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O educador: um perfil de Paulo Freire

HADDAD, S.. O educador: um perfil de Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2019. 256p.

Paulo Freire, educador brasileiro internacionalmente reconhecido, está marcado na história da educação do país. Nos últimos anos, sua memória tem sido evocada por meio de discursos - contrários e favoráveis - que voltaram à tona relacionados especialmente a acontecimentos políticos. Nesse contexto que “re-clama” Paulo Freire, Sérgio Haddad buscou escrever um perfil biográfico para que o educador pudesse ser mais bem conhecido sem que sua história estivesse carregada de discursos ideológicos.

O autor possui graduação em economia e pedagogia, mestrado e doutorado em história e sociologia da educação. É professor, pesquisador e ativista social. Estudioso da obra de Paulo Freire - um dos mais importantes -, Haddad também toma como motivação para a escrita o interesse em dedicar-se profundamente a estudar o educador para além do que já conhecia.

O educador: um perfil de Paulo FreireHADDAD, S. O educador: um perfil de Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2019. 256p. tem 256 páginas divididas em 13 capítulos, além de apresentação, referências bibliográficas, lista de pessoas e créditos das imagens. Vale aqui um adendo para explicar que a nominada “lista de pessoas” indica breves dados biográficos e profissionais de algumas das personalidades citadas no decorrer da obra.

O livro traça a trajetória de Freire de seu nascimento ao falecimento, com a maior parte das informações em ordem cronológica. O primeiro capítulo é deslocado dessa ordem, mencionando um fato histórico que mudou a vida do educador. “Um criptocomunista encapuçado sob a forma de alfabetizador” inicia o perfil biográfico de Freire, comentando acerca dos acontecimentos e das críticas expressas sobre o educador e seu método de alfabetização quando da instalação dos militares no poder em abril de 1964. O autor explica que Freire, nos meses seguintes ao Golpe Militar, passou por intimações e prisões, o que resultou em sua busca por exílio fora do país, sendo a Bolívia o seu primeiro destino.

O segundo capítulo aborda a história de vida de Freire desde a infância, a convivência com a família, as mudanças que marcaram sua vida, as escolas nas quais estudou e o início de sua atuação profissional como professor, indicando como cada uma de suas vivências foi importante na construção do pensamento do educador. No exercício da docência, conheceu “Elza Maia Costa de Oliveira”, uma professora que veio a ser sua esposa e dá título ao capítulo. Relatos sobre Elza e sobre o início da vida do casal juntos encerram o capítulo.

O terceiro capítulo, “A dureza da vida não deixa muito para escolher”, aborda o início de seu trabalho no Serviço Social da Indústria (SESI), no qual Freire transformou sua compreensão de educação, mantendo uma prática dialógica e democrática. O capítulo narra sobre a constituição e as atividades da família de Freire, assim como sua atuação na Universidade do Recife, onde também defendeu a tese intitulada Educação e atualidade brasileiraFREIRE, P. Educação e atualidade brasileira. 1959. 141 p. Tese (Concurso para a Cadeira de História e Educação) ― Escola de Belas Artes de Pernambuco, Recife, 1959. Disponível em: Disponível em: http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/handle/7891/1976 . Acesso em: 1 out. 2019.
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O capítulo 4, “Uma enorme lata de Nescau”, introduz as ideias centrais da tese de Freire, o contexto no qual foi escrita e alguns referenciais. Relata como as experiências de Freire com atividades do Movimento de Cultura Popular e com a família auxiliaram o educador a pensar sobre a educação e sobre o que veio a ser o Método Paulo Freire para a Alfabetização.

“Hoje já não somos massa, estamos sendo povo” é o título do capítulo 5, que segue explanando sobre o contexto do início dos anos de 1960, que fora permeado por mobilizações populares, a partir das quais o Método Paulo Freire foi sendo cada vez mais utilizado e difundido. A experiência realizada em Angicos, Rio Grande do Norte, é explicada no capítulo com detalhes importantes do processo de sua organização. A aproximação de Freire e seu método com o Governo João Goulart, por meio do Programa Nacional de Alfabetização, e o término do programa com a tomada de poder pelos militares finalizam o capítulo.

O sexto capítulo, “Viva o oxigênio!”, relata sobre a vida de Freire no exílio. Em continuidade ao que foi apresentado no capítulo 1, segue a explanação acerca da ida de Freire para a Bolívia, suas primeiras vivências, os problemas lá experienciados e a nova busca por abrigo no Chile. A família pôde juntar-se a Freire nesse país, onde o educador trabalhou em uma campanha nacional de alfabetização que levaria em consideração a metodologia organizada por ele anteriormente.

O capítulo 7, “Ninguém educa ninguém”, comenta sobre a produção intelectual de Freire no exílio, iniciada com Educação como prática da liberdadeFREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000b., obra seguida de outros textos escritos com base em suas experiências práticas. A partir dessas experiências práticas e de interlocuções com pessoas próximas, consolidaram-se as ideias de Pedagogia do oprimidoFREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2005., que são contadas no capítulo apresentando o processo de escrita do livro. Ainda é explicada a passagem de Freire pelos Estados Unidos, dando aulas em Harvard, até sua ida à Suíça para trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas (CMI).

No capítulo 8, “Uma caixa de Sonho de Valsa”, Sérgio Haddad continua a versar sobre a estada de Freire na Suíça e seu trabalho no CMI. Em meio à enunciação de fatos ligados a esse trabalho e à dedicação de Freire à produção intelectual, o autor também discorre sobre a vida da família e explica que, junto de amigos, Freire e Elza criaram o Instituto de Ação Cultural (IDAC). Foi a partir do IDAC e das ações no CMI que Freire recebeu o convite para trabalhar com a alfabetização na Guiné-Bissau.

O nono capítulo, “África: o limite da utopia”, explora as vivências de Freire, com a equipe do IDAC, na organização das possibilidades para o trabalho que seria desenvolvido inicialmente na Guiné-Bissau e, na sequência, em outros países africanos. O capítulo explica sobre o contexto desses países, seus aspectos educacionais, políticos, linguísticos e culturais, e relata o início das experiências de alfabetização e as dificuldades encontradas para a realização do trabalho.

O décimo capítulo aborda a volta de Freire ao Brasil após 15 anos de exílio. Com o título “As universidades deveriam correr para contratá-lo”, explica que a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) foi onde Freire retomou o trabalho como professor no Brasil, vinculando-se a outras universidades posteriormente. Com a rotina, havia também palestras e encontros aos quais Freire era frequentemente convidado, por diferentes instituições de diversos lugares.

No capítulo 11, “Reaprender o país”, o autor menciona alguns referenciais teóricos e características do pensamento de Freire, além de seus campos de atuação e outras publicações. Relata algumas das críticas dirigidas ao educador em diferentes momentos de sua trajetória, ao lado de contraposições e explicações permeadas pela ideia de que sua teoria e sua prática poderiam ser aperfeiçoadas, ao mesmo tempo em que deveriam ser entendidas de acordo com as limitações históricas de suas construções. O falecimento da primeira esposa, Elza, e o posterior casamento com Nita são lembrados. Para encerrar, fotos de diferentes momentos da vida do educador são expostas, embelezando e enriquecendo o texto.

Na sequência, o capítulo 12, “Nós acreditamos na liberdade”, versa sobre o trabalho de Freire na Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo, em uma gestão permeada pela descentralização, autonomia das escolas e participação da comunidade escolar. Apesar do apoio e da solicitação para permanência no cargo, as críticas em relação ao seu modo de trabalho e pensamento e o desejo de dedicar-se à família, aos livros e às palestras mundo afora fizeram com que Freire se desligasse do cargo 29 meses após ter assumido a pasta.

O último capítulo, “Minhas reuniões com Marx nunca me sugeriram que parasse de ter reuniões com Cristo”, narra sobre a vida de Freire após deixar a Secretaria de Educação, retomando a escrita de livros, entre eles Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativaFREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002., último trabalho lançado pelo educador em vida. Freire também voltou às viagens nacionais e internacionais às quais era convidado, sempre acompanhado da esposa, Nita. Em razão de saúde fragilizada, faleceu em maio de 1997. Freire continuou recebendo prêmios e títulos. Diversas outras homenagens mantiveram (e mantêm) sua memória para além da difusão de seus livros, traduzidos em diversas línguas. No entanto, as críticas também continuaram - no Brasil, especialmente vinculadas às desaprovações aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Com uma citação da obra Pedagogia da indignaçãoFREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2000a., que não pôde ser concluída por Freire em vida, o livro é encerrado. Nela, é explícita a importância da educação (libertadora) na transformação da sociedade e da amorosidade aos seres humanos e ao mundo.

É possível perceber que o livro se inicia e encerra com críticas expressas a Freire durante a vida e também póstumas, mencionadas com explicações ou mesmo contraposições acerca delas, remetendo à intenção de fomentar a reflexão. Por ter esse caráter reflexivo, por ser cuidadoso em seu conteúdo, além de ter sido escrito por um autor que já conhecia a trajetória de Freire e dedicou-se ainda mais para a escrita, o livro ganha importância em meio a outros sobre Freire. Sérgio Haddad afirma que ainda é possível escrever sobre o educador em virtude da riqueza de sua vida, algo que nos faz experienciar ao longo da obra.

Para os que já tiveram contato com a história de Freire, o livro relembra alguns fatos e apresenta outros novos, por meio de novas fontes. Para os que buscam uma introdução, uma encantadora, fluida e consistente leitura, a obra possibilita conhecer aspectos da trajetória de Freire com o zelo que uma biografia necessita. Em ambos os casos, o livro é ponto de reflexão e de construção de novos pontos de vista sobre o educador na atualidade. No atual cenário brasileiro, essa compreensão também engrandece a importância do livro de Sérgio Haddad, que apresenta elementos históricos sem carregar-se de discursos ideológicos.

REFERÊNCIAS

  • FREIRE, P. Educação e atualidade brasileira. 1959. 141 p. Tese (Concurso para a Cadeira de História e Educação) ― Escola de Belas Artes de Pernambuco, Recife, 1959. Disponível em: Disponível em: http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/handle/7891/1976 Acesso em: 1 out. 2019.
    » http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/handle/7891/1976
  • FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2000a.
  • FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000b.
  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
  • FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 2005.
  • HADDAD, S. O educador: um perfil de Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2019. 256p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2019
  • Aceito
    17 Abr 2020
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