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Editorial

EDITORIAL

O conteúdo do presente número da

Revista Brasileira de Educação é bastante heterogêneo, tornando-se particularmente difícil apresentá-lo em um editorial. Buscamos, mesmo diante dessa dificuldade, agrupar os artigos em quatro grandes conjuntos.

Um primeiro conjunto focaliza realidades educativas em outros países, como Chile e Portugal. Em "A 'revolta da pingüins' e o novo pacto educacional chileno", resultante de pesquisa desenvolvida no Chile, Dagmar Zibas traça amplo painel do atual debate educacional chileno. Estuda a mobilização estudantil de 2006, conhecida como "a revolta dos pingüins", e seus desdobramentos legais, políticos e institucionais, de forma que se traga subsídios para a reflexão sobre a nossa própria realidade educacional. Indica que o vigoroso debate, focado no questionamento do modelo educacional vigente, altamente mercantilizado e segmentado, tem características de vanguarda e de fina sintonia política com a realidade social e educacional do país, o que pode impor evidências, vencer ou convencer os resistentes, passando a orientar políticas de diminuição das desigualdades.

"As organizações não-governamentais de desenvolvimento local e a sua prática educativa de adultos: uma análise no norte de Portugal", de Armando Loureiro, sintetiza investigação realizada junto a organizações não-governamentais de desenvolvimento local com atividades de educação de adultos, no norte de Portugal. Problematiza a relação teórica que vê a educação de adultos como fator de desenvolvimento local, mostrando que, no caso investigado, apesar de tais organizações realizarem ações de educação de adultos variadas e freqüentes, a forma como estão sendo postas em prática pode comprometer a relação causal enunciada.

Por sua vez, em "Reformas educativas, formação e subjectividades dos professores", Fernando Ilídio Ferreira aborda a formação contínua de professores, que teve forte incremento no contexto das reformas educativas iniciadas em Portugal nos anos de 1980, associado a financiamentos avultados da União Européia e a uma lógica de oferta e procura induzida por um enquadramento legal que estabeleceu ligação entre formação e progressão na carreira. Considerando que essa formação desenvolveu-se predominantemente à imagem do modelo formal e acadêmico da escolarização e foi influenciada pelas políticas de racionalização das reformas educativas, afirma que esse incremento não teve equivalente na transformação das concepções e práticas de formação, gerando mesmo lógicas contrárias aos princípios participativos e emancipatórios da educação de adultos.

Um segundo conjunto de artigos toma como objeto de análise a realidade educacional brasileira, particularmente questões relativas à elaboração do pensamento pedagógico e à pesquisa em educação, em uma perspectiva histórica. Retomando procedimento analítico desenvolvido em trabalhos anteriores, Marlos Bessa Mendes da Rocha, em "Historiografia e significação histórica em Fernando de Azevedo", investiga as razões relativas aos eventos e aos conceitos que levaram Fernando de Azevedo, em sua obra A cultura brasileira, a se posicionar em defesa das reformas educacionais implementadas pelo Estado Novo, em contraposição a formulações defendidas na primeira metade dos anos 1930, especialmente no Manifesto dos Pioneiros, e procura explicar o paradoxo entre esses dois momentos.

Em "Os Centros de Pesquisas Educacionais do INEP e os estudos em ciências sociais sobre a educação no Brasil", Márcia Santos Ferreira retoma a história desses centros, criados em 1955 com o propósito de incentivar o desenvolvimento de pesquisas em ciências sociais sobre questões relacionadas à educação brasileira. Indica as pesquisas desenvolvidas, sobretudo entre 1956 e 1961, as quais sugeriram interpretações inovadoras sobre as relações entre a educação escolarizada e as mudanças sociais que se processavam, em diferentes ritmos, nas diversas regiões brasileiras naquele momento histórico.

Um terceiro conjunto de artigos tem como objeto de análise o cotidiano das práticas educativas, em suas múltiplas dimensões. No artigo "As práticas cotidianas de alfabetização", Eliana Borges Correia de Albuquerque, Artur Gomes de Morais e Andréa Tereza Brito Ferreira analisam como as práticas de alfabetização têm se caracterizado atualmente, tomando como eixo de investigação o cotidiano escolar de professoras do 1º ciclo das escolas municipais do Recife. No campo teórico, apoiaram-se em dois modelos que analisam a dinâmica da construção/produção dos saberes escolares: transposição didática e construção dos saberes da ação. Como procedimento metodológico, para registrar como as professoras estavam transpondo as "mudanças didáticas" relacionadas à alfabetização para suas práticas de ensino e como "fabricavam" suas práticas pedagógicas cotidianas, utilizaram a observação de aulas.

"Inclusão digital como invenção do quotidiano", de Marcelo El Khouri Buzato, constituiu-se em interessante estudo de caso exploratório realizado em um telecentro na periferia da cidade de Guarulhos, tomando pressupostos da sociologia do quotidiano, de Michel de Certeau, para investigar a inclusão digital concebida como processo de apropriação e enunciação das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Descreve diferentes formas dessa apropriação, incluindo os conflitos nelas imbricados, a partir do estudo dos letramentos digitais ali reinantes e conclui que certas apropriações são, ao mesmo tempo, viabilizadas por letramentos oriundos de outros contextos, especialmente da escola, e potencialmente viabilizadoras de outras experiências frente às novas tecnologias que não a da passividade ou da responsividade.

Em "Aulas compartilhadas na formação de licenciandos em matemática", Eduardo Sarquis Soares e Maria Inês Mafra Goulart descrevem e analisam experiência inserida no processo de formação de alunos de licenciatura da Universidade Federal de Minas Gerais, realizada pelos licenciandos em aulas de geometria para alunos da 7ª série do ensino fundamental. O compartilhamento pelo professor da turma e demais professores das aulas seguiu a proposta teórico-metodológica denominada coteaching e os resultados obtidos destacaram a importância de aprendizagens que só ocorrem na atuação prática, sugerindo a utilização dessa metodologia de maneira ampla na formação de professores.

Por fim, um último conjunto de artigos apresenta-se mais heterogêneo, trazendo reflexões sobre imagens socialmente construídas da escola e da criança, e a questão da autoria na universidade. Luís Carlos Sales e Guiomar de Oliveira Passos, no artigo "As aparências não enganam: as representações sociais de qualidade suscitadas pelos prédios escolares", investigam as representações sociais presentes nas apreciações de escolas feitas por pais de alunos em Teresina e Natal, buscando identificar elementos para um conceito de ensino de qualidade, subjacente a essas apreciações. Os depoimentos colhidos mostraram que ensino de qualidade envolve instalações físicas, disciplina rigorosa, ensino exigente e avançado, seletividade e professores qualificados e bem remunerados, sendo parte do sistema simbólico que tem por função transfigurar e dissimular relações reais que estão em estreita ligação com o sistema social de que fazem parte.

Fabiana de Amorim Marcello, em "Cinema e educação: da criança que nos convoca à imagem que nos afronta", aborda o conceito de criança a partir de uma perspectiva que privilegia analisar, em imagens fílmicas, não uma vontade de verdade sobre a criança, mas uma vontade de potência afirmativa dela. Distingue inicialmente vontade de verdade (de saber) sobre a criança e vontade de potência afirmativa da criança para, em seguida, baseada em Foucault, Badiou e Xavier, discutir o conceito de imagem, relacionando-o com o meio cinematográfico. Finalmente, apresenta brevemente alguns filmes e a forma como eles nos lançam ao universo da criança-potência e à dispersão da imagem: ao universo da criação, do novo e do imprevisível.

Obdália Santana Ferraz Silva, no artigo "Entre o plágio e a autoria: qual o papel da universidade?" discute o plágio no contexto acadêmico, como ato que vem se afirmando significativamente a partir dos hipertextos digitais. Considera que, na medida em que textos de todos os tipos, referentes às várias áreas do conhecimento, circulam velozmente pela rede, vão se ampliando entre os graduandos as facilidades de se fazer cópias, em detrimento da construção da autoria, e reflete sobre a necessidade de se abrir espaços na universidade para que, na dialética entre o coletivo e o individual, a construção da autoria se efetive.

No presente número prestamos uma homenagem à colega Maria Célia Marcondes de Moraes, falecida em 10 de abril deste ano, por meio de importante entrevista realizada com ela, em junho de 2003, por Lucídio Bianchetti e Ana Maria Netto Machado, da Universidade Federal de Santa Catarina. Vinculada nos últimos anos a essa universidade, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação, Maria Célia distinguiu-se não só pela seriedade manifestada em sua prática como professora, orientadora e pesquisadora, mas também pela sua presença como representante da área de educação junto a CAPES e ao CNPq.

Finalmente, a seção Espaço Aberto, Antonio Miguel apresenta o texto "Áreas e subáreas do conhecimento, vínculos epistemológicos: o GT de Educação Matemática da ANPEd", no qual discute a questão da compartimentalização do conhecimento, considerando-a tanto em sua dimensão epistemológica mais ampla quanto no modo como ela se apresenta hoje à comunidade de prática acadêmico-científica. Nesta segunda dimensão, destaca o caso particular da situação do Grupo de Trabalho de Educação Matemática em relação aos demais grupos de trabalho da ANPEd, no âmbito da pesquisa brasileira na área de educação.

Como de costume, são publicadas ainda várias resenhas sobre livros atuais, que esperamos sejam de interesse para os associados e demais leitores da revista.

A Comissão Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
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