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EDITORIAL

Como aprendemos?" Essa tem sido uma inquietante questão para educadores, filósofos, psicólogos, antropólogos, sociólogos e neurologistas que se propõem a compreender e explicar processos cognitivos, sociais e afetivos envolvidos nessa essencial experiência do humano. E, se a natureza e a diversidade desses processos são amplamente estudadas pelas mais diferentes abordagens, é porque incidem direta ou indiretamente sobre comportamentos, hábitos, crenças e valores com inegáveis repercussões sociais e históricas.

No primeiro artigo deste número da Revista Brasileira de Educação (RBE), Christoph Wulf, da Freie Universität Berlin, articula antropologia e filosofia por uma instigante perspectiva. Em seu texto, intitulado "Aprendizagem cultural e mimese: jogos, rituais e gestos", o autor defende que a capacidade humana de agir em sociedade é adquirida por mimetismo, mediante diferentes processos culturais de aprendizagem, presentes nos jogos, rituais e gestos. Assim, tomada em seu sentido amplo, "a aprendizagem cultural é aprendizagem mimética". A mimese é primeiramente analisada de um ponto de vista histórico e filosófico e, em seguida, discutida a partir do exemplo de um ritual do cotidiano que expressa a aprendizagem do saber prático nos processos miméticos.

Seguem-se, assim, três artigos em que a aprendizagem está relacionada à avaliação. O texto "Caracterização da avaliação da aprendizagem nas salas de recursos multifuncionais para alunos com deficiência intelectual", de Alexandra Ayach Anache e Dannielly Araújo Rosado Resende, apresenta uma minuciosa descrição dos processos, critérios e contingências da avaliação de aprendizagem desses alunos. As autoras observam que a avaliação da aprendizagem escolar é tomada como sinônimo de avaliação do desempenho acadêmico e que as dificuldades ou identificação de comportamentos inadequados constituem os critérios para o encaminhamento e a avaliação dos alunos com deficiência intelectual. O artigo "Escala de estratégias e motivação para aprendizagem em ambientes virtuais", de Andrea Carvalho Beluce e Katya Luciane de Oliveira, tem por objetivo apresentar uma escala de estratégia de ensino, de aprendizagem e de motivação em ambientes virtuais. Trata-se de um estudo psicométrico orientado para as especificidades de ambientes virtuais e, como tal, propõe um instrumento de medida e diagnóstico. O próximo texto articula aprendizagem e avaliação, "Prevenção e remediação das dificuldades de aprendizagem: adaptação do modelo de resposta à intervenção em uma amostra brasileira", no qual Roselaine Pontes de Almeida, Carolina Julien Mattar de Toledo Piza, Thiago da Silva Gusmão Cardoso e Mônica Carolina Miranda questionam programas baseados na resposta à intervenção (RTI) e discutem resultados de uma pesquisa que tem por finalidade adaptar esse modelo de "prevenção e remediação das dificuldades de aprendizagem" ao contexto brasileiro como uma alternativa para a avaliação e intervenção com alunos com essas necessidades.

O artigo de Fernando Augusto Treptow Brod e Sheyla Costa Rodrigues, "O conversar como estratégia de formação contínua na tutoria da educação profissional a distância", trata da mediação pedagógica do tutor em cursos a distância da Rede e-Tec. A pesquisa constatou a necessidade de maior interação entre professores tutores e professores pesquisadores, assim como de aprofundamento da discussão sobre a atuação da tutoria. Diante desses resultados, os autores sugerem a normatização de uma rede de conversação colaborativa entre professores tutores e professores pesquisadores como proposta de formação contínua.

Um segundo conjunto de cinco artigos contempla, por sua vez, a educação superior. O primeiro artigo desse conjunto, "Responsabilidade social da educação superior: mapeamento e tendências temáticas da produção científica brasileira (1990-2011)", de Adolfo Ignacio Calderón, Cleber Fernando Gomes e Regilson Maciel Borges, apresenta um estado da arte da produção científica sobre a responsabilidade social da educação superior (RSES) com base em teses e dissertações defendidas no Brasil em diferentes áreas, no período de 1990 a 2011. O artigo discorre sobre os três eixos temáticos identificados: gestão universitária, aspectos teórico-conceituais e normativos e formação universitária. Ao constatar que a temática é mais estudada nos programas de pós-graduação stricto sensu em administração, os autores sugerem algumas hipóteses para elucidar uma menor incidência em educação. O segundo artigo, "Docência em mestrado profissional: registros de percepções e práticas em (re)construção", de Marlise Heemann Grassi, Miriam Ines Marchi, Rogério José Schuck e Silvana Neumann Martins, trata das "realidades epistemológicas, as competências, as habilidades e as perspectivas de professores do mestrado profissional em ensino de ciências e matemática", descrevendo e discutindo as concepções relativas a vários aspectos da atuação como docentes nessa modalidade de mestrado.

O terceiro artigo, de autoria de Adair Mendes Nacarato, já em seu título questiona "A parceria universidade-escola: utopia ou possibilidade de formação continuada no âmbito das políticas públicas?". O texto aborda a formação docente e as políticas públicas voltadas para os programas de formação propostos pelo Ministério da Educação (MEC). Considera constructos teóricos elaborados nas últimas décadas pela pesquisa educacional e o modo pelo qual estes têm sido apropriados e ressignificados pelas políticas públicas, para em seguida apresentar resultados de uma pesquisa realizada no âmbito do programa Observatório da Educação (OBEDUC), na qual acena para a possibilidade de uma parceria universidade-escola que estimule a reflexão e a crítica dos professores sobre essas políticas públicas. Nelson Cardoso Amaral, no quarto artigo, "A educação superior brasileira: dilemas, desafios e comparações com os países da OCDE e do BRICS", analisa vários indicadores do contexto brasileiro - privatização, taxas líquidas e brutas de escolarização, limites socioeconômicos à expansão tanto pública quanto privada, relação candidatos/vagas, vagas não preenchidas - e os compara aos indicadores de diversos países-membros da OCDE e do BRICS. Constata os grandes desafios que o Brasil deve enfrentar para que possa atingir os parâmetros da OCDE e sugere algumas condições necessárias para torná-los possíveis. Esse conjunto de artigos sobre educação superior se encerra com o artigo de María Luisa Castro Estrada, María José Rodriguez Rejas e Emiliano Urteaga Urías, "Abrir las aulas: el vínculo entre docencia, investigación y vinculación comunitaria", que relata uma experiência de trabalho na Universidad Autónoma de la Ciudad de México, integrada por professores e estudantes. O objetivo dos autores é apresentar sua concepção de aula aberta: "um vínculo entre formação, investigação e cooperação comunitária". A estratégia de abertura das aulas tem dois eixos principais: a interdisciplinaridade e a cooperação comunitária. O artigo considera, ainda, as possibilidades de investigação e transformação dos espaços urbanos e nos convida a repensar o sentido da universidade na atualidade com base na concepção de aula aberta.

O último artigo deste número, "Ética na pesquisa com crianças: ausências e desafios", de Natália Fernandes, analisa essa importante questão para pesquisadores que se dedicam ao estudo de crianças. Dialogando com a sociologia da infância, o artigo discorre sobre vários aspectos relacionados a essa temática. Para tanto, apresenta um levantamento do debate sobre o assunto na área e lembra alguns desafios a serem enfrentados para tornar possível "uma ética viável" na investigação com crianças. Assinala que isso implica pensar, entre outras, as questões do poder que se estabelecem entre adultos e crianças, as hierarquias protocolares e sua contribuição para a invisibilidade epistemológica das crianças nas pesquisas e a forma como se preserva a autoria de crianças e de adultos na análise, interpretação e produção dos dados.

Na seção Resenha, Maria Cecília Mollica comenta a coletânea Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito, organizada por Stella Maris Bortoni-Ricardo e Veruska Ribeiro Machado, cujos capítulos retratam alguns dos numerosos obstáculos enfrentados pela educação escolar, em particular os que se referem aos processos de aprendizagem e ensino da leitura e da escrita.

Nesta edição da RBE, que destacou temáticas como aprendizagem, educação superior e ética na pesquisa, é reiterada a preocupação da revista em contribuir para a divulgação das investigações da área, acolhendo distintas abordagens e perspectivas de análise. Expressa com isso seu permanente esforço para a consolidação e o aprofundamento de questões candentes da realidade educacional brasileira, entre elas a (recente) institucionalização de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), valendo-se da qualificação do debate cada vez mais necessário. Em 2015, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Associação Brasileira de Currículo (ABdC) manifestaram, por meio de uma Exposição de Motivos, suas profundas divergências com relação à proposta da BNCC, apresentada à consulta pública. Para as associações signatárias, os conceitos de currículo, avaliação, direitos do estudante à aprendizagem e de trabalho do professor que fundamentam a BNCC não garantem a valorização e o direito à diversidade, contrariando os interesses de uma escola pública universal, gratuita, laica e de qualidade para todos. Nesse contexto, as discussões travadas sobre essa questão demonstram quão significativas têm sido as contribuições da pesquisa educacional para a fundamentação do debate e para a crítica dos rumos da educação no país.

Por fim, cabe o registro de que o presente número marca a transição na editoria da RBE. Carlos Eduardo Vieira conclui seu período de seis anos de trabalho, sendo três deles como editor de seção (2010-2013) e três como editor (2013-2016). Antonio Carlos Amorim conclui seu mandado como editor de seção (2013-2016) e assume, a partir deste número, a posição de editor da RBE. Assim, desejamos registrar o reconhecimento ao trabalho do editor que deixa a RBE e saudar o novo editor, que tem pela frente o desafio de manter a RBE como uma das referências da divulgação e da circulação da pesquisa educacional.

Com a expectativa de que este número contribua para subsidiar novos estudos e embates na área, desejamos boa leitura a todos!

Rio de Janeiro, julho de 2016

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
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