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Evolution’s First Philosopher: John Dewey and the Continuity of Nature

RESENHAS

José Claudio Morelli Matos

Doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo, professor de filosofia da educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. E-mail: doutortodd@gmail.com

POPP, Jerome. Evolution's First Philosopher – John Dewey and the Continuity of Nature. Albany: State University of New York Press, 2007, 155 p.

Uma concepção darwiniana da filosofia de Dewey

O naturalismo filosófico é hoje uma corrente de pensamento com manifestações tão diversificadas que seria difícil tentar fazer dele uma caracterização válida para todas as suas variantes. No sentido que o termo "naturalismo" assumiu entre os pensadores do século XX, ele significa a consideração de que o método experimental oferece uma adequada descrição da natureza. Esta, por sua vez, constitui a totalidade do que pode ser objeto da investigação. Assim, o naturalismo aproxima a filosofia e as ciências naturais, tanto em resultados como em métodos de investigação. Nas origens dessa atitude, encontra-se o filósofo americano John Dewey. A maioria dos comentários sobre Dewey refere-se em significativa medida aos temas educacionais em seu pensamento. Mesmo assim, Dewey é autor de trabalhos relevantes em diversos outros domínios filosóficos, como a estética, a política e a teoria do conhecimento. Partindo de consideração ampla da obra de Dewey, Jerome Popp apresenta uma leitura bastante peculiar de sua filosofia, procurando mostrar como essa obra assenta suas bases em uma visão darwiniana da vida e suas consequências. Popp argumenta em favor da tese de que Dewey foi pioneiro ao basear-se em uma profunda consideração da teoria evolutiva. Esse professor da Universidade do Sul de Illinois desenvolve seu comentário em termos de heranças biológicas que se desenvolvem para formar as capacidades e traços distintivos do ser humano e dos efeitos da seleção natural no indivíduo e na cultura.

Segundo Popp, certa concepção, denominada por ele de "ultranaturalismo" é tomada como pressuposto que dá sentido às diversas teses filosóficas de Dewey. Em suas palavras, "John Dewey foi o primeiro filósofo a ver na tese de Darwin a base para desenvolver uma teoria naturalista do significado, incluindo uma teoria naturalizada dos valores" (Popp, 2007, p. xi). E sendo o primeiro, ainda assim pode ser situado no conjunto dos pensadores que, contemporaneamente, se declaram naturalistas nesse sentido. Entre esses pensadores, o autor destaca Daniel Dennett, cujo parentesco intelectual com a obra de Dewey é um aspecto que Popp infatigavelmente aponta ao longo de todo o seu livro.

Esse parentesco entre Dewey e Dennett é o caso mais explícito da tentativa de Popp em enfatizar a relevância do darwinismo em Dewey no contexto contemporâneo. Alguém poderia conceituar o livro como uma leitura comparada entre a filosofia de Dewey e a de Dennett, o que de fato ele é. Mas, para lhe fazer justiça, tem-se que admitir que, embora haja, sobretudo na primeira parte, algumas exposições muito gerais que levam o leitor a sentir falta de mais explicação, o livro de Popp consegue ser mais do que isso. É o desenvolvimento de um foco bastante específico, que recebeu relativamente pouca atenção na tradição de estudo e comentário de Dewey: o foco em sua aceitação da teoria darwiniana da evolução e como isso o situa em relação aos outros filósofos mais recentes, adeptos da seleção natural.

A primeira parte do livro, "A teoria da evolução", concentra-se em uma explicação naturalista da consciência e dos poderes mentais, chamando a atenção para a compatibilidade entre essa explicação e as concepções mantidas por Dewey. Popp dá-se ao trabalho de explicar detalhadamente o processo evolutivo resultante do mecanismo de seleção natural, a moderna teoria sintética da evolução e a complexa capacidade de processamento de informação do cérebro.

Quanto a Dewey, a inteligência, ou mais especificamente a possibilidade de crescimento da experiência, por meio do pensamento reflexivo, é considerada um processo social. A seleção natural, ao atuar sobre os seres humanos, favoreceu as populações de hominídeos que apresentavam instinto para a criação de laços sociais. Então, a modelagem natural do aparelho cognitivo e dos impulsos para a conduta social possui origem natural. Dissolver a tradicional distinção entre natureza e artifício, entre nature e nurture – por assim dizer –, em favor da postulação de um princípio de continuidade da natureza é o aspecto mais original e mais marcante encontrado por Popp no pensamento de Dewey.

 Na segunda parte, "Moralidade naturalizada", Popp investe mais vigorosamente na análise específica do pensamento de Dewey. O mais destacado nessa parte do livro é que ele considera que Dewey – tendo consciência do efeito conceitual da revolução darwiniana – afirma que a visão naturalista dá origem a uma escala de valores éticos, em que o crescimento é o valor "absoluto", uma vez que, no conjunto dos argumentos por ele analisados, o crescimento não vem a ser meio para nenhum outro fim acima dele.

Popp avança a tese de que, ao contrário do que certa corrente de interpretação defende, não são os valores da democracia que Dewey situa como fins maiores da ação socialmente estruturada; o fim maior é o próprio crescimento. Ele refere-se ao crescimento de uma habilidade pela qual o ser humano supera os parâmetros estabelecidos pela evolução biológica: trata-se do crescimento do pensamento reflexivo, ou da mentalidade, ou da inteligência. A democracia é considerada mais do que uma forma de governo. "Democracia", tal como Dewey utiliza o termo, parece referir-se a um esquema, ou horizonte moral, segundo o qual as relações sociais se realizam de tal forma que permitem interações entre os indivíduos, entre seus interesses comuns e seus objetivos e meios, de modo que garanta o maior crescimento possível da experiência humana. Ela é uma forma evolutiva de se conduzir na vida social, porque permite a constante reconstrução da própria experiência.

O capítulo final, "Evolução e liberalismo", tem provavelmente a missão mais ousada do conjunto: defende que as concepções políticas de Dewey resultam de pressupostos darwinianos. Popp enfatiza como a noção de sujeito mantida pelos pensadores liberais da modernidade é estática, abstrata, pré-darwiniana. "Diferentemente do liberal clássico, Dewey não vê os indivíduos como agentes autônomos completos anteriormente à sua interação com a sociedade" (idem, p. 128). Dewey foi capaz de recompor o liberalismo por meio de uma noção dinâmica, experimental, darwiniana do sujeito, no pensamento político.

Por seu constante crescimento, a espécie humana, cujas características foram moldadas seletivamente no longo processo evolutivo, desenvolve a capacidade de estabelecer seus próprios fins e adequar ou estabelecer os meios segundo os quais atingi-los. Por isso, a consciência humana, derivada do processo aleatório e inconsciente de seleção natural, é um dos primeiros resultados desse processo que é capaz de interagir com o próprio processo.

Popp aponta para uma objeção a essa descrição, referindo-se ao regresso infinito do qual Dewey poderia ser acusado, ao naturalizar a ética. Responde a isso com um engenhoso procedimento: afirma que essa objeção é pré-darwiniana; ela compreende o mundo como algo estático, e os processos e mudanças como tendendo a um fechamento, a um fim. Esse modo de compreender as coisas é que dá origem à inquietação dos críticos de Dewey. Mas, ao se compreender o mundo como processo, e a mudança constante como um traço constituinte da realidade, o problema perde seu sentido.

Jerome Popp não está, devido aos métodos que emprega em seu discurso, muito preocupado em comprovar cada uma de suas teses com abundantes evidências textuais. Em contrapartida, há duas qualidades em seu texto que devem ser mencionadas: a) sua erudição acerca da obra de Dewey permite que monte um quadro, no qual passagens e argumentos de diferentes obras se reúnem como elementos de seu comentário. Assim, temos um comentador que não é preso a uma ou outra obra, mas pensa a filosofia de Dewey como um conjunto, em que cada parte desempenha papel para o funcionamento sistemático da totalidade; b) ele relaciona – de modo bastante ousado – autores do século XXI em seus argumentos, fala de Dawkins, Dennett, Ridley como os pensadores darwinistas mais destacados da atualidade e lança mão de conceitos e terminologia desses autores, para "atualizar" a leitura de Dewey nos termos que propõe: do "primeiro filósofo da evolução". A própria divisão do livro em seções, com revisões ao fim de cada capítulo e indicações de leitura, faz parte de um modo de filosofar que tenta esclarecer e auxiliar o caminho do leitor através do texto, bem próprio de autores americanos como Dewey e Dennett.

Essa erudição – que algumas vezes se ressente da falta de referências mais específicas – e esse contraste com o cenário atual do pensamento de inspiração darwiniana é que permitem a Popp atingir os resultados por ele pretendidos. Mostra Dewey como um pensador sistemático, profundo, que dá importância a uma descrição da natureza (nela incluindo o homem, a sociedade, a mente e a cultura) produzida pela investigação científica, principalmente pela obra de Darwin. Tal descrição tem um efeito irreversível, porque altera o modo como se pensa acerca de que tipo de mundo é este e de que tipo de criaturas são estas que tentam descrevê-lo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2010
  • Data do Fascículo
    Abr 2010
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