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Apresentação

Apresentação

O fenômeno/problema Trabalho Infanto-Juvenil é traduzido, neste Dossiê, a partir de diferentes linguagens (Psicologia, Sociologia, Medicina, Educação) e, no interior delas, em categorias disciplinares igualmente diferenciadas.

Todos temos, no entanto, uma linguagem comum: a crença de que a investigação científica possa dar respostas às demandas sociais que se nos apresentam nos mais diferentes contextos históricos. Pretensão, que busca ultrapassar limites? Pode ser, uma vez que compreendemos, com La Taille (2000), que uma das dimensões do limite é aquela que o concebe como "aquilo que pode ou deve ser transposto (...) um convite a passar para o outro lado" (p. 12). Como pensar o desenvolvimento humano, social senão a partir da perspectiva de uma busca constante de ultrapassar barreiras, romper as fronteiras daquilo que implica em estagnação?

É desse lugar que compreendo o empenho na construção deste trabalho, reafirmando a crença de que todos os que aqui colaboraram intencionaram, com suas diferentes linguagens, fazer eco e somarem-se àqueles que se dedicam à compreensão desse tão complexo fenômeno social, entendendo que, sem essa compreensão, como passo introdutório/essencial, as possibilidades de intervenção estariam condenadas ao fracasso.

Se nosso esforço sinalizar como uma convocação à continuidade das discussões, teremos alcançado parte de nossos objetivos.

Neste contexto, apresento, resumidamente, as pesquisas que compõem o Dossiê Trabalho Infanto-juvenil, deste Periódico.

O trabalho de Marcos Ferreira apresenta, inicialmente, os aspectos que tornaram visível, nas décadas de 80 e 90, o fenômeno em questão. A partir dessa perspectiva, o autor define, como objetivo básico, discutir "as relações entre produção acadêmica e estratégias de prevenção e erradicação do trabalho infantil nos anos noventa".

Considerando a complexidade desse fenômeno social e seus múltiplos determinantes, o autor assinala que é essencial, para sua compreensão, a cooperação entre os diversos campos disciplinares.

Herculano Campos e Alex Alverga apresentam, em "Trabalho Infantil e Ideologia", uma discussão que sinaliza para a necessidade de se considerar os aspectos subjetivos que justificam a permanência de crianças e adolescentes em situações de trabalho, a despeito dos esforços que, no Brasil, vêm sendo realizados para o combate à exploração da mão de obra dessa parcela da população. Nossa cultura é, segundo os autores, permeada pela "ideologia do trabalho como educador, dignificante", crença essa que perpassa todos os segmentos envolvidos com essa problemática, inclusive os "agentes encarregados do combate a esse tipo de trabalho". Assinalam que as ações voltadas para o combate ao trabalho infantil necessitam ter em consideração os aspectos subjetivos que justificam esse fenômeno.

Na seqüência, Albertina Mijtáns se propõe a discutir a constituição da subjetividade de crianças e adolescentes que vivenciaram a condição de trabalhadores precoces. O impacto dessa condição no desenvolvimento psicológico é estudado a partir das categorias subjetividade, personalidade e sujeito. Os resultados de um estudo empírico realizado com adolescentes trabalhadores são apresentados pela autora. A partir desses resultados, a autora aponta para a necessidade de repensar a questão das conseqüências do trabalho infantil para o desenvolvimento psicológico do sujeito e para a necessidade de que as estratégias de intervenção tenham em consideração a constituição da subjetividade desse sujeito.

A justificativa e/ou legitimação da condição de trabalhador, co-ocorrendo com o reconhecimento de que a escolarização é prejudicada, encontram-se presentes nas representações de adolescentes, trabalhadores e não-trabalhadores. Essa é principal conclusão observada na pesquisa desenvolvida por Denize Oliveira. A partir da teoria das representações sociais, a autora procurou analisar as relações entre escolarização e trabalho. Com esse propósito, trabalhou com grupos focais e registrou evocações livres de adolescentes, moradores de dois municípios no interior do Estado de São Paulo. Segundo a autora, "os resultados indicam que a relação trabalho-escola está estruturada numa relação de contradição entre as dimensões moral, de saber e das conseqüências do trabalho, permeadas pela possibilidade e pela impossibilidade de futuro".

Izabel Feitosa e colaboradores apresentam o resultado de uma investigação realizada no município de Natal, com o objetivo de tornar explícita a condição do trabalhador precoce diante das políticas de saúde do trabalhador nesse município. Os resultados, nada animadores, apontam para a ausência de qualquer programa de atendimento em saúde que contemple essa parcela da população. O "descompromisso das autoridades políticas locais" é apresentado como responsável por essa realidade.

Concluindo, reafirmamos a necessidade de continuidade dos estudos sobre a realidade que, em algumas de suas facetas, é apresentada neste Dossiê.

O aprofundamento das reflexões sobre o fenômeno trabalho precoce a partir de suas múltiplas determinações e do olhar das mais diversas ciências pode apontar para propostas de intervenção que tenham, por prioridade, a erradicação da exploração da mão de obra de crianças e adolescentes.

Rosângela Francischini

Editora Convidada

Referência

La Taille, Y. de (2000). Limites: três dimensões educacionais (3a ed.). São Paulo: Ática.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2002
  • Data do Fascículo
    2001
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