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Cinema e educação: da criança que nos convoca à imagem que nos afronta

Cinema and education: from the child who summons us to the image that confronts us

Cine y educación: del niño que nos convoca a la imagen que nos afrenta

Resumos

Neste artigo, desenvolvo o conceito de criança a partir de uma perspectiva que privilegia analisar, em imagens fílmicas, não uma vontade de verdade sobre a criança, mas uma vontade de potência afirmativa da criança. Num primeiro momento, apresento a distinção entre vontade de verdade (de saber) sobre a criança e vontade de potência afirmativa da criança. Em seguida, baseada em autores como Foucault, Badiou e Xavier, trago algumas discussões de cunho metodológico sobre o conceito de imagem, relacionando-as com o meio cinematográfico. Apóio-me em leituras que abordam tal conceito como integralmente afastado de noções de representação e de perspectivas que procedem como se a imagem pudesse dar conta, apreender em si um "real" que lhe é exterior. Por fim, discuto brevemente alguns filmes e a forma como eles nos lançam ao universo da criança-potência e à dispersão da imagem: ao universo da criação, do novo e do imprevisível.

criança; cinema; imagem


In this article, I develop the concept of the child by analysing, by means of film images, not a wishful truth about the child, but rather the child's desire for affirmative power. First, I present the distinction between wishful truth (for knowledge) about the child and the child's desire for affirmative power. Then, based on authors such as Foucault, Badiou and Xavier, I present some methodological conclusions about the concept of image, relating them to the world of cinema. My arguments are based on texts that deal with this concept as something completely distanced from notions of representation and perspectives that function as if the image were able to capture in itself a "something real" that is external to itself. Finally, I briefly discuss some films and the way in which they pitch us into the universe of child-power and the dispersion of the image: from the universe of creation, the new and the unpredictable.

child; cinema; image


En este artículo, desarrollo el concepto del niño a partir de una perspectiva que privilegia analizar, en imágenes filmadas, no una voluntad de verdad a respecto del niño, mas una voluntad de potencia afirmativa del niño. En un primer momento, presento la diferencia entre voluntad de verdad (de saber) sobre el niño y voluntad de potencia afirmativa del niño. Enseguida, fundamentada en autores como Foucault, Badiou y Xavier, traigo algunas discusiones de carácter metodológico sobre el concepto de imagen relacionándolas con el medio cinematográfico. Me apoyo en lecturas que abordan tal concepto como integralmente apartado de nociones de representación y de perspectivas que proceden como si la imagen pudiera dar cuenta, aprender en sí un "real" que le es exterior. Por fin, discuto brevemente algunos filmes y la forma como ellos nos lanzan al universo del niño potencia y a la dispersión de la imagen: al universo de la creación, de lo nuevo y de lo imprevisible.

niño; cine; imagendigital; educación inclusiva


ARTIGOS

Cinema e educação: da criança que nos convoca à imagem que nos afronta

Cinema and education: from the child who summons us to the image that confronts us

Cine y educación: del niño que nos convoca a la imagen que nos afrenta

Fabiana de Amorim Marcello

Universidade Luterana do Brasil, Programa de Pós-Graduação em Educação

RESUMO

Neste artigo, desenvolvo o conceito de criança a partir de uma perspectiva que privilegia analisar, em imagens fílmicas, não uma vontade de verdade sobre a criança, mas uma vontade de potência afirmativa da criança. Num primeiro momento, apresento a distinção entre vontade de verdade (de saber) sobre a criança e vontade de potência afirmativa da criança. Em seguida, baseada em autores como Foucault, Badiou e Xavier, trago algumas discussões de cunho metodológico sobre o conceito de imagem, relacionando-as com o meio cinematográfico. Apóio-me em leituras que abordam tal conceito como integralmente afastado de noções de representação e de perspectivas que procedem como se a imagem pudesse dar conta, apreender em si um "real" que lhe é exterior. Por fim, discuto brevemente alguns filmes e a forma como eles nos lançam ao universo da criança-potência e à dispersão da imagem: ao universo da criação, do novo e do imprevisível.

Palavras-chave: criança, cinema, imagem.

ABSTRACT

In this article, I develop the concept of the child by analysing, by means of film images, not a wishful truth about the child, but rather the child's desire for affirmative power. First, I present the distinction between wishful truth (for knowledge) about the child and the child's desire for affirmative power. Then, based on authors such as Foucault, Badiou and Xavier, I present some methodological conclusions about the concept of image, relating them to the world of cinema. My arguments are based on texts that deal with this concept as something completely distanced from notions of representation and perspectives that function as if the image were able to capture in itself a "something real" that is external to itself. Finally, I briefly discuss some films and the way in which they pitch us into the universe of child-power and the dispersion of the image: from the universe of creation, the new and the unpredictable.

Key words: child, cinema, image

RESUMEN

En este artículo, desarrollo el concepto del niño a partir de una perspectiva que privilegia analizar, en imágenes filmadas, no una voluntad de verdad a respecto del niño, mas una voluntad de potencia afirmativa del niño. En un primer momento, presento la diferencia entre voluntad de verdad (de saber) sobre el niño y voluntad de potencia afirmativa del niño. Enseguida, fundamentada en autores como Foucault, Badiou y Xavier, traigo algunas discusiones de carácter metodológico sobre el concepto de imagen relacionándolas con el medio cinematográfico. Me apoyo en lecturas que abordan tal concepto como integralmente apartado de nociones de representación y de perspectivas que proceden como si la imagen pudiera dar cuenta, aprender en sí un "real" que le es exterior. Por fin, discuto brevemente algunos filmes y la forma como ellos nos lanzan al universo del niño potencia y a la dispersión de la imagen: al universo de la creación, de lo nuevo y de lo imprevisible.

Palabras clave: niño, cine, imagendigital; educación inclusiva

"El ojo que ves no es ojo/porque tú lo veas/es ojo porque te ve" (Antonio Machado, 1997, p. 289). Esses versos parecem ter inspirado as palavras do filósofo francês Didi-Huberman, que fala de algo bastante semelhante: "O que vemos só vale - só vive - em nossos olhos pelo que nos olha" (1998, p. 29). Ou talvez não se trate aqui de inspiração, mas de uma espécie de prolongamento dos versos do poeta espanhol. De fato, ambos trazem a discussão acerca de um olho jamais passivo, de um olho que olha, mas que, no ato mesmo de olhar, é acolhido, cingido exatamente pelo que vê.

De forma sucinta, poderíamos dizer que Didi-Huberman indica que "o ato de ver só se manifesta ao abrir-se em dois" (1998, p. 29) - e aí justamente residiria seu paradoxo. A partir da leitura de Ulysses, de James Joyce, o filósofo discute a "inelutável cisão do ver" e convida: "devemos fechar os olhos para ver quando o ato de ver nos remete a um vazio que nos olha, nos concerne e, em certo sentido, nos constitui" (idem, p. 31). Afastamo-nos, portanto, de uma crença que sugeriria que a visão depende de nós. Ao enfatizar que o que está diante de nós também nos olha, o autor de algum modo rompe com o subjetivismo do olhar (mais propriamente, daquele que olha). A idéia apresentada por Didi-Huberman afasta-se de uma noção de que tudo é e está visível a nossos olhos, apenas à espera desse olhar iluminador dos sujeitos. Enfim, o autor sugere uma ruptura com duas idéias clássicas na filosofia do olhar, segundo as quais "ou a visão depende das coisas (que são causas ativas do ver), ou depende dos nossos olhos (que fazem as coisas serem vistas)" (Chauí, 1988, p. 40). Ora, por que, quando falamos em olhar, se trata de uma cisão, de um abrir-se em dois? E ainda por que se trata de um ato que nos é inelutável?

A visão, o ato de ver, implica sempre um contato primeiro com o volume dos corpos, esses "objetos primeiros do todo nosso conhecimento e de toda visibilidade" (Didi-Huberman, 1998, p. 30). Nesse sentido, podemos dizer que os corpos se constituem como algo a tocar, a apanhar; eles são algo contra os quais nosso olhar invariavelmente "se choca" (idem, ibidem). A visão, no primeiro momento imediato, estaria relacionada ao ato de absorver o volume visível das coisas, e, portanto, de tê-las de algum modo. Contudo,

[...] cada coisa a ver, por mais exposta, por mais neutra de aparência que seja, torna-se inelutável quando uma perda suporta [ao contrário daquilo que "ganhamos" naquele primeiro momento do olhar] -, ainda que pelo viés de uma simples associação de idéias, mas constrangedora, ou de um jogo de linguagem - e desse ponto nos olha, nos concerne, nos persegue. (idem, p. 33, grifo meu)

Dizemos que algo se perde no ato mesmo de olhar, pois não estamos falando de volumes plenamente preenchidos, dimensões apreensíveis em sua totalidade, mas de superfícies que nos expõem, por vezes violentamente, o (e ao) vazio que as povoam, impondo-nos um dentro importunador. A potência daquilo que nos olha reside nesse vazio. Ou seja, no momento em que ver é tanger esse vazio, algo aí morre, algo aí foge ao nosso olhar imediato. É desse ponto, portanto, que as coisas que olhamos nos olham. E, por isso, tal cisão é inelutável: queiramos ou não, algo nos escapa no ato mesmo de ver, algo que nada tem de evidente.

Como já disse, o ato de ver significa um "ganho" e uma "perda". Contudo, obviamente, não se trata de uma questão de escolha: ou olhamos as coisas ou elas nos olham, ou "ganhamos" ou "perdemos" algo no ato mesmo de olhar e ser olhado. Trata-se, sim, de uma "cisão do ver", de um ato que se divide de forma paradoxal em dois: olhamos e somos olhados. Assim, permanecer aquém da cisão do olhar equivaleria a permanecer no volume mesmo das coisas, naquilo que se ganha, que se soma (a nós?) quando olhamos. Ou seja, permanecer aquém da visão significaria tão-somente "ater-se ao que é visto" (idem, p. 38). Em contrapartida, permanecer além da cisão "consiste em querer superar - imaginariamente - tanto o que vemos quanto o que nos olha" (idem, p. 40, grifos do original). Daí surge um novo convite: não permanecer nem aquém, nem além da cisão - "abramos os olhos para experimentar o que não vemos" (idem, p. 34, grifos do original).

Talvez seja importante perguntar: tudo que vemos, ou melhor, qualquer coisa que vemos efetivamente nos olha? Creio que aquilo que efetivamente nos olha - ou melhor, aquilo que talvez tenha a potência de nos olhar com mais intensidade, portanto de nos mobilizar mais violentamente - seja aquilo que menos volume detenha, e, conseqüentemente, para nosso desespero ou satisfação, mais vazios possua.

É em torno dessa pergunta - e das suposições acerca de sua resposta - que trago aqui para a discussão a questão da imagem da criança no cinema. Pensar a criança e a imagem nesse sentido diz respeito a pensar justamente os volumes e os vazios que, nesse meio específico que é o cinema, elas (criança e imagem) apresentam. Ou seja, trata-se de interrogarmo-nos sobre aquilo que se "perde" e aquilo que se "ganha" quando as imagens da criança no cinema nos convocam a olhá-las; trata-se, portanto, de pensar na capacidade que têm de nos atingir, de nos perturbar e de nos mobilizar.

Assim, é possível identificar a direção deste trabalho: assumir o vazio da criança, em vez de nos contentarmos com suas formas imediatas. No que diz respeito à imagem da criança no cinema, o trabalho aqui será não de ficar aquém da cisão do olhar - o que significaria tanger a criança naquilo que podemos "ganhar" de imediato, naquilo que ela acrescenta de modo trivial. Portanto, ficar aquém dessa cisão seria permanecer na criança que reconhecemos, na criança do volume, das formas exatas, das certezas que uma vontade de saber1 1 Foucault faz uma diferenciação entre vontade de saber e vontade de verdade. Se a vontade de saber diz respeito aos processos de exclusão e de escolha em relação às práticas discursivas - que, por sua vez, não dizem respeito a um sujeito de conhecimento, mas que "ganham corpo em conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm" (Foucault, 1997, p. 12), a vontade de verdade diz respeito à relação que se estabelece com o conhecimento (relação suposta justamente pela vontade de saber, pelo desejo de saber). O conhecimento, aqui, é subordinado ao interesse e organizado como mero instrumento. Assim, a verdade "não passa de um efeito - e o efeito de uma falsificação que se nomeia oposição do verdadeiro e do falso" (idem, p. 15). criou para ela. No entanto, interessam-nos as possibilidades abertas pelo cinema, no momento em que são equivalentes à garantia de nos situarmos, providencialmente, na sua cisão mesma. Trata-se de, por um instante, abandonarmos a criança das formas exatas em favor daquilo que dela não podemos tocar, não podemos ter - e não podemos tocar ou ter não apenas porque ela esteja lá, nas imagens cinematográficas, na sala de cinema, mas porque está ligada com aquilo que é da ordem do acontecimento. Permanecer na cisão do olhar do cinema significa apreender, a partir de imagens muito específicas, a criança que instaura um vazio e que dali nos olha incessantemente. É dela, e somente dessa última, a capacidade de oferecer-se ao vazio (ou de oferecê-lo a nós), de abrir-se e de lançar-nos para além das "arestas discerníveis" de qualquer volume apreensível de imediato. E é disso que parte este trabalho.

Tendo em vista essas primeiras considerações, o objetivo do presente trabalho é discutir a imagem da criança no cinema. Interessa-nos, portanto, desenvolver uma discussão sobre o próprio conceito de criança e o de imagem (no cinema) e o fato de que podemos discuti-los a partir de pelo menos duas maneiras: uma, ligada à vontade de saber sobre a criança, ou sobre aquilo que poderia ser resumido pela pergunta: como o cinema restitui e reitera saberes que apreendem a figura da criança?; a outra (e que é a que nos interessa de forma mais particular) diz respeito ao modo como o cinema, ao tomar a criança como um problema seu, favorece a criação da imagem de uma criança-potência, criança-potência afirmativa. Importa desde já ressaltar que, em grande parte, as discussões que apresento aqui são tecidas por análises de imagens extraídas de um conjunto de filmes que têm a criança como protagonista do plot de suas narrativas.

Assim, retomaremos e aprofundaremos essas questões iniciais em três momentos. No primeiro, trataremos da diferenciação entre o conceito de criança ligado a uma vontade de saber (ou vontade de verdade) e aquele ligado a uma vontade de potência2 2 Primeiramente, é importante registrar que o conceito de vontade de potência afirmativa diz respeito a uma leitura específica de Deleuze em relação ao conceito de vontade de potência (Wille zur Macht), de Nietzsche - leitura da qual, inclusive, alguns autores discordam (Müller-Lautert, 1997). A partir do conceito nietzscheano, Deleuze diferencia a vontade de potência entre afirmativa e reativa. A primeira, que aqui nos interessa de forma especial e da qual falaremos mais adiante, é definida como um "princípio plástico", que "não consiste em tomar, mas em criar, em dar" (Deleuze, 2001, p. 22, grifos do original). Se a vontade de potência faz com que as forças ativas se afirmem e afirmem sua própria diferença (vontade de potência afirmativa), ela pode também fazer com que as forças reativas se oponham a tudo que elas não são, pois nelas é a negação que está em primeiro lugar (vontade de potência reativa) (idem). À predominância das forças reativas, Deleuze chama niilismo: "quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de potência deixa de querer dizer criar, mas significa querer o poder, desejar dominar" ( idem, p. 24, grifos do original). afirmativa. Trataremos de desenvolver tais conceitos tendo como base a pergunta: por que esse trabalho se apóia sobre a vontade de potência da criança? Num segundo momento, levantaremos algumas discussões sobre o conceito de imagem, de forma que se destaque aquelas que nos auxiliam a ver, a pensar e mesmo a sugerir novos questionamentos sobre a imprevisibilidade da criança no cinema. Para efetuar tais discussões, tomaremos como base autores como Alain Badiou, Michel Foucault e Ismail Xavier. Por fim, mostraremos como o cotejo entre as discussões sobre o conceito de criança e aquelas ligadas à análise da imagem cinematográfica sugere formas de pensar a análise em pesquisa sobre cinema e educação.

A criança que nos convoca

Afirmar que aqui nos interessa discutir, a partir de um conjunto de imagens cinematográficas, a vontade de potência afirmativa da criança e não as formas pelas quais nelas se produz (ou se expressa) uma vontade de verdade sobre a criança implica precisar a diferença entre um procedimento e outro.

Nesse sentido, poderíamos dizer que uma investigação disposta a descrever de que forma os filmes estariam comprometidos com uma vontade de verdade sobre a infância (valendo-se dela e também a produzindo) significaria, num primeiro momento, direcionar o entendimento sobre a criança para sua qualidade de sujeito empírico e sobre a infância para etapa da vida. Assim, falaríamos de uma pesquisa em que a investigação teria como primeiro plano a descrição de uma vontade de verdade e, portanto, de como se dá, no cinema, a constituição de uma complexa rede de sentidos criada ou operacionalizada para a promoção de objetivações dos sujeitos infantis. Uma tal rede instituiria, reforçaria e contribuiria para a produção contínua de saberes e de práticas de infantilização.

Isso ocorre porque os processos de constituição de saberes dos quais falo articulariam entre si o poder de nomear, de mostrar e de ser o lugar de sentido e de verdade (Foucault, 2000). Nesse caso, tratar-se-ia de tornar a criança e a infância que lhe é correlata "visíveis" e "enunciáveis", como processos constituidores da verdade, mesmo que a verdade seja sempre entendida como interpretação, como perspectivismo (Nietzsche, 1998). Uma investigação que estivesse preocupada em descrever a vontade de verdade que abarca e cerca a criança suporia que o conhecimento é almejado para que se possa agir sobre as coisas (sobre ela) e que nele há uma utilidade posta em jogo (no caso, o conhecimento produzido, tendo em vista fins específicos). Nessa vertente, o conhecimento, as formas de abarcar e de apreender são entendidos como tarefa primordial de qualquer construção de saber.

Entre tantas formas de apreender a criança, tentar-se-ia tratá-la como objeto discursivo construído como sujeito racional, solucionador de problemas e "em desenvolvimento". Ou seja, tratar-se-ia de partir de um ponto - a criança como sujeito capturado pelos nossos saberes - e mostrar como isso estaria discursivamente construído nos filmes e, igualmente, de que forma poderíamos dizer que ela foge, que ela escapa a esses saberes.

Essa vontade de verdade diz respeito a uma vontade de apropriação (Foucault, 1997) da criança, processo que implica a tentativa de assimilação e que se define "pelo fato de tornar idêntico, de reduzir a alteridade ao semelhante" (Lapoujade, 2003, p. 356). Trata-se de um procedimento profundamente ligado à tarefa de atar a criança à noção de infância, de atribuir-lhe identidade, de fazer com que o vai-e-vem incessante entre fase da vida e sujeito restitua um ao outro propriedades específicas. A criança, assim, constituiria a infância, e a infância dotaria a criança de características peculiares.

Exatamente por estar relacionada à vontade de verdade, a criança que resulta daí pode ser considerada força reativa, força adaptativa, conformativa, utilitária. A razão ou mesmo o saber ligados à busca de uma verdade objetiva e característicos de uma vontade de verdade buscam uma "verdade previsível, sem riscos inesperados" (Héber-Suffrin, 2003, p. 63). Dela derivado, o conhecimento racional está mais preocupado com garantias, previsibilidades que só podem surgir a partir da criação das certezas e das seguranças do "já-sabido". Pode-se dizer, ainda, por mais paradoxal que possa parecer, que esse conhecimento não quer conhecer, ele "quer tranqüilizar e tranqüilizar-se" (idem, ibidem); o que ele procura é a "imagem de um mundo inteiramente submetido às categorias do nosso pensamento lógico: identidade, causalidade, finalidade" (idem, p. 63-64). Não há nessa força receptividade ao novo, mas prioritariamente manutenção e fixação do já vivido.

Vontade como potência afirmativa

A diferença crucial entre vontade de saber e vontade de potência afirmativa reside em que, no que diz respeito à vontade de potência afirmativa, não buscamos uma verdade ligada à posse ou a um processo de apreensão. Se existe uma verdade a buscar, pretendemos que ela esteja mais relacionada a uma "verdade" que "não é algo que podemos adquirir, ter ou utilizar" nas relações que estabelecemos com as imagens da criança, mas, ao contrário, que ela seja o próprio "acontecimento que interrompe essas relações" (Larrosa, 1998, p. 244).

Nesse sentido, analisar uma imagem, as crianças nos materiais fílmicos (ou, melhor, a imagem da criança), diz respeito a, primeiramente, considerá-las potências, como "atividades eficazes", para em seguida perguntar: "de onde vêm essas potências [...], para que objetivos elas se dividem, o que quer aquele que nelas acredita, as institui?" (Héber-Suffrin, 2003, p. 67). Examinar a vontade de potência implica, igualmente, perguntar sobre as forças que estão em jogo, uma vez que estas se constituem como a própria efetivação da vontade.

A criança tem tantos sentidos quantas forem as forças capazes de se apoderar dela. Se entendermos que "o próprio objeto é expressão de uma força" (Deleuze, 1976, p. 5), cabe-nos, então, discernir de que objetos estamos falando e com que forças estamos tratando. No que diz respeito à análise das imagens, interessa perguntar de que maneira ela mesma exerce sua força; quais são os caminhos que a criança, entendida aqui como pura vontade potência, adota para "afirmar-se como vontade criadora". Ou melhor: de que maneira sua vontade (de potência afirmativa) age sobre outra vontade (de saber sobre a criança)? Para tal diferenciação ou caracterização, devemos pensar, afinal, em que circunstâncias as vontades entram em jogo, agem entre si? Partiremos do sujeito criança, do "corpo-imagem" infantil (Fischer, 2004, p. 219) para perguntar, por exemplo, sobre as relações que ele estabelece com outros sujeitos nos filmes, sejam crianças ou não. Ao falar em vontade que age sobre outra vontade, remeto ao jogo de forças que faz com que os sentidos sobre o conceito de criança sejam constantemente disputados, uma vez que "a história de uma coisa é geralmente a sucessão das forças que dela se apoderam e a coexistência das forças que lutam para dela se apoderar" (Deleuze, 1976, p. 3).

A verdade ou a previsibilidade da criança traduz-se pelo modo como nossos saberes a dizem e a recebem. A criança ligada à vontade de verdade fica reduzida àquilo que nossos saberes podem abarcar e objetivar, àquilo que nossas práticas podem e tentam incessantemente submeter, dominar, produzir, controlar. Nesse sentido, a vontade de verdade sobre a criança está intimamente relacionada à construção de saberes previstos e previsíveis para ela. De forma contrária, buscamos pensar acerca da vontade de potência afirmativa da criança (especialmente aquela que pode ser vista nas imagens cinematográficas), no sentido de que esta estaria radicada na proposição de uma direção inversa de toda a apreensão de saberes e poderes. Ao contrário disso está o fato de aceitarmos e restituirmos a "presença enigmática radical" da criança; o que implica tomar a criança em sua absoluta heterogeneidade (Larrosa, 1998). Isso significaria tratá-la como "aquilo que sempre nos escapa, que inquieta o que sabemos [...], que suspende o que podemos [...] e que coloca em xeque os lugares que construímos para ela" (idem, p. 232). A criança seria, assim, sempre outra coisa diferente do que podemos prever, talvez porque sempre está além do que sabemos, do que queremos, do que esperamos.

A imagem que nos afronta

Embora Michel Foucault não tenha aspirado à realização de estudos sistemáticos sobre o conceito de imagem (e muito menos sobre imagem fílmica), cremos que suas difusas produções - que dizem respeito na verdade a palestras ou artigos acerca de uma análise das imagens da arte - oferecem inequívocas contribuições. Sabemos o quanto esse "vidente", como Deleuze (1991) o denominou, e suas incontáveis palestras, entrevistas, artigos, proferidas e publicados em todo mundo (da França ao Brasil, da China ao Irã) dão conta de análises primorosas sobre a questão da imagem, especialmente no domínio da arte. Os trabalhos de Foucault sobre a loucura, sobre o que se poderia chamar de uma "teoria do discurso", sobre a arqueologia das ciências humanas e sobre a história da sexualidade foram acompanhados de artigos - hoje reunidos nos Ditos e escritos - sobre René Magritte, Edouard Manet, Paul Klee, Kandinsky, Gérard Fromanger, Panofsky, sobre os filmes de Paolo Pasolini e Hans Jüger Syberberg, entre tantos outros (e isso apenas para citarmos artistas diretamente ligados à produção de imagem).

Em suas análises e discussões sobre imagens, Foucault mostra que estas são irredutíveis às interpretações ou às significações, pois elas são e serão sempre inesgotáveis - não por incompetência daquele que olha, mas por resistência da própria imagem, que desdobra os ditos que se fazem sobre ela sempre em novas possibilidades, portanto, em novos ditos, que por sua vez não darão conta, por mais que se esforcem, em abarcá-la por completo. É essa tensão que interessa a Foucault, ou seja, a recusa de um domínio de exterioridade que a representação propõe - como se a imagem pudesse dar conta, apreender em si, internamente, um "real" que lhe é exterior.

Isso corrobora a idéia de que a ligação entre os domínios daquilo que se vê e daquilo que se diz está tanto menos no âmbito da articulação e da complementaridade do que da dependência ou da obviedade de seu possível encadeamento: "há disjunção entre falar e ver" (Deleuze, 1991, p. 73). Há uma certa e relativa independência entre aquilo que se vê e aquilo que se diz, pois a linguagem segue normas específicas, que não são "uma proposição a designar um estado de coisas ou um objeto visível"; da mesma forma que aquilo que se vê não carrega em si "um sentido mudo, um significado de força que se atualiza na linguagem" (idem, ibidem). Assim, a proposta será a de fazer não uma análise que vá contra essa idéia - e que, portanto, insistiria no trabalho acerca das significações -, mas, antes, trata-se de analisar os materiais considerando essa característica inelutável entre imagem e linguagem; ou seja, trata-se de fazer um trabalho a partir dessa incompatibilidade.

Talvez por provir do cinema, a imagem da criança instaure um lugar impreciso, onde "contemplador e contemplado permutam-se incessantemente" (Foucault, 1998, p. 60). Não há essa referência. E é desse lugar que ela vem tensionar toda e qualquer estabilidade do olhar. Radicalizando essa idéia, a imagem cinematográfica da criança muitas vezes merece ser considerada pura potência desestabilizadora, isto é, potência que compromete de maneira insuperável as categorias de representação, de objeto e de espectador.

A partir de uma análise de um conjunto de fotografias de Fromanger, reunidas com o título Le désir est partout, Foucault fala da imagem como sempre portadora de outras imagens. Mais do que isso, pintura (fotografia, cinema) é considerada "funda de imagens" (2001, p. 352), "foco para miríades de imagens em jorro" (idem, ibidem), "lugar de nascimento das imagens" (idem, p. 353). Aqui, todo um campo aberto coloca-se na medida em que nem os pintores, os fotógrafos, os autores (produtores das imagens) estão sós nem "a" imagem é tomada como soberana.

Nesse sentido, a riqueza da imagem seria não aquilo que ela capta. Ao contrário, quadro e câmera não fixam as imagens, mas antes "fazem-nas passar" (Foucault, 2001, p. 352) pela referência, a página está incorreta. A riqueza, a potência da imagem residiria naquilo que cinema e fotografia fazem com as imagens: "eles as conduzem, as atraem, lhes abrem passagens, lhes encurtam caminhos, lhes permitem queimar etapas e as lançam aos quatro ventos" (idem, p. 352). A questão, portanto, é poder garantir o trânsito da imagem, fazer com ela seja lançada a outras imagens. Ao contrário do absolutismo da imagem, nela concentra-se sua própria pluralidade, sua capacidade de fazer-se múltipla e, ao mesmo tempo, indivisível.

Desse modo, dizemos que "o acontecimento que ocorreu, e que continua incessantemente a ocorrer sobre a imagem, pelo próprio fato da imagem" (idem, p. 351). Ao mesmo tempo, diz-se que ele ocorre "no interior da imagem" e que ela, imagem, é o próprio acontecimento: "um acontecimento único, [...] que a torna única: reprodutível, insubstituível e aleatória" (idem, ibidem, grifos meus).

A imagem seria uma porta (ou uma ponte) para outras imagens, uma espécie de trajeto a ser percorrido por aquele que olha. A ela cabe "suscitar um acontecimento que transmita e magnifique o outro, que se combine com ele e produza, para todos aqueles que vierem a olhá-lo e para cada olhar singular pousado sobre ele, uma série ilimitada de novas passagens" (idem, p. 352). E é aí que se encontra uma idéia notável: nesse sistema de "relançamento" de imagem, de imagem que relança a outras imagens, o acontecimento não seria um lugar mesmo de encontro, de um ponto de concentração, mas, antes disso, o espaço de sua "dispersão" (idem, p. 353). Mais uma vez, Foucault reitera: a imagem não diz respeito ao que é da ordem da representação. Ela não representa a casa, o parque, a criança: ela é a casa, o parque, a criança e, desse espaço, será lançada alhures. Não se trata de uma paródia, de uma mera expressão da coisa representada: o acontecimento dá-se porque, no espaço deixado pela representação, a coisa é a imagem, a imagem é a coisa.

Alain Badiou (2004) faz uma diferenciação entre a pureza e a impureza do cinema e especialmente da imagem cinematográfica que merece aqui ser destacada. O autor afirma que o cinema, na qualidade de "arte de massas, é impuro na medida em que, geralmente, faz uma aposta no caráter banal da imagem (clichê) e o enfatiza. No entanto, a grande questão do cinema seria, ao contrário, apreender a complexidade infinita do mundo e mesmo do humano e extrair delas sua pureza. Não se trata de uma definição (pureza) que vem do exterior, algo que venha de fora da imagem. A pureza refere-se justamente à operação de extrair algo da imagem, de seu interior, em direção a uma nova simplicidade, em "direção à criação de novas simplicidades" (Badiou, 2004, p. 70). Para explicitar essa relação entre imagem que remete à pureza ou à impureza, Badiou cita o exemplo do uso dos carros no cinema, feito por Abbas Kiarostami e Manuel de Oliveira. O que esses diretores criaram foi "outra utilização para os carros" (idem, p. 67), uma utilização que vai além de expressar mera imagem de ação, do veículo que chega e parte de algum lugar, que vai além dos carros de gângster ou de policiais. É marcante "a utilização dos carros em Kiarostami, onde o carro se transforma em um lugar das palavras", onde o carro se transforma "no lugar fechado da palavra no mundo". De forma semelhante, nos filmes de Manuel de Oliveira, "o carro se converte em um lugar de exploração de si mesmo [...], uma espécie de movimento em direção às origens" (idem, ibidem). A questão que se coloca em relação a esse deslocamento é a supressão da banalidade do carro a partir de sua "purificação".

O cinema luta constantemente com esses sentidos de pureza e de impureza das imagens. Melhor dizendo, no cinema, constantemente lutas são travadas contra a imagem impura, em que estão em jogo simultaneamente a luta da imagem consigo mesma, a luta daqueles que produzem a imagem com a própria imagem produzida e a luta entre nós, espectadores, com essas imagens, na medida em que também participamos da criação da sua "pureza". Pode-se dizer, assim, que "um grande filme tem algo de heróico, porque realmente é uma batalha e uma vitória" (idem, p. 71).

Fica claro que a discussão levantada por Badiou nos interessa de maneira crucial. Obviamente não se trata de fazer uma descrição precisa entre pureza e impureza das imagens da criança, mas sim de considerar tais discussões, na medida em que elas nos oferecem argumentos para a diferenciação entre os sentidos lançados sobre o conceito de criança: previsíveis ou imprevisíveis. As formulações de Badiou apontam para a sensibilidade de compreender aquilo que pode surpreender nas imagens, aquilo que, deslocado dos sentidos habituais e lineares que qualquer imagem pode trazer, nos lança para o que é da ordem do novo e da criação. Isso significa apostar no potencial criador e mesmo de subversão do já dito, na medida em que "o cinema pode reproduzir o ruído do mundo; [mas] também inventar um novo silêncio. Pode reproduzir nossa agitação, [e igualmente] inventar novas formas de imobilidade. Pode aceitar a debilidade da palavra, pode inventar um novo intercâmbio" (idem, p. 70).

Creio, com isso, que a leitura das imagens jamais pode se dar de maneira imediata ou mesmo linear, já que "ela resulta de um processo onde intervêm não só as mediações que estão na esfera do olhar que produz a imagem, mas também aquelas [imagens] presentes na esfera do olhar que as recebe" (Xavier, 1998, p. 369). Nesse caso, não estamos falando somente de uma questão de "recepção", mas da característica fundamental que sustenta o próprio conceito de cinema: a de ele estabelecer relações entre imagens e movimento, entre imagem e tempo; por isso, trata-se de uma característica relacionada à produção de ligações que o cinema nos força, como espectadores, a estabelecer, já que elas não estão ali nem são dadas na tela (idem, ibidem). Embora sejamos privados da feitura ou mesmo da tarefa de composição das imagens - portanto, privados do "privilégio da escolha" (idem, p. 370) deste ou daquele ângulo, desta ou daquela profundidade, desta ou daquela distância -, o cinema garante-nos o exercício de uma dedução em relação àquilo que a montagem apenas sugere (idem, ibidem). Isso significa dar conta de especificidades outras que não dizem respeito somente ao que a imagem dá a ver; ou seja, o desafio da análise de imagem é dar conta da imensidão da própria imagem (e, portanto, compreender essa "abertura" como componente criador e não como falha na busca de uma verdade), mas igualmente de seus limites.

A abertura à qual nos referimos diz respeito ao vazio, às "fendas" deixadas pela montagem, mas também diz respeito a jogos entre "verdade" e "mentira", "real" e "ficção", bem como aqueles introduzidos por questões acerca do ser e do parecer, próprios não apenas da imagem cinematográfica. Ultrapassando quaisquer dessas dimensões, o cinema atua como linguagem criadora. "A partir de imagens de esquinas, fachadas e avenidas, o cinema cria uma nova geografia; com fragmentos de diferentes corpos, um novo corpo; com segmentos de ações e reações, um fato que só existe na tela" (idem, p. 369).

Essa afirmação de Ismail Xavier está profundamente ligada às afirmações que Foucault fez sobre imagem, e que nos interessam na medida em que podemos afirmar que, a partir das múltiplas imagens de crianças (seja na sua mais prosaica imprevisibilidade que, por vezes, nos faz rir, ou em sua dor pungente, que tanto nos sensibiliza; nos diálogos mais surpreendentes ou no seu silêncio, em muitos momentos, ameaçador), o cinema, sim, cria uma nova criança (ou coloca em jogo, de variadas formas, a vontade de potência afirmativa da criança). Ou seja, o cinema não representa, não traz a criança de um exterior para seu interior: ele, antes, a produz.

Dos modos de ver e ser visto

Apesar de serem de naturezas diferentes, a criança entendida como vontade de verdade e a criança entendida como vontade de potência afirmativa não estão localizadas em pólos opostos, numa relação dual e linear. Pelo contrário: uma necessita da outra para manifestar existência; além disso, facilmente uma pode transformar-se na outra, sem que isso implique um processo de exclusão. A questão é que sempre se está (ou elas estão) no caminho entre uma e outra, no caminho entre a determinação e a indeterminação, entre o que é da ordem do estado de coisa e do acontecimento. Pode-se dizer com isso que, sempre oscilantes, elas são contínuas uma em relação à outra. Daí a possibilidade de pensarmos: "será que não é necessário um mínimo de formas, de estratos [...], um mínimo de sujeito" para que deles pudéssemos extrair aquilo que, de algum modo, seria da ordem do acontecimento? (Deleuze & Guattari, 2002, p. 60).

Imersa em multiplicidades, composta por elas e atravessando-as, a criança será considerada sempre de um ponto de vista da relação, do encontro e da composição entre suas partes, entre seus elementos. Assim, em certa medida, talvez se possa afirmar que se trata aqui de pensar em termos de composição, cuja pergunta norteadora poderia ser formulada assim: como a criança se compõe com elementos outros e, no seio dessa relação, como ela se torna pura potência afirmativa? Tal pergunta converge para a tarefa não de analisar o que a criança é efetivamente, quais são suas características, mas, acima de tudo, como ela se compõe com outras, consigo mesma e o que deriva daí (não em termos de resultados, de produtos ou de saberes, mas de potências afirmativas).

Importa, ainda, nesse processo de composição, de encontro, dar visibilidade à potência mesma da criança. Interessa compreender como, no encontro, ela é afetada e de que maneira ela afeta a outrem. Nesse sentido, poderíamos perguntar: ao encontrar-se com outrem, como se dá sua capacidade de agir?

Que deslocamentos, que "ganhos" teríamos ao perguntar acerca do tipo de universo que se abre quando o encontro é fator capital? Com que nos defrontamos nesse universo do encontro que, aos olhos de um universo das coisas prontas, das formas previsíveis e independentes, nos seriam invisíveis? Trata-se de perguntas importantes, uma vez que nunca sabemos o que resulta de um encontro, já que ele é, na essência, da ordem do imprevisível (só se sabe o que ele é no momento mesmo em que ele se dá). Não interessa o que é melhor ou pior, em que estágio está, de que espécie é, se é fiel ou não a um modelo; interessa saber, afinal, desse encontro: o que se produz de novo? O que de inesperado surge? Que as fulgurações ele favorece? Ele diz algo do acontecimento? Que singularidades são produzidas? Como a criança irrompe e se transforma nesse encontro-acontecimento?

Assim, só podemos concluir que a própria criança que irrompe não é da ordem do exemplo do conceito que discuto: ela mesma, em sua condição de imagem cinematográfica, é o que vai constituir o conceito. Portanto, os filmes servem de base para algo que, de imediato, é insubordinável à identificação e ao reconhecimento. Nesse sentido, transformaríamos sutilmente a afirmação de que a criança é: aqui ela simplesmente interessa na medida em que nos mostra como efetivamente ela se torna isso que é.

É claro que nada se dá de maneira fácil e óbvia. Ao adotar esse posicionamento diante dos materiais e daquilo que eles compõem imageticamente, deparamo-nos com algumas dúvidas e mesmo com alguns obstáculos. Como passar da dimensão do acontecimento para a sua "descrição" sem que aí, nessa "transposição", corra-se o risco de perder algo? Ou, ainda, como dar conta dessa descrição sem macular, no caminho, a vivacidade, o fulgor, daquilo que é da ordem do acontecimento? - Embora, claro, não se pretenda apontar e assinalar, peremptoriamente, o momento exato de um acontecimento. Antes disso, a partir dessa maneira de ver os materiais, pretende-se tão-somente dar conta de mostrar como certos elementos se uniram, se encontraram, dentro de uma determinada multiplicidade, de forma que desse a ver outra criança que não a de uma vontade de saber.

Em Deleuze e Guattari (2002), as noções de multiplicidade e encontro reúnem-se de modo singular por meio da figura do anômalo. Pensar no anômalo - que aqui será considerado aquele que está numa posição anômala, que exerce uma função anômala ou mesmo que é uma potência anômala - é pensar num "indivíduo excepcional", com o qual se deve fazer aliança para devir (Deleuze & Guattari, 2002, p. 25). Diferente da noção de anormal, do grego anômalos, os, anômalo designa o "desigual, maldisposto, desequilibrado, mal-arranjado" (Houaiss, 2001). Enquanto o anormal é definido em função de suas características em relação a uma norma que o individualiza, o anômalo é uma "posição ou um conjunto de posições em relação a uma multiplicidade" (idem, p. 26).

O anômalo, para Deleuze, não é o indivíduo, nem mesmo uma espécie. Indivíduo (ou espécie) poderia ser considerado (considerada) anômalo tão-somente na condição de indivíduo em relação a um conjunto; espécie em relação a outras espécies. Ou seja, não há uma noção essencial, mas sim o entendimento acerca de uma função que se exerce de acordo com as alianças que são estabelecidas a partir de uma relação primeira, qual seja, a de um indivíduo X em relação ao seu bando, à sua matilha (e a tantos outros coletivos caros a Deleuze). E, mesmo assim, justamente por estarmos referindo-nos a uma função, a experiência desestabilizadora provocada pelo anômalo pode dizer respeito a uma questão de experiência (e não necessariamente a uma questão de indivíduo, por exemplo). O anômalo é a borda, o outsider, "coisa ou entidade [...] inquieta, fervilhante, malhurosa, espumante" (Deleuze, 2001, p. 27). Vemos aí, portanto, o conceito ampliado, podendo dizer respeito, no caso específico deste trabalho, a uma criança (criança anômala que desestabiliza adultos, crianças, e mundo), mas também a um animal (animal anômalo que desestabiliza a criança), a um fenômeno (guerra, fenômeno anômalo, que desestabiliza o mundo infantil) etc. É a essas alianças que me refiro, e por isso a questão que nos interessa aqui é, de certa forma, a busca pela figura do anômalo, sua descrição, e, a partir disso, a análise das relações que sua presença desestabilizadora estabelece com o mundo ao qual pertence e, especialmente, a criança à qual ele diz respeito.

Assim, como dito, interessa-nos capturar o anômalo como função, ou seja, entendendo que, sendo adulto, ou criança, ou animal, é de sua condição de anômalo que se traçam linhas de força, as quais, no encontro com a criança, produzirão (ou não) potências afirmativas.

As noções de multiplicidade e de encontro conjugam-se na medida em que um cresce em função do outro: quanto mais variados forem os elementos de determinada composição, mais dimensões estarão em jogo numa multiplicidade. Daí a importância do anômalo como categoria de análise: é ele que, de algum modo, vai conduzir, na relação com a criança, os limites da multiplicidade. O anômalo não é apenas a figura que diz respeito ao limite, à borda: ele próprio é um fenômeno de borda, "linha que envolve ou é a extrema dimensão em função da qual pode-se contar as outras" (Deleuze & Guattari, 2002, p. 27). Se o anômalo é a borda, ao compreendê-lo podemos igualmente compreender melhor a multiplicidade que ele bordeja. Ir além ou ficar aquém da diagonal que o anômalo traça significa dizer que estaríamos ocupando-nos de uma multiplicidade de outra natureza (idem, ibidem) - pois os elementos que estariam dispostos seriam outros, assim como as velocidades e as potências de agir.

Em relação a essa função anômala e ao conceito em questão, poderíamos perguntar se é o anômalo que define a criança ou a criança que define o anômalo. Nem um nem outro: anômalo e criança definem-se mutuamente, na composição de suas partes. Assim, Mohammad Reza é o anômalo em Onde fica a casa do meu amigo?,3 3 Peço, desde já, desculpas ao leitor pela quantidade de notas de rodapé que se seguirão a partir de agora. Meu intuito, ao fazê-las, é apenas deixar claro um mínimo de informações sobre os filmes que irei citar. Em Onde fica a casa do meu amigo?, ao fazer o seu dever de casa, Ahmad descobre que levou o caderno do seu amigo Mohammad Reza por engano. Sabendo que o professor exige que as tarefas sejam feitas no caderno (não em folhas de papel soltas), Ahmad vai à vila vizinha com o objetivo de encontrar o amigo para, então, devolver-lhe o caderno. O problema é que Ahmad não consegue encontrar seu amigo, pois não sabe onde ele mora. que precipita em Ahmad a busca fremente pelo imprevisível. O anômalo é a potência desestabilizadora: é Saga para Ingemar4 4 Minha vida de cachorro é a história do menino Ingemar que, em virtude do agravamento da saúde de sua mãe, é enviado para casa de parentes numa vila no interior da Suécia, nos anos de 1950. No início, Ingemar tem dificuldades de adaptar-se à nova vida e superar a falta da mãe e do irmão (e do cachorro). Com o tempo, acaba por adaptar-se e a aprofundar a amizade com Saga, a excêntrica colega que o ensina a lutar boxe. (Hallström, 1985), Jean Bonnet para Jean Quentin5 5 Em Adeus, meninos, Julien Quentin é um garoto de 12 anos que freqüenta o colégio St. Jean-de-la-Croix, que enfrenta grandes dificuldades devido à 2ª Guerra Mundial. Lá, ele se torna o melhor amigo de Jean Bonnett, um introvertido colega de classe que Julien posteriormente descobre ser judeu. A tragédia chega à escola quando a Gestapo invade o local, prendendo Jean, outros dois alunos e ainda o padre responsável pelo colégio. (Malle, 1987), David para Martin6 6 No drama futurista A. I. - Inteligência Artificial, o menino David, um robô, é "adotado" por um casal, traumatizado com a doença do seu único filho, Martin. Portador de uma doença terminal, Martin foi congelado à espera da cura. Quando o menino "real" volta para casa, agora curado, a convivência "em família" fica tumultuada para David. (Spielberg, 2001). Entre o anômalo e a criança, a relação não é de identificação; os dois tornam-se outra coisa quando do seu encontro e é dele que a criança como potência afirmativa irrompe da zona de vizinhança que se estabelece entre anômalo e criança. Jesus para Marcelino7 7 O filme Marcelino, pão e vinho conta a história de Marcelino, um órfão encontrado na porta de um mosteiro e criado por 12 frades. Certo dia, ele oferece, durante sua refeição, um pedaço de pão e um pouco de vinho a uma imagem de madeira de Jesus, que aceita a oferta e passa a conversar com o menino. É o início de uma insólita amizade entre (a estátua de) Cristo e Marcelino. (Vajda, 1954), Don Gregório para Totó8 8 Cinema Paradiso. Em Roma, Salvatore di Vitto, um cineasta bem-sucedido recebe um telefonema de sua mãe informando que Alfredo está morto. O nome de Alfredo lhe traz lembranças de sua infância e principalmente do Cinema Paradiso, para onde Salvatore, então chamado Totó, fugia sempre que podia. Ali o menino, fascinado pela magia do cinema, fazia companhia a Alfredo, o projecionista. Totó aprende a amar o cinema através das mãos de Alfredo, mas após um caso de amor frustrado com Elena, filha do banqueiro, ele deixa sua pequena cidade para tomar o caminho de Roma. Ele só retornará 20 anos depois, com a morte de Alfredo, para enfrentar as lembranças de sua infância. (Tornatore, 1988), Dora para Josué9 9 Central do Brasil. Dora escreve cartas para analfabetos na Estação D. Pedro II da Central do Brasil. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué, um garoto de 9 anos, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Ela termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. À medida que vão entrando país adentro, esses dois personagens, tão diferentes, vão se aproximando. (Salles, 1998), Rufo para Valentin10 10 Valentin. Valentin é um menino imaginativo, cujo maior sonho é ser uma criança "comum", com uma família "de verdade". Enquanto tenta consertar as falhas em seu mundo, ele é capaz de trazer alegria, sabedoria, e até mesmo romance aos adultos que o cercam, em especial a Rufo, seu professor de piano e confidente. (Agresti, 2002), Don Gregório para Moncho11 11 A língua das mariposas. Don Gregorio é um velho professor de uma pequena cidade espanhola. Moncho é um garoto de 7 anos que inicia sua vida escolar meses antes de a ditadura se instalar no país. Com o velho mestre, ele descobre o prazer de aprender, de admirar e explorar a natureza, de viver com os sentidos e os sentimentos. A história singela do relacionamento entre aluno e mestre serve de cenário para mostrar a ascensão do regime militar espanhol e como a força militar afetou a população do vilarejo, inclusive em relação a Don Gregorio, que fazia parte da resistência ao regime repressor. (Cuerda, 1999), Sueli para Pixote12 12 Pixote. Abandonado pela família, Pixote é um menino que rouba para viver nas ruas. Com 11 anos, fugido do reformatório, ele sobrevive se tornando um pequeno traficante de drogas, cafetão e assassino. (Babenco, 1981). Até mesmo a guerra pode exercer essa função de anômalo, como para Edmund13 13 Alemanha, ano zero. Em Berlim, após o final da 2ª Guerra Mundial, Edmund, um garoto de uma família pobre, trabalha para sustentar o pai doente, sua pequena irmã e o irmão. Um dia, ao conversar com um antigo mestre, fala do seu pai enfermo e entende ter recebido um conselho para matar seu pai, chamado de "um peso morto". Ele começa a pensar na idéia. (Rosellini, 1947), Ivan14 14 A infância de Ivan retrata poeticamente a fuga onírica de um menino para um tempo de paz e harmonia ao lado da família (somente possível de ser vivido em seus sonhos) e a sua interrupção abrupta ao acordar mais uma vez para a realidade beligerante de uma Rússia em guerra. (Tarkovski, 1962), Bill Sebastian15 15 Esperança e glória. O garoto Bill Sebastian descobre, nos despojos de uma Londres destruída, mil e uma possibilidades para brincadeiras: guarda peças de artilharia, forma gangues com garotos da vizinhança, enfim, se diverte como pode. A partir dessas memórias infantis fragmentadas, John Boorman constrói um amplo (às vezes até mesmo engraçado) painel dos horrores da guerra. (Boorman, 1987). Ou mesmo o pequeno peixe dourado para Razieh16 16 O balão branco. Na véspera do Ano Novo iraniano, a menina Razieh deposita suas esperanças na compra de um peixinho dourado. A menina convence a mãe a lhe dar suas últimas economias para tal, mas, a caminho do mercado, ela perde o dinheiro, iniciando uma busca singela e cheia de fé pelas ruas de Teerã. (Panahi, 1995), o cavalo branco para Giuseppe e Pasquale17 17 Vítimas da tormenta. Giuseppe e Pasquale são garotos que vivem como engraxates e, economizando o dinheiro que ganham na atividade que exercem, cultivam o sonho de comprar um cavalo branco. Depois de se envolverem acidentalmente em um furto, acabam presos num reformatório. (De Sica, 1946), a baleia para Keisha18 18 Encantadora de baleias. A tribo Maori, que vive no leste da Nova Zelândia, acredita ser descendente de Paikea, o domador de baleias. Segundo a lenda, há milhares de anos a canoa de Paikea virou em cima de uma baleia e ele, cavalgando-a, liderou seu povo até um local para viver. A tradição da tribo Maori diz que o primeiro filho do chefe da tribo seria considerado descendente de Paikea e líder espiritual do povo. Porém, após a morte do atual líder, quem assume o posto é sua irmã, Pai, uma garota de apenas 11 anos. Apesar de ser amada por todos da tribo, Pai enfrenta a resistência de seu avô, Koro, que insiste na manutenção da antiga tradição de que o chefe da tribo deve ser um homem. Encantadora de baleias. A tribo Maori, que vive no leste da Nova Zelândia, acredita ser descendente de Paikea, o domador de baleias. Segundo a lenda, há milhares de anos a canoa de Paikea virou em cima de uma baleia e ele, cavalgando-a, liderou seu povo até um local para viver. A tradição da tribo Maori diz que o primeiro filho do chefe da tribo seria considerado descendente de Paikea e líder espiritual do povo. Porém, após a morte do atual líder, quem assume o posto é sua irmã, Pai, uma garota de apenas 11 anos. Apesar de ser amada por todos da tribo, Pai enfrenta a resistência de seu avô, Koro, que insiste na manutenção da antiga tradição de que o chefe da tribo deve ser um homem. (Caro, 2003) ou o perseguidor balão vermelho para Pascal19 19 O balão vermelho. Pascal é um garoto solitário nas ruas de Paris. Encontra um balão vermelho amarrado a um poste de iluminação. Ao "libertar" o balão de sua prisão, ganha sua estima e lealdade, e o bojudo amigo passa a segui-lo por Paris, por bondes, escolas, becos e avenidas. Professores, parentes e amigos tentar tirar o balão do garoto, mas ambos fogem, e inventam planos para enganar a todos, como se fossem velhos amigos. (Lamorisse, 1956). E, o exemplo mais emblemático, o próprio Carlitos para O garoto20 20 O garoto. O garoto, lançado em 1921, conta a história de uma mãe solteira que, pela impossibilidade de poder criar o filho recém-nascido, deixa-o em um banco de um automóvel para que alguém o ache e cuide dele. Porém, o automóvel é roubado e os ladrões abandonam o bebê em uma viela. O vagabundo Carlitos encontra a criança e tenta, primeiramente, livrar-se dela, mas não consegue devido a circunstâncias adversas. Com isso, passa a criar o bebê. Paralelamente, a mãe do bebê se arrepende e começa a procurá-lo, até que descobre que o carro foi roubado e que nunca mais irá encontrar seu filho. (Chaplin, 1921).

Há, talvez, algo "a mais" que provém, que escapa dessa relação que as crianças estabelecem com seus pares que se trata, entendo, de pura potência afirmativa, nada melancólica ou óbvia; há aí uma sensibilidade estética que convém ser ressaltada, na qualidade de "elementos" que fazem parte dessas crianças-potência. Trata-se de elementos (ou momentos, em momentos) nada evidentes ou piegas, como quando o menino René acolhe secretamente em seu quarto o "incompreendido" - e agora fugido de casa - Antoine Doinel (Truffaut, 1959); algo "a mais" se passa no desejo nutrido pelos pequenos engraxates Giuseppe e Pasquale de comprar um cavalo branco em Vítimas da tormenta - mesmo que esse desejo seja, mais tarde, cercado pelo desespero de estarem confinados em um reformatório (De Sica, 1946). Mesmo quando já não estamos falando da relação entre crianças, mas de outros laços que elas acabam por estabelecer em tantos filmes, há algo que não se deixa apreender de imediato: falamos aqui de relações que vão além dos laços óbvios que poderiam ser estabelecidos, por exemplo, entre adultos e crianças e que, por isso mesmo, passam a ser algo de outra ordem. Nesse caso, podemos lembrar a amizade totalmente dissociada de noções paternalistas ou superprotetoras: "mais que um pai, Carlitos é o irmão d'O garoto" (Vallet, 1991, p. 21); na relação entre o menino Marcelino e Jesus, em Marcelino, pão e vinho (Vajda, 1954), contemplamos a relação inefável que se inicia com o gesto espontâneo e singelo do menino que, ao olhar para o rosto de dor e sofrimento de Cristo talhado na madeira, diz singelamente: "Tens cara de quem está com fome"; ou talvez possamos referir-nos à singeleza que faz com que Patrick, de 9 anos, escolha presentear a mãe de seu melhor amigo Laurent com rosas vermelhas, depois de saber, na própria floricultura, que elas significam "paixão ardente" (Truffaut, 1976). Essas relações que afirmo serem "de outra ordem" poderiam ainda estar relacionadas à fidelidade, à lealdade da amizade ou do abrigo que ela, na verdade, representa, por exemplo, no caso de Totó a Salvatore (Tornatore, 1988), em Cinema Paradiso - sentimentos que se estabeleciam ali, dentro do cinema da pequena Giancaldo, o recôndito vilarejo na Sicília; ou esse algo "a mais" talvez seja aquilo que se mostra em toda sua potência na criança-furor de Billy Elliot (Daldry, 2001), que não aceita, não se conforma em ser estigmatizada, descrita e absorvida pela lógica de sua comunidade ou de sua família. "Criança-furor" porque não aceita, esperneia e grita contra seu porvir-minerador.

Enfim, seria possível listar muitos filmes e incontáveis relações entre crianças e mesmo entre adultos e crianças que inspiram a pensar o conceito de criança de uma outra forma. Ao mesmo tempo, vejo que essas relações permitem pensar tal conceito de um outro modo, diferente daquele que remete a um ser aprendiz, domado e sempre previsível. Creio que não se trata, como pode parecer num primeiro olhar, de analisar nos filmes a criança que simplesmente imita o mundo adulto, mas de poder dar visibilidade àquela que, por exemplo, nas relações que estabelece com seus parceiros, "inventa" seu mundo: Valentin, em seus ensaios para uma futura carreira de astronauta (Agresti, 2002). Ingemar (Hallström, 1985), em sua casa-esconderijo. Jean e Pierrete (Feyder, 1925) e a pequena ilha que constroem à beira do rio. Léolo (Lauzon, 1992), em sua crença de ser filho de um tomate italiano, de abrir a janela do seu quarto e ver, em meio aos edifícios vetustos de um subúrbio em Montreal, os campos mais verdes da Itália mediterrânea. Não se trata da criança que finge ser astronauta, brinca "de casinha", que finge ter sua própria casa, que finge estar numa ilha e de ser dono dela: é a criança que, por dizer respeito a uma multiplicidade, é astronauta, ela é a casa, a ilha, a Itália.

Nesse sentido, atrevo-me a pensar a criança menos como uma faixa etária da vida e mais como algo que diria respeito a "um modo de entrega ao momento, ao acontecimento" (Fischer, 2003, p. 3, grifo meu). Pensar a criança cingida à categoria do "acontecimento" envolveria igualmente "assumir o risco do salto, a interrupção no curso linear do tempo" (idem, ibidem). Talvez possamos dizer, em relação à criança (fruto de uma vontade de saber), na esteira do que a mesma autora aponta sobre o texto de Foucault (Theatrum philosophicum), que ali está confinado um acontecimento, justamente porque foi reduzido a um estado de coisas ou, ainda, aprisionado a um ciclo mesmo de passado-presente-futuro (Fischer, 2004, p. 218).

A criança assim entendida tem suas "origens" na afirmação do acaso; ela não conta com nenhuma finalidade, mas tão-somente com a necessidade de sua existência. Não há finalidade no acaso, pois ali não há qualquer causa a conhecer, a esperar, a prever. Já a finalidade tem sua raiz na razão. Na criança, há apenas a necessidade do acaso. Talvez por isso o acaso tenha relação direta com a criação. Como Deleuze discute, aquele que cria só o faz em nome de uma necessidade, jamais por mero prazer ou porque está num momento de "pura inspiração" (Deleuze, 2003, p. 292). Desobrigado do ímpeto de cumprir objetivos últimos, aquele que cria tem as características de um aventureiro ou de um explorador. Aventureira, exploradora, a criança é aquela que "rejeita os caminhos seguros e conhecidos e se atreve a embrenhar-se por lugares nos quais nenhum caminho está traçado" (Larrosa, 2002, p. 42). A criança que nos interessa aqui é aquela que, como Antoine Doinel, de forma emblemática, foge, escapa do reformatório - espaço disciplinar por excelência -, por baixo de uma cerca, por meio das árvores. Acompanhamos o menino em sua fuga, a câmera o persegue, e ele corre, passa por pontes, por arbustos e chega, enfim, à imensidão do mar - e é dessa imensidão que ele "nos olha", e nos surpreende. Mesmo que se trate de caminhos ainda desconhecidos, a possibilidade de pensar a criança dessa forma abre todo um universo - e um universo que não nos cabe exatamente desbravar, mas a ele se entregar totalmente.

Filmes

Recebido em outubro de 2007

Aprovado em janeiro de 2008

FABIANA DE AMORIM MARCELLO, doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro do Núcleo de Estudos em Educação Mídia e Subjetividade na mesma instituição, é professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Para realizar sua pesquisa de doutorado, intitulada Criança e imagem no olhar sem corpo do cinema, obteve bolsa de doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e, no período de 2006 a 2007, realizou estágio de doutorado (doutorado-sanduíche) na Université de Paris III - Sorbonne Nouvelle, com o apoio (bolsa) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Publicações recentes: "Enunciar-se, organizar-se, controlar-se: modos de subjetivação feminina no dispositivo da maternidade" (Revista Brasileira de Educação, n. 29, p. 139-151, maio/ago. 2005); "Dispositivo da maternidade: mídia e produção pedagógica de sujeitos, práticas e normas" (Educar em Revista, v. 26, n. 1, p. 81-98, 2005); "O conceito de dispositivo em Foucault: mídia e produção agonística de sujeitos maternos" (Educação & Realidade, v. 29, n. 1, p. 199-213, jan./jun. 2004); em parceria com FISCHER, Rosa Maria Bueno organizou o dossiê "Cinema & Educação" (Educação & Realidade, jun. 2008). E-mail: famarcello@uol.com.br

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  • ______. A pintura fotogênica. In: . Ditos e escritos Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 346-355.
  • ______. A arqueologia do saber Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
  • HÉBER-SUFFRIN, Pierre. O Zaratustra de Nietzsche Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
  • HOUAISS. Dicionário eletrônico de língua portuguesa Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
  • LAPOUJADE, David. Sobre a passividade. In: FEITOSA, C.; BARRENECHEA, M. A. de; PINHEIRO, p. (Orgs.). A fidelidade à terra - assim falou Nietzsche IV. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 350-362.
  • LARROSA, Jorge. Pedagogia profana Porto Alegre: Contrabando, 1998.
  • ______. Nietzsche e a educação Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
  • MÜLLER-LAUTERT, Wolfgang. A doutrina da vontade de poder em Nietzsche São Paulo: Annablume, 1997.
  • NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
  • VALLET, François. L'image de l'enfant au cinéma Paris: Éditions du Cerf, 1991.
  • XAVIER, Ismail. Cinema: revelação e engano. In: NOVAES, Adauto (Org.). O olhar São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 367-383.
  • AGRESTI, Alejandro. Valentin Argentina, 2002 (83 min).
  • BABENCO, Hector. Pixote - a lei do mais fraco. Brasil, 1981 (127 min).
  • BOORMAN, John. Esperança e glória Estados Unidos, 1987 (107 min, Hope and glory).
  • CARO, Niki. Encantadora de baleias Nova Zelândia, 2003 (105 min, Whale rider).
  • CHAPLIN, Charles. O garoto Estados Unidos, 1921 (79 min, The kid).
  • CUERDA, José Luís. A língua das mariposas Espanha, 1999 (95 min, La lengua de las mariposas).
  • DALDRY, Stephen. Billy Elliot Inglaterra, 2001 (110 min).
  • DE SICA, Vittorio. Vítimas da tormenta Itália, 1946 (95 min, Sciuscia).
  • ______. Ladrões de bicicleta Itália, 1948 (90 min, Ladri di biciclette).
  • FEYDER, Jacques. Visages d'enfants Bélgica, 1925 (114 min).
  • HALLSTRÖM, Lasse. Minha vida de cachorro Suécia, 1985 (101 min, Mitt liv som hund).
  • LAMORISSE, Albert. O balão vermelho França, 1956 (40 min, Le ballon rouge).
  • LAUZON, Jean-Claude. Leolo Canadá, 1992 (105 min, Léolo).
  • MALLE, Louis. Adeus, meninos França, 1987 (103 min, Au revoir, les enfants).
  • PANAHI, Jafar. O balão branco Irã, 1995 (90 min, Badkonake sefid).
  • ROSSELLINI, Roberto. Alemanha, ano zero Itália, 1947 (80 min, Germania, anno zero).
  • SALLES, Walter. Central do Brasil Brasil, 1998 (112 min).
  • SPIELBERG, Steven. A.I. - Inteligência artificial Estados Unidos, 2001 (146 min, A.I. - Artificial Intelligence).
  • TARKOVSKI, Andrei. A infância de Ivan Rússia, 1962 (111 min, Ivanovo detstvo).
  • TORNATORE, Giuseppe. Cinema Paradiso Itália, 1988 (123 min, Nuovo Cinema Paradiso).
  • TRUFFAUT, François. Os incompreendidos França, 1959 (100 min, Les 400 coups).
  • ______. Na idade da inocência França, 1976 (104 min, L'argent de poche).
  • VAJDA, Ladislao. Marcelino, pão e vinho Itália/Espanha, 1954 (91 min, Marcelino pan y vino).
  • 1
    Foucault faz uma diferenciação entre vontade de saber e vontade de verdade. Se a vontade de saber diz respeito aos processos de exclusão e de escolha em relação às práticas discursivas - que, por sua vez, não dizem respeito a um sujeito de conhecimento, mas que "ganham corpo em conjuntos técnicos, em instituições, em esquemas de comportamento, em tipos de transmissão e de difusão, em formas pedagógicas que ao mesmo tempo as impõem e as mantêm" (Foucault, 1997, p. 12), a vontade de verdade diz respeito à relação que se estabelece com o conhecimento (relação suposta justamente pela vontade de saber, pelo desejo de saber). O conhecimento, aqui, é subordinado ao interesse e organizado como mero instrumento. Assim, a verdade "não passa de um efeito - e o efeito de uma falsificação que se nomeia oposição do verdadeiro e do falso" (idem, p. 15).
  • 2
    Primeiramente, é importante registrar que o conceito de vontade de potência afirmativa diz respeito a uma leitura específica de Deleuze em relação ao conceito de vontade de potência (Wille zur Macht), de Nietzsche - leitura da qual, inclusive, alguns autores discordam (Müller-Lautert, 1997). A partir do conceito nietzscheano, Deleuze diferencia a vontade de potência entre afirmativa e reativa. A primeira, que aqui nos interessa de forma especial e da qual falaremos mais adiante, é definida como um "princípio plástico", que "não consiste em tomar, mas em criar, em dar" (Deleuze, 2001, p. 22, grifos do original). Se a vontade de potência faz com que as forças ativas se afirmem e afirmem sua própria diferença (vontade de potência afirmativa), ela pode também fazer com que as forças reativas se oponham a tudo que elas não são, pois nelas é a negação que está em primeiro lugar (vontade de potência reativa) (idem). À predominância das forças reativas, Deleuze chama niilismo: "quando o niilismo triunfa, então e só então a vontade de potência deixa de querer dizer criar, mas significa querer o poder, desejar dominar" (
    idem, p. 24, grifos do original).
  • 3
    Peço, desde já, desculpas ao leitor pela quantidade de notas de rodapé que se seguirão a partir de agora. Meu intuito, ao fazê-las, é apenas deixar claro um mínimo de informações sobre os filmes que irei citar. Em Onde fica a casa do meu amigo?, ao fazer o seu dever de casa, Ahmad descobre que levou o caderno do seu amigo Mohammad Reza por engano. Sabendo que o professor exige que as tarefas sejam feitas no caderno (não em folhas de papel soltas), Ahmad vai à vila vizinha com o objetivo de encontrar o amigo para, então, devolver-lhe o caderno. O problema é que Ahmad não consegue encontrar seu amigo, pois não sabe onde ele mora.
  • 4
    Minha vida de cachorro é a história do menino Ingemar que, em virtude do agravamento da saúde de sua mãe, é enviado para casa de parentes numa vila no interior da Suécia, nos anos de 1950. No início, Ingemar tem dificuldades de adaptar-se à nova vida e superar a falta da mãe e do irmão (e do cachorro). Com o tempo, acaba por adaptar-se e a aprofundar a amizade com Saga, a excêntrica colega que o ensina a lutar boxe.
  • 5
    Em Adeus, meninos, Julien Quentin é um garoto de 12 anos que freqüenta o colégio St. Jean-de-la-Croix, que enfrenta grandes dificuldades devido à 2ª Guerra Mundial. Lá, ele se torna o melhor amigo de Jean Bonnett, um introvertido colega de classe que Julien posteriormente descobre ser judeu. A tragédia chega à escola quando a Gestapo invade o local, prendendo Jean, outros dois alunos e ainda o padre responsável pelo colégio.
  • 6
    No drama futurista A. I. - Inteligência Artificial, o menino David, um robô, é "adotado" por um casal, traumatizado com a doença do seu único filho, Martin. Portador de uma doença terminal, Martin foi congelado à espera da cura. Quando o menino "real" volta para casa, agora curado, a convivência "em família" fica tumultuada para David.
  • 7
    O filme Marcelino, pão e vinho conta a história de Marcelino, um órfão encontrado na porta de um mosteiro e criado por 12 frades. Certo dia, ele oferece, durante sua refeição, um pedaço de pão e um pouco de vinho a uma imagem de madeira de Jesus, que aceita a oferta e passa a conversar com o menino. É o início de uma insólita amizade entre (a estátua de) Cristo e Marcelino.
  • 8
    Cinema Paradiso. Em Roma, Salvatore di Vitto, um cineasta bem-sucedido recebe um telefonema de sua mãe informando que Alfredo está morto. O nome de Alfredo lhe traz lembranças de sua infância e principalmente do Cinema Paradiso, para onde Salvatore, então chamado Totó, fugia sempre que podia. Ali o menino, fascinado pela magia do cinema, fazia companhia a Alfredo, o projecionista. Totó aprende a amar o cinema através das mãos de Alfredo, mas após um caso de amor frustrado com Elena, filha do banqueiro, ele deixa sua pequena cidade para tomar o caminho de Roma. Ele só retornará 20 anos depois, com a morte de Alfredo, para enfrentar as lembranças de sua infância.
  • 9
    Central do Brasil. Dora escreve cartas para analfabetos na Estação D. Pedro II da Central do Brasil. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué, um garoto de 9 anos, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Ela termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. À medida que vão entrando país adentro, esses dois personagens, tão diferentes, vão se aproximando.
  • 10
    Valentin. Valentin é um menino imaginativo, cujo maior sonho é ser uma criança "comum", com uma família "de verdade". Enquanto tenta consertar as falhas em seu mundo, ele é capaz de trazer alegria, sabedoria, e até mesmo romance aos adultos que o cercam, em especial a Rufo, seu professor de piano e confidente.
  • 11
    A língua das mariposas. Don Gregorio é um velho professor de uma pequena cidade espanhola. Moncho é um garoto de 7 anos que inicia sua vida escolar meses antes de a ditadura se instalar no país. Com o velho mestre, ele descobre o prazer de aprender, de admirar e explorar a natureza, de viver com os sentidos e os sentimentos. A história singela do relacionamento entre aluno e mestre serve de cenário para mostrar a ascensão do regime militar espanhol e como a força militar afetou a população do vilarejo, inclusive em relação a Don Gregorio, que fazia parte da resistência ao regime repressor.
  • 12
    Pixote. Abandonado pela família, Pixote é um menino que rouba para viver nas ruas. Com 11 anos, fugido do reformatório, ele sobrevive se tornando um pequeno traficante de drogas, cafetão e assassino.
  • 13
    Alemanha, ano zero. Em Berlim, após o final da 2ª Guerra Mundial, Edmund, um garoto de uma família pobre, trabalha para sustentar o pai doente, sua pequena irmã e o irmão. Um dia, ao conversar com um antigo mestre, fala do seu pai enfermo e entende ter recebido um conselho para matar seu pai, chamado de "um peso morto". Ele começa a pensar na idéia.
  • 14
    A infância de Ivan retrata poeticamente a fuga onírica de um menino para um tempo de paz e harmonia ao lado da família (somente possível de ser vivido em seus sonhos) e a sua interrupção abrupta ao acordar mais uma vez para a realidade beligerante de uma Rússia em guerra.
  • 15
    Esperança e glória. O garoto Bill Sebastian descobre, nos despojos de uma Londres destruída, mil e uma possibilidades para brincadeiras: guarda peças de artilharia, forma gangues com garotos da vizinhança, enfim, se diverte como pode. A partir dessas memórias infantis fragmentadas, John Boorman constrói um amplo (às vezes até mesmo engraçado) painel dos horrores da guerra.
  • 16
    O balão branco. Na véspera do Ano Novo iraniano, a menina Razieh deposita suas esperanças na compra de um peixinho dourado. A menina convence a mãe a lhe dar suas últimas economias para tal, mas, a caminho do mercado, ela perde o dinheiro, iniciando uma busca singela e cheia de fé pelas ruas de Teerã.
  • 17
    Vítimas da tormenta. Giuseppe e Pasquale são garotos que vivem como engraxates e, economizando o dinheiro que ganham na atividade que exercem, cultivam o sonho de comprar um cavalo branco. Depois de se envolverem acidentalmente em um furto, acabam presos num reformatório.
  • 18
    Encantadora de baleias. A tribo Maori, que vive no leste da Nova Zelândia, acredita ser descendente de Paikea, o domador de baleias. Segundo a lenda, há milhares de anos a canoa de Paikea virou em cima de uma baleia e ele, cavalgando-a, liderou seu povo até um local para viver. A tradição da tribo Maori diz que o primeiro filho do chefe da tribo seria considerado descendente de Paikea e líder espiritual do povo. Porém, após a morte do atual líder, quem assume o posto é sua irmã, Pai, uma garota de apenas 11 anos. Apesar de ser amada por todos da tribo, Pai enfrenta a resistência de seu avô, Koro, que insiste na manutenção da antiga tradição de que o chefe da tribo deve ser um homem.
  • 19
    O balão vermelho. Pascal é um garoto solitário nas ruas de Paris. Encontra um balão vermelho amarrado a um poste de iluminação. Ao "libertar" o balão de sua prisão, ganha sua estima e lealdade, e o bojudo amigo passa a segui-lo por Paris, por bondes, escolas, becos e avenidas. Professores, parentes e amigos tentar tirar o balão do garoto, mas ambos fogem, e inventam planos para enganar a todos, como se fossem velhos amigos.
  • 20
    O garoto. O garoto, lançado em 1921, conta a história de uma mãe solteira que, pela impossibilidade de poder criar o filho recém-nascido, deixa-o em um banco de um automóvel para que alguém o ache e cuide dele. Porém, o automóvel é roubado e os ladrões abandonam o bebê em uma viela. O vagabundo Carlitos encontra a criança e tenta, primeiramente, livrar-se dela, mas não consegue devido a circunstâncias adversas. Com isso, passa a criar o bebê. Paralelamente, a mãe do bebê se arrepende e começa a procurá-lo, até que descobre que o carro foi roubado e que nunca mais irá encontrar seu filho.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      Jan 2008
    • Recebido
      Out 2007
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