Acessibilidade / Reportar erro

SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. 224p.

SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Tradução de. Ribeiro, Vera. 2012. Contraponto, Rio de Janeiro: 224p

A modernidade pôs em cena uma concepção de sujeito disciplinado, subordinado às leis de caráter universal, para "enquadrar" os indivíduos em padrões condizentes com as necessidades de uma sociedade reguladora, para a qual as instituições deveriam criar condições geradoras de subjetividades dóceis.

Nesse contexto, o domínio do conhecimento letrado tornou-se condição para a inserção dos sujeitos nos engendramentos produtivos vigorados pela sociedade industrial. Por causa disso, à instituição escolar cumpria a função de disciplinar, instruir, civilizar e moralizar os indivíduos, preparando-lhes para os postos de trabalho e para a convivência social harmônica, nos moldes da legislação do Estado democrático de direito.

Buscava-se, nessa conjuntura, a consolidação de instituições capazes de formar cidadãos para a convivência produtiva em uma sociedade que valorizava o conhecimento letrado e os modos de produção industriais, em que a razão científica deveria se sobrepujar às emoções humanas. Assim, a escola exercia papel de grande relevância, pois fora a instituição pensada para − além de instruir − civilizar, moralizar e disciplinar os indivíduos.

No entanto, a trajetória humana na Terra não é estática. Ela experimenta fluxos de desenvolvimento que proporcionam transformações significativas e profundas nos modos de ser e viver. Por essa razão, durante o século XX, a sociedade ocidental passou por mudanças que abalaram alguns dos pilares erguidos pela modernidade, o que gerou, além de novas subjetividades, inéditas configurações sociais, a ponto de vivenciarmos, na contemporaneidade, não mais uma sociedade do conhecimento, e sim da informação.

Se a sociedade do conhecimento tinha na disciplina um exercício do poder privilegiado, para adequar os sujeitos às expectativas sociopolíticas, culturais e ideológicas da época, a sociedade da informação (marca inconteste de nossa contemporaneidade) tem no controle o seu mecanismo de poder de maior destaque. Por essa razão, os aparatos disciplinares cedem espaço para as tecnologias de controle, que tornam quase tudo visível aos olhos de todos.

É por meio dessa análise histórica – de viés antropológico e genealógico − que Paula Sibilia (2012) aborda os desafios, os problemas e as expectativas da instituição escolar em tempos de dispersão. Ao analisar a crise da escola contemporânea, Sibilia foge do óbvio e apresenta-nos argumentos sobre "algumas tendências próprias de nossa era" (idem, p. 9), construídos à luz de interpretações crítico-reflexivas sobre os eventos que suscitaram transformações relevantes nas configurações sociais, políticas, econômicas e culturais das sociedades.

Esse significativo aporte teórico sobre os movimentos sociais, históricos, políticos, econômicos, tecnológicos e ideológicos, que se entretecem nos espaços escolares da contemporaneidade, está reunido no livro Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão, no qual Paula Sibilia, pesquisadora e ensaísta argentina, residente na cidade do Rio de Janeiro, analisa os fatores que resultaram na crise da escola.

Essa contextualização garante uma abordagem crítica dos processos que impuseram a onipresença digital de nosso tempo, evitando, dessa maneira, o discurso raso que culpa as tecnologias da informação e da comunicação pelo desinteresse dos jovens pela escola. A abordagem ensaísta sobre a crise da escola é feita por meio da apresentação de argumentos que são desenvolvidos em catorze capítulos, precedidos por uma introdução – "Para que serve a escola?" – cuja função é a de suscitar reflexões acerca dos tipos de corpos e subjetividades que a sociedade contemporânea deseja forjar e de que maneira isso afeta nossas instituições escolares.

Nos três primeiros capítulos − "O colégio como tecnologia de época", "O molde escolar e a maquinaria industrial" e "Educar o soberano disciplinando os selvagens" −, Sibilia (idem) analisa as ambições da sociedade industrial moderna que estabeleceram os princípios edificantes da instituição escolar, especificando-a como instrumento a serviço da manutenção de ideologias e poder, que se alinhava às necessidades de formação de mão de obra para a indústria emergente no continente europeu.

As dissonâncias entre as disposições modernas que geraram a escola e as características contemporâneas que deflagraram sua crise são analisadas nos três capítulos subsequentes: "Os incompatíveis: outros tipos de corpos e subjetividades", "O desmoronamento do sonho letrado: inquietação, evasão e zapping" e "As subjetividades midiáticas querem se divertir". Dessa maneira, Sibilia (idem) apresenta-nos as razões sociais e históricas que suscitaram tempos e sujeitos de dispersão, que não se conformam à tradicional instituição escolar, forjada na modernidade.

A fim de analisar as transformações pelas quais passam os agentes escolares nesses novos tempos, Sibilia (idem) dedica a maior parte de seu livro ao desenvolvimento de argumentos, que se complementam em oito capítulos, analisando a transformação da escola em tempos de dispersão, quando a lógica mercadológica influencia os hábitos de consumo dos cidadãos, suas ontologias, meios de controle e os ambientes em que desenvolvem suas práticas educativas.

Entre o sétimo e o nono capítulos, a autora discute as transformações que as leis do mercado e o seu consequente estilo de vida mercadológico imprimem às subjetividades do aluno, da criança e do profissional da educação. Assim, evidencia que as escolas tornaram-se empresas nas quais as normas de convivência precisam ser sempre (re)negociadas. Em razão disso, os alunos de hoje já não mais aceitam passivamente o saber emitido pela voz do professor; eles querem expressar suas opiniões, o que exige negociação constante e abala os papéis de professor e de aluno desenhados na modernidade.

Quando a cultura mercadológica "invade" os ambientes escolares, promove ressignificações em instrumentos disciplinares imprescindíveis à escola burguesa. Nesses termos, a advertência oral pode ser confundida com bullying, e as normas morais, outrora usadas para docilizar e conter a violência, cedem lugar à blindagem policial. Esse é o debate proposto por Sibilia (idem) nos capítulos de números dez e onze.

No antepenúltimo capítulo do livro, "Do quadro-negro às telas: a conexão contra o confinamento", a autora sugere que na contemporaneidade há uma nova instância exemplar que vem substituindo a ultrapassada hierarquia disciplinar da escola burguesa. São as conexões estabelecidas por meio dos novos aparatos tecnológicos que materializam as aspirações de uma sociedade que se acostumou a viver em rede. O capítulo seguinte, intitulado "Salas de aula informatizadas e conectadas: muros para quê?", aponta que as novas subjetividades forjadas em sintonia com os inúmeros aparatos tecnológicos dos nossos tempos não se habituam ao confinamento; daí, talvez seja mais relevante, em termos educativos, aproveitar as possibilidades de conexão atualmente existentes que tentar submeter essas subjetividades à rigidez do confinamento.

Diante da evidência de tantas transformações, que certamente abalam convicções "tradicionais" do aparato escolar, Sibilia (idem, p. 199) propõe, no último capítulo, a seguinte reflexão: "Resistir ao confinamento ou sobreviver à rede?". Nesse trecho do livro, a autora enfatiza que não é somente a escola que vivencia uma crise nesses tempos de dispersão, mas também todas as instituições pan-ópticas, como a prisão e o hospital, já que nos novos tempos pululam incompatibilidades entre corpos e subjetividades fluidas e os arcaicos dispositivos disciplinares que privilegiavam a reclusão, o confinamento e a concentração como forma de exercício da autoridade e do poder. Por isso, sugere a dispersão como marca da contemporaneidade, como mecanismo de sublevação das normas disciplinares, o que nos leva não mais a resistir ao confinamento, e sim a apreciar a sobrevivência em rede.

No trecho final de seu excelente livro, Sibilia (idem, p. 207) confidencia-nos uma proposição − certamente de difícil consolidação, mas da qual não nos podemos abster −: é preciso "inventar novas armas". Com esse título, a autora nos apresenta uma breve e esclarecedora conclusão propondo que as novas subjetividades que emergem nesses novos tempos, bem como seus dilemas éticos, estéticos e as inéditas maneiras de convivência, de ensino e de aprendizagem que elas requerem, não devem ser encaradas como aspectos que exigem o abandono da escola como instituição formadora, tampouco se deve buscar retrocessos para restaurar o que já não faz mais sentido. Por isso, as tecnologias não podem ser concebidas como garantidoras da excelência escolar, mas sim como "espaços de encontro e diálogo" (idem, p. 211).

Se conseguirmos concretizar essa tarefa, talvez possamos, então, acionar os novos aparatos tecnológicos para buscar meios e construir alternativas que nos possibilitem superar a crise pela qual passa a escola nesses tempos de dispersão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    Ago 2013
  • Aceito
    Dez 2013
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br