiados pelo CNPq. E-mail: klinkekarina@hotmail.com.

  • BPR., (s.d.) Leitura manuscripta; lições colligidas. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
  • BILAC, Olavo, BOMFIM, Manuel, (1953). Através do Brasil. 40Ş ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
  • BILAC, Olavo, NETO, Coelho,(1924). Contos Pátrios. 20Ş ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
  • BRASIL, (1997). Guia de livros didáticos; 1ª a 4ª série. Brasília: Ministério da Educação.
  • BRASIL, (1998).Guia de livros didáticos; 1ª a 4ª série. Brasília: Ministério da Educação.
  • BRASIL, (2001). Guia de livros didáticos; 1ª a 4ª série. Brasília: Ministério da Educação.
  • CARVALHO, Felisberto de, (s.d.). Quarto livro de leitura: curso superior. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves e cia.
  • Curso graduado de letra manuscrita [...], (1872). Paris: Garnier.
  • DE AMICES, Edmundo, (s.d.). Coração Rio de Janeiro: Francisco Alves. Tradução de João Ribeiro.
  • LACERDA, Dr. Joaquim Maria de (1906). Pequena história do Brazil por perguntas e respostas 9Ş. ed, Rio de Janeiro: H. Garnier. (Nova edição completada até 1905 por Olavo Bilac)
  • LIMA, Edith Guimarães, RIBEIRO, Maria Guimarães, GOMES, Giselda Guimarães, (s.d.). Exercícios de linguagem: (Gramática funcional) 3Ş. ed. Porto Alegre: Livraria Selbach. [III ano primário].
  • LOURENÇO FILHO, M. B., (1961). Pedrinho 11Ş ed. São Paulo: Melhoramentos.
  • MINAS GERAIS, (1906). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Lei nº 439 (de 29/9/1906) que Aprova a Reforma do Ensino Primário e Normal do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1906). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 1.947 (de 30/9/1906) que Aprova o Programa do Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1912). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 3.405 (de 15/1/1912) que Aprova o Programa de Ensino dos Grupos Escolares e demais escolas públicas do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1916). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 4.508 (de 19/1/1916) que Aprova o Programa do Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1918). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 4.930 (de 06/2/1918) que Aprova o Programa do Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1924). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 6.655 (de 19/8/1924) que Aprova o Regulamento do Ensino Primário. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1925). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 6.758 (de 01/1/1925) que Aprova os Programas do Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • MINAS GERAIS, (1927). Coleção de Leis e Decretos do Estado. Decreto nº 8.094 (de 22/12/1927) que Aprova o Programa do Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
  • PIMENTEL, Figueiredo, (1956). Contos da Carochinha: livros para crianças 24Ş ed. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora.
  • ______, (1955). Os meus brinquedos: livro para crianças 3Ş. ed. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora.
  • ______, (1926). Theatrinho infantil: livro para crianças 9Ş ed. Rio de Janeiro: Livraria Quaresma Editora.
  • PINTO, Alfredo Clemente, (1930). Selecta em prosa e verso dos melhores autores brasileiros. 40Ş ed. Porto Alegre: Livraria Selbach.
  • REGO, José Lins do, (1977). Doidinho Rio de Janeiro: José Olympio.
  • Revista do Ensino,(1926). nş 16, jul./ago.
  • VIEIRA, Adelina Lopes, ALMEIDA, Júlia Lopes, (1927). Contos infantis 17Ş ed. Rio de Janeiro: Paulo de Azevedo & Cia; Francisco Alves.
  • ALMEIDA, José Ricardo Pires de, (1989). História da instrução pública no Brasil(1500-1889) São Paulo: EDUC; Brasília: INEP.
  • BATISTA, Antônio Augusto Gomes, (1997). Aula de português: discurso e saberes escolares. São Paulo: Martins Fontes.
  • ______, (1990). Aula de português: discurso, conhecimento e escola. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da UFMG.
  • ______, (1996). O ensino de Português e sua investigação: quatro estudos exploratórios. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da UFMG.
  • ______, (2000). Um objeto variável e instável: textos, impressos e livros didáticos. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, História e História da Leitura Campinas: Mercado de Letras.
  • BOURDIEU, Pierre, (1994). Raisons pratiques Paris: Seuil.
  • BRAGANÇA, Aníbal, (2000). A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Brasil. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, História e História da Leitura Campinas: Mercado de Letras.
  • CHARTIER, Anne-Marie, HÉBRARD, Jean, (1995). Discursos sobre a leitura (1880-1980) São Paulo: Ática.
  • ______, (2000). Discours sur la lecture (1880-2000). Paris: Bibliothèque Publique d'Information - Centre Pompidou; Fayard.
  • CHOPPIN, Alain, (1992). Les manuels scolaires: histoire et actualité. Paris: Hachette Éducation.
  • FARIA FILHO, Luciano Mendes, VIDAL, Diana Gonçalves, (2000). Os tempos e os espaços no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação nş 14, maio/jun./jul./ago., p. 19-34.
  • ______, (2000). Instrução elementar no século XIX. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira et al. (orgs.). 500 anos de educação no Brasil 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, p. 135-150.
  • GALVÃO, Ana Maria de Oliveira et al. (2000). Livros escolares no século XIX: subsídios para a compreensão do processo de institucionalização da escola em Pernambuco. Anais do XV Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste São Luís.
  • GALVÃO, Ana Maria de Oliveira, BATISTA, Antônio Augusto Gomes, (1998). A leitura na escola primária brasileira. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, nov./dez., p. 20-29.
  • HALLEWELL, Lawrence, (1984). O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp.
  • KLINKE, Karina, (2001). Discursos sobre a leitura em Minas Gerais Belo Horizonte: Faculdade de Educação da UFMG, (mimeo)
  • LAJOLO, Marisa, (2000). Prefácio. In: BILAC, Olavo e BOMFIM, Manuel. Através do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
  • PFROMM NETO, Samuel et al., (1974). O livro na educação Rio de Janeiro: Primor/INL.
  • *
    Os autores agradecem as valiosas - e generosas - sugestões e indicações de Márcia Razzini. Agradecem ainda a colaboração de Silvânia de Oliveira e Silva, Maria Emília Lins e Silva e Sara Monteiro Mourão.
  • 1
    Para uma análise pormenorizada do período, ver Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000).
  • 2
    Para uma caracterização dos métodos de ensino, especialmente do simultâneo, ver Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000). A base principal da caracterização aqui feita do método simultâneo de ensino consiste numa prova, encontrada no Arquivo Público Mineiro, de Fulgêncio Moreira Maia Júnior, redigida quando se candidatava, em 1847, a um posto de professor da escola elementar, em Minas Gerais.
  • 3
    As relações entre os saberes escolares, bem como de suas formas de transmissão, com a organização do trabalho escolar, particularmente com seus tempos e espaços, são analisadas em Batista (1990, 1996 e 1997).
  • 4
    Ver também Pfromm Neto
    et al. (1974), Galvão
    et al. (2000) e Galvão e Batista (1998).
  • 5
    A leitura manuscrita consistia numa prática comum nas escolas do século XIX e início do século XX, voltada para o desenvolvimento da capacidade de ler diferentes tipos de caligrafia. Existiam livros escolares, muitas vezes denominados paleógrafos, produzidos especificamente para essa prática. Mais à frente, esses livros serão comentados.
  • 6
    A investigação inseriu-se, inicialmente, no quadro mais geral do projeto integrado de pesquisa "Escolarização, culturas e práticas escolares: investigação sobre a instituição do campo pedagógico em Minas Gerais (1820-1950)", coordenado pelos professores Luciano Mendes de Faria Filho, Cynthia Greive Veiga e Maria Cristina Soares Gouveia.
  • 7
    Apoiada pela FINEP, FAPEMIG e CNPq.
  • 8
    Com apoio das mesmas agências de financiamento.
  • 9
    A produção com destinação regional, apesar de pouco conhecida, parece ter sido pouco expressiva.
  • 10
    Compreende-se por "espaço de possíveis" o "universo de problemas, das referências, das balizas intelectuais [...], em suma, todo um sistema de coordenadas que é necessário ter em mente - o que não quer dizer conscientemente - para estar no jogo" (Bourdieu, 1994, p. 61 - a tradução é de nossa responsabilidade) em torno do qual se organiza a dinâmica dos campos de produção cultural.
  • 11
    A tradução das citações de Alain Choppin são de nossa responsabilidade.
  • 12
    Uma análise detalhada dos problemas apresentados pela utilização dessas categorias é feita em Batista (2000).
  • 13
    Trata-se do
    Cuore, obra didática italiana utilizada em diferentes países. No Brasil, foi traduzido por João Ribeiro, professor do Colégio Pedro II e autor de diferentes livros didáticos.
  • 14
    Esta análise vem sendo realizada por Karina Klinke, em sua tese de doutorado, em andamento (Klinke, 2001).
  • 15
    Preferimos utilizar essa denominação à mais difundida "livros-texto". Embora esta última seja uma denominação com tradição, tende a vincular um tipo de livro a uma função determinada, aquela de um manual. Como, ao longo do período, muitos dos livros passaram de manuais a pára-escolres (como livros de leitura recreativa), julgamos mais adequado evitar essa associação, utilizando a denominação "livro isolado".
  • 16
    Ao que tudo indica, a primeira edição da obra é de 1886. Segundo o prefácio da 2ª edição, reproduzido na 8ª, o livro teria sido aprovado pela Inspetoria Geral de Instrução da Capital Federal, para "uso das escolas públicas", em 1891.
  • 17
    Foram localizadas apenas oito pessoas que o utilizaram e todas elas no interior de Minas Gerais. Duas delas o fizeram em 1913, quando cursavam a 4ª série (e um deles quando também cursava a 3ª série) do antigo curso primário. Esses dois informantes o utilizaram em escolas de pequenos núcleos urbanos, então distritos de Ouro Preto. Os demais informantes também utilizaram o livro em escolas de pequenas localidades ou de meio rural,e sempre nas 3ª e 4ª séries do curso primário - se se trata de uma pequena cidade - ou apenas na 3ª série - se se trata de escola de meio rural, que tradicionalmente não oferecia a 4ª série.
    18 Da primeira circunscrição: município de Santa Luzia do Rio das Velhas, seus distritos Inhaúma e Taboleiro Grande. Da segunda circunscrição: Ouro Preto. Esses são os únicos municípios dessas circunscrições em 1900 cujos relatórios trazem títulos de livros.
  • 19
    A tradução é de nossa responsabilidade.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2002

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2002
    • Aceito
      Jun 2002
    ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: rbe@anped.org.br