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Editorial

EDITORIAL

No capítulo introdutório do livro Jogos de escalas: a experiência da microanálise, o historiador francês Jacques Revel, baseado em estudos realizados por pesquisadores italianos agrupados em torno da microistória, argumenta que a realidade social não é a mesma quando se muda a escala de observação. Assim, fenômenos que estamos habituados a pensar em termos globais, como o crescimento do Estado, podem ser lidos em termos completamente diferentes quando, por exemplo, a lente do pesquisador se desloca para o cotidiano ou para trajetórias de grupos específicos, famílias e indivíduos. Neste número, a Revista Brasileira de Educação traz artigos que, em sua maioria, embora ancorados em abordagens diversas e tematizando diferentes objetos, analisam os fenômenos educativos a partir de uma perspectiva predominantemente macroanalítica.

Nessa direção, encontramos, em primeiro lugar, os trabalhos que enfocam as políticas públicas de educação. No artigo que abre esta edição, "Do discurso e das condicionalidades do Banco Mundial, a educação superior emerge terciária", Raquel Goulart Barreto e Roberto Leher examinam os discursos recentes do Banco Mundial sobre a educação superior. Também baseado na análise de documentos, Sebastián Donoso Díaz, no segundo artigo do número, "El perfeccionamiento docente em Chile (1990-2007): ¿Estado versus mercado?", analisa as políticas de formação de professores no Chile a partir dos anos de 1990, com a volta da democracia ao país.

Ainda privilegiando um enfoque macroanalítico, temos os artigos que tomam como objeto de análise as múltiplas redes de ensino e aprendizagem que (se) constituem (em) uma determinada sociedade: Thaís Nivia de Lima Fonseca, em "Instrução e assistência na capitania de Minas Gerais: das ações das câmaras às escolas para meninos pobres (1750-1814)", a partir da análise do caso de Minas Gerais, mostra como se davam os múltiplos processos de aprendizagem e instrução na sociedade colonial, marcada pela mestiçagem e pela heterogeneidade. Ainda em uma abordagem histórica, Cynthia Greive Veiga, em "Escola pública para os negros e os pobres no Brasil: uma invenção imperial", busca demonstrar a tese de que, na escola imperial brasileira, ao contrário do que a historiografia tradicional da educação por tanto tempo afirmou, havia uma grande presença de alunos pobres e negros. Marcio da Costa, por sua vez, analisa, na contemporaneidade e pelo enfoque sociológico, o sistema escolar: baseado em surveys aplicados em seis escolas, seu artigo, "Prestígio e hierarquia escolar; estudo de caso sobre diferenças entre escolas em uma rede municipal", apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo analisar as hierarquias de prestígio escolar que são constituídas (e, ao mesmo tempo, constituem) escolas de uma mesma rede de ensino.

Em menor número, encontram-se aqueles artigos que se detêm sobre trajetórias de grupos específicos, por meio da reconstrução de memórias individuais e coletivas. O artigo de Petrônio Domingues, "Um 'Templo de Luz': Frente Negra Brasileira (1931-1937) e a questão da educação", como o próprio título já exprime, analisa as discussões sobre educação realizadas pela Frente Negra Brasileira, no período 1931-1937, reconstruindo a memória coletiva de um grupo étnico-racial particular. Além disso, Margarida Louro Felgueiras, em "A história da educação na relação com os saberes histórico e pedagógico", parte de suas memórias como aluna e professora para reconstruir a formação do campo da história da educação em Portugal, situado, como a autora afirma, entre os saberes pedagógicos e históricos. É também com base em memórias individuais, reelaboradas em depoimentos orais, que Fernanda Wanderer e Gelsa Knijnik, no artigo "Discursos produzidos por colonos do sul do país sobre a matemática e a escola de seu tempo", analisam o lugar da matemática na formação de um grupo social, étnico e cultural específico. Memórias de alunos também são também a matéria-prima da reflexão realizada por Maria Inês Petrucci Rosa e Tacita Ansanello Ramos. Em "Memórias e odores: experiências curriculares na formação docente", as autoras analisam as repercussões de uma experiência de estágio supervisionado em que os licenciandos voltaram às escolas em que estudaram e, a partir da emergência de lembranças diversas, reelaboraram o lugar de professores.

Por fim, a Revista Brasileira de Educação ainda publica, neste número, outros dois artigos que trazem reflexões de caráter predominantemente teórico. Em "Rebeldia e democracia na escola", Reinaldo Matias Fleuri retoma a discussão realizada por Michel Foucault sobre as relações disciplinares de poder e, baseado em Paulo Freire e Célestin Freinet, discute possíveis alternativas para promover processos criativos e de resistência a essas relações na educação escolar. Também Juares da Silva Thiesen, em "A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem", a partir de diversos autores, discute a trajetória do conceito de interdisciplinaridade e suas potencialidades para repensar a educação na contemporaneidade.

Como ocorre em todos os seus números, são publicadas, ainda, resenhas de leitura que certamente são de interesse dos diferentes profissionais que atuam na área de educação. Esperamos, portanto, que a presente edição da Revista Brasileira de Educação continue a instigar criticamente nossos leitores a, por um lado, realizar novos estudos e pesquisas que contribuam para o avanço do conhecimento no campo e, por outro, provocar mudanças mais concretas em nossa realidade educacional.

A Comissão Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2009
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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