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Ensaios sobre educação e universidade

RESENHA

José Silvério Baia Horta

Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. silveriohorta@ufam.edu.br

MENDES, Durmeval Trigueiro. Ensaios sobre educação e universidade. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006, 218p.

Sobre Durmeval Trigueiro Mendes disse Alfredo Bosi, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo: "Prof. Durmeval foi um emérito educador e pensador dos nossos problemas educacionais. Atingido pela censura grotesca da ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964, o Prof. Durmeval foi afastado das lides de mestre e conselheiro educacional em um momento da sua vida em que atingira a plena maturidade intelectual. Apesar de ter sofrido esse ato arbitrário e, mais tarde, apesar de graves problemas de saúde, o Prof. Durmeval continuou lutando em prol de seus valores. Cabe a nós, seus companheiros de geração e seus discípulos, manter acesa a chama dos seus ideais junto aos jovens que são a reserva moral de nossa pátria".1 1 Depoimento de Alfredo Bosi, disponível em < http://www.durmevaltrigueiro.pro.br/depoimento1.htm>.

Sobre a obra intelectual do mesmo autor, escreveu José Paulino da Silva professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Sergipe: "Creio que as universidades brasileiras, através do ensino, da pesquisa e de seus programas editoriais têm o dever para com a sociedade de estudar, sistematizar e divulgar a obra daquele que foi um dos mais sérios e produtivos pensadores da atualidade brasileira. Muitos dos escritos de Durmeval continuam inéditos e apenas conhecidos pelo círculo de seus ex-alunos e colegas. Outros se encontram dispersos em forma de artigos publicados em revistas. Torna-se pois urgente resgatar esta produção a fim de que a mesma fique assegurada e incorporada ao nosso patrimônio cultural/científico. Seria uma omissão imperdoável não possibilitar que o pensamento de Durmeval continue circulando e produzindo, num público maior, os seus efeitos de 'fertilização e mudança'".2 2 Depoimento de José Paulino da Silva, disponível em < http://www.durmevaltrigueiro.pro.br/depoimento1.htm>.

Para que se cumpra o desejo de Alfredo Bosi, de manter acesa a chama dos ideais de Durmeval Trigueiro, e de José Paulino, de possibilitar que o seu pensamento continue circulando e produzindo seus efeitos, diversas iniciativas vem sendo tomadas, nos últimos anos. A começar pela bela página criada por um de seus filhos na internet – <http://www.durmevaltrigueiro.pro.br/> –, passando pela publicação de seu livro sobre planejamento educacional, em 2000, pela Editora da UERJ3 3 MENDES, Durmeval Trigueiro. O planejamento educacional no Brasil. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000 (apresentação de Osmar Fávero). e pela divulgação de aspectos específicos de seus trabalhos em eventos e periódicos. Nesta mesma linha situa-se a feliz iniciativa do INEP de publicar essa coletânea de textos, organizada por Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero e Jader de Medeiros Britto. Aberta por um belo estudo sobre o tema da criatividade e fechada por uma análise crítica do pensamento pedagógico brasileiro, a coletânea inclui um conjunto de estudos sobre ensino superior e universidade, publicados entre 1967 e 1975, um na Revista de Cultura Vozes e os demais na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBPE).

No primeiro texto, "Realidade, experiência, criação" publicado originalmente na RBEP em 1973, Durmeval Trigueiro afirma que, a partir do momento em que a criatividade foi erigida em instância maior da cultura e da sociedade, outras instâncias como tradição, autoridade, norma externa, sociedade, nomos, alteridade e autonomia e atividades como ensinar e aprender, educar e educar-se necessitam passar por um processo de desmistificação. Esse processo é desenvolvido pelo autor ao longo do texto, a partir da retomada de conceitos como educação, arte, indivíduo, liberdade, experiência e criação. Sobre educação, afirma Durmeval Trigueiro: "Enquanto a educação tradicional se caracterizava como obra do logos, e a mais recente se assinala como obra da tecné, prenuncia-se a do futuro como integração dialética do logos, da tecné e do eros, este último reconciliando entre si os dois primeiros, e indo além deles, como busca do humano como criação, que não obedece aos a priori do logos, nem à mera funcionalidade da tecné"(p. 20). Partindo de uma crítica a Sócrates e buscando apoio na fenomenologia existencial, Durmeval procura situar o papel do indivíduo no processo educativo: "A razão socrática abre o caminho para o Absoluto, mas não para a história; ela soube ir do contingente ao transcendente, do concreto ao abstrato, do particular ao geral, do homem aos arquétipos, mas não conseguiu compreender que o absoluto se encarna na história, e que os indivíduos, como seres particulares, não se opõem ao absoluto, mas representam as suas multiplicadas aparições ao longo do tempo. Sócrates libertou o educando da autoridade do educador, mas não dos valores que o educador representa" (p.18). Situa também o papel do indivídio no processo de criação artística: "Se nós lhe dermos a solidão, o indivíduo redescobrirá a sociedade. Se lhe assegurarmos liberdade, o Si-mesmo descobre a transcendência dentro de sua própria obra. Se o deixarmos fazer, ele faz o ser. Se lhe concedermos o lazer, ele realiza o trabalho que muda a qualidade da vida. Se lhe dermos a autonomia, ele reinventa o mundo" (p. 19). Entretanto, é necessário esclarecer a concepção de indivíduo presente no texto: "Indivíduo é um termo ambíguo. A afirmação de seu triunfo é perigosa sem a cautela de certas distinções. Há o individualismo comunicante e o individualismo isolante segundo o indivíduo é entendido como um ser diferenciado ou como um ser fechado sobre si mesmo. Há um individualismo de posse e um individualismo de doação; um de ter, outro de ser. O individualismo possessivo deseja atrair os bens para usufruí-los no confinamento de seu casulo individual ou grupal, enquanto o individualismo criador e comunicante apropria o que recebe, para devolvê-lo re-criado e enriquecido. O primeiro tem mão única, mas o segundo se realiza de acordo com o já referido vaivém dialético. No caso do individualismo possessivo, o indivíduo já está condicionado pelo seu grupo, ou casta, que ele vê como projeção se si mesmo e de sua ambição possessiva. Instituições como a família, a propriedade, a Igreja etc., para esse tipo de individualismo, não constituem instâncias intermediárias entre o seu dinamismo criador e a totalidade social a ser fertilizada por ele, e, sim, instrumentos de enfeudamento que o enquistam na totalidade e a desarticulam. Essas instituições, ao mesmo tempo que representam o indivíduo, o sufocam, e então a religião se torna sectária, a propriedade, opressiva, e a família, uma fonte de discriminações sociais" (p.28).

O segundo texto, "Fenomenologia do processo educativo", publicado em 1974 na RBEP, analisa o papel da faculdade de educação na universidade e fora dela. Para Durmeval, "a Faculdade de Educação é o órgão de educação da universidade, do mesmo modo que esta é o mais categorizado órgão de educação na sociedade" (p. 35). O saber sobre educação não poderia se resumir a uma "especialidade autônoma, ministrada por um dos cursos da universidade, mas deveria encarnar-se nas suas estruturas e dirigir permanentemente seus passos: o saber pedagógico deve informar (sem constituir fator exclusivo, obviamente) a organização da própria universidade e de seus cursos, o planejamento de atividades pedagógicas e, sobretudo, o modo pelo qual outros saberes – correspondentes às várias especializações científicas – se convertem de saber-em-si em saber-para outros, de saber objetivado em saber comunicado" (p. 43). Assim, caberia à faculdade de educação "assistir à universidade como estrutura de apoio à racionalização do processo pedagógico, como instância ao mesmo tempo científica (pesquisa e teoria da educação) e operativa (aconselhamento técnico)" (p. 51). A título de exemplo, Durmeval Trigueiro enumera alguns problemas da universidade que deveriam receber o influxo direto da faculdade de educação: seleção dos alunos; avaliação da aprendizagem; relação pedagógica entre professores e alunos; currículos e programas; relações entre educação, cultura geral e formação profissional etc.

No terceiro texto, "Expansão do ensino superior", publicado na RBEP em 1967, Durmeval parte da constatação que a política de criação de escolas, na década de 1960, havia resultado em crescimento, mas não em desenvolvimento. E pergunta: "A expansão universitária e a criação de novas escolas têm resultado de um planejamento? Reestruturou-se a escala de recursos para que a expansão seja um fluxo de bens reais, e não de ilusões promocionalistas? Para que a qualidade acompanhe a quantidade, e não resulte no simples aviltamento da educação, à medida que cresce o divisor dos recursos? Houve uma transformação na contabilidade nacional? Houve transformação das condições reais da universidade, já que as formais têm, na maioria das vezes, importância simplesmente adjetiva?" (p. 83). Para Durmeval Trigueiro, se as respostas a essas questões fossem negativas, se estaria "querendo novos efeitos, de velhas causas, como quem quer recolher ovos de ouro de uma galinha que não é a da fábula" (p. 84). A sua filosofia de expansão universitária estava baseada em quatro postulados: a) a expansão constitui um processo ambíguo, que tanto poderá dilatar nossas mediocridades quanto provocar a ruptura do status quo, com a introdução de novos marcos qualitativos; b) só na segunda hipótese a expansão representa um meio de desenvolvimento, pela substituição de um equilíbrio social por outro; c) a expansão constitui um fator de democratização, segundo a clientela a que vai beneficiar e a mudança de papeis que ensejará a seus destinatários; d) a expansão do ensino superior é um empreendimento, e não uma festa. Com bases nesses postulados, Durmeval identifica duas condições para uma expansão do ensino superior, feita "honestamente": A primeira consiste em ampliar e explorar até os últimos limites as possibilidades de utilização dos núcleos de ensino superior qualitativamente sólidos; e a segunda, na criação de novos núcleos, igualmente consistentes, mediante um processo de implantação programada. Por fim, acentua a necessidade de cautela quanto à expansão do ensino superior de iniciativa particular e alerta para os riscos de aviltamento do nível desse ensino, sem a interferência de uma política disciplinadora.

O quarto texto, "Governo da universidade", reproduz conferência pronunciada por Durmeval Trigueiro Mendes no Seminário sobre Ensino Universitário, promovido pelo Conselho Federal de Educação, tendo sido publicado também em 1967 na RBEP. Para ele, a universidade, enquanto parte da polis, participa da política do Estado. Entretanto, ela não é governada por ele, nem em seu nome. Inserida no Estado, a universidade o transcende. A universidade "exprime uma civilização nacional, mas não pode deixar de ser transnacional; serve a um lugar, a uma região, mas não pode ser nem local nem regional" (p. 106). A universidade deve ser fortemente marcada pelo pluralismo e pela racionalidade. Isso significa que ela não pode "ser governada pelas idéias de um partido ou de um grupo, ou de uma preferência intelectual – de humanistas, cientificistas ou tecnólogos – nem por opções ideológicas, pois que todas devem encontrar-se dentro dela, o mais possível desideologicizadas e reduzidas a um nível de racionalidade, que é o seu método" (p. 106). Segundo Durmeval, a autonomia é inerente ao governo da universidade. Ao assegurar autonomia à universidade, a sociedade está, de certa forma, defendendo-se de si mesma. Mas o conceito de autonomia assume seu significado mais profundo quando analisado à luz do planejamento nacional: "a universidade se inclui no plano nacional, mas é, ao mesmo tempo, uma instância crítica do próprio plano, além de dever contribuir para sua elaboração e avaliação, na medida em que vier a interpretar, validamente, a realidade brasileira como órgão supremo do nosso humanismo e do desenvolvimento nacional" (p. 111).

No quinto texto, "A Universidade e sua utopia", publicado pela RBEP em 1968, Durmeval Trigueiro analisa a crise da universidade, gerada pela multiplicidade dos saberes e pelas exigências de sua conciliação e democratização. Para ele, sobre o pluralismo da multiversidade deve construir-se uma nova unidade, assegurando "não a indesejável uniformidade, mas o mínimo de homogeneização para o entendimento, de tolerância para o convívio e de unidade para a sobrevivência da civilização" (p. 134). A crise da universidade é, ainda, a crise do número. Na medida em que a sociedade se democratiza, amplia-se o número de pessoas que precisam adquirir autonomia intelectual para exercerem nela seu protagonismo. E a educação é o único instrumento de promover essa autonomia. Mas o número dos que obtêm, na sociedade democrática, o direito de ascender à universidade é muito superior à capacidade desta em recebê-los. A solução de tal impasse "requer imaginação criadora capaz de substituir os mecanismos clássicos da instituição universitária por um novo aparelho institucional, servido por uma nova metodologia de ação" (p. 135). Para Durmeval Trigueiro, a "crise da universidade" é, antes de tudo, a crise de uma instituição, a crise de uma idéia. "Se não se muda uma idéia, a crise não se resolve; mas se a crise for enfrentada, verticalmente, a reforma se fará com base noutras perspectivas e servida por outros apetrechos" (p. 135).

O sexto texto, "Pesquisa e ensino no mestrado em educação", publicado em 1972 na mesma RBPE, foi escrito como contribuição para a proposta inicial de criação do Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas (IESAE/FGV). Para Durmeval, a pesquisa educacional deveria constituir a substância da pós-graduação, devendo obedecer a três postulados básicos: a) desenvolver-se em função da política educacional e do progresso das ciências da educação no país; b) incluir, além da pesquisa empírica, a "obra do pensamento", a qual implicaria uma reflexão filosófica em busca das raízes de inteligibilidade da educação, de suas categorias e de seus processos, e um esforço de síntese. Tal síntese, a ser realizada por generalistas, com a colaboração de filósofos, cientistas, sobretudo sociais, e administradores, significaria a integração das ciências entre si e das ciências com a política educacional; c) a pesquisa em educação seria analítica, mas também prospectiva, isto é, deveria preocupar-se não apenas com a explicação das estruturas e sistemas em funcionamento, mas também, e sobretudo, com a indicação de outros modos de funcionamento requeridos pelo desenvolvimento brasileiro. Note-se que, ao formular estes postulados, Durmeval posiciona-se claramente contra certo empirismo rasteiro que dominava a pesquisa educacional no início da década de 1970 (e que, infelizmente, ainda sobrevive) e contra a tendência de analisar-se a relação educação-sociedade a partir de uma concepção funcionalista. Segundo ele, estas tendências colocavam o pesquisador diante do risco de aprisionar-se na "zona" do real na qual a pesquisa se instala, ou de aprisionar-se dentro do próprio sistema, considerado como algo que se explica a si mesmo, insuscetível, portanto, de determinar suas próprias mudanças. Para escapar a estes riscos, o pesquisador deveria trabalhar com uma visão de totalidade e adotar outros métodos de análise científica, que ultrapassassem uma análise puramente funcionalista. Ora, isto só seria possível se a pesquisa educacional assumisse uma dimensão interdisciplinar, associando, de forma vigorosa, as ciências da educação e as ciências sociais e desenvolvendo um processo de reflexão radical, baseado na filosofia da educação. Quanto ao ensino, Durmeval parte do princípio de que a característica essencial da pós-graduação é a elaboração, e não a informação. Não se trata de levar os alunos a absorverem um saber feito, mas de levá-los a fazê-lo por conta própria. No ensino pós-graduado, trata-se de fazer avançar o saber, seja incorporando a ele novas zonas da realidade, seja construindo outros padrões teóricos, seja ampliando o nível de percepção teórica dos alunos. Desta forma, o ensino não deveria dar-se, predominantemente, em termos de aulas, mas de pesquisas e seminários. As aulas destinar-se-iam, basicamente, aos trabalhos de orientação geral e de síntese teórica.

O sétimo texto, "Desenvolvimento, tecnocracia e universidade", publicado originalmente na Revista de Cultura Vozes, em 1975, contém uma reflexão do autor sobre o papel do Estado e da educação, especialmente da universidade, no processo de desenvolvimento nacional. Para Durmeval, o desenvolvimento deve dar-se, necessariamente, sob a liderança do Estado, o qual "tem como uma das suas vantagens decisivas antecipar-se à evolução espontânea das instituições ou das estruturas sociais e sobrepor ao jogo errático dos fenômenos uma ação normativa" (p. 163). Entretanto, a marcha do desenvolvimento estaria se realizando em cima de contradições. Em vários países, o Estado, em vez de acelerador da mudança institucional, tem se firmado como poder frenador. A educação acompanha esse processo, podendo, de certa forma, acelerá-lo ou mesmo alterar as condições em que ele se desenvolve. Na realidade, a educação representaria, para ele, um divisor de águas entre uma concepção tecnocrática e uma concepção dialética de desenvolvimento. Enquanto a primeira pretende despolitizá-la inteiramente, a segunda a considera parte da política. As relações entre a universidade e o Estado assumem toda a sua importância quando analisadas à luz do conceito de planejamento. Com efeito, se o planejamento nada mais é que uma dialética entre o poder e o saber, como afirma Durmeval em vários de seus escritos, nele se traduz o confronto entre a universidade e o Estado, dois "universos" que expressam, da forma mais global, a síntese nacional: um, como estrutura de poder; outra, como estrutura de saber. Tal confronto manifesta-se, de forma mais acentuada, nos períodos de mudança. Neles, ao mesmo tempo em que "a criatividade das atividades das universidades ... deve exercer-se com o máximo de vigor, consolidando a sua autonomia" (p. 164), o Estado "tem de assumir uma enérgica posição de liderança, na qual se inclui o planejamento, como instrumento e expressão de uma política de eficácia, de efeitos multiplicadores e aceleradores, não só na economia, mas também em todos os setores da totalidade social" (p. 164) . Dentro dessa perspectiva, o grande problema do governo da universidade é o da conciliação entre a autonomia e a heteronomia, entre a sua vontade e a do Estado.

O último texto, "Anotações sobre o pensamento educacional no Brasil", constitui um dos últimos escritos de Durmeval Trigueiro, tendo sido publicado na RBEP em 1987, logo após sua morte. Nele, o autor faz, inicialmente, uma análise crítica da Escola Nova no Brasil, com base no pensamento e na ação de três de seus principais protagonistas: Anísio Teixeira, "educador, pensador, com lastro filosófico às vezes lacunoso, precisamente pelo precário nexo entre o pragmatismo e outras tendências"; Fernando de Azevedo, "educador, reformador do ensino, erudito ambicioso, às vezes resvalava para a incongruência, por exemplo, ao associar, de um lado, o racionalismo cartesiano e o iluminismo kantiano e, de outro, o positivismo durkheimiano e a escola socialista"; Lourenço Filho, "pedagogo, organizador do ensino e administrador capaz e exigente, tentando articular a pedagogia com a psicologia, no mesmo diapasão da Escola Nova" (p. 182). Denuncia a ambigüidade da Escola Nova que, ao mesmo tempo em que corporifica a experiência, a pesquisa, a invenção, a criatividade e a descoberta, não tem compromisso político explícito e serve para funcionar em todos os regimes políticos e econômicos, desde que haja a ideologia liberal. Para Durmeval Trigueiro, "só os regimes socializantes democráticos procuram articular eficazmente o político, o econômico e o pedagógico; mais profundamente, articular a subjetividade e a objetividade incorporadas no trabalho e na práxis" (p. 183). Mesmo consciente que "preconizar o regime socializante na atual conjectura brasileira" seria ilusão, o autor reafirma a importância de uma crítica consistente da sociedade de classes e uma proposta política e pedagógica. Na segunda parte do texto Durmeval analisa as tendências da educação brasileira predominantes no momento em que ele foi escrito, detendo-se especialmente na pedagogia crítico-social dos conteúdos. Mesmo sem negar a contribuição dos defensores dessa tendência, o autor afirma que, na defesa de que os conteúdos transmitidos pelos professores possibilitam o acesso às classes populares, seus argumentos são abstratos e a-dialéticos. Para Durmeval, "esse enunciado é mágico, superposto à conjuntura brasileira, à sociedade de classes, ao regime político e econômico, à dominação do Estado, aos responsáveis pela escola pública e particular" (p. 189). As falhas principais da teoria crítico-social dos conteúdos corresponderiam precisamente aos seus principais critérios norteadores, isto é, à função e ao papel do educador, à especificação do ato pedagógico e à relativa independência da escola face à sociedade. No final do texto, o autor retoma a questão da Escola Nova, identificando a sua parte positiva – "a diferença como categoria do saber, isto é, o outro, o projeto, a interrogação, a criatividade, a experiência, a problematização" – e sua parte negativa – "a rota de reconstrução da experiência individual e social contrapõe-se à rota da conjuntura social, política e econômica dentro da contradição, isto é, a homogeneidade falsa e a heterogeneidade real, na qual o inconsciente ideológico encobre a discriminação social" (p. 190).

Fica, como conclusão, o convite para que os leitores não só procurem conhecer, na íntegra, os textos dessa coletânea, mas também outros escritos de Durmeval Trigueiro Mendes, disponíveis em sua página na internet. Ficam também os votos que surjam novas coletâneas como esta, para que se tornem cada vez mais difundidos e conhecidos os escritos desse grande educador.

  • 1
    Depoimento de Alfredo Bosi, disponível em <
  • 2
    Depoimento de José Paulino da Silva, disponível em <
  • 3
    MENDES, Durmeval Trigueiro. O planejamento educacional no Brasil. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000 (apresentação de Osmar Fávero).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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