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Desempenho de crianças do ensino fundamental na solução de problemas aritméticos<A NAME="top"></A>

Performance of children of the elementary school in arithmetics problems solving

Resumos

Este estudo buscou comparar o desempenho de alunos da primeira série do ensino fundamental (Grupos 1F e 1IN) e alunos da segunda série do ensino fundamental (Grupos 2F e 2IN), testados no início (IN) ou final do ano letivo (F), na solução de problemas matemáticos. Trinta e oito alunos divididos em 4 grupos foram submetidos ao mesmo procedimento, que consistia da apresentação oral de problemas matemáticos. Após cada resposta, o aluno era questionado sobre a forma de solução. Os dados foram analisados quanto ao índice de acertos e às estratégias empregadas. Os acertos e o uso da escrita foram maiores no Grupo 2F e menores no Grupo 1IN. Os grupos 2F e 1F apresentaram uso mais freqüente de algoritmos. Os resultados também indicam melhor desempenho do Grupo 1F em relação ao Grupo 2IN, sugerindo que a história de freqüência recente à escola favorece o desempenho dos alunos.

Comportamento matemático; Algoritmos; Adição e subtração


This study compared the performance of students of the first year of the elementary school (groups 1F and 1IN) and students of the second year of elementary school (groups 2F and 2IN), tested at the beginning (IN) or at the end of the school year (F), in mathematical problems solving. Thirty eight participants divided into 4 groups were submitted to the same procedure, that consisted in mathematical problems oral presentation. After each answer the participants were asked about form of solution. Data was analysed related to the amount of correct answers and the strategies employed. Correct answers and the use of writing were more frequent in Group 2F and less frequent in Group 1IN. Groups 2F and 1F showed a more frequent use of algorithms. Results also show a better performance of Group 1F related to Group 2IN, suggesting that the history of recent frequency to school favours the performance of the participants.

Mathematical behavior; Algorithms; Addition and subtraction


Desempenho de crianças do ensino fundamental na solução de problemas aritméticos1 1 Este trabalho é uma versão da dissertação de mestrado apresentada pela primeira autora ao Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará.

Marinalva S. Oliveira

Universidade Federal do Amapá

Emmanuel Z. Tourinho

Universidade Federal do Pará

Resumo

Este estudo buscou comparar o desempenho de alunos da primeira série do ensino fundamental (Grupos 1F e 1IN) e alunos da segunda série do ensino fundamental (Grupos 2F e 2IN), testados no início (IN) ou final do ano letivo (F), na solução de problemas matemáticos. Trinta e oito alunos divididos em 4 grupos foram submetidos ao mesmo procedimento, que consistia da apresentação oral de problemas matemáticos. Após cada resposta, o aluno era questionado sobre a forma de solução. Os dados foram analisados quanto ao índice de acertos e às estratégias empregadas. Os acertos e o uso da escrita foram maiores no Grupo 2F e menores no Grupo 1IN. Os grupos 2F e 1F apresentaram uso mais freqüente de algoritmos. Os resultados também indicam melhor desempenho do Grupo 1F em relação ao Grupo 2IN, sugerindo que a história de freqüência recente à escola favorece o desempenho dos alunos.

Palavras-chave: Comportamento matemático, Algoritmos, Adição e subtração.

Abstract

Performance of children of the elementary school in arithmetics problems solving

This study compared the performance of students of the first year of the elementary school (groups 1F and 1IN) and students of the second year of elementary school (groups 2F and 2IN), tested at the beginning (IN) or at the end of the school year (F), in mathematical problems solving. Thirty eight participants divided into 4 groups were submitted to the same procedure, that consisted in mathematical problems oral presentation. After each answer the participants were asked about form of solution. Data was analysed related to the amount of correct answers and the strategies employed. Correct answers and the use of writing were more frequent in Group 2F and less frequent in Group 1IN. Groups 2F and 1F showed a more frequent use of algorithms. Results also show a better performance of Group 1F related to Group 2IN, suggesting that the history of recent frequency to school favours the performance of the participants.

Key words: Mathematical behavior, Algorithms, Addition and subtraction.

A Matemática, no contexto da problemática do fracasso escolar, destaca-se entre as outras disciplinas por seus altos índices de reprovação, colaborando sobremaneira para a evasão observada em todo sistema educacional brasileiro (Rangel, 1992). No contexto estadunidense, a realidade tem sido a mesma e diferentes visões têm tentado explicar o fracasso em Matemática, enfocando (1) privação cultural; (2) deficiência herdada; e, (3) pouco incentivo para os estudos acadêmicos, sendo o problema primariamente econômico, motivacional e cognitivo (Ginsburg & Allardice, 1984).

O presente estudo pretendeu abordar alguns aspectos relacionados à aprendizagem matemática. A ênfase recaiu sobre as possíveis interferências de variáveis como estágio escolar e freqüência recente e atual à escola sobre o desempenho dos alunos e as estratégias de solução de problemas matemáticos. Estágio escolar refere-se à série freqüentada pelos participantes. A história de freqüência recente e atual à escola explicita o momento em que o participante foi testado, isto é, se o mesmo foi testado após um período longo de freqüência ao ambiente escolar ou se após um recesso prolongado, como as férias de final de ano letivo. As questões examinadas são apenas parte de um quadro mais amplo em que ocorre o fracasso na aprendizagem matemática.

No que diz respeito a dificuldades de aprendizagem da Matemática, trabalhos de enfoque piagetiano (Carraher, Carraher & Schliemann, 1993a) apontam que as crianças obtêm maior sucesso quando resolvem problemas: a) referentes a situações reais; e, b) relacionados a situações imaginárias mais do que com operações abstratas. Segundo Rangel (1992) o ensino da Matemática em geral não se relaciona com a construção do pensamento lógico-matemático, principalmente em escolas que atendem crianças de baixa renda.

Realizando estudos com crianças feirantes de nível sócio-econômico baixo (Carraher et al., 1993a), mostraram a inexistência de uma relação entre nível de desenvolvimento cognitivo e sucesso em solução de problemas. As crianças demonstram nas situações de venda um bom desempenho na solução de problemas; entretanto, não conseguem realizar com a mesma eficiência as mesmas operações quando estas são apresentadas de forma abstrata (contexto formal). A afirmação de Rangel (1992) de que estas crianças, na escola, "buscam resolver as questões aplicando regras arbitrárias, sem relacionar as propostas com o seu contexto de vida (p. 92)", fracassando na solução encontrada tem apoio nos estudos de Carraher et al. (1993a) que caracterizam a Matemática como uma disciplina que passa regras arbitrárias e ensina uma linguagem de signos, sem se importar com o seu real significado.

A falta deste real significado pode estar vinculado à forma como a escola transmite regras arbitrárias como os algoritmos, fórmulas e modelos simbólicos conduzindo ao fracasso dos alunos (Rangel, 1992; Carraher et al., 1993a; Carraher, Carraher & Schliemann, 1993b; Schliemann, 1993a, 1993b). Contudo, a solução de problemas matemáticos pode ser entendida como dependente da habilidade em fazer uso dos algoritmos correspondentes.

Algoritmos podem ser definidos como um procedimento geral de cálculo com um conjunto finito de instruções (Penrose, 1993), ou como a descrição de um número finito de passos bem definidos a serem executados até a obtenção de um resultado (Setzer & Terada, 1988). Nesta perspectiva os algoritmos matemáticos podem ser interpretados enquanto regras que controlam o comportamento matemático eficiente. Desta forma, a solução de problemas matemáticos passa a ser vista como um tipo de resposta que poderia estar sob controle discriminativo de regras, no caso "algorítmicas". Neste contexto a eficiência na solução dos problemas passa a ser evidenciada pelos acertos alcançados.

A dissociação entre o ensino de algoritmos e o estabelecimento de relações entre estes e a experiência concreta vivenciada pelos alunos é tamanha que o conhecimento das fórmulas aprendidas em sala de aula não parece ajudar a solucionar problemas diários (Schliemann, 1993a). De modo mais incisivo, Carraher et al. (1993b) afirmam que os algoritmos ensinados na escola para a realização de operações aritméticas podem, inclusive, constituir um obstáculo para o raciocínio da criança, talvez por interferir com o significado dos próprios números com os quais a criança deve operar.

Autores como Carraher et al. (1993b), considerando a problemática inerente aos algoritmos, propõem que o professor deve deixar que o aluno solucione problemas da maneira que melhor lhe convém. A escola, então, deveria aproveitar o conhecimento presente do aluno e promover oportunidades de ligação entre a teoria e a prática do ensino da Matemática.

Rouanet (1989), por sua vez, critica estudos que valorizam excessivamente conhecimentos práticos, enfatizando que o fato de uma criança solucionar problemas de multiplicação transformando para adição oralmente não prova que seu conhecimento é superior ao da criança escolarizada. Rouanet defende uma reformulação no ensino da Matemática, não uma supervalorização do conhecimento prático, pois é a escolarização que permite estágios cognitivos mais complexos.

Na mesma linha, Duarte (1985) defende que a ligação entre teoria e prática não pode ser vista de maneira simplista, pois o aluno necessita aprender a linguagem mais utilizada em sua sociedade por uma questão de comunicação. Na Matemática, o ensino da linguagem de algoritmos e simbologias é que permite a sistematização do saber.

A competência em Matemática pode exigir saber operar com algoritmos abstratos, mas isso não significa que a melhor forma de prover a aprendizagem seja ignorar o repertório inicial do aluno. Neste aspecto, os trabalhos citados têm o mérito de evidenciar o fato de que a escola freqüentemente ignora o repertório que seus alunos aprenderam em outros ambientes sociais.

Neste contexto alguns estudos tem buscado categorizar e compreender as estratégias que os alunos utilizam na solução de problemas matemáticos (Carraher & Schliemann, 1983) por considerar que a aprendizagem matemática pode ocorrer fora do contexto escolar (Acioly & Schliemann 1987; Carraher et al., 1993a; Schliemann, 1990, 1993b). A contribuição desta educação informal, em algumas situações, pode ser mais eficiente do que a educação formal (escolar), entretanto, quando ocorre a combinação de ambas é que os melhores desempenhos são observados (Schliemann, 1993a).

Diante do exposto, o objetivo desse estudo foi descrever as formas de resolução (oral e/ou escrita) e as estratégias empregadas na solução de problemas matemáticos de adição e subtração nas primeiras séries escolares.

Método

Participantes

Trinta e oito alunos de escolas públicas estaduais no município de Belém-PA, divididos em quatro grupos: Grupo 2F: dez alunos da segunda série entrevistados no final do ano letivo (9 com idades variando de 9 a 10 anos e um com 13 anos ¾ não repetentes). Grupo 1F: dez alunos da primeira série entrevistados no final do ano letivo (idades variando de 8 a 10 anos ¾ repetentes ). Grupo 2IN: nove alunos da segunda série entrevistados no início do ano letivo (idades variando de 8 a 10 anos ¾ não repetentes). Grupo 1IN: nove alunos da primeira série entrevistados no início do ano letivo (idades variando de 8 a 10 anos ¾ repetentes). A escolha de diferentes grupos visou apenas variar a amostra para se ter uma visão geral dos resultados encontrados com alunos em final e início de ano letivo.

Procedimentos

Os quatro grupos de participantes foram submetidos ao mesmo procedimento. Cada participante foi convidado a participar do estudo e, em aceitando, compareceu a uma sala da própria escola, onde apenas permaneceram a pesquisadora e o participante. A pesquisadora colocava à disposição do participante papel e lápis, explicando-lhe, entretanto, que ele poderia solucionar os problemas da melhor forma que lhe conviesse (escrita ou oral) e que toda a entrevista seria gravada. Dez problemas eram apresentados oralmente conforme a ordem em que aparecem abaixo:

1) Se João tinha 9 brinquedos e sua tia lhe deu de presente 6 brinquedos, quantos brinquedos João tem agora?

2) Pedro tinha 9 cadernos. Até agora usou 3 cadernos. Quantos cadernos Pedro ainda tem?

3) Joana tem 8 lápis e 5 canetas. Quantas canetas e lápis Joana tem?

4) Sérgio tinha 9 brinquedos e deu 3 brinquedos ao seu irmão. Com quantos brinquedos ele ficou?

5) Maria comprou 30 laranjas e 7 abacaxis. Quantas frutas Maria comprou?

6) Se Luís tinha 23 bombons e deu ao seu amigo 13. Com quantos bombons Luís ficou?

7) Em uma sala tinha 20 pessoas. Só que chegaram para uma reunião mais 15 pessoas. Quantas pessoas tem agora na sala?

8) Janete comprou 22 laranjas. Dessas 22 laranjas, 10 estavam estragadas. Quantas laranjas estavam boas?

9) Em uma sala de aula tinha 42 carteiras e trouxeram mais 22 carteiras. Quantas carteiras tem agora na sala de aula?

10) Eduardo ganhou 30 bolas de peteca (gude) de seu pai. Só que ele deu de presente 15 bolas para seu primo. Com quantas bolas de peteca (gude) Eduardo ficou?

Para cada problema apresentado era aguardado que o participante verbalizasse uma resposta. Após a verbalização da resposta, a experimentadora indagava ao participante o seguinte: "Como é que você fez para resolver?". Após obter uma resposta do participante relacionada ao modo como havia ou não resolvido o problema, a pesquisadora apresentava o problema seguinte. As entrevistas foram gravadas em fitas cassete com o auxílio de um micro-gravador e posteriormente transcritas.

Resultados

Os dados relativos ao desempenho dos participantes, foram transcritos em um quadro no qual se especificou: o participante, o número do problema, a forma de solução (oral ou escrita), a avaliação da resposta (certa ou errada), as explicações dadas pelo participante para sua resposta, o material escrito pelo participante durante a solução (quando ocorreu o uso da escrita) e o diálogo travado entre participante e experimentador (de onde se extraíram as explicações dadas pelos participantes). A partir das explicações dadas pelos participantes e do material por eles escrito, as estratégias foram identificadas e categorizadas.

A categorização diferenciou o uso de estratégias "algorítmicas" (que envolviam o uso de uma regra) e não "algorítmicas" (que não envolviam o uso de regras). A designação de cada tipo particular de estratégia foi orientada por informações veiculadas em livros didáticos de Matemática do ensino fundamental (por exemplo, "montagem da operação" e "decomposição") e pelos próprios relatos dos participantes (por exemplo, "memorização"). As respostas foram tabuladas em termos da eficiência do desempenho (acertos na solução dos problemas), e da relação entre acertos e (a) a forma de solução (oral/escrita) e (b) estratégias empregadas.

A análise conjunta dos grupos mostra que o número total de acertos na solução dos problemas matemáticos de adição e subtração foi de 242 (63,7%) das 380 questões. A análise do desempenho por grupo evidencia um maior percentual de acertos nos grupos do final do ano (F) sobre os do início do ano (IN) e da segunda sobre a primeira série (Figura 1).


O modo de solução oral predominou em todos os grupos, entretanto, a diferença em relação ao uso da escrita é menor nos Grupos F do que nos Grupos IN (Figura 2). Pode-se notar, também, que a freqüência de uso da escrita na solução dos problemas segue o mesmo padrão de diferenciação entre grupos verificado na análise de desempenho dos mesmos. Isto é, um grupo mais eficiente em termos de acertos é também o grupo em que é maior o uso da escrita e menor o recurso a soluções orais (Figuras 1 e 2). Isso não significa que o uso da escrita contribui para a eficiência dos grupos, ou seja, para um maior percentual de acertos no modo escrito de solução que no modo oral. Os dados demonstram que dentro de cada grupo os percentuais de acerto são muito próximos nos modos de solução oral e escrito. Entretanto, vale ressaltar que grupos com maior freqüência de uso da escrita, apresentam também maior percentual de acertos nas duas formas de solução.


As respostas dos participantes foram ainda analisadas quanto ao tipo de estratégia empregada na solução dos problemas. A partir do exame exposto no início da seção resultados, chegou-se à elaboração das seguintes categorias:

- Estratégias "algorítmicas": envolviam o seguimento de regras "algorítmicas" para a solução dos problemas, podendo ser orais ou escritas. (1) Orais: Contagem oral unidade por unidade (uu). Exemplo: O participante verbaliza-va a primeira parcela e contava nos dedos a partir do algarismo da segunda parcela nos problemas que envolviam adição. Por exemplo, dado o problema "Joana tem 8 lápis e 5 canetas. Quantas canetas e lápis Joana tem?", o participante verbalizava "oito, aí 9, 10, 11, 12, 13". Decomposição (decom). Exemplo: Em uma sala tinha 20 pessoas. Só que chegaram para uma reunião mais 15 pessoas. Quantas pessoas tem agora na sala?" o participante verbalizava: "Porque 20 com mais 10 são 30 mais 5 são 35"; (2) Escritas: Contagem escrita com recursos gráficos (crg). Exemplo: "Joana tem 8 lápis e 5 canetas. Quantas canetas e lápis Joana tem?", o participante escrevia "½½½½½½½½ ½½½½½ x x x x x x x x x x x x x 13" e Montagem da operação (mo). Exemplo: "Em uma sala de aula tinham 42 carteiras e trouxeram mais 22 carteiras. Quantas carteiras tem agora na sala de aula?", o participante escrevia "42 + 22= 64" e explicava "2 mais 2 é 4, 4 mais 2 é 6".

- Estratégias Não "algorítmicas": não envolveram o seguimento de regras "algorítmicas" para a obtenção da solução dos problemas, ou em que o participante era incapaz de explicar como chegou à solução do problema. Exemplo: Memorização (memo). Exemplo: "Em uma sala tinha 20 pessoas. Só que chegaram para uma reunião mais 15 pessoas. Quantas pessoas tem agora na sala?", o participante verbalizava o resultado e justificava da seguinte forma "Porque essas coisas que a senhora está falando a professora escreve e eu estudo e decoro"; Operação inversa (oin). Exemplo: "Eduardo ganhou 30 bolas de peteca (gude) de seu pai. Só que ele deu de presente 15 bolas para seu primo. Com quantas bolas de peteca (gude) Eduardo ficou?", o participante verbalizava o resultado e justificava da seguinte forma "Porque 15 mais 15 são 30" e Incapacidade de descrição da estratégia utilizada (incap). Exemplo: "Porque deu na cabeça" (problema 1), "Fica falando assim os números: Olha [o próprio nome] algum número está escondido por aí, eu acho que é 15 ou 9" (problema 3).

A partir desta categorização, procedeu-se à totalização do uso das estratégias por grupo. Foram analisados: (a) uso de estratégias "algorítmicas" e não "algorítmicas"; (b) eficiência (acertos) no uso de cada tipo de estratégia ("algorítmicas" orais, "algorítmicas" escritas e não "algorítmicas"); (c) estratégias mais utilizadas e menos utilizadas; (d) estratégias com maior e menor número de acertos.

Quanto ao uso de estratégias "algorítmicas" e não "algorítmicas", observou-se, no cômputo geral, predominância do emprego das estratégias "algorítmicas" (73,42%, contra 26,58% de freqüência de estratégias não "algorítmicas"). Em todos os grupos, as estratégias "algorítmicas" foram predominantes. Entretanto, os grupos F utilizaram as estratégias "algorítmicas" de forma bem mais acentuada que os grupos IN (Tabela 1).

Dentre as ocorrências de uso de estratégias "algorítmicas", observa-se a predominância das orais (UU e DECOM) com 61,38%, contra 38,62% das escritas (CRG e MO) no total geral dos quatro grupos. Na análise por grupo, observa-se um predomínio das orais nos Grupos 1F (57,14%), 2IN (72%) e 1IN (87,8%), enquanto no Grupo 2F os dois tipos de estratégias são igualmente freqüentes (50% cada). Nos Grupos IN a utilização de estratégias orais é mais elevada que nos Grupos F (Tabela 2).

As diferentes estratégias de cada conjunto citado anteriormente ("algorítmicas" e não "algorítmicas") foram também analisadas quanto à freqüência de ocorrência. A estratégia algorítmica UU foi a mais empregada pelo total dos participantes (39,49%), e em cada grupo particular. A partir da segunda estratégia em utilização houve diferenciação entre os grupos: Grupo 2F: MO (30,65%); Grupo 1F: CRG (30,19%); e Grupos 2IN e 1IN: INCAP (30,10% e 38,89%) (Tabela 3).

A utilização das estratégias "algorítmicas" esteve associada à maior eficiência na solução dos problemas. Ou seja, grupos que as utilizaram em maior número foram mais eficientes (grupos 2F e 1F), enquanto nos que pouco as utilizaram (grupos 2IN e 1IN), o número de erros, assim como a ausência de respostas aos problemas apresentados ocorreram em maior número.

O emprego de cada estratégia foi ainda analisado quanto ao caráter correto ou incorreto da resposta resultante de seu uso. As estratégias com percentual de acerto de 100% foram MEMO e DECOM nos grupos 2F, 1F e 1IN, e OIN no grupo 2IN, sendo, entretanto, estratégias pouco utilizadas pelos grupos, respondendo juntas por apenas 13,16%. A estratégia que resultou em maior percentual de acertos foi DECOM (95,45%), uma estratégia pouco utilizada pelo total dos participantes. A estratégia algorítmica UU foi a mais utilizada em todos os grupos e redundou em um elevado índice de acertos, sendo tanto maior o número de acertos quanto maior a sua utilização pelo grupo (Tabela 4).

Discussão

A constituição dos grupos estudados permite falar de duas condições (ou variáveis) que podem estar relacionadas ao desempenho diferenciado dos mesmos. A primeira delas, designada de estágio escolar, se refere à série freqüentada pelos participantes. Assim, os participantes em estágio escolar mais avançado são aqueles que se encontravam na 2a série do 1o grau no momento do teste. A segunda variável diz respeito à história de freqüência recente e atual à escola, entendida como a condição em que o participante é testado. Isto porque o teste ocorreu após um período longo de freqüência ao ambiente escolar (Grupos F), ou após um recesso prolongado, como as férias de final de ano letivo (Grupos IN). Parece pertinente salientar que a variável estágio escolar está sendo tomada como um indicador de uma história de ação da escola (de ensino e de avaliação) e apenas neste sentido como um determinante propriamente do desempenho do aluno. Em outras palavras, o estágio escolar é possivelmente indicador de eventos determinantes do bom desempenho, mas não é o determinante em si (isto é, quando se fala da competência de um aluno de uma dada série, não seria o caso de dizer que o aluno é eficiente porque está cursando aquela série, mas sim que está cursando aquela série porque demonstrou determinada competência como resultado da exposição a certas condições de sua história escolar). Por outro lado, a condição de história recente de freqüência à escola ou de ausência da mesma pode ser tomada, ela mesma, como um determinante do desempenho do aluno em determinado momento.

No que diz respeito, ainda, à condição de história recente de freqüência ou de ausência da escola, é necessário considerar a idade dos participantes. Os participantes do grupo 2F, pela idade, possivelmente freqüentavam a escola há mais tempo. A opção por se interpretar a condição F como prioritariamente dizendo respeito à história de freqüência recente e não ao tempo de freqüência se deve ao fato de que não foi possível, dentro de cada grupo, observar um mesmo padrão de diferenciação entre participantes de acordo com a idade. Se tempo de freqüência fosse de fato o aspecto relevante, então dentro de cada grupo, participantes mais velhos sempre teriam o melhor desempenho, e isso não ocorreu. De qualquer modo, esta é uma questão que precisaria ser melhor examinada em outros estudos, inclusive com um registro apurado do histórico de vida escolar (e pré-escolar) de cada aluno.

A comparação entre os grupos permite verificar, de imediato, que o estágio escolar corresponde a um (conjunto de) fator(es) que favorece(m) o desempenho dos alunos na solução dos problemas, visto que os grupos de 2a série foram sistematicamente melhores do que os correspondentes grupos de 1a série. Deve-se salientar que embora os grupos da 1a (1F e 1IN) e 2a (2F e 2IN) séries, venham de uma história de freqüência à mesma série escolar (cursaram a 1a série durante o ano anterior), os últimos diferem dos primeiros porque foram aprovados no ano anterior. Além disso, o grupo 2F, por ocasião da aplicação dos testes, havia passado pelo conteúdo referente à 2a série. Essa diferença relacionada à aprovação e ao novo conteúdo são possivelmente fatores geradores do melhor desempenho dos grupos da 2a série (2F e 2IN), sugerindo que a série (estágio escolar) em que o participante se encontra corresponde a um fator que influencia favoravelmente no desempenho.

Ainda quanto à influência do estágio escolar, percebe-se que a diferença em percentuais de acertos entre grupos de diferentes séries no mesmo momento do ano, foi maior entre os grupos 2IN e 1IN (61,10% e 32,20% respectivamente) do que entre os grupos do final do ano (2F e 1F). Esta maior diferença entre os grupos do início do ano pode ser reflexo da história escolar de cada um. Ou seja, apesar de os participantes de ambos os grupos terem passado pelo mesmo conteúdo escolar durante o ano anterior, o grupo 2IN obteve êxito, enquanto o grupo 1IN fracassou em Matemática na avaliação escolar. O fracasso escolar do grupo 1IN pode ter ocorrido pelo fato de os participantes não dominarem o conteúdo pertinente à 1a série, e isto fica evidenciado quando se verifica que os participantes ou não respondiam os problemas, ou utilizavam estratégias pouco eficientes como INCAP, ou, ainda, usavam contagem oral que é um dos primeiros passos para se chegar ao cálculo formal. Por outro lado, a diferença menor entre os percentuais de acerto dos grupos 2F (88%) e 1F (70%), pode estar relacionada ao fato de que os problemas referem-se ao conteúdo ministrado na 1a série. Isto é, o fato do grupo 2F já ter passado pelo conteúdo programático da 2a série não significava que apenas estes participantes haviam passado pelo aprendizado necessário para a solução dos problemas apresentados. Por outro lado, apesar de o Grupo 1F ter sido reprovado no ano anterior, os participantes estavam sendo novamente submetidos a este conteúdo no momento do ano letivo em que ocorreu o teste. Deve-se ainda lembrar que apesar de o grupo 2F ter obtido um percentual de acertos mais elevado que o grupo 1F, não foi diferente deste quanto à utilização de algoritmos, o que parece indicar que o conteúdo pertencente à 2a série, apesar de aumentar a eficiência na solução de problemas, não conduz a uma maior utilização de estratégias algorítmicas.

Se o estágio escolar indica fatores que favorecem o desempenho dos alunos, ele não é suficiente para dar conta dos resultados encontrados nos diferentes grupos. O que parece haver é uma combinação dos fatores representados pelo estágio escolar com a condição de freqüência recente ou ausência da escola.

O efeito do recesso escolar pode ser observado quando se faz uma comparação que permite verificar que os grupos do final do ano (2F e 1F), apresentaram melhor desempenho que os grupos do início do ano (2IN e 1IN). Essa comparação entre alunos em aula, com os que saíram há pouco do recesso escolar indica que a freqüência recente e atual à escola pode estar contribuindo para o sucesso na solução dos problemas apresentados.

É interessante observar que o grupo 1F, além de obter um maior número de acertos do que o grupo 2IN, apresentou uma maior utilização de estratégias algorítmicas, apesar de estar em uma série anterior e sendo submetido novamente a um conteúdo em que o grupo 2IN já havia sido aprovado. O grupo 2IN, apesar de ter sido aprovado no conteúdo da 1a série, atravessou um período de recesso em que ele possivelmente não lidou com os conteúdos de forma contínua, como ocorreu com os participantes do grupo 1F no momento do teste. Assim, a predominância do grupo 1F sobre o grupo 2IN parece estar relacionada à freqüência recente e atual à escola, que possivelmente promove uma exposição constante aos problemas e um manuseio das estratégias de solução. Em outras palavras, a exposição continuada às contingências presentes no ambiente escolar pode ser tão ou mais relevante do que um histórico de freqüência passada à escola na determinação do desempenho eficiente nos problemas apresentados. Este parece ser um dado relevante inclusive no planejamento de pesquisas que visem aferir o desempenho de participantes escolarizados. Por exemplo, pode fazer diferença comparar participantes não escolarizados com os escolarizados que tenham se afastado da escola há algum tempo e comparar participantes não escolarizados com os escolarizados que venham de uma exposição continuada ao ambiente escolar.

Embora o grupo 2IN tenha acertado mais questões do que o grupo 1IN, eles não diferem quanto ao uso de estratégias algorítmicas. A diferença, entretanto, reaparece quando se observa que no uso de estratégias algorítmicas escritas o grupo 2IN foi superior. Essa superioridade do grupo da 2a série permite supor que o estágio escolar (série) em que o participante se encontra corresponde a fatores que favorecem o aumento do uso da escrita.

Em acordo com os estudos de Acioly e Schliemann (1987), Carraher e Schliemann (1983) e Schliemann, Santos e Costa (1993), a solução oral predominou em todos os grupos. Entretanto, os Grupos 2F e 1F empregaram a escrita muito mais freqüentemente do que os Grupos 2IN e 1IN. Isto é, grupos com maior número de acertos utilizam mais a forma escrita, quando comparados aos grupos com menor número de acertos, que utilizam predominantemente a forma oral. Isso corresponde ao relatado no estudo de Carraher et al. (1993b), no qual crianças que exibiam melhor desempenho na solução de problemas não tinham uma preferência definida pela forma oral ou escrita, enquanto as que encontravam maior dificuldade, preferiam a forma oral. Ressalte-se, entretanto, que no presente estudo melhor desempenho estava associado à freqüência recente e atual à escola.

Na conclusão dos estudos de Moren, David e Machado (1992) a solução oral é interpretada como mais simples que a escrita pelo fato do aluno não ficar preso à técnica do algoritmo. Segundo essa interpretação, numa situação em que os alunos empregam a escrita, os números perdem seu significado, e a preocupação maior passa a ser com as regras para alcançar o resultado final. No presente estudo, verificou-se que quando os problemas envolviam parcelas de um algarismo a solução oral era eficiente. Porém, quando os problemas envolviam um maior grau de dificuldade, estes eram solucionados pelos grupos 2F e 1F recorrendo mais freqüentemente à utilização da escrita, enquanto os grupos 2IN e 1IN quase sempre recorriam à solução oral, gerando desta forma um maior número de erros. Isto sugere que caso fossem apresentados mais problemas com o mesmo nível de dificuldade, ou seja, envolvendo dois algarismos em uma mesma parcela, provavelmente as diferenças entre grupos poderiam variar (provavelmente a solução na forma escrita iria aumentar nos grupos 2F e 1F e o número de erros em soluções orais seria maior). Por outro lado, a interpretação de Moren et al. (1992) parece ser pertinente apenas para os casos de problemas mais simples, no sentido de que a "simplicidade" das soluções orais não seria facilitadora da solução de problemas mais complexos.

Os problemas que apresentaram maior complexidade por envolverem parcelas cada uma com dois algarismos foram 6, 7, 8, 9, 10. Destes, os problemas 7, 8 e 10 têm pelo menos uma parcela cujo valor da unidade era zero, o que poderia torná-los menos difíceis do que os demais. No caso dos problemas 6 e 9, os algarismos correspondentes às unidades de cada parcela nunca eram zero. A análise detalhada da solução destes problemas pelos grupos indicou que enquanto seis participantes de cada grupo F recorreram à escrita na solução do problema 6, apenas dois participantes no grupo 2IN e um participante no grupo 1IN fizeram o mesmo. Nos grupos IN a opção por solução oral não resultou em maior índice de acerto do que o alcançado pelos participantes que nos dois primeiros grupos optaram por solução escrita. Nota-se que os participantes dos grupos F que optaram pela forma oral acertaram na solução do problema, mas a freqüência na forma oral foi menor (nestes grupos) do que a forma escrita.

No problema 9, uma situação semelhante acontece. Nos grupos F, novamente seis participantes de cada optaram pela forma escrita, sendo que cinco participantes do grupo 2F e quatro no 1F foram bem sucedidos. Nos grupos IN, apenas um participante de cada optou pela forma escrita. No 2IN, o participante acertou a resposta; no 1IN o participante errou. Quanto aos participantes que optaram pela forma oral nos grupos IN, observa-se que tiveram desempenho inferior aos participantes dos grupos F. No grupo 2IN oito participantes optaram pela forma oral, mas só três acertaram a resposta; no 1IN, quatro participantes optaram pela forma oral, mas só um acertou (neste grupo, além disso, quatro participantes não forneceram resposta para o problema, o que também havia acontecido com o problema 6). Vale notar, ainda, que dos participantes dos grupos F que optaram pela forma oral (quatro participantes em cada grupo), um em cada grupo não acertou a resposta.

A análise do desempenho dos alunos nestes dois problemas (6 e 9) permite falar da escrita como facilitadora na solução de problemas matemáticos, quando estes apresentam dois algarismos em uma mesma parcela. Isto porque alunos que utilizavam a forma oral em problemas com um algarismo, mas que sabiam solucionar problemas de forma escrita, recorriam a forma escrita nestes problemas gerando desta forma maior número de acertos, enquanto que, alunos que não utilizaram a escrita fazem uso da forma oral para todos os problemas apresentados gerando deste modo maior número de erros. Isto sugere que caso fossem apresentados mais problemas com o mesmo nível de dificuldade, ou seja envolvendo dois algarismos em uma mesma parcela, provavelmente os grupos F utilizariam mais a forma escrita, enquanto os grupos IN recorreriam às soluções orais e incorreriam em mais erros. Os grupos que foram eficientes na forma escrita, solucionando os problemas 6 e 9, foram igualmente eficientes na forma oral. Isto pode ser explicado primeiro considerando-se que a freqüência recente e atual à escola conduz à utilização eficiente da forma escrita na solução de problemas com maior grau de dificuldade. Por outro lado, o domínio da solução na forma escrita pode estar implicando o conhecimento do sistema decimal e do valor posicional dos números, sendo este um conhecimento que favorece o uso eficiente também de estratégias orais. Ou seja, o alto índice de acertos com estratégias orais por grupos que utilizavam corretamente a solução na forma escrita pode ser função de um conhecimento originado no domínio da solução na forma escrita.

A influência da freqüência à escola sobre o tipo de solução apresentada pode ser vista mesmo comparando-se séries diferentes. Por exemplo, o Grupo 1F apresenta maior freqüência do uso da escrita e maior eficiência do que o Grupo 2IN. Esses dados diferem do encontrado nos estudos de Carraher e Schliemann (1983), Acioly e Schliemann (1987) e Schliemann et al. (1993) nos quais com o uso da escrita aumentava a ocorrência de erros. Pode ser que a diferença de resultados se deva ao fato de que nestes estudos os problemas eram apresentados simplesmente na forma de contas ditadas pelo pesquisador e que deveriam ser anotadas pelos participantes. No presente estudo, quando o aluno montava a conta, ele o fazia voluntariamente, após a apresentação oral dos problemas com enunciados. No caso do procedimento aqui utilizado, o uso da escrita foi freqüente apenas para os Grupos F e sua ocorrência resultou em maior eficiência. Considerando que o uso da escrita implica o uso de algoritmos, esse dado serve, também, como indicador de que a história de freqüência à escola gera um maior uso de algoritmos, inclusive com mais eficiência. A competência na solução através da escrita não significa que esta seja mais eficiente do que as formas orais de solução, mas pode ser que ela dê dicas acerca de outros fatores que podem estar envolvidos no problema. A escrita faria diferença na solução de problemas mais complexos para os quais as estratégias orais não dariam conta sozinhas.

As estratégias orais UU e DECOM, bem como as estratégias escritas CRG e MO enquadram-se na noção de algoritmo, uma vez que, ao solucionar os problemas, os participantes utilizam passos determinados para chegar à resposta. Assim, considerando que estratégias "algorítmicas" são eficientes na solução de problemas, o fracasso no ensino da Matemática pode estar relacionado não ao uso de algoritmos, mas à estrutura em que os problemas aritméticos são apresentados, sem contextualização, ou, quando contextualizados, na ausência de uma interpretação adequada por parte dos alunos, que possa dar subsídios para o seguimento eficiente de regras. De uma forma geral a estratégia DECOM nem sempre ocorre na forma do seguimento de uma regra ensinada pela escola (passos abstratos sem significação para a criança). Entretanto, neste estudo, esta estratégia foi definida como algorítmica baseada nos dados dos alunos relativas às ocorrências específicas da estratégia, ou seja, os alunos sistematicamente explicaram a resposta indicando os passos seguidos.

Na utilização da estratégia MO, alguns alunos montavam as operações conforme aprenderam na escola; no entanto, durante a solução utilizavam os dedos ou outros recursos para contar. Segundo Duarte (1985), o indivíduo utiliza os dedos para contar enquanto ainda não foram memorizados os fatos básicos da adição, como função auxiliar para um melhor treino dos algoritmos. Considerar todas as demais estratégias como não algorítmicas, entretanto, pode significar ignorar que a contextualização é uma variável diferenciada do seguimento de regras de uso generalizado. Além disso, ainda que Carraher et al. (1993b) tenham razão ao caracterizar a estratégia de decomposição como uma regra mais propriamente heurística do que algorítmica, continua válida a diferenciação desta estratégia em relação ao que foi aqui denominado de estratégias não algorítmicas e continua válida a afirmação de que o desempenho eficiente depende do aprendizado de regras ensinadas no ambiente escolar ou não.

Os resultados sugerem uma passagem gradual em direção ao cálculo formal aqui definido como aquele apresentado nos livros escolares, por exemplo MO. Esta passagem é evidenciada pela utilização inicial da estratégia UU, sendo seguida pela CRG e por último MO. Comparando os grupos 1F e 2IN nota-se que a estratégia algorítmica CRG foi empregada com mais freqüência por 1F, sendo entretanto o grupo 2IN mais eficiente. Por sua vez, o grupo 2IN usa com mais freqüência a estratégia MO, embora o 1F seja mais eficiente. Estes dados permitem inferir que, em termos gerais, o estágio escolar influencia a escolha das estratégias, enquanto a freqüência atual à escola promove uma maior eficiência na utilização de estratégias algorítmicas formais como em MO. Dentro da estratégia MO, os participantes utilizavam montagem da operação e recursos gráficos. Somente os participantes mais eficientes nas soluções de uma forma geral, utilizavam montagem da operação sem recorrer a outras estratégias. Duarte (1985) afirma que quando o educando utiliza algum recurso como função auxiliar para solução do cálculo formal, ele está ao "mesmo tempo desenvolvendo sua compreensão de algoritmo e treinando a memorização dos fatos básicos" (p. 458).

Acioly e Schliemann (1987), trabalhando com cambistas do jogo do bicho, concluíram que o melhor desempenho de participantes escolarizados não se deve ao uso específico de algoritmos escolares, mas a uma "... habilidade mais geral para analisar e generalizar os modelos matemáticos ..." (p. 54) e sugerem que a dificuldade dos não escolarizados na solução dos problemas resulta da ausência de uma generalização de um modelo matemático aplicado ao trabalho a outras situações; ou seja, a diferença teria ocorrido devido à falta de uma escolarização geral e não à falta de conhecimento sobre determinadas regras específicas.

Diferente dos dados de Acioly e Schliemann (1987), alguns participantes dos grupos F tiveram um alto índice na utilização de estratégias algorítmicas, enquanto os dos grupos IN tiveram um baixo índice, o que indica que a freqüência recente e atual à escola favorece o uso de algoritmos, não significando, porém, que os alunos passam a empregar os algoritmos previstos nos livros escolares (CRG, DECOM, MO). Esta diferença pode ser o resultado da prolongada ausência à escola entre os participantes do estudo de Acioly e Schliemann (1987). Isso estaria em acordo com a idéia de que o uso dos algoritmos específicos aprendidos no ambiente escolar é em alguma medida função de uma exposição continuada às contingências dispostas naquele ambiente e a exposição àquelas contingências produz uma maior efetividade mesmo nos modos de solução mais simples.

Como apontado anteriormente, há estudos que falam dos algoritmos escolares como sendo apenas aqueles que envolvem uma seqüência de passos iniciada pela montagem escrita da operação. Se entendermos que apenas estratégias deste tipo são ensinadas no ambiente escolar, então faz sentido afirmar que a escolarização favorece o desempenho na solução de problemas aritméticos de adição e subtração, ainda que freqüentemente este desempenho não envolva aquelas estratégias. Caberia, entretanto, indagar se de fato as demais estratégias aqui relatadas não são ensinadas também pela escola. Além disso, o ensino parece envolver contingências dispostas pelo(a) professor(a), em sala de aula, que extrapolam o conteúdo dos livros didáticos. As estratégias mais freqüentemente encontradas neste estudo foram as orais, mas foi observado que mesmo estas são mais eficientemente empregadas quando há um domínio de estratégias escritas. Parece razoável sugerir, portanto, que uma melhor caracterização do papel da escola na aprendizagem de estratégias não escritas para a solução de problemas aritméticos de adição e subtração ainda se faz necessária.

Agradecimentos

Os autores agradecem à CAPES (MSO) e ao CNPq (EZT) pelo apoio institucional.

Notas

Marinalva S. Oliveira, mestre e doutoranda em Psicologia Experimental, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, é Professora Assistente da Universidade Federal do Amapá.

Emmanuel Z. Tourinho, doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, é Professor do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará. Endereço para correspondência: Universidade Federal do Amapá ¾ Rodovia Juscelino Kubschek de Oliveira, Km 02, Fazendinha, 68902-280, Macapá, AP. Fone (96) 241- 5066 ou 9111-9559 E.mail: marinalvaoliveira@yahoo.com.br (MSO) e tourinho@amazon.com.br (EZT).

Recebido em 28.02.00

Revisado em 13.12.00

Aceito em 18.05.01

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  • 1
    Este trabalho é uma versão da dissertação de mestrado apresentada pela primeira autora ao Curso de Mestrado em Psicologia: Teoria e Pesquisa do Comportamento, Universidade Federal do Pará.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2001
    • Recebido
      28 Fev 2000
    • Revisado
      13 Dez 2000
    Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Caixa Postal 1622, 59078-970 Natal RN Brazil, Tel.: +55 84 3342-2236(5) - Natal - RN - Brazil
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