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Eliezer Schneider

Eliezer Schneider

O professor Eliezer Schneider concedeu esta entrevista em 23 de outubro de 1996, no Rio de Janeiro, para a profa. Elza Maria do Socorro Dutra (UFRN). Uma vez que o tom imprimido foi mais de uma conversação informal do que de uma entrevista propriamente dita e, em virtude do passamento do prof. Schneider, Estudos de Psicologia solicitou à profa. Ana Maria Jacó Vilela (UERJ), coordenadora da pesquisa sobre o prof. Eliezer Schneider para o projeto "Memória Viva da Psicologia", dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, que, além de apresentar a entrevista, revisse e organizasse a transcrição.

Estudos de Psicologia (EP): O senhor foi um dos pioneiros da Psicologia no Rio de Janeiro, juntamente com Antonio Gomes Penna, Nilton Campos...

Eliezer Schneider (ES): O Dr Nilton Campos foi diretor do Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil, que depois passou a ser Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na fase em que eu era estudante da Faculdade de Direito.

EP: A sua primeira formação foi em Direito?

ES: Exato. Tinha interesse pelo saber jurídico, Medicina Legal, Direito Penal. Os professores faziam muita referência, tinham interesse pela Psicologia. São disciplinas que de Medicina tinham muito pouco, eram disciplinas de doutrinas, tipológicas sobretudo, matérias que eram lecionadas pela área de criminologia.

EP: Médicos, naquela época...

ES: Psicólogos; juristas, né. Agora, os médicos da prática psiquiátrica se enfronhavam no que havia de mais recente na Psicologia, havia interesse pela Psicanálise. De modo que o ambiente acadêmico interessado em Psicologia estava ligado à Medicina, Direito e Pedagogia. Os cursos de Educação procuravam se enfronhar em todas as novidades. Lourenço Filho, na área da Psicologia Educacional, era um grande nome. São os educadores do Instituto de Educação que incluíram a cadeira de Psicologia Educacional no currículo e com isto se informavam bastante sobre a matéria. Mas era maré mansa... A Psicologia era estudada superficialmente e não havia uma repercussão junto ao estudantado. As pessoas que se interessavam formavam um plano de estudos, de trabalho limitado e eu acredito que o aparecimento do ISOP dinamizou um pouco o interesse pela Psicologia. O ISOP dinamizou com Mira y Lopez e trouxe interesse pela parte aplicada, pela parte técnica maior. A Fundação Getúlio Vargas na época era sensível aos trabalhos de Psicologia deles, a Psicologia interessava a algumas figuras da liderança, como João Carlos Vidal. Mira y Lopez dinamizou e encontrou resistências. Houve pessoas, como o Murilo Braga, que estava na liderança – era formado em Direito, mas se interessou pela educação – nisso eu sou parecido... Eu estudei Direito, mas comecei a me interessar pela Pedagogia, por Educação (...) em ler os autores americanos...

EP: O senhor chegou a fazer a formação em Educação ou passou direto para a Psicologia?

ES: Eu assistia aulas de Jaime Grabois, diretor do Instituto de Psicologia, cursos livres de Psicologia. Ele tinha herdado o Laboratório da Psicologia Experimental do Engenho de Dentro. Ele, como diretor do Instituto, se voltava mais para a parte experimental. Depois, o Nilton Campos assumiu e a parte experimental do Instituto ficou como uma espécie de museu: cuidado com a aparelhagem do Laboratório de Psicologia Experimental tradicional de Wundt. O Grabois tinha interesse pela parte experimental, o Nilton pela abordagem filosófica.

EP: Ele era médico, não é?

ES: Os dois eram médicos. O Nilton Campos era médico, mas voltado para a Filosofia. O Jaime Grabois era médico voltado para a Psicologia. Esse era o ambiente restrito, mas eu fiz concurso para assistente no Instituto de Psicologia. Era uma época em que através desses concursos os jovens tinham chance de chegar a algum lugar... O DASP patrocinava muitos concursos e eu consegui passar nesse concurso. Os outros candidatos desistiram – e eu que fui o primeiro, fui o único também na ocasião. Mas, entrando no Instituto - que já era da Universidade do Brasil – como assistente de ensino, eu me senti ignorante, porque eu tinha lido muita coisa, mas descobri, à medida que estudava, que tinha muito mais que aprender do que já havia conseguido... E aí eu me interessei por bolsa de estudo; foi quando consegui uma bolsa de estudos nos Estdos Unidos, fui para uma universidade do Midwest. O meio-oeste americano tem universidades estaduais magníficas. Não são tão famosas como Harvard, Yale, Los Angeles, Berkeley, que são grandes universidades ricas. Mas o Midwest tem Minnesota, Wisconsin, Louisiania, Iowa, onde estudei. São impressionantes, pouco conhecidas fora dos Estados Unidos, mas são universidades com recursos, edifícios, prédios... O Departamento de Psicologia ocupava um prédio de seis andares. Iowa era uma cidade universitária que tinha uma biblioteca excelente. Quatro a dez exemplares para cada assunto. Encontrava-se o que se queria estudar na biblioteca. Compravam-se livros alemães... A fartura de livros da biblioteca americana era algo de extraordinário. Não estuda quem não quer, mesmo. E minha experiência americana foi importante, porque o brasileiro estava se tornando gestaltista, psicanalista freudiano e parava por aí.

EP: Eram somente duas correntes principais...

ES: Eram duas correntes. Depois, muita gente começou a se interessar por Piaget.

EP: Mas, qual era a corrente ao qual o senhor se filiou lá?

ES: Quando fui para os Estados Unidos, eu já estava iniciado em Piaget, em Freud – mais Freud que Piaget - em gestaltismo. Eu integrava essas correntes. Eu não fazia uma opção por nenhuma delas. Mas quando cheguei nos Estados Unidos, levei uma surra, um banho de behaviorismo (...) Lá estava Clark Hull, Kenneth Spence, Robert Sears... todos behavioristas, um behaviorismo sofisticado... Eles não repudiavam John Watson, mas foram além de Watson. Estudava-se com o Robert Sears – behaviorista, ex-aluno de Clark Hull na Universidade de Yale. O pessoal de Iowa era oriundo de Yale. O Kenneth Spence se doutorou em Yale, o Sears também. O Sears era um humanista, se interessava muito por antropologia, enquanto as contribuições psicológicas, psicossociais de Margareth Mead, de outros antropólogos. Basta notar que havia um interesse por essas disciplinas vizinhas da Psicologia da Personalidade, de modo que o estudante de Psicologia, motivado, lia muito de Antropologia, lia muito de Tipologia, Kreschmer e biólogos também interessavam muito. Era um curso amplo, de boa abertura. Tinha a Psicologia Experimental, tinha a parte técnica de Estatística, e a parte teórica era muito bem cuidada, sendo que o professor de História da Psicologia era proveniente do Círculo de Viena. Era um filósofo, Gustav Werner, veio para os Estados Unidos fugindo da Europa. E, nos Estados Unidos, ele foi logo apresentado a Einstein, porque ele era matemático e era filósofo, e tinha interesse grande pela Psicologia. Gustav Werner dava História da Psicologia, sistemas psicológicos. Tinha muita cultura. Enquanto que o behaviorsmo estudado e ensinado pelo Kenneth Spence, pelo Robert Sears, era muito enriquecedor. Era um behaviorismo que não se restringia ao laboratório e ao estudo de condicionamento. E aparecia já o Skinner, que era de Harvard; não era meu professor. Mas eu o via em congressos de Psicologia. Em congressos, livros, os artigos de Skinner e das correntes skinnerianas eram leituras necessárias e obrigatórias de todos os estudantes de mestrado, de pós-graduação. Eu me lembro que estranhava a separação entre os behavioristas, Spence liderando uma corrente, o Skinner liderando outra corrente... Então eu perguntei uma vez em aula, qual era a posição do Spence e do Clark Hull diante da obra do Skinner. A obra de Skinner era extraordinária, but he is too empiricist... O Spence tinha interesse pela Psicologia Experimental, mas ele era um teórico. Pena que morreu com 60 anos. Aos 60 anos é que os sábios começam a produzir mais e melhor. Então, a restrição foi apenas ao fato de Skinner ser muito empiricista. O Skinner tinha restrições, uma resistência à teorização. Achava que Clark Hull, o pessoal da Califórnia, Krech e outros mais eram muito teóricos e se empolgavam com a concepção de variáveis intervenientes, de constructos lógicos, que são esboços de teorização elegantes, sofisticados, mas sem grande lastro experimental. Enquanto isso, a corrente de Skinner acumulava experimentos, pesquisas em grande número. De modo que Skinner ficou, permaneceu na Psicologia; Clarke Hull com a sua teoria não ficou tão conhecido, porque era muito sofisticada... Quando eu voltei, senti quase um isolamento aqui.

EP: O senhor voltou behaviorista?

ES: Voltei behaviorista convicto. Apreciava Skinner, achava-o muito criativo, e Hull um teórico brilhante, mas pretendia voar muito alto, pretendia criar uma teoria do comportamento geral, seria assim uma teoria básica da Psicologia científica.

EP: Quando o senhor voltou, se sentiu isolado porque não havia nenhum outro behaviorista?

ES: Não havia ninguém behaviorista, aqui só havia freudianos ou gestaltistas. Lourenço Filho tinha simpatias pelo behaviorismo.

EP: O senhor voltou para o Instituto de Psicologia?

ES: Eu voltei, pois estava pelo Instituto de Psicologia, com bolsa de estudos e o meu lugar (no Instituto) permanecia. Aí o Dutra não nomeou o Grabois como diretor do Instituto. O presidente Eurico Gaspar Dutra cortou o Grabois; ele tinha um irmão que era líder comunista, que foi morto no Araguaia, e parece que devido a isso ele não foi reconduzido ao cargo de diretor do Instituto. Mas aí, o Nilton estava na espera porque, por lei, o diretor de um Instituto universitário é ao mesmo tempo o professor da cadeira. Sempre. No Instituto de Cardiologia, o diretor era catedrático. Ensina a cadeira e dirige o Instituto. Tisiologia era uma cadeira; tinha o Instituto de Tisiologia. A Psicologia estava no prazo, ficou ligada ao departamento de Filosofia. Mas foi o Nilton que me deu uma abertura maior à leitura: o rapaz comprava livros bons e a biblioteca do Instituto era atualizada e tínhamos acesso...

EP: Quem eram os seus colegas naquela época?

ES: O professor (Antonio Gomes) Penna, depois entrou o Edy Maluf, Otávio Soares Leite, Edu Viana Guerra, que era técnico em Educação e foi transferido para o Instituto. Havia essa mobilidade no Serviço Público, como técnico de Educação ele atuava em áreas no estado do Rio vizinhas à capital, mas ele se interessou pela Psicologia do Desenvolvimento. Criamos uma revista de Psicologia, em que se publicava artigos regularmente. O Viana publicou artigos, eu publiquei artigos...

EP: Não eram os Arquivos1 Nota ?

ES: Não, os Arquivos eram do ISOP. O Instituto de Psicologia tinha uma revista, um Boletim de Psicologia. E, para fazermos intercâmbio com outras revistas estrageiras, tivemos de mudar o nome de Boletim para Revista de Psicologia.

EP: Nessa época, ainda não havia sido criado o curso de Psicologia?

ES: Não, (...) o curso de Psicologia foi criado em 1965. Mira y Lopez estava tomando a iniciativa de criar o curso de Psicologia, mas o Nilton Campos estava meio reservado, tinha receio de que o curso de Psicologia fosse atrair o interesse de pessoas improvisadas, despreparadas, tinha medo de charlatães, e por isso, ele resistia a essa iniciativa. Mas a revista do Instituto de Psicologia teve muita saída e o Instituto distribuiu pelas bibliotecas universitárias, por centros de cultura do Exército, da Marinha. Havia interesse da Marinha, do Exército, da Aviação, de modo que eles davam matérias nos cursos de oficiais e recebiam as revistas. As revistam tinham muita repercussão. Nós eramos conhecidos inclusive nos meios militares porque havia muitos militares interessados em Psicologia. Falando assim, sem roteiro, sem plano prévio, talvez te confunda. Mas, usarei um recurso didático: o da repetição.

EP: O professor Penna (que foi entrevistado pela revista Estudos de Psicologia)2 Nota , também se referiu a essa fase de criação do Boletim.

ES: Eu entrei no Instituto de Psicologia em 1940, ele entrou dois ou três anos depois.

EP: E a partir daí, no Instituto de Psicologia, o senhor continuou behaviorista?

ES: Eu continuei, mas um behaviorista de braços abertos. Superei o sectarismo, achei que era uma época da integração e já não tinha mais sentido essa criação de escolas, essa posição mística sectária. "A verdade está na minha escola, no meu mestre, no meu guru...". Estas atitudes causavam uma certa antipatia. Eu achava que era tempo de se aproveitar...

EP: O senhor também se voltou muito para a Psicologia Social, não?

ES: Exato. Eu me interessei muito pela Psicologia Social, Ciências Sociais, Antropologia. Achava a Psicologia Social um campo riquíssimo. Mas era autodidata em Psicologia Social. No Instituto de Psicologia, publicávamos artigos, fazíamos estudos e dávamos aulas no Curso de Psicologia no Departamento de Filosofia, já na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também participávamos do trabalho de seleção. Por exemplo, no concurso para o Instituto Rio Branco, escola de oficiais do Itamaraty; eu participei da Comissão Examinadora do Instituto de Psicologia e do ISOP. Eu também fui do ISOP – acumulava o ISOP ao Instituto de Psicologia. E tivemos um trabalho de seleção importante, que era para candidatos ao curso do Instituto Rio Branco e a experiência foi rica, pois no ISOP, a orientação era do Mira y Lopez e no Instituto de Psicologia era do Nilton Campos. Nilton Campos tinha muita resistência ao Mira y Lopez. Mira y Lopez fez parte, colaborou com o governo republicano na Espanha, que era o governo legal. Muita gente se esquece disso: referem-se a ele como um exilado político, mas ele é que estava com a lei e não o General Francisco Franco. Franco foi um usurpador, invadiu a Espanha com tropas marroquinas e implantou o fascismo, a ditadura contra a democracia que lá se definia. (...) O Mira y Lopez veio para a América do Sul, foi para a Argentina, depois para o Uruguai e aí chegou ao Brasil. Ele era Psicologia Aplicada. O Instituto de Psicologia fazia também uns trabalhos de exame para fins de orientação e classificação de pessoal. Nestes trabalhos, nós fazíamos testes, questionários, testes projetivos, procurávamos traduzir o Weschler-Bellevue, procurávamos fazer alguma coisa. Mas, era mais o ensino e um pouco de pesquisa, também. Eu diria que a criação dos cursos de Psicologia é que revolucionou o ensino e o estudo da Psicologia.

EP: O senhor acompanhou a criação e o desenvolvimento dos cursos de Psicologia no Rio de Janeiro. Como é que o senhor vê a Psicologia de lá para cá?

ES: Eu percebi que o interesse pela Psicanálise aumentou. Há vários centros de preparação e formação freudianos, lacanianos. Pessoas que fizeram cursos no exterior, mas não eram médicos, e queriam exercer a Psicanálise, partiram para os cursos de Psicologia. Os cursos de Psicologia agasalharam muitos candidatos à análise freudiana e lacaniana, porque era uma maneira de eles poderem exercer a profissão de psicoterapeuta sem precisar fazer o exame para Medicina, que era difícil, com muitos candidatos, limite de vagas e as pessoas não tinham preparo. O vestibular.é injusto, porque o candidato tem de saber Física, Química, tem de dominar matérias que ele não vai precisar depois. Nem Física, nem Química, nem Matemática... Portanto, havia resistência de muitos jovens para o vestibular de Medicina com intenções de fazer, depois, psicoterapia.

EP: Um dos pontos, então, foi o crescimento da Psicanálise?

ES: É. Eu tinha ido a Porto Alegre, requisitado. Na volta, em vez do ISOP, fiquei no Instituto de Psicologia e no Manicômio Judiciário. Eu voltei ao meu interesse anterior, pela Criminologia. Eu tive uma experiência com criminosos que, para mim, foi proveitosa. Era um trabalho de rotina, de diagnóstico e perícia psiquiátrica. O psicólogo colaborava com o serviço clínico, psiquiátrico.

EP: Embora o senhor esteja aposentado, tem acompanhado a Psicologia. Como o senhor avalia a Psicologia hoje?

ES: Estou aposentado pela Universidade Federal e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a UERJ. Lá fui Diretor-fundador do Instituto de Psicologia e Comunicação Social. A UERJ hoje tem um Instituto de Psicologia – a Comunicação foi separada. Nem todos os psicólogos das novas gerações são freudianos ou cognitivistas, mas a corrente é muito forte. Mas, tive conhecimento de que no Paraná, em Brasília, em São Paulo, são muito fortes também as correntes skinnerianas. De modo que há muitos freudianos, mas também há behavioristas.

EP: E há, também, muitas abordagens novas. O que o senhor acha, por exemplo, da abordagem fenomenológica, existencial?

ES: Eu acho que é uma conquista dos filósofos-psicólogos. Os filósofos que não queriam abdicar do interesse pela Psicologia se empolgaram pelo existencialismo e pelo humanismo. O Abraham Maslow, que é o pioneiro da Psicologia Humanista, tem uma concepção interessante sobre as correntes psicológicas. Ele diz que a primeira corrente psicológica que se firmou e trouxe uma possibilidade da Psicologia se desenvolver independentemente da Filosofia foi a abordagem experimental tradicional, wundtiana. Falava-se muito na época da guerra em primeira força, segunda força. Então, a primeira força foi a experimental, a segunda força foi a clínica – sob a influência da Psicanálise -, e era o tempo da terceira força, a Psicologia Humanista. Hoje, quer se tentar uma quarta força, a Psicologia Espiritualista, mas isto não é propriamente uma novidade, uma renovação. Sempre houve em Louvain, por exemplo, na Bélgica; os professores católicos na França tinham interesse pela abordagem espiritual. De modo que são três forças, mesmo. A quarta força não se definiu, não se impôs ainda.

EP: O senhor tem conhecimento dessas abordagens de hoje, este movimento de terapias transpessoais, místicas, terapias alternativas?

ES: Eu acho que a criatividade dessas correntes místicas e novas, como as abordagens alternativas, é muito influenciada pelo existencialismo. Elas produzem uma efervescência, enriquecem o debate, há muita discussão, muita divergência. Mas, se formos avaliar a produção de todas as correntes, nós vamos verificar que aquelas de base acadêmica, experimental, são as mais apuradas, mais desenvolvidas. Acompanhando a publicação de artigos, registra-se o número de revistas de Psicologia da primeira força; a produção é impressionante. Livros, muitos livros de orientação psicanalítica, psicologia clínica, psicoterapia, atraem um interesse muito grande. Os psicólogos formados procuram fazer psicoterapia, que é um meio de vida digno, elevado e interessa mais devido à possibilidade de independência econômica e profissional. Uns não procuram a formação psicanalítica depois da formação psicológica, porque... Eu costumava brincar com os alunos dizendo que a carteira da escola é mais rica do que o divã do psicanalista. Dei aula na (Universidade) Santa Úrsula, a paixão pela Psicanálise, que não era novidade, mas aquilo era uma coisa nova. Então, os alunos tinham hora marcada, eu estava dando aula e um avisa "dentro de cinco minutos eu tenho de sair, está na hora do meu psicanalista". Eu achava graça! Então, eu comentei que numa carteira de estudante se aprende muito. E, por vezes, muito mais do que no divã!

EP: O senhor sempre foi professor. Como o senhor avalia a sua vida acadêmica?

ES: No Instituto de Psicologia e no ISOP eu fazia trabalho de Psicologia aplicada: inteligência, personalidade, Rorschach, T. A. T., para fins de orientação. Eu tentei fazer psicoterapia, a minha experiência médica, tinha certo preparo com o trabalho no Instituto e no ISOP, mas não me empolguei por psicoterapia, não. Tinha interesse por Psicologia Social e Psicologia Política, e a teoria social me empolgava muito mais. De modo que eu dava meus cursos de Psicologia Social, principalmente, e achava que a pesquisa era importante. Mas não tive a oportunidade de desenvolver muito a pesquisa. Me interessei por motivações superiores, por curiosidade pessoal e interesse clínico, independentemente das escolas. Não queria me filiar à psicoterapia psicanalítica, ou gestáltica, achava que uma base behaviorista – do Bandura, por exemplo -, era muito rica. Agora, essas correntes novas, não acho que chovam no molhado, mas mudam a nomenclatura e não trazem revolução nenhuma. Revolução para mim continua a ser a freudiana, a skinneriana, são os que inovaram mais e ampliaram mais o campo de trabalho do psicólogo na parte experimental e na parte clínica. Não quero desmerecer, mas o Sartre tem uma frase que diz que o "Existencialismo é um Humanismo". Eu acho que essas correntes ampliaram as fronteiras da primeira força e da segunda força. Hoje não se faz Psicologia Clínica só com testes, com entrevistas. A Psicologia Clínica exige conhecimentos até de Filosofia. E a primeira força, está provado que se pode fazer Psicologia Experimental no campo social. A Psicologia Social-Experimental é riquíssima. As teorias da dissonância cognitiva, por exemplo, da atribuição. Várias pesquisas experimentais se posicionaram no plano teórico com muita riqueza de dados e experimentos. Portanto, a Psicologia Experimental não é apenas a psicofisiológica, apenas percepção, memória, aprendizagem. É também comportamento social, atitudes, preconceitos, estereótipos, a reactância, a atribuição, que são áreas que se pode estudar numa sala. Não é preciso aparelhagem.Com papel e lápis se pode fazer muitos estudos de valor experimental, com qualidade experimental e possibilidades teóricas.

EP: O senhor continua behavorista!

ES: Um behaviorista de braços abertos! Eu via possibilidades de integração e associação e não apenas de oposição, de rejeição.

EP: O senhor sempre foi assim. Lembro-me de quando foi de minha banca de mestrado, que era sobre terapia rogeriana.

ES: A psicoterapia rogeriana, o silêncio rogeriano, que é a liberdade de o cliente falar, interpretar, acho que tem um caráter comportamental. Você estuda o comportamento, o desenvolvimento do cliente durante as sessões se manifesta através de descobertas, de insights, que é comportamento também. De modo que a teoria do comportamento é a posição hulliana. Ele pretendia chegar a uma teoria que abrangesse as ciências sociais todas, seria uma teoria básica, não só para a Psicologia, mas para as Ciências Sociais. Para a História, para a Psico-história, Sociologia, Antropologia Cultural, Antropologia Social. O (.....) antropólogo trouxe para os estudos psicológicos Margareth Mead, que fez seus estudos sobre sexo e temperamento em sociedades primitivas. Ela observou relações de pais e filhos, situações de grupos primitivos em matéria de educação sexual...

EP: Que mensagem o senhor daria para o psicólogo que está começando?

ES: Não se restrinja à bibliografia psicológica, limitada; tenha abertura para livros de Ciências Políticas. Hoje existe uma Associação de Psicologia Política no estado do Rio de Janeiro. A Psicologia Política é um campo que tinha relações com a Psicologia Social, mas se tornou independente. E eu acho que quem tem interesse pela Psicologia Experimental deve se enfronhar em Psicologia Fisiológica, que é riquíssima. Tanto assim que, hoje em dia, existe uma Psiconeurologia, Neuropsicologia e Genética, de modo que o psicólogo que tem boa base biológica e interesse deve enriquecer sua formação, seus estudos, com Genética, com Psicologia Fisiológica. Não repudiar a Psicologia Fisiológica e a Genética, que não pertencem com exclusividade ao biologista e ao médico. O psicólogo deve se interessar por estes temas. Nos países e nas universidades mais adiantadas, estuda-se muito Genética e fala-se muito, novamente, no nature versus nurture. Fatores hereditários... Nós voltamos a Galton, com o progresso da Genética moderna. Então, improvisando um pouco, eu diria que a Psicologia Fisiológica e a Genética ligam a Psicologia muito à Biologia. Então, o psicólogo biologista e o psicólogo psicobiologista é um campo importante e interessante, onde o psicólogo tem lugar. Não está fechado para o psicólogo. O psicólogo interessado em Psicologia Social deve também acompanhar os estudos da Antropologia Cultural, Antropologia Social, que oferecem grande interesse. A Psicologia Social e as disciplinas afins devem interessar ao psicólogo social. Ele não deve se restringir apenas à mudança de atitudes ou à teoria da atribuição. Tem de se voltar ao macro-social. E a Psicologia Clínica, o teste não morreu, os estudos de Q. I. continuam uma área desenvolvida. Há quem diga..., Hernstein acha que, de todos os campos da Psicologia, a que mais se desenvolveu, cresceu, e se tornou bem fundamentada estatisticamente ainda é a Psicologia Diferencial, a Psicologia da Inteligência, das Aptidões. De modo que os testes de inteligência, de aptidão, de Q. I. – pode-se criticar as interpretações, as extrapolações, nunca se pode ser definitivo em matéria de teoria da inteligência, mas desde Binet e Terman que a Psicologia Diferencial, aptidões, a inteligência, constituem-se em campo riquíssimo. E não haveria IBOPEs, ISOPs, nem Institutos Gallups, pesquisas de opinião nas democracias, se não fossem os recursos de técnicas científicas proporcionadas pela Psicometria e a Psicologia Diferencial. Ensinaram os estatísticos a fazer pesquisa de opinião. De modo que essa área da opinião pública é uma área que vai interessar aos psicólogos com gosto pela abordagem matemática. Então temos a abordagem biológica, a abordagem genética, inclusive; a abordagem sociológica, psicossocial; a abordagem diferencial; a abordagem clínica e psicodiagnóstico, psicoterapia – essa deve saber cuidar da vizinhança com a Psiquiatria, com a Fenomenologia, com a Psicanálise. O psicólogo não poderá ser enciclopédico; hoje é impossível que o psicólogo esteja enfronhado nessas quatro áreas. Ele terá de escolher uma para fins profissionais, para fins acadêmicos. Ele poderá escolher uma ou duas. Eu diria que o psicólogo clínico poderá, ao mesmo tempo, estudar Psicologia das Diferenças Individuais, Teoria da Inteligência, Psicologia Diferencial; o psicólogo social a Psicologia Política. (...) O psicólogo, o estudante de Psicologia, deve se interessar pela Psicanálise, pelas correntes, mas deve superar as escolas, não se sectarizar, a juventude deve ter abertura e tolerância.

1Arquivos Brasileiros de Psicologia, atualmente editados pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Anteriormente editados pelo Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) do Rio de Janeiro, teve as denominações de Arquivos Brasileiros de Psicotécnica e Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada. (N. do E.)

2 Entrevista publicada em 1997 na revista Estudos de Psicologia (volume 2, fascículo 1, páginas 109 a 134). (N. do E.)

  • Nota
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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